Olá, pessoal!
Começo meu artigo com a seguinte pergunta trivial:
Usa-se vírgula em orações adjetivas restritivas??
Bom, primeiramente, vamos observar a diferença entre oração adjetiva restritiva e explicativa.
A oração restritiva tem o papel de delimitar o sentido do vocábulo anterior, normalmente um substantivo.
Veja como exemplo um candidato à presidência do Brasil, afirmando o seguinte:
O país que não cuida da educação como prioridade não consegue desenvolver-se.
É natural percebermos neste contexto que não estamos falando ainda de um país específico, mas daquele que possa se enquadrar na característica de não cuidar da educação como prioridade.
Assim, dentre vários países, somente o que não cuida da educação como prioridade não consegue desenvolver-se e naturalmente o candidato poderia afirmar que o Brasil não pode estar no rol desses que não cuidam da educação como prioridade, concorda?
Dessa forma, há um valor restritivo e a oração subordinada adjetiva “que não cuida da educação como prioridade” não é separada por vírgulas.
Agora, vamos falar das orações subordinadas adjetivas explicativas. Elas apresentam uma característica básica do ser e por isso são separadas por vírgulas.
Veja o mesmo exemplo, agora com dupla vírgula:
O país, que não cuida da educação como prioridade, não consegue desenvolver-se.
Neste novo contexto, não há mais uma delimitação do sentido. Há uma característica básica, imanente do ser.
O candidato está literalmente criticando nosso país (o Brasil), por ser conhecido como aquele que não cuida da educação como prioridade.
Assim, não estamos falando mais de qualquer país, mas de um que já é conhecido num contexto.
Percebeu a diferença?
Bom, é fácil notar que as orações adjetivas restritivas não apresentam vírgulas, e as explicativas apresentam.
Vamos a mais alguns exemplos:
O homem cujos princípios não são sólidos pode se corromper.
Neste caso, há uma delimitação de sentido, pois a oração adjetiva “cujos princípios não são sólidos” não apresenta vírgula. Assim, é restritiva. Por isso, entendemos que alguns homens têm princípios sólidos, outros não.
Agora, vamos inserir a vírgula?
O homem, cujos princípios não são sólidos, pode se corromper.
Neste caso, entendemos que o autor da afirmação tem uma postura pessimista da conduta dos homens. Para ele é característica básica dos homens não ter princípios sólidos, por isso todos podem se corromper, cada um tem seu preço. Todos são corrompíveis.
Notou novamente a diferença?
Assim, temos como princípio que as orações subordinadas adjetivas restritivas não são separadas por vírgulas e as explicativas são.
São várias as questões dos diversos concursos que nos cobram a mudança de sentido com a inserção ou exclusão de vírgulas nas orações adjetivas, como as seguintes:
(CESPE / STM Analista Judiciário – 2018)
Fragmento do texto: Esse rapaz que, em Deodoro, quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida é um sintoma da revivescência de um sentimento que parecia ter morrido no coração dos homens: o domínio sobre a mulher. Há outros casos. (…)
Caso se isolasse por vírgulas o trecho “que, em Deodoro, quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida” (linha 1), seria pertinente inferir que o autor se referisse a um rapaz já anteriormente mencionado, ou conhecido do interlocutor.
Comentário: A oração “que, em Deodoro, quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida” é subordinada restritiva por não estar separada por vírgulas. Assim, entendemos do texto original que foi feita referência a um rapaz não conhecido, isto é, fala-se de alguém que se enquadraria na situação de matar a ex-noiva e suicidar-se em seguida, não havendo referência a uma pessoa conhecida, mas que se enquadrasse nisso.
Ao inserirmos as vírgulas, a oração passaria a ter sentido explicativo, tal explicação seria a característica básica desse rapaz, supostamente já conhecido por tal característica ou relacionado anteriormente no texto.
Gabarito: C
(CESPE / PC MA Escrivão – 2018)
Fragmento do texto: O desastre, que completou um ano no último dia 28 de novembro, matou 71 pessoas, em sua maior parte atletas do time brasileiro da Chapecoense.
O sentido seria preservado caso as vírgulas que sucedem as palavras “desastre” (linha 1) e “novembro” (linha 2) fossem suprimidas.
