Tráfico privilegiado: tudo que você precisa saber para acertar as questões de prova
Olá pessoal! Aqui é o Prof. Paulo Guimarães, e agora vamos conversar um pouco sobre o tráfico privilegiado, tema cobrado com frequência em provas de legislação penal especial, especialmente porque existem muitas controvérsias sobre o assunto.
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Para entender o assunto, você precisa saber que “tráfico de drogas” se refere a diversos crimes, sendo os principais aqueles previstos no art. 33, caput e § 1o da Lei n. 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas.
Existem ainda algumas modalidades diferentes de tráfico de drogas, entre eles algumas mais brandas: o tráfico de menor potencial ofensivo (art. 33, caput e § 3o) e tráfico privilegiado (art. 33, caput e § 4o). Para fins de prova, o tráfico privilegiado é bem mais importante, aparecendo com bastante frequências e questões de todas as bancas examinadoras.
Vamos começar analisando o texto do § 4o!
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços,
vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
PRIVILÉGIO X CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA
O tráfico privilegiado na realidade é uma causa especial de diminuição de pena, e por isso a nomenclatura que a doutrina costuma adotar não é tecnicamente correta.
Para que seja aplicada a causa de diminuição de pena, exige-se que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, e não integre organizações nem se dedique a atividades criminosas. Atenção! As atividades criminosas mencionadas não precisam necessariamente ter relação com o tráfico de drogas!
CONTROVÉRSIAS SOBRE DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS
Quero chamar sua atenção aqui para uma controvérsia entre o STJ e o STF a respeito da dedicação do agente a atividades criminosas.
Inicialmente o STJ entendeu, num caso concreto, que a quantidade de drogas que o agente portava era muito grande, e que daí se poderia concluir que ele se dedicava a atividades criminosas, e por isso estaria afastado o benefício do tráfico privilegiado (HC 271.897/SP e HC 220.848/SP).
O STF, por outro lado, entendeu de forma diferente, e obviamente a interpretação do STF é a mais importante para fins de prova. Você precisa ter em mente, portanto, que, para o STF, a quantidade de drogas apreendidas não importa na aplicação da minorante do §4o, mesmo que seja uma quantidade muito grande! Veja o julgado a respeito do assunto.
PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUANTIDADE DE DROGAS.
A Segunda Turma, por unanimidade, deu parcial provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” para reconhecer a incidência da causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (1) e determinar que o juízo “a quo”, após definir o patamar de redução, recalcule a pena e proceda ao reexame do regime inicial do cumprimento da sanção e da substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, se preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal (2).
No caso, a paciente foi condenada à pena de cinco anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de quinhentos dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 33, “caput”, da Lei 11.343/2006.
A defesa alegou que o não reconhecimento da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, pelas instâncias ordinárias, baseou-se unicamente na quantidade da droga apreendida.
O Colegiado assentou que a grande quantidade de entorpecente, apesar de não ter sido o único fundamento apontado para afastar a aplicação do redutor do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, foi isoladamente utilizada como elemento para presumir-se a participação da paciente em uma organização criminosa e, assim, negar-lhe o direito à minorante.
Ressaltou que, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a quantidade de drogas não pode automaticamente levar ao entendimento de que a paciente faria do tráfico seu meio de vida ou integraria uma organização criminosa (3). Ademais, observou que a paciente foi absolvida da acusação do delito de associação para o tráfico, tipificado no art. 35 da Lei 11.343/2006 (4), por ausência de provas.
Dessa forma, a Turma considerou ser patente a contradição entre os fundamentos usados para absolvê-la da acusação de prática do mencionado delito e os utilizados para negar-lhe o direito à minorante no ponto referente à participação em organização criminosa.
RHC 138715/MS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23.05.2017.
Ainda com relação à dedicação do agente a atividades criminosas, devemos mencionar outro julgado do STJ, segundo o qual é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais ainda em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a impedir a aplicação do tráfico privilegiado.
CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4o, DA LEI 11.343/06. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. UTILIZAÇÃO DE INQUÉRITOS E/OU AÇÕES PENAIS. POSSIBILIDADE.
É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4o, da Lei 11.343/06.
EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, por maioria, julgado em 14/12/2016, DJe 1/2/2017. Informativo STJ 596.
Importante mencionar que esse posicionamento representa uma exceção à Súmula 444 do STJ, segundo a qual é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
Súmula 444 do STJ
É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
Havia divergência entre a quinta e a sexta turmas do STJ, e por isso o julgado coube à Terceira Seção, que decidiu a favor da possibilidade, sob o argumento de que os princípios constitucionais devem ser interpretados de forma sistêmica, harmoniosa, sob o entendimento de que o princípio da inocência não é absoluto, de maneira que conceder o benefício do tráfico privilegiado para condenado que responde a inúmeras ações penais ou seja investigado em diversos inquéritos policiais seria o mesmo que equipará-lo a quem, numa única ocasião na vida, se envolveu com as drogas, e isso ofenderia outro princípio constitucional: o da individualização da pena.
SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS
Temos ainda uma outra discussão muito interessante, que diz respeito à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
Há alguns anos o STF declarou essa proibição inconstitucional em sede de controle difuso de constitucionalidade (HC n. 97.256/RS), em razão da ofensa ao princípio da individualização da pena. Este julgado motivou a edição da Resolução nº 5/2012 do Senado Federal, suspendendo a eficácia desta parte do dispositivo. Você pode perceber que na redação do dispositivo esta proibição está tachada.
O TRÁFICO PRIVILEGIADO E A “MULA”
O STF também tem aplicado o tráfico privilegiado à “mula”, que, no caso, era uma pessoa que engoliu cápsulas de cocaína para transportá-las. Posteriormente o STF também entendeu que a atuação da pessoa como “mula” não significa necessariamente que ela faça parte de organização criminosa.
EQUIPARAÇÃO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO AOS CRIMES HEDIONDOS
Até 2016, o STJ e o STF entendiam que mesmo o tráfico privilegiado deveria ser considerado crime equiparado a hediondo. Entretanto, em 2016 o STF afastou esse entendimento, e por isso o tráfico privilegiado não deve ser mais considerado como crime equiparado a hediondo, tendo sido inclusive cancelada a Súmula 512 do STJ.
TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4°, DA LEI N. 11.343/2006. AGENTE NA CONDIÇÃO DE “MULA”. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.
É possível o reconhecimento do tráfico privilegiado ao agente transportador de drogas, na qualidade de “mula”, uma vez que a simples atuação nessa condição não induz, automaticamente, à conclusão de que ele seja integrante de organização criminosa.
HC 387.077-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, por unanimidade, julgado em 6/4/2017, DJe 17/4/2017. Informativo STJ 602.
E aí? Você já tinha estudado sobre o tráfico privilegiado? São muitos detalhes, não é mesmo!? Se tiver alguma dúvida deixe nos comentários aqui embaixo. Estou à disposição lá no instagram e no meu canal no youtube.