Revisão STJ (Parte 2) 2023.1
O STJ está de recesso, mas nós não paramos no meio da estrada, não é?! Bora revisar o que de mais importante o Tribunal da Cidadania decidiu no primeiro semestre de 2023. Nessa Parte 2 da nossa revisão temos Direito Penal e Processual Penal.
DIREITO PENAL
1. Absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida e reflexos na ação penal
A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal.
RHC 173.448-DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023. (Info 766)
1.1. Situação FÁTICA.
Creide foi denunciada pelo crime de corrupção ativa. Após algum tempo, em razão da superveniência de decisão absolutória na ação de improbidade administrativa, ajuizada com fundamento nos mesmos fatos, a defesa impetrou habeas corpus, que foi inicialmente denegado.
Em recurso, a defesa de Creide alega que, diante da absolvição de Creide no âmbito da ação de improbidade ajuizada pelos mesmos fatos, seria imperativo o trancamento da ação penal.
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 8.429/1992:
Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.
Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
§ 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
1.2.2. Esvazia a justa causa?
R: Yeaph!!!
A jurisprudência do STJ entende que a sentença absolutória por ato de improbidade não vincula o resultado da ação penal, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador, que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados (REsp 1.847.488/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 26/4/2021).
A independência das esferas tem por objetivo o exame particularizado do fato narrado, com base em cada ramo do direito, devendo as consequências cíveis e administrativas ser aferidas pelo juízo cível e as consequências penais pelo Juízo criminal, dada a especialização de cada esfera. No entanto, as consequências jurídicas recaem sobre o mesmo fato.
No caso, verifica-se que a absolvição ocorreu em virtude da ausência de comprovação do elemento subjetivo dos particulares. Ficou consignado pela instância cível que a prova dos autos demonstra apenas o dolo do gestor público, não justificando a condenação dos particulares. Destacou-se, ademais, que a pessoa jurídica nem ao menos logrou êxito em ser a primeira colocada entre os concorrentes na dispensa de licitação, precisando baixar seu preço para ser escolhida. Por fim, registrou-se que não se auferiu benefício, uma vez que o contrato foi anulado pela Corte de Contas.
Nessa linha de intelecção, não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, pois se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se considere a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma, em atipicidade.
Anote-se, por oportuno, que se trata de crime contra a Administração Pública, cuja especificidade recomenda atentar para o que decidido, a respeito dos fatos, na esfera cível. Deve-se levar em consideração que o art. 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, incluído pela Lei n. 14.230/2021, disciplina que “a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Código de Processo Penal”.
Embora referido dispositivo esteja com a eficácia suspensa por liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 27/12/2022, na ADI 7.236/DF, tem-se que o legislador pretendeu definir ampla exceção legal à independência das esferas que, apesar de não autorizar o encerramento da ação penal em virtude da absolvição na ação de improbidade administrativa por qualquer fundamento, revela que existem fundamentos tão relevantes que não podem ser ignorados pelas demais esferas. Pela letra da lei, uma absolvição na seara penal, por qualquer fundamento, não pode permitir a manutenção da ação de improbidade.
A suspensão do art. 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, na redação dada pela Lei n. 14.230/2021 (ADI 7.236/DF) não atinge a vedação constitucional do ne bis in idem (Rcl 57.215/DF MC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 6/1/2023), e, sem justa causa não há persecução penal.
Portanto, apesar de, pela letra da lei, o contrário não justificar o encerramento da ação penal, inevitável concluir que a absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida, esvazia a justa causa para manutenção da ação penal. De fato, não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível.
Tendo a instância cível afirmado que não ficou demonstrado que os particulares induziram ou concorreram dolosamente para a prática de ato que atente contra os princípios da administração, registrando que “a amplitude da previsão legislativa não pode induzir o intérprete a acolher ilações do autor da ação civil pública, pois ausente a subsunção dos fatos à norma que prevê a responsabilização dos particulares na Lei n. 8.429/92 (art. 3º)”, não pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite, motivo pelo qual não se justifica a manutenção desta última. Nas palavras do Ministro Humberto Martins, “a unidade do Direito” deve se pautar pela coerência.
1.2.3. Resultado final.
A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal.
2. Aplicabilidade de limite temporal à análise do requisito subjetivo para concessão de saída temporária
Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo para concessão de saída temporária, devendo ser considerado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado.
