SEGUNDA FASE OAB – XIX Exame – Comentários à prova de Direito Penal
OAB – SEGUNDA FASE – PENAL (XIX Exame)
Olá, pessoal
Para quem não me conhece ainda, meu nome é Renan Araujo e sou professor aqui no Estratégia Concursos, lecionando as matérias de Direito Penal, Processual Penal e Legislação aplicada ao MP e à Defensoria Pública.
Neste artigo vou comentar a prova prático-profissional de Direito Penal relativa à segunda fase do Exame da OAB (XIX Exame), aplicada neste último domingo pela FGV.
Entendo que a prova da OAB teve um bom nível, embora a peça tenha sido mais fácil do que eu previa: CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO.
Vamos aos comentários:
(OAB – 2016 – PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL – PENAL)
No dia 24 de dezembro de 2014, na cidade do Rio de Janeiro, Rodrigo e um amigo não identificado foram para um bloco de rua que ocorria em razão do Natal, onde passaram a ingerir bebida alcoólica em comemoração ao evento festivo. Na volta para casa, ainda em companhia do amigo, já um pouco tonto em razão da quantidade de cerveja que havia bebido, subtraiu, mediante emprego de uma faca, os pertences de uma moça desconhecida que caminhava tranquilamente pela rua. A vítima era Maria, jovem de 24 anos que acabara de sair do médico e saber que estava grávida de um mês. Em razão dos fatos, Rodrigo foi denunciado pela prática de crime de roubo duplamente majorado, na forma do Art. 157, § 2o, incisos I e II, do Código Penal.
Durante a instrução, foi juntada a Folha de Antecedentes Criminais de Rodrigo, onde constavam anotações em relação a dois inquéritos policiais em que ele figurava como indiciado e três ações penais que respondia na condição de réu, apesar de em nenhuma delas haver sentença com trânsito em julgado. Foram, ainda, durante a Audiência de Instrução e Julgamento ouvidos a vítima e os policiais que encontraram Rodrigo, horas após o crime, na posse dos bens subtraídos. Durante seu interrogatório, Rodrigo permaneceu em silêncio. Ao final da instrução, após alegações finais, a pretensão punitiva do Estado foi julgada procedente, com Rodrigo sendo condenado a pena de 05 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto, e 13 dias-multa. O juiz aplicou a pena-base no mínimo legal, além de não reconhecer qualquer agravante ou atenuante. Na terceira fase da aplicação da pena, reconheceu as majorantes mencionadas na denúncia e realizou um aumento de 1/3 da pena imposta.
O Ministério Público foi intimado da sentença em 14 de setembro de 2015, uma segunda-feira, sendo terça-feira dia útil. Inconformado, o Ministério Público apresentou recurso de apelação perante o juízo de primeira instância, acompanhado das respectivas razões recursais, no dia 30 de setembro de 2015, requerendo:
i) O aumento da pena-base, tendo em vista a existência de diversas anotações na Folha de Antecedentes Criminais do acusado;
ii) O reconhecimento das agravantes previstas no Art. 61, inciso II, alíneas ‘h’ e ‘l’, do Código Penal;
iii) A majoração do quantum de aumento em razão das causas de aumentos previstas no Art. 157, §2o, incisos I e II, do Código Penal, exclusivamente pelo fato de serem duas as majorantes;
iv) Fixação do regime inicial fechado de cumprimento de pena, pois o roubo com faca tem assombrado a população do Rio de Janeiro, causando uma situação de insegurança em toda a sociedade.
A defesa não apresentou recurso. O magistrado, então, recebeu o recurso de apelação do Ministério Público e intimou, no dia 19 de outubro de 2015 (segunda-feira), sendo terça feira dia útil em todo o país, você, advogado(a) de Rodrigo, para apresentar a medida cabível.