Comentário: A oração subordinada adjetiva “que completou um ano no último dia 28 de novembro” é explicativa por estar separada por duas vírgulas. Ao excluirmos as vírgulas, passamos a uma oração subordinada adjetiva restritiva. Assim, o sentido muda obrigatoriamente e a afirmação está errada.
Gabarito: E
Com isso, chegamos à parte principal de nosso artigo, que é a possibilidade (ou não) de empregar vírgula em orações adjetivas restritivas.
Com base no que vimos, seria natural a nossa resposta de que não cabe mesmo vírgula em orações restritivas.
Porém, vemos autores de renome aprofundando este conhecimento com uma vírgula estilística. Vejamos a palavra do mestre Evanildo Bechara:
Vírgula – Emprega-se a vírgula:
(…)
g) para separar as orações adjetivas de valor explicativo:
“perguntava a mim mesmo por que não seria melhor deputado e melhor marquês do que o lobo Neves, – eu, que valia mais, muito mais do que ele, – …” [MA.1, 137].
(…)
h) para separar, quase sempre, as orações adjetivas restritivas de certa extensão, principalmente quando os verbos de duas orações diferentes se juntam:
“No meio da confusão que produzira por toda a parte este acontecimento inesperado e cujo motivo e circunstâncias inteiramente se ignoravam, ninguém reparou nos dois cavaleiros…” [AH.1, 210].
Observação: Esta pontuação pode ocorrer ainda que separe por vírgula o sujeito expandido pela oração adjetiva:
Os que falam em matérias que não entendem, parecem fazer gala da sua própria ignorância [MM].
Com os exemplos acima, notamos duas possibilidades de se inserir uma vírgula separando a oração subordinada adjetiva restritiva de sua oração principal. Parece estranho, não é? Mas é mesmo rsrsrs
Na realidade, há uma possibilidade estilística, isto é, o autor pode inserir a vírgula para dar destaque, dar clareza na separação das informações de cada oração.
Evanildo Bechara afirma que isso é possível com orações adjetivas restritivas de certa extensão. Que extensão é esta? Qual é o tamanho dessa oração para que tenhamos a propriedade de inserir uma vírgula? Não há um tamanho ideal, meus amigos! Isso porque é uma vírgula estilística, de clareza, quando o autor tem a liberdade de escrita e não está sendo examinado por uma banca, como você numa discursiva, por exemplo.
Veja também o outro exemplo de Evanildo Bechara em que assegura a possibilidade de inserção de vírgula quando o verbo da oração adjetiva restritiva está seguido do verbo da oração principal: que não entendem, parecem fazer…
Então, você numa discursiva, poderia colocar vírgula como na construção abaixo?
O país que desejamos, deve se recompor o mais rápido possível.
Mesmo com o aval estilístico, não faça isso na sua redação, pois a tendência de um examinador penalizar você é muito grande. Veja que a vírgula é estilística, então somente escritores de renome e sem o compromisso da escrita altamente formal, além de não estar sendo examinado por uma banca, pode fazê-lo.
A nós resta apenas perceber que isso é possível, como ocorreu na seguinte questão do concurso da CLDF, banca FCC:
(FCC / CLDF Consultor Técnico-Legislativo Categoria Revisor de Texto 2018)
Está correto o que se afirma sobre a pontuação do texto em:
(…)
(E) Em As sociedades que a exploração descobre, tornam-se imagens fotográficas (1º parágrafo), ainda que a vírgula separe o sujeito “sociedades” do verbo “tornam-se”, está correta, pois assinala o término de uma oração adjetiva restritiva.
A banca FCC se pautou no fundamento de Evanildo Bechara para cobrar a possibilidade de emprego da vírgula entre a oração principal e a adjetiva restritiva. Veja que a expressão usada na alternativa “ainda que a vírgula separe o sujeito ‘sociedades’ do verbo ‘tornam-se’” é bem parecida com o que consta na gramática de Bechara.
Assim, a afirmação está correta!
Espero ter ajudado você, que dispensou um pouquinho do seu tempo para ler este artigo!
Grande abraço a todos!
Décio Terror
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Formidável, profº Terror!
Jucimar Marques
Que bela explicação prof Terror!
Excelente explicação professor. Obrigada