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STF suspende Juiz das Garantias por 180 dias – ADI 6298

STF suspende implantação do Juiz das Garantias por até 180 dias

Olá, pessoal

Para quem não me conhece ainda, meu nome é Renan Araujo e sou professor aqui no Estratégia Concursos, lecionando as matérias de Direito Penal e Processual Penal.

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Neste artigo vamos comentar a decisão liminar proferida pelo Min. Dias Toffoli na ADI 6298/DF, relativamente ao Juiz das Garantias.

A Lei 13.964/19 (chamado “pacote anticrime”), publicada em 24.12.2019, estabeleceu um prazo de 30 dias de vacatio legis, ou seja, período de vacância, ao final do qual a lei entraria em vigor. Ou seja, a lei foi publicada em 24.12.2019, mas com vigência a partir de 23.01.2020.

Todavia, alguns dispositivos da Lei demandam uma reestruturação profunda por parte do Judiciário, como é o caso da figura do Juiz das Garantias. Por isto, alguns legitimados ajuizaram AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI 6298/DF) perante o STF, questionando essa possível inexequibilidade em tão pouco tempo, bem como a possível inconstitucionalidade de alguns outros dispositivos da lei.

  1. O que é a figura do Juiz das Garantias?

Nada mais é que um Juiz que atua supervisionando a investigação criminal, controlando a legalidade de seu desenvolvimento, bem como deferindo diligências que são de competência do Judiciário (busca domiciliar, interceptação telefônica, etc.). Cabe ao Juiz das Garantias, ainda, decretar medidas cautelares (inclusive prisão cautelar) no curso da investigação criminal.

Esse Juiz responsável por supervisionar a investigação sempre existiu. A diferença é que ele, posteriormente, julgaria a causa. Hoje, com a figura do Juiz das garantias, aquele Juiz que acompanhou a investigação fica impedido de julgar a causa posteriormente, que deverá ser remetida a outro Juiz.

Mas por qual razão seria necessário um Juiz apenas para a fase de investigação e outro para a efetiva instrução e julgamento do processo futuramente? A lógica é bastante simples. Durante a investigação, existem diversas situações nas quais é necessária a atuação de um Magistrado (autorizar busca e apreensão, interceptação telefônica, decretar prisão preventiva, etc.). Este Juiz que atua durante a investigação acaba se envolvendo demais com a atividade investigatória, acaba por atuar durante meses (às vezes anos) “ao lado” dos órgãos da persecução penal (autoridade policial e membro do MP), ouvindo suas teses, suas conjecturas, etc. Isso faz com que este Magistrado muitas vezes (nem sempre, é bom frisar) se sinta “parte” da atividade persecutória (e não é), de maneira que a futura denúncia contra o réu seria, em grande parte, fruto também do seu trabalho durante a investigação.

Ok, professor, e daí? E daí que quem enxerga ter parcela de responsabilidade por tudo o que foi produzido na investigação pode acabar por olhar de forma PARCIAL para a denúncia, afinal de contas, ninguém gosta de ver seu trabalho jogado no lixo. Isso poderia conduzir a uma tendência de olhar para a denúncia com ótimos olhos, tendendo a julgá-la procedente (condenando o acusado). A condenação em si não é o problema, o problema seria olhar para a denúncia já com olhos de condenação, quando, na verdade, o Juiz deve se manter ABSOLUTAMENTE IMPARCIAL (equidistante da acusação e da defesa).

Assim, a criação do Juiz das Garantias acaba por distanciar o julgador (aquele Juiz que efetivamente irá julgar o caso) da investigação, o que o deixa ainda mais equidistante das partes (o Juiz deve ser imparcial, não pendendo nem para a acusação nem para a defesa).

2. A decisão do Ministro Dias Toffoli

Em 15.01.2020 (ontem), o Ministro Dias Toffoli, em decisão monocrática proferida durante o recesso Judiciário (o relator da ADI é o Ministro Luiz Fux), entendeu por bem suspender a eficácia de alguns dispositivos da Lei, notadamente no que tange ao Juiz das Garantias.

Na decisão liminar proferida, em relação ao Juiz das Garantias o Ministro decidiu por:

  • Suspender a eficácia do art. 3º-D, parágrafo único, do CPP;
  • Suspender a eficácia dos arts. 3º-B, 3º-C, 3º-D, caput, 3º-E e 3º-F do CPP, até a efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, o que deverá ocorrer no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da publicação da decisão.

Ou seja, em relação ao Juiz das Garantias, o STF entendeu liminarmente pela suspensão da implantação do instituto pelo prazo de 180 dias, ao final do qual os Tribunais do país já deverão ter se organizado para dar efetividade à decisão. De fato, o período de vacatio legis da Lei 13.964/19 é irrisório tendo em conta a magnitude do impacto que o Juiz das Garantias provocou na estrutura do Judiciário.

Cumpre notar, ainda, que o art. 3º-A não teve sua eficácia suspensa:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

De fato, não faria sentido suspender a eficácia desta previsão, que não é inconstitucional nem gera qualquer necessidade de organização por parte dos Tribunais.

Além disso, o STF entendeu pela suspensão (até o julgamento definitivo da ADI, e não por apenas 180 dias) do art. 3º-D, § único do CPP, que possui a seguinte redação:

Art. 3º-D. (…) Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.