Com base nas informações expostas na situação hipotética e naquelas que podem ser inferidas do caso concreto, redija a peça cabível, excluída a possibilidade de habeas corpus, no último dia do prazo, sustentando todas as teses jurídicas pertinentes. (Valor: 5.00)
Obs.: O examinando deve indicar todos os fundamentos e dispositivos legais cabíveis. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
COMENTÁRIOS: O candidato deveria elaborar CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO, nos termos do art. 600 do CPP.
Como a intimação da defesa se deu em 19.10.2015, o prazo para a apresentação das contrarrazões se esgotou em 27.10.2015, terça-feira, eis que o prazo para a apresentação das contrarrazões é de 08 dias, nos termos do art. 600 do CPP.
Preliminarmente, o candidato deveria alegar a INTEMPESTIVIDADE do recurso de apelação interposto pelo MP. Isso porque o MP foi intimado em 14.09.2015, tendo interposto recurso de apelação apenas em 30.09.2015. O prazo para a interposição de apelação é de apenas 05 dias, tendo expirado para o MP em 21.09.2015 (dia 19.09.15 caiu num sábado).
No mérito, o candidato deveria rebater os argumentos do MP.
Primeiramente, não há que se falar em majoração da pena base em razão da existência de inquéritos policiais e ações penais em curso, sob pena de violação ao princípio da presunção de não culpabilidade. Trata-se de entendimento consolidado e sumulado pelo STJ (súmula 444 do STJ).
Além disso, não devem ser aplicadas as agravantes do art. 61, II, “h” e “l”. Vejamos o que dizem tais dispositivos:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(…) II – ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(…)
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
(…)
l) em estado de embriaguez preordenada.
A agravante de ter sido o crime praticado contra mulher grávida é inaplicável, eis que a questão deixa claro que a vítima estava grávida de apenas um mês, logo, tratava-se de gravidez NÃO APARENTE. Assim, o agente não pode ser responsabilizado por um fato que não entrou em sua esfera de conhecimento.
Com relação à agravante da embriaguez preordenada, o candidato deveria argumentar que não se tratava de embriaguez preordenada. A embriaguez preordenada ocorre quando o agente deliberadamente Se embriaga PARA praticar o delito, ou seja, para tomar coragem e praticar o crime. Não foi isso que ocorreu no caso. O agente bebeu para comemorar o natal e, culposamente, acabou se embriagando.
O candidato deveria rebater, ainda, a alegação de que deveria haver a majoração do quantum de aumento de pena decorrente das majorantes do art. 157, §2°, I e II do CP. Isso porque o MP sustentou que o mero fato de serem duas majorantes seria suficiente para que o Juízo aplicasse aumento superior ao mínimo permitido. Contudo, tal circunstância não é fundamento idôneo, nos termos do enunciado de súmula nº 443 do STJ:
Súmula 443 do STJ – O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes
Por fim, o candidato deveria rebater o pleito de fixação de regime inicial fechado. Isso porque o MP sustentou, apenas, que o regime inicial fechado seria recomendável com base na gravidade abstrata do delito. A gravidade abstrata do delito, porém, não é argumento idôneo para que o Juízo proceda à fixação de regime prisional mais gravoso do que aquele admitido pela quantidade de pena imposta, conforme entendimento já solidificado tanto do STF quando do STJ:
Súmula 440 do STJ – Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.
SÚMULA 718 do STF – A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
SÚMULA 719 do STF – A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
Nos pedidos, o candidato deveria requerer:
1 – Primeiramente, o não conhecimento do recurso de apelação, ante a intempestividade.
2 – Subsidiariamente, no mérito, seja negado provimento ao recurso, com a consequente manutenção da sentença proferida pelo Juízo a quo.
