Na noite de 22 de Março de 2017 foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei de número 4302/1998 (PL 4302). Este projeto trata sobre trabalho temporário e também sobre terceirização do trabalho, e gerou grande ansiedade nos concurseiros, afinal muitas informações tem sido veiculadas na internet, em especial nas redes sociais, a respeito dos possíveis impactos nas vagas para concursos públicos. Expressões como “o fim dos concursos públicos” são encontradas com grande facilidade nestes meios.
Muitos alunos me procuraram pedindo um posicionamento meu e do Estratégia. Por este motivo, resolvi escrever este artigo visando esclarecer este assunto e trazer a informação mais correta que pude apurar, considerando também os pontos de vista de meus colegas professores de disciplinas como Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito do Trabalho.
Para subsidiar a discussão, faz-se necessário conhecer o inteiro teor do PL 4302, em especial aquela versão que foi aprovada na última noite. Acesse este texto AQUI. O trecho que trata especificamente sobre terceirização pode ser visualizado na imagem a seguir:
A partir da leitura deste texto, nota-se que não há a menção expressa à Administração Pública. Isto é, não se cita expressamente que o Poder Público poderá contratar servidores (ou substituí-los) de forma irrestrita por meio de terceirização. Ainda assim, o conceito de contratante (artigo 5º) é bastante amplo, abrangendo qualquer pessoa jurídica, o que pode levar alguém a interpretar que entes públicos dotados de personalidade jurídica também poderiam contratar servidores mediante terceirização.
Como você sabe, nenhuma Lei pode violar a Constituição Federal, sob pena de declaração de inconstitucionalidade, seja em casos concretos ou de forma abstrata/geral (por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade). Desta forma, é importante destacar alguns artigos da Constituição Federal que dizem expressamente que a ocupação de cargos e empregos públicos só pode se dar por meio da realização de concurso público. Veja a seguir esta relação:
Art. 37, inciso II (o mais importante – trata de cargos públicos em geral)
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Art. 37, inciso XXII (carreiras fiscais)
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
(veja que a Constituição deixa claro que a Administração Tributária deve ser exercida por servidores públicos)
Art. 93, inciso I (Magistratura)
I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos…
Art. 96 (Tribunais – Servidores)
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;
(entre os cargos necessários à administração da Justiça, entendo estarem os Analistas e Técnicos Judiciários)
Art. 127 (Ministério Público – Servidores)
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos…
(quais são os cargos e serviços auxiliares do MP? Técnicos e Analistas, por exemplo…)
Art. 129 (Ministério Público – Procuradores)
§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, …
Art. 131 (Advogados da União – AGU)
§ 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.
Art. 132 (Procuradores Estaduais)
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público …
Art. 134 (Defensoria Pública)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, …
Art. 205 (profissionais da educação)
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas…
Art. 236 (Cartórios)
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Como você pode observar, a Constituição Federal assegura a obrigatoriedade de concurso público para cargos públicos. Vale dizer que a Súmula 363 do TST deixa clara a impossibilidade de contratação de servidor público sem prévia aprovação em concurso:
Súmula nº 363 do TST
CONTRATO NULO. EFEITOS (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Caso isto venha a ocorrer em alguma situação, vale lembrar que qualquer cidadão pode propor uma Ação Popular, tendo em vista a possível agressão à moralidade administrativa. Veja este inciso do art. 5º da Constituição Federal:
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Além disso, diversos são os legitimados a ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF visando o controle abstrato da norma.
Vale lembrar que já existe uma súmula do TST que autoriza a terceirização na Administração Pública. A partir da súmula 331 do TST, passou-se a entender que é possível a contratação de trabalhadores terceirizados pela Administração Pública, desde que restritos à atividades-meio. Assim, serviços de limpeza, vigilância e outros já podiam ser terceirizados, mesmo antes da aprovação desta lei.
Espero que este artigo tenha contribuído para que você forme uma opinião mais embasada a respeito deste PL e, com base nisso, tome as suas decisões. Eu acredito que dificilmente algum órgão público tentará contratar, mediante terceirização, pessoas para ocuparem cargos ou empregos públicos. E, caso isso aconteça, a justiça certamente será provocada a se manifestar pela inconstitucionalidade daquelas contratações.