HC 795.970-SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 767)
2.1. Situação FÁTICA.
Creosvaldo, apenado, cumpria pena normalmente. Em uma saída temporária, fugiu e foi recapturado após alguns meses. Quatro anos depois da recaptura, Creosvaldo, já no regime semiaberto, requereu a concessão de nova saída temporária. Creosvaldo também contava com outras faltas disciplinares e houve parecer desfavorável da Comissão Técnica de Classificação.
O pedido foi negado sob a justificativa do não cumprimento do requisito subjetivo, a saber a falta grave em decorrência da fuga. Inconformado, Creosvaldo interpôs sucessivos recursos sustentando que não poderia ser punido eternamente por uma falta cometida há tanto tempo.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Questão JURÍDICA.
LEP:
Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
I – comportamento adequado;
II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
2.2.2. Deve ser aplicado um limite temporal?
R: Nooops!!!!
Nos termos do art. 123 da LEP, a autorização da visita periódica ao lar “será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos: I – comportamento adequado; II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena”.
No caso, o Tribunal estadual fundamentou o indeferimento do benefício de saída temporária com base no histórico penal que registra várias faltas disciplinares de natureza grave e média, incluindo fuga registrada, anteriormente, quando no gozo do mesmo benefício de saída temporária e, também, com base no parecer desfavorável da Comissão Técnica de Classificação.
Dessa forma, tanto as faltas graves consistentes em evasões, fugas, e flagrante quanto o registro de comportamento evidenciam que a conduta do apenado durante a execução penal não atende aos parâmetros necessários para demonstrar seu senso de disciplina e responsabilidade, bem como a compatibilidade do benefício com os objetivos da pena imposta.
Com relação ao tema, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a autorização para saídas temporárias leva em consideração o comportamento do sentenciado no cumprimento da pena.
Nessa esteira, o STJ tem entendido que “Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado” (AgRg no HC 734.258/SC, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 10/6/2022).
2.2.3. Resultado final.
Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo para concessão de saída temporária, devendo ser considerado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado.
3. Cabimento da remição ficta no trabalho de natureza eventual, porquanto não se pode presumir que deixou de ser oferecido e exercido em razão do estado pandêmico
Não cabe a remição ficta no trabalho de natureza eventual, porquanto não se pode presumir que deixou de ser oferecido e exercido em razão do estado pandêmico.
HC 684.875-DF, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023. (Info 768)
3.1. Situação FÁTICA.
Creiton, apenado, requereu a remissão ficta em razão de trabalho realizado no Projeto Mãos Dadas durante o estado de pandemia. O pedido foi negado, diante das informações de que o trabalho realizado no citado projeto ocorria de forma pontual e não contínua.
Inconformada, a defesa de Creiton impetrou HC no qual sustenta que as tarefas extramuros realizadas no programa governamental não deixam de consistir em subespécie de trabalho externo, merecendo igualmente a remição ficta da pena pelo lapso em que os serviços ficaram paralisados.
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Questão JURÍDICA.
LEP:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.
3.2.2. Cabe remissão ficta?
R: Nooops!!!!
É cediço que, em regra geral, não se admite a remição ficta, posto que “O benefício da remição da pena pelo trabalho ou pelo estudo, consoante se denota do art. 126 da LEP, pressupõe que os reeducandos demonstrem a efetiva dedicação a trabalho ou estudo, com finalidade, portanto, produtiva ou educativa, dada a sua finalidade ressocializadora” (AgRg no HC 434.636/MG, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 6/6/2018).
Ocorre que, em razão da pandemia da Covid-19, que impôs a adoção de medidas excepcionais, o STJ, no julgamento do REsp 1.953.607/SC (Tema Repetitivo 1120), fixou a tese de que”Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, § 4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de Covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico”.
Assim, em razão da excepcionalíssima pandemia da Covid-19, o período de restrições sanitárias deve ser comutado como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.
No presente caso, as instâncias de origem afirmaram ser incabível a aplicação da remição, porquanto o trabalho exercido no denominado “Projeto Mãos Dadas” tem caráter EVENTUAL, PONTUAL, ocorrendo SOB DEMANDA. Nesse contexto, observa-se que se mostra incabível a contabilização fictícia de dias remidos, dada a própria natureza esporádica do trabalho exercido no Projeto.
Assim, sendo o trabalho de natureza eventual, incabível a aplicação da benesse, não podendo ser presumido que o reeducando ficou impossibilitado de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.