___________
QUESTÕES – OAB – 2016 – PENAL
QUESTÃO 01 – OAB – 2016 – SEGUNDA FASE – PENAL
João estava dirigindo seu automóvel a uma velocidade de 100 km/h em uma rodovia em que o limite máximo de velocidade é de 80 km/h. Nesse momento, foi surpreendido por uma bicicleta que atravessou a rodovia de maneira inesperada, vindo a atropelar Juan, condutor dessa bicicleta, que faleceu no local em virtude do acidente. Diante disso, João foi denunciado pela prática do crime previsto no Art. 302 da Lei no 9.503/97. As perícias realizadas no cadáver da vítima, no automóvel de João, bem como no local do fato, indicaram que João estava acima da velocidade permitida, mas que, ainda que a velocidade do veículo do acusado fosse de 80 km/h, não seria possível evitar o acidente e Juan teria falecido. Diante da prova pericial constatando a violação do dever objetivo de cuidado pela velocidade acima da permitida, João foi condenado à pena de detenção no patamar mínimo previsto no dispositivo legal.
Considerando apenas os fatos narrados no enunciado, responda aos itens a seguir.
A) Qual o recurso cabível da decisão do magistrado, indicando seu prazo e fundamento legal? (Valor: 0,60)
B) Qual a principal tese jurídica de direito material a ser alegada nas razões recursais? (Valor: 0,65)
COMENTÁRIOS:
a) O recurso cabível é a APELAÇÃO, nos termos do art. 593, I do CPP.
b) A principal tese jurídica reside no fato de que João, a despeito de ter agido com violação ao dever objetivo de cuidado, não criou nem aumentou um risco proibido, eis que ficou comprovado que a ausência de cautela não foi a responsável pelo resultado danoso, que teria ocorrido mesmo que João tivesse agido no estrito cumprimento de seu dever de cuidado, ou seja, dentro da velocidade permitida. Assim, pela teoria da imputação objetiva deve ser afastada a responsabilidade penal de João.
QUESTÃO 02 – OAB – 2016 – SEGUNDA FASE – PENAL
Ronaldo foi denunciado pela prática do crime de integrar organização criminosa por fatos praticados em 2014. Até o momento, porém, somente ele foi identificado como membro da organização pelas autoridades policiais, razão pela qual prosseguiu o inquérito em relação aos demais agentes não identificados. Arrependido, Ronaldo procura seu advogado e afirma que deseja contribuir com as investigações, indicando o nome dos demais integrantes da organização, assim como esclarecendo os crimes cometidos.
Considerando apenas as informações narradas, responda aos itens a seguir.
A) Existe alguma medida a ser buscada pelo advogado de Ronaldo para evitar aplicação ou cumprimento de pena no processo pelo qual foi denunciado? Em caso positivo, qual? Em caso negativo, justifique. (Valor: 0,65)
B) É possível um dos agentes identificados por Ronaldo ser condenado exclusivamente com base em suas declarações? Fundamente. (Valor: 0,60)
COMENTÁRIOS:
a) Sim, o advogado deverá buscar a realização de acordo de colaboração premiada, nos termos do art. 4º da Lei 12.850/13.
b) Não. Embora as declarações do agente colaborar sejam consideradas como meios de prova elas não podem ser utilizadas para, isoladamente, fundamentar a condenação de qualquer dos réus, nos termos do art. 4º, §16 da Lei 12.850/13.
QUESTÃO 03 – OAB – 2016 – SEGUNDA FASE – PENAL
Sabendo que Vanessa, uma vizinha com quem nunca tinha conversado, praticava diversos furtos no bairro em que morava, João resolve convidá-la para juntos subtraírem R$ 1.000,00 de um cartório do Tribunal de Justiça, não contando para ela, contudo, que era funcionário público e nem que exercia suas funções nesse cartório. Praticam, então, o delito, e Vanessa fica surpresa com a facilidade que tiveram para chegar ao cofre do cartório. Descoberto o fato pelas câmeras de segurança, são os dois agentes denunciados, em 10 de março de 2015, pela prática do crime de peculato. João foi notificado e citado pessoalmente, enquanto Vanessa foi notificada e citada por edital, pois não foi localizada em sua residência.