Caso você esteja estudando para um concurso público, a minha sugestão é que você prossiga em seus estudos! E não só porque eu sou “professor de cursinho que só quer vender curso rs…”. Digo isto porque, neste EXATO momento, existem vários concursos que estão “na marca do pênalti”, isto é, devem ter edital publicado a qualquer momento. Aqui mesmo no site do Estratégia nós publicamos um artigo sobre isso, que você pode acessar clicando AQUI.
Veja ainda este vídeo do prof. Ricardo Vale:
Bons estudos a todos. Qualquer dúvida, deixem os seus comentários neste artigo e eu responderei assim que possível!
Saudações.
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Valeu Arthur! Esse sim foi um post respeitoso!
Obrigada pelo esclarecimento professor!!!
Obrigada, professor! Não estava conseguindo estudar direito...
Obrigado pelos esclarecimentos e informações professores!
Contratações em empresas públicas e de economia mistas vai virar lenda... Funções administrativas acessórias de órgãos públicos provavelmente tb entrarão na onda da terceirização... Isso é fato e o tempo vai mostrar! Mas isso é uma consequência de um fato que teve apoio de muitos daqui, inclusive, se bem me lembro, do caro professor.
Josué, você tem todo o direito de ser pessimista. O que expus aqui foram fatos e, além disso, a minha visão. Eu não deixaria de estudar para funções administrativas em órgãos públicos, como técnicos e analistas administrativos de Tribunais. Mas é uma opção de cada um...
E no caso das empresas publicas e sociedades de economia mista professor ? Que não são regidas pela 8112, e sim em regime CLT, como BB e CAIXA ?
Pode haver a possibilidade de contratação de terceirizados nesse tipo de empresa agora ?
Oi Jackson. Entendo que, nestes casos, pode haver uma maior chance de tentarem terceirizar. De qualquer forma, veja que o artigo 37 fala de cargos e EMPREGOS públicos (que seria o caso dos celetistas da Caixa e BB). Vamos acompanhar. De qualquer forma, a minha sugestão aos meus alunos já era (desde antes disso) que eles priorizassem concursos de nível médio de Tribunais, que pagam bem melhor que os bancos e oferecem mais qualidade de vida. A menos que o seu sonho seja ser bancário... :)
Não adianta desenhar, Arthur. A doutrinação escolar obriga a ir lá no vermelho.org, brasil247, G1, UOL ou qualquer outra mídia chapa-branca para formar opinião. Argumento jurídico entra por um ouvido e sai pelo outro, igual bala perdida.
Arthur, espero estar enganado, mas me parece que essa Lei de Terceirização viabiliza o AFASTAMENTO da utilização da mão-de-obra oriunda de cargos e empregos públicos. Note que NÃO haveria o PREENCHIMENTO dessas posições com terceirizados ou temporários pois, como sabemos, estão protegidas pelo Princípio do Concurso Público, ressalvadas as excepcionalidades constitucionais e jurisprudenciais já existentes. A meu ver, esse é o grande problema. Esse Princípio do Concurso Público abarca apenas algumas espécies de agentes públicos, e não todos os agente públicos. Logo, se uma lei autoriza a utilização de terceirizados na atividade-fim de um órgão ou entidade - algo que, até então, caberia apenas aos ocupantes de cargos e empregos e públicos providos por concurso público -, não haveria nenhuma inconstitucionalidade do ponto de vista formal, "apenas" material, moral.
Na prática, não creio que carreiras sólidas, com atribuições de cúpula, sofram impacto devido unicamente à força política, mas cargos com atribuições acessórias e empregos públicos, sem restrição, tenderão a ser continuamente substituídos por terceirizados e temporários...
Bom, a investidura continua vinculada a concurso público. O que ainda não vi ninguém comentando é sobre a possibilidade de extinção de cargos públicos não preenchidos para, num futuro próximo, acabarem ocupados por terceiros.
Cadê os bonitões Auditores que dão aula aqui e usaram camisas "Tchau, Querida"??? Abraço do AFRFBeta pro Machado
Estão trabalhando para produzir cursos cada vez melhores e mais completos :)