3.2.3. Resultado final.
Não cabe a remição ficta no trabalho de natureza eventual, porquanto não se pode presumir que deixou de ser oferecido e exercido em razão do estado pandêmico.
4. Estupro de vulnerável e distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP nas hipóteses em que não há consentimento dos responsáveis legais somado ao fato do acusado possuir gritante diferença de idade da vítima
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Não se admite o distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar – nas hipóteses em que não há consentimento dos responsáveis legais somado ao fato do acusado possuir gritante diferença de idade da vítima – o que invalida qualquer relativização da presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023, DJe 17/3/2023. (Info 769)
4.1. Situação FÁTICA.
Um cidadão de meia idade foi denunciado pelo crime de estupro de vulnerável em razão de manter relacionamento sexual com menor de 14 anos. A defesa do acusado sustenta que deveria ser relativizada a vulnerabilidade da vítima, nos moldes do que realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar.
Ocorre que no presente caso, não havia aprovação dos pais da vítima e a diferença de idade é de 36 anos.
*Processo sob segredo de justiça. Caso imaginado.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Questão JURÍDICA.
Súmula n. 593/STJ:
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente
4.2.2. Possível a relativização da vulnerabilidade?
R: Nooops!!!!
De início, reitera-se que, nos termos da Súmula n. 593/STJ, o consentimento da vítima menor de 14 anos e o seu namoro com o acusado não afastam a existência do delito de estupro de vulnerável.
Nessa linha de intelecção, a jurisprudência do STJ tem sistematicamente rejeitado a tese de que a presunção de violência – termo que nem é mais utilizado na atual redação do CP – no estupro de vulnerável pode ser relativizada à luz do caso concreto (AgRg no REsp 1.934.812-TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021).
Na hipótese, conforme fundamentadamente apontado pela Corte local, o caso não se amolda ao distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722-SP, de minha relatoria – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar – tendo em vista que a relação amorosa não foi consentida pela genitora da vítima, tanto que, ao tomar conhecimento de que sua filha estava se relacionando com o paciente, acionou o Conselho Tutelar e registrou os fatos na Delegacia de Polícia.
Ademais, a genitora da menor relatou que sua filha, após se relacionar com o acusado, apresentou comportamento agressivo, além de reprovar de ano na escola, tendo de ser submetida a tratamento psicológico. Somado a isso, conforme foi consignado pelo magistrado de primeiro grau, que se encontra mais próximo dos fatos, a vítima e o acusado tinham a gritante diferença de 36 (trinta e seis) anos. Apontou que a própria vítima e a sua genitora mencionaram espontaneamente que as relações aconteciam na chácara do acusado, localizada em área rural. Assim, mesmo ciente da tenra idade da vítima e do não consentimento de sua responsável legal, o acusado manteve relação sexual com a menor.
São, portanto, plenamente válidas a Súmula n. 593 do Superior Tribunal de Justiça e a tese do REsp repetitivo 1.480.881/PI (Tema 1121) sobre a impossibilidade de relativização da presunção de vulnerabilidade da vítima.
4.2.3. Resultado final.
Não se admite o distinguishing realizado no julgamento do AgRg no REsp 1.919.722/SP – caso de dois jovens namorados, cujo relacionamento foi aprovado pelos pais da vítima, sobrevindo um filho e a efetiva constituição de núcleo familiar – nas hipóteses em que não há consentimento dos responsáveis legais somado ao fato do acusado possuir gritante diferença de idade da vítima – o que invalida qualquer relativização da presunção de vulnerabilidade do menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável.
5. Diferença de idade ínfima, concordância dos pais da menor e vontade da vítima de conviver com o réu como hipótese de distinguishing do Tema 918/STJ
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Admite-se o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ (REsp 1.480.881/PI), na hipótese em que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma (o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima contava com 12 anos de idade), bem como há concordância dos pais da menor somado a vontade da vítima de conviver com o réu e o nascimento do filho do casal, o qual foi registrado pelo genitor.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF1), Rel. para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 16/5/2023, DJe 25/5/2023. (Info 777)
5.1. Situação FÁTICA.
Nirso foi denunciado pelo crime de estupro de vulnerável. O imputado possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade e a vítima, adolescente, contava com 12 anos de idade. Nirso se disse pronto a assumir o relacionamento, a vítima também expressou vontade de conviver com Nirso, e há aprovação dos pais do casal neste sentido.