A família de Vanessa constituiu advogado e o processo prosseguiu, mas dele a ré não tomou conhecimento. Foi decretada a revelia de Vanessa, que não compareceu aos atos processuais. Ao final, os acusados foram condenados pela prática do crime previsto no Art. 312 do Código Penal à pena de 02 anos de reclusão. Ocorre que, na verdade, Vanessa estava presa naquela mesma Comarca, desde 05 de março de 2015, em razão de prisão preventiva decretada em outros dois processos.
Ao ser intimada da sentença, ela procura você na condição de advogado(a).
Considerando a hipótese narrada, responda aos itens a seguir.
A) Qual argumento de direito processual poderia ser apresentado em favor de Vanessa em sede de apelação? Justifique. (Valor: 0,65)
B) No mérito, foi Vanessa corretamente condenada pela prática do crime de peculato? Justifique.(Valor: 0,60)
COMENTÁRIOS:
a) O principal argumento de direito processual reside no fato de que Vanessa não poderia ter sido citada por edital. Apesar de se encontrar em local desconhecido, Vanessa estava presa na mesma Unidade da Federação do Juízo processante, de maneira que a citação por edital é vedada nestes casos, conforme entendimento sumulado do STF (súmula 351 do STF). Isso se dá porque o Juízo deve diligenciar junto aos órgãos prisionais para obter informações acerca de eventual custódia prisional do acusado.
b) Não, Vanessa não poderia ter sido condenada por peculato. O crime de peculato é crime próprio, exigindo do agente determinada qualidade (qualidade de funcionário público). A princípio, um particular pode ser responsabilizado por tal delito, quando agindo em concurso de pessoas com um funcionário público. Isso se dá porque a condição pessoal de “ser funcionário público” é uma ELEMENTAR DO DELITO e, portanto, comunica-se com os demais comparsas, nos termos do art. 30 do CP.
Entretanto, para que haja tal comunicação é necessário que essa condição tenha entrado na esfera de conhecimento do comparsa, ou seja, que o particular saiba dessa condição de funcionário público de seu comparsa.
No caso concreto, como se vê, a questão deixa claro que Vanessa não tinha conhecimento dessa condição, motivo pelo qual não pode ser responsabilizada por peculato.
QUESTÃO 04 – OAB – 2016 – SEGUNDA FASE – PENAL
Carlos foi condenado pela prática de um crime de receptação qualificada à pena de 04 anos e 06 meses de reclusão, sendo fixado o regime semiaberto para início do cumprimento de pena. Após o trânsito em julgado da decisão, houve início do cumprimento da sanção penal imposta. Cumprido mais de 1/6 da pena imposta e preenchidos os demais requisitos, o advogado de Carlos requer, junto ao Juízo de Execuções Penais, a progressão para o regime aberto. O magistrado competente profere decisão concedendo a progressão e fixa como condição especial o cumprimento de prestação de serviços à comunidade, na forma do Art. 115 da Lei no 7.210/84. O advogado de Carlos é intimado dessa decisão.
Considerando apenas as informações apresentadas, responda aos itens a seguir.
A) Qual medida processual deverá ser apresentada pelo advogado de Carlos, diferente do habeas corpus, para questionar a decisão do magistrado? (Valor: 0,60)
B) Qual fundamento deverá ser apresentado pelo advogado de Carlos para combater a decisão do magistrado?
(Valor: 0,65)
COMENTÁRIOS:
a) O advogado de Carlos deverá interpor AGRAVO EM EXECUÇÃO, nos termos do art. 197 da LEP, pois é o recurso cabível para atacar as decisões proferidas pelo Juiz da execução penal.
b) O fundamento consiste no fato de que o Juiz pode fixar condições especiais para a concessão da progressão ao regime aberto, mas não pode fixar como condição especial qualquer das modalidades de pena restritiva de direitos, conforme entendimento já sumulado pelo STJ:
Súmula 493 do STJ – É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime aberto.
_____________
Se você quer conhecer mais do meu trabalho aqui no Estratégia Concursos, clique aqui e baixe, gratuitamente, as aulas demonstrativas dos meus cursos.
Bons estudos!
Prof. Renan Araujo
PERISCOPE: @profrenanaraujo