Aqui a suspensão se deu pelo fato de que a norma, além do risco de dano grave (necessário para a decisão liminar), padece de provável inconstitucionalidade, na medida em que não dispõe propriamente sobre o processo penal, mas sobre organização judiciária. Qual o problema disso? O problema é que viola o poder de auto-organização dos Tribunais (art. 96 da CF-88), usurpando sua iniciativa para dispor sobre organização judiciária (conforme art. 125, § 1º, da CF/88).

Vale ressaltar, por fim, que o Min. Dias Toffoli, ao deferir a medida cautelar, ressaltou a constitucionalidade da figura do Juiz das Garantias (que, inclusive, tem previsão em outros países). Todavia, entendeu por bem suspender temporariamente a eficácia dos artigos que determinam sua implantação, haja vista a inexequibilidade de organização do Judiciário em miseráveis 30 dias (incluindo recesso Judiciário, frise-se).

Por fim, na decisão liminar o Ministro deu interpretação conforme a Constituição às normas do Juiz das Garantias, para estabelecer que o Juiz das Garantias não se aplica:

  • Aos processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990 – Entendeu-se que a colegialidade que impera nos Tribunais, por si só, é suficiente para evitar eventual mácula decorrente de parcialidade por atuação na supervisão da investigação. Ou seja, a lógica do Juiz das Garantias não se aplica aqui, pois embora um relator acompanhe a investigação, o julgamento, posteriormente, caberá ao colegiado do Tribunal (Câmara, Turma, etc.), motivo pelo qual se torna desnecessária a figura do Juiz das Garantias.
  • Processos de competência do Tribunal do Júri – A mesma lógica se aplica, de acordo com o Ministro, aos processos da competência do Tribunal do Júri. Como o julgamento não cabe ao Juiz togado, e sim aos jurados, que formam um colegiado decisório, não há necessidade da figura do Juiz das Garantias, na medida em que o Juiz que atua na investigação, ao fim e ao cabo, não irá mesmo julgar o caso (a decisão cabe ao conselho de sentença).
  • Casos de violência doméstica e familiar – O fundamento aqui é diferente. Entendeu-se que nos casos de violência doméstica e familiar é recomendável que um mesmo Juiz acompanhe todo o desenvolver dos fatos, desde a investigação até o julgamento, dadas as peculiaridades desse tipo de caso. Nas palavras do Ministro, a violência doméstica “é um fenômeno dinâmico, caracterizado por uma linha temporal que inicia com a comunicação da agressão. Depois dessa comunicação, sucede-se, no decorrer do tempo, ou a minoração ou o agravamento do quadro. Uma cisão rígida entre as fases de investigação e de instrução/julgamento impediria que o juiz conhecesse toda a dinâmica do contexto de agressão. ”
  • Processos criminais de competência da Justiça Eleitoral – Também se entendeu pela não aplicação do Juiz das Garantias no que tange aos processos de competência da Justiça Eleitoral, aqui por uma questão estrutural, já que a Justiça Eleitoral não dispõe de quadro próprio de Juízes, sendo composta por Juízes oriundos de outros ramos do Judiciário, que atuam temporariamente perante a Justiça Eleitoral, motivo pelo qual se entendeu pela suspensão cautelar da eficácia dos dispositivos relativos ao Juiz das Garantias em relação a tais processos.

Foram fixadas, por fim, duas regras de transição:

  • Ações penais que já tiverem sido instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias fixado na decisão) – A eficácia da lei não acarretará modificação do juízo competente. O fato de o juiz da causa ter atuado na fase de investigação não irá gerar seu automático impedimento para atuar na instrução e julgamento.
  • Investigações que estiverem em curso no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias fixado na decisão) – O juiz da investigação será considerado o juiz das garantias daquele caso específico. Com o recebimento da denúncia ou queixa, o processo deverá ser enviado ao juiz competente para a instrução e o julgamento do processo.

A decisão é importante, na medida em que a criação açodada de um instituto tão relevante, sem uma regulamentação adequada, gerou insegurança jurídica, podendo criar um verdadeiro caos no Judiciário.

Resumidamente, então, com relação ao JUIZ DAS GARANTIAS[1], a decisão liminar proferida na ADI 6298/DF pelo Min. Dias Toffoli:

  • Suspendeu a eficácia do art. 3º-D, parágrafo único, do CPP, por tratar de regra de organização judiciária (e não de processo penal).
  • Suspendeu a eficácia do Juiz das Garantias até sua efetiva implementação pelos Tribunais, fixando um prazo máximo de 180 dias para tal.
  • Conferiu interpretação conforme, para afastar a aplicação do Juiz das Garantias aos processos relativos a:
    • Ação penal originária dos Tribunais
    • Tribunal do Júri
    • Violência doméstica e familiar
    • Competência da Justiça Eleitoral
  • Fixou regras de transição para (i) investigações em curso e (ii) ações penais já iniciadas, quando da implantação do Juiz das Garantias

Frise-se, por oportuno, que se trata de decisão proferida liminarmente, ou seja, não se trata de decisão definitiva de mérito da ADI.


[1] Na decisão, se entendeu ainda pela suspensão cautelar da eficácia do art. 157, §5º do CPP, que estabelece que o Juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir sentença. A decisão foi tomada em razão da aparente “vagueza da norma”, que não esclarece exatamente o que seria “conhecer do conteúdo”.

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Bons estudos!

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