Em razão disso, a defesa requereu a admissão do distinguishing quanto ao Tema 918/STJ (REsp 1.480.881/PI) que assim decidiu: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime”.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Penal:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
5.2.2. Possível o distinguishing?
R: Excepcionalissimamente, yes!!!
De acordo com o precedente da Terceira Seção, submetido ao rito dos recursos repetitivos: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime” (REsp 1.480.881/PI, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 10/9/2015).
Contudo, a presente hipótese enseja distinguishing quanto ao acórdão paradigma da nova orientação jurisprudencial, diante das peculiaridades circunstanciais do caso.
Na questão tratada no acórdão proferido, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a vítima era criança, com 8 anos de idade, enquanto que o imputado possuía idade superior a 21 anos.
No presente caso, o imputado possuía, ao tempo do fato, 19 anos de idade e a vítima, adolescente, contava com apenas 12 anos de idade.
A necessidade de realização da distinção feita no REsp Repetitivo 1.480.881/PI se deve em razão de que, no presente caso, a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma, bem como porque houve o nascimento do filho do casal, devidamente registrado, fato social superveniente e relevante que deve ser considerado no contexto do crime.
Pela teoria quadripartida, o crime consistiria em fato típico, ilícito, culpável e punível concretamente, sendo este último definido pela possibilidade jurídica de aplicação de pena, por melhor categorizar o comportamento humano.
Nessa concepção de conceito integral de delito, a tipicidade e a antijuridicidade possuem classificação formal e absoluta sobre o fato praticado. Destaca-se que a culpabilidade e a punibilidade concreta têm conteúdo relativo ou dimensionável a permitir a valoração do comportamento do agente.
Na culpabilidade, avalia-se a reprovabilidade da conduta, tendo como consequência a responsabilidade subjetiva do sujeito, enquanto na punibilidade concreta valora-se o significado social sobre o fato, sob o enfoque da gravidade da lesão ao bem jurídico, de acordo com as características do ilícito penal, a fim de ensejar, ou não, a punição do sujeito.
A teoria quadripartida foi adotada pela Sexta Turma, em que, analisando a questão relacionada ao aspecto material, o Ministro Rogério Schietti, no voto proferido no RHC 126.272/MG, defendeu a existência de um quarto elemento, qual seja, punibilidade concreta, sob os seguintes fundamentos extraídos da decisão: “o significado da forma e da extensão da afetação do bem jurídico define a relevância social do fato e configura sua dignidade penal. Esse aspecto, por sua vez, fundamenta a punibilidade concreta, que complementa o conceito tripartido (formal) de delito, atribuindo-lhe um conteúdo material e, logo, um sentido social”.
Aplicando o aludido posicionamento na presente hipótese, extrai-se da decisão que rejeitou a denúncia que a vítima e o denunciado moraram juntos, diante da concordância dos pais com o relacionamento amoroso, tendo resultado no nascimento de um filho, o qual foi registrado pelo genitor.
Não se evidencia relevância social do fato a ponto de resultar a necessidade de sancionar o acusado, tendo em vista que o juízo de origem não identificou comportamento do denunciado que pudesse colocar em risco a sociedade, ou o bem jurídico protegido.
As particularidades do presente feito, em especial, a vontade da vítima e o nascimento do filho do casal, somados às condições pessoais do acusado, denotam que não houve afetação relevante do bem jurídico a resultar na atuação punitiva estatal, de modo que não se evidencia a necessidade de pena, consoante os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade.
Não se registra proveito social com a condenação do recorrente, pois o fato delituoso não se mostra de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Diversamente, e ao contrário, o encarceramento se mostra mais lesivo aos valores protegidos, em especial, à família e à proteção integral da criança, do que a resposta estatal para a conduta praticada, o que não pode ocasionar punição na esfera penal.
O filho do casal também é merecedor de proteção, de modo que, de acordo com o princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança, “a criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe”.
Consoante a jurisprudência do STJ, “a proteção integral da criança e do adolescente, defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) com base na Declaração Universal dos Direitos da Criança e erigida pela Constituição da República como instrumento de afirmação da dignidade da pessoa humana (art. 227), exerce crucial influência sobre o intérprete da norma jurídica infraconstitucional, porquanto o impele a compreendê-la e a aplicá-la em conformidade com a prevalência dos interesses do menor em determinada situação concreta” (REsp 1.911.030/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1º/6/2021, DJe 31/8/2021).
5.2.3. Resultado final.
Admite-se o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ (REsp 1.480.881/PI), na hipótese em que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma (o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima contava com 12 anos de idade), bem como há concordância dos pais da menor somado a vontade da vítima de conviver com o réu e o nascimento do filho do casal, o qual foi registrado pelo genitor.
6. Cabimento da redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP) quando entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos
EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
É cabivel a redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP) se, entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória.
EDcl no AgRg no REsp 1.877.388-CE, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 2/5/2023, DJe 5/5/2023. (Info 773)
6.1. Situação FÁTICA.
Crementino, idoso, teve sentença condenatória prolatada em seu desfavor. Ocorre que foram apresentados embargos declaratórios e que, no prazo em que aguardava julgamento destes, Crementino completou 70 anos de idade, razão pela qual sua defesa requereu a redução do prazo prescricional pela metade, conforme previsão do art. 115 do CP.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Questão JURÍDICA.
CP:
Redução dos prazos de prescrição
Art. 115 – São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.
6.2.2. Cabe a redução imediata do prazo prescricional?
R: Sim sinhô!!!!
O STJ entende que, “por expressa previsão do art. 115 do CP, são reduzidos pela metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, na data da sentença, maior de 70 anos” (AgRg no AREsp 1.420.867/RJ, relator Ministro Olindo Menezes, Desembargador convocado do TRF 1ª Região, Sexta Turma, DJe 21/3/2022).
Saliente-se que, sendo opostos embargos de declaração contra a sentença condenatória, e entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos o réu atinge a idade superior a 70 anos, é possível aplicar o art. 115 do Código Penal, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória. No caso, o sentenciado completou 70 anos em 13/2/2020, de modo que na data da sentença (16/1/2018), ainda não possuía a referida idade, o que, portanto, afasta a aplicação da redução pela metade do prazo prescricional.
Ademais, é irrelevante o fato de o Tribunal ter mantido ou modificado a pena do réu, tendo em vista que o Código Penal é expresso em determinar que a aferição da idade deve ser feita na data da sentença condenatória.
6.2.3. Resultado final.
É cabivel a redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do CP) se, entre a sentença condenatória e o julgamento dos embargos de declaração, o réu atinge a idade superior a 70 anos, tendo em vista que a decisão que julga os embargos integra a própria sentença condenatória.
7. Aplicabilidade da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal (CP) quando adotado o rito da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, em condenação pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, por si só, não configura bis in idem.
AgRg no REsp 1.998.980-GO, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 10/5/2023. (Info 775)
7.1. Situação FÁTICA.
Geremias cometeu crime de lesão corporal contra sua companheira Creide. Na condenação, o juízo de primeiro grau aplicou a agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, o elevou a pena na segunda fase da dosimetria.
Inconformada, a defesa de Geremias alega que ao considerar tanto a qualificadora do artigo 129, § 9º, como a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “f”, ambos do Código Penal, o recorrido será punido duas vezes pela mesma circunstância: a violência doméstica.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Penal:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II – ter o agente cometido o crime:
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:
7.2.2. Bis in idem?
R: Nem a pau!!!
Cinge-se a controvérsia à incidência da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal (CP) quando adotado o rito da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
A figura qualificada do crime de lesão corporal prevista no § 9º, ou a causa de aumento, § 10, e a agravante genérica não possuem o mesmo âmbito de incidência, não redundando, pois, em uma dupla punição pelo mesmo fato. A causa de aumento do § 10 do art. 129 do CP pune mais gravemente o agente que pratica a lesão corporal utilizando-se das relações familiares ou domésticas, circunstância que torna a vítima mais vulnerável ao seu agressor e também eleva as chances de impunidade do agente. Nessa hipótese, a vítima pode ser tanto homem quanto mulher, já que a ação não é movida pelo gênero do ofendido. Assim, nesse caso, há maior reprimenda em razão da VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
De outro lado, a agravante genérica prevista no art. 61, II, “f”, do CP visa punir o agente que pratica crime contra a mulher em razão de seu gênero, cometido ou não no ambiente familiar ou doméstico. Destarte, nessa alínea, prevê-se um agravamento da penalidade em razão da violência de GÊNERO.
Ou seja, a aplicação conjunta da agravante e da causa de aumento pune o agressor pela violência doméstica contra a mulher. Tanto não há bis in idem que o legislador inseriu novo parágrafo no art. 129 do CP (§ 13), para punir com maior severidade exatamente a lesão corporal praticada contra a mulher, em razão da condição do sexo feminino, a denotar que o § 9º não abordava essa circunstância específica.
Não se olvida, contudo, que é possível cogitar-se a ocorrência de bis in idem em determinadas hipóteses de aplicação conjunta dos dois dispositivos em comento, como, por exemplo, quando se está diante apenas da circunstância de o crime ter sido cometido com prevalecimento das “relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.
7.2.3. Resultado final.
A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, em condenação pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, por si só, não configura bis in idem.
8. Crime de furto contra empresa de segurança e transporte de valores e prejuízo domo razão da exasperação da pena.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
No crime de furto contra empresa de segurança e transporte de valores, o prejuízo está inserido no risco do negócio e não autoriza a exasperação da pena basilar, porquanto ínsito ao tipo penal.
AgRg no REsp 2.322.175-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 30/5/2023. (Info 777)
8.1. Situação FÁTICA.
Creiton foi condenado pelo crime de furto contra empresa de segurança e transporte de valores. Na dosimetria, o juízo utilizou o prejuízo sofrido pela empresa para a exasperação da pena base, tese da qual discorda a defesa. Conforme a defesa de Creiton, o alto valor em questão seria ínsito ao tipo penal.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. O valor do prejuízo autoriza a exasperação da pena?
R: Noooops!!!
O Superior Tribunal de Justiça admite a exasperação da pena-base pela valoração negativa das consequências do delito, com base no prejuízo expressivo sofrido pela vítima, quando ultrapassa o normal à espécie.
No caso concreto, não se pode afirmar que o prejuízo extrapolou o tipo penal, porquanto em se tratando de empresa de transporte de valores, o valor subtraído está inserido no risco do negócio.
Nesse sentido: “Mostra-se inadmissível a exasperação da pena-base pelas consequências do crime, em razão de que o prejuízo suportado pela vítima se mostra inerente ao crime de furto” (AgRg no REsp 1.984.532/SC, relator Ministro Olindo Menezes – Desembargador convocado do TRF 1ª Região, Sexta Turma, DJe 16/9/2022).
8.2.2. Resultado final.
No crime de furto contra empresa de segurança e transporte de valores, o prejuízo está inserido no risco do negócio e não autoriza a exasperação da pena basilar, porquanto ínsito ao tipo penal.
9. Existência de doença cardíaca da vítima e imputação de latrocínio
HABEAS CORPUS
A existência de doença cardíaca de que padecia a vítima configura-se como concausa preexistente relativamente independente, não sendo possível afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.
HC 704.718-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023. (Info 777)
9.1. Situação FÁTICA.
Geremias e alguns comparsas combinaram de assaltar a casa do idoso Creosvaldo. Ao chegar no local, amarraram, espancaram e amordaçaram Creosvaldo, torturando-o para descobrir onde estaria escondido o dinheiro.
Ocorre que Creosvaldo sofria de uma doença cardíaca que, diante do stress provocado pelo assalto, levou a um infarto fatal. Após a condenação do grupo pelo crime de latrocínio, a defesa de Geremias impetrou sucessivos recursos nos quais requereu a desclassificação da imputação de latrocínio para roubo seguido de lesão corporal grave. Sustenta que não teria restado demonstrado que os criminosos tiveram vontade dirigida conscientemente ao resultado morte, restando claro tratar-se de uma morte acidental.
9.2. Análise ESTRATÉGICA.
9.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Penal:
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa independente
§ 1º- A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
Roubo
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 3º Se da violência resulta:
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.
9.2.2. Possível afastar a imputação de latrocínio?
R: Nooops!!!!
A despeito da controvérsia doutrinária quanto à classificação do crime previsto no art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal – se preterdoloso ou não – fato é que, para se imputar o resultado mais grave (consequente) ao autor, basta que a morte seja causada por conduta meramente culposa, não se exigindo, portanto, comportamento doloso, que apenas é imprescindível na subtração (antecedente).
O art. 13, caput, do Código Penal, acolheu a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, ao prever que “[c]onsidera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido“. A aplicação da teoria em comento ao estudo das concausas implica concluir que as causas absolutamente independentes sempre excluirão a imputação do resultado mais gravoso, as relativamente independentes, nem sempre.
Já o § 1º do art. 13 do Código Penal prevê uma hipótese de exclusão da imputação – denominada por alguns de “rompimento do nexo causal” -, respondendo o agente apenas pelos atos já praticados. Essa hipótese, porém, apenas tem cabimento quando a concausa, além de relativamente independente, também for superveniente à ação do agente, conduzindo, por si só, ao resultado agravador. Ou seja, se a concausa relativamente independente for preexistente ou concomitante à ação do autor, não haverá exclusão do nexo de causalidade.
No caso, o laudo pericial não atestou que a morte tenha sido causada exclusivamente pela doença cardíaca preexistente da vítima. Ao contrário, consignou-se que o infarto “pode ter sido ajudado pelo stress sofrido na data do óbito, pois há sinais de violência e tortura encontrados no exame” -, o que evidencia que a vítima apenas veio a falecer, exatamente, durante o crime praticado pelos acusados, que a agrediram severamente. Considerando que a doença cardíaca, in casu, é concausa preexistente relativamente independente, não há como afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.
Nem mesmo a aplicação da teoria da imputação objetiva conduziria a outra conclusão. Segundo a doutrina, “[p]ara a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se tenha concretizado em um resultado típico“.
Portanto, parece evidente que, ao dirigirem suas ações contra vítima idosa e usarem de exacerbada violência, os agentes criaram, sim, um risco juridicamente proibido – conclusão contrária seria impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos réus (art. 157, § 3º, inciso II, do Código Penal).
9.2.3. Resultado final.
A existência de doença cardíaca de que padecia a vítima configura-se como concausa preexistente relativamente independente, não sendo possível afastar o resultado mais grave (morte) e, por consequência, a imputação de latrocínio.
10. (Im)Possibilidade de imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente
RECURSO ESPECIAL
A vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado.
REsp 2.049.327-RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/6/2023 (Tema 1189). (Info 779)
10.1. Situação FÁTICA.
Craudião ameaçou sua companheira Creide. Em primeiro grau, foi fixada pena de detenção, mas sua defesa interpôs apelação, a qual obteve sucesso para reformar a decisão e impor isoladamente a pena de 10 dias multa.
Inconformado, o MP interpôs sucessivos recursos nos quais alega que a norma veda expressamente a possibilidade de aplicação de pena de prestação pecuniária, multa ou congênere no caso de violência doméstica e familiar contra a mulher.
10.2. Análise ESTRATÉGICA.
10.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 11.340/2006:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
Código Penal:
Ameaça
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.
10.2.2. Possível a aplicação isolada da pena de multa?
R: Nooops!!!!
A controvérsia consiste em definir se a vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do crime de ameaça.
Essa norma dispõe que “é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa“.
A intenção do legislador ao impedir a aplicação exclusiva da pena de multa foi a de AMPLIAR a função de prevenção geral das penas impostas nos casos de crimes cometidos nesse contexto. Dessa forma, pretende-se demonstrar à sociedade que a prática de agressão contra a mulher acarreta consequências graves para o autor, que vão além do aspecto financeiro.
Tal interpretação implica na compreensão de que a proibição legal também se aplica à hipótese de multa estabelecida como uma pena autônoma na parte secundária do tipo penal, como é o caso do crime de ameaça (art. 147 do Código Penal). Com efeito, a imposição desse tipo de penalidade (multa) em crimes cometidos de acordo com o artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 só pode ocorrer de forma CUMULATIVA, nunca de maneira isolada.
10.2.3. Resultado final.
A vedação constante do art. 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) obsta a imposição, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de pena de multa isoladamente, ainda que prevista de forma autônoma no preceito secundário do tipo penal imputado.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
11. (In)Competência da Justiça Militar para processar e julgar crime cometido por policial militar que, ainda que esteja na ativa, pratica a conduta ilícita fora do horário de serviço, em contexto dissociado do exercício regular de sua função e em lugar não vinculado à Administração Militar
A Justiça Militar é incompetente para processar e julgar crime cometido por policial militar que, ainda que esteja na ativa, pratica a conduta ilícita fora do horário de serviço, em contexto dissociado do exercício regular de sua função e em lugar não vinculado à Administração Militar.
HC 764.059-SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/2/2023. (Info 763)
11.1. Situação FÁTICA.
Craudio, policial militar, amarrou um cidadão na rua e começou a agredir e questioná-lo acerca de um furto ocorrido na vizinhança. O cidadão nada tinha a ver com o ocorrido. Posteriormente, o MP denunciou Craudio por lesão corporal e abuso de autoridade (atentado à incolumidade física de indivíduo). Craudio estava de folga e, portanto, sem a farda da corporação, não se identificou como policial, bem como utilizou seu veículo pessoal e sua arma particular.
Craudio foi condenado em primeira instância da justiça comum, mas sua defesa impetrou Habeas Corpus no qual alega a incompetência da Justiça Comum e consequente reconhecimento da competência da Justiça Militar.
11.2. Análise ESTRATÉGICA.
11.2.1. Justiça Castrense?
R: Negativo!!
A controvérsia consiste em definir se é competência da justiça castrense processar e julgar delito cometido por policial de folga, sem farda, com veículo pessoal e portando arma particular.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “não se enquadra no conceito de crime militar previsto no art. 9º, I, alíneas “b” e “c”, do Código Penal Militar o delito cometido por Policial Militar que, ainda que esteja na ativa, pratica a conduta ilícita fora do horário de serviço, em contexto dissociado do exercício regular de sua função e em lugar não vinculado à Administração Militar” (AgRg no HC 656.361/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/8/2021).
No caso, a Corte Estadual entendeu que na ocasião dos fatos, o acusado estava de folga e, portanto, sem a farda da corporação, não se identificou como policial, bem como utilizou seu veículo pessoal e sua arma particular. Assim, embora ostentasse a condição de policial militar na ativa, a prática delitiva não decorreu de seu serviço ou em razão da função. A circunstância é corroborada pela declaração da vítima, na qual afirma que os indivíduos que o abordaram não se apresentaram como policiais, vestiam roupas comuns e não estavam fardados.
Diante disso, a Lei n. 13.491/2017 não tem aplicação no caso, tendo em vista que o acusado é um policial de folga, hipótese que não se tornou crime militar nos termos da novel legislação. A referida lei, frisa-se, não alterou a competência nestes casos, mas apenas ampliou o rol de condutas para abarcar crimes contra civis previstos na Legislação Penal Comum (Código Penal e leis esparsas), desde que praticados por militar em serviço ou no exercício da função (art. 9º, II, Lei n. 13.491/2017).
11.2.2. Resultado final.
A Justiça Militar é incompetente para processar e julgar crime cometido por policial militar que, ainda que esteja na ativa, pratica a conduta ilícita fora do horário de serviço, em contexto dissociado do exercício regular de sua função e em lugar não vinculado à Administração Militar.
12. Competência para julgamento das ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes,
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
A partir da entrada em vigor da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica julgar as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, ressalvada a modulação de efeitos realizada no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023. (Info 765)
12.1. Situação FÁTICA.
Craudião, pai de Craudinho, cometeu crime envolvendo violência contra seu filho. A ação penal foi distribuída para a vara especializada em violência doméstica, uma vez que inexistente na localidade vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente. Foi então ventilado que o alargamento da competência dos juízos especializados em violência doméstica poderia prejudicar a prestação jurisdicional precípua destes órgãos, qual seja, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
12.2. Análise ESTRATÉGICA.
12.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 13.431/2017:
Art. 23. Os órgãos responsáveis pela organização judiciária poderão criar juizados ou varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente.
Parágrafo único. Até a implementação do disposto no caput deste artigo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das práticas de violência ficarão, preferencialmente, a cargo dos juizados ou varas especializadas em violência doméstica e temas afins.
Constituição Federal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
12.2.2. Competente a vara de violência doméstica?
R: Yeaph!!!!
A Terceira Seção do STJ uniformizou a interpretação a ser conferida ao art. 23 da Lei n. 13.431/2017 no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ, fixando a tese de que, após o advento desta norma, “nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar“, ressalvada a modulação de efeitos realizada naquele julgamento.
O Legislador estabeleceu, no caput do artigo supracitado, como possibilidade aos órgãos responsáveis pela organização judiciária, a criação de varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente. Enquanto não instituídas as varas especializadas, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal determinou que as causas decorrentes de práticas de violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, deveriam tramitar nos juizados ou varas especializadas em violência doméstica.
Desse modo, as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes devem tramitar nas varas especializadas previstas no caput do art. 23 do referido diploma legal e, caso elas ainda não tenham sido criadas, nos juizados ou varas especializadas em violência doméstica, conforme determina o parágrafo único