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Informativo STF 885 | Violação da ordem de inquirição de testemunhas no processo penal

No Informativo Estratégico STF 885 selecionamos o HC 111.815/SP. Em seu julgamento pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), foi decidido pela realização de uma nova oitiva de testemunhas em virtude da violação da regra prevista no artigo 212 do CPP.

No caso em tela, o juiz de primeira instância principiou a oitiva de testemunhas formulando seus próprios questionamentos, para depois conceder permissão para que as partes a fizessem. Os demais atos processuais foram mantidos válidos.

A divergência ficou por parte dos ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Morais, cujo entendimento convergia no sentido de assentar a nulidade do processo-crime a partir da audiência de instrução e julgamento.

O que mudou no artigo 212 do CPP

A Lei nº 11.690/08 trouxe alterações ao Código de Processo Penal, sendo que uma das modificações foi a do artigo 212. O dispositivo em questão se refere ao sistema de inquirição de testemunhas.

Com a reforma, passou-se a prever que as perguntas para as testemunhas devem ser formuladas diretamente pelas partes, sendo que cabe ao juiz fazer o controle das perguntas, inadmitindo, por exemplo, aquelas que induzam as respostas.

Ao final, o juiz pode complementar a inquirição, quando restarem pontos não esclarecidos pelas perguntas das partes.

A redação original do artigo 212 previa as partes deveriam formular os questionamentos ao juiz, o qual então se dirigiria às testemunhas:

Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.

A atual redação do artigo 212 modificou de maneira significativa a sistemática da oitiva de testemunhas:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).

Com a reforma acima mencionada, iniciou-se uma divergência sobre a obrigatoriedade de o juiz seguir o novo procedimento, qualificando a testemunha e passando a palavra para as partes para a inquirição direta.

Com esse novo regramento, cabe ao juiz apenas complementar, ao final, as perguntas realizadas para esclarecimento de alguma questão, além de ser seu dever o controle das perguntas formuladas pelas partes.

Na prática, vários magistrados continuaram a realizar a inquirição pelo sistema antigo, em que era praxe que o juiz iniciasse a inquirição.

Ademais, o CPP previa, em sua redação original, que as perguntas deveriam ser requeridas ao juiz, que, deferindo-as, formulava-as para a testemunha.

O referido sistema era denominado presidencialista.

Entretanto, a reforma legislativa implantou, para a inquirição de testemunhas, o sistema denominado cross-examination. S

egundo este regramento, as perguntas devem ser formuladas diretamente pelas partes às testemunhas.

Segundo a lição do jurista John M. Scheb, no direito norte-americano, a cross-examination é “disponível tanto à promotoria quanto ao advogado de defesa, mas o juiz de instrução regula o escopo da cross-examination, o qual é geralmente limitado à matérias as quais a testemunha tenha testemunhado diretamente e questões que tendem a questionar sua credibilidade” (Criminal Law and Procedure, 2011, p. 594).

Outras decisões da Primeira Turma do STF sobre o tema

Não se trata, no entanto, da primeira vez que a corte é instada a decidir esta controvérsia. No HC 114.787/SP, de relatoria do ministro Luiz Fux, a Primeira Turma do STF decidiu em 2013 que a alteração da ordem da inquirição de testemunhas gera uma nulidade apenas relativa.

Diferentemente do que ocorreu no HC 111.815/SP, o relator denegou inteiramente o habeas corpus, salientando que, a despeito de a ordem de inquirição não respeitar o mandamento do artigo 212 do CPP, deve-se demonstrar a ocorrência de um efetivo prejuízo advindo da não observância da formalidade.

Segundo o ministro Luiz Fux à época, ” a despeito de ter sido adotado, in concrecto, procedimento diverso daquele previsto no art. 212 do CPP, não se demonstrou o efetivo prejuízo, motivo por que não se revela legítimo proceder à anulação do ato, incidindo in casu o princípio pás de nullité sans grief. Ausente, pois, qualquer vício capaz de inquinar de nulidade a ação penal instaurada contra o paciente“.

Em sentido semelhante convergiu o julgamento do HC 109.051/RJ, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

Neste caso a alteração na ordem das inquirições de testemunhas foi apenas alegada tardiamente e tampouco foi demonstrada a existência de um efetivo prejuízo suportado pelo acusado.

A ocorrência desta irregularidade processual foi arguida pela defesa técnica do paciente apenas após o oferecimento de razões de apelação.

De acordo com o relator, “a defesa não se desincumbiu do seu dever de demonstrar a concreta ocorrência de prejuízo eventualmente suportado pelo réu, limitando-se a tecer considerações doutrinárias sobre a alegada ofensa ao sistema acusatório e às garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

O HC 111.815/SP

Com o julgamento do HC 111.815/SP, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu que a adoção do sistema presidencialista torna viciado o ato da inquirição da testemunha, por violar a expressa disposição legal.

Assim, foi determinada a renovação do ato, com a realização de nova oitiva de testemunha, mantidos os demais atos praticados no processo.

Embora tenha sido uma decisão de uma turma e por maioria, o precedente sinaliza que o Supremo Tribunal Federal poderá considerar inválidas as inquirições de testemunhas, em processos penais, caso não se adote o sistema do cross examination, previsto expressamente no artigo 212 do Código de Processo Penal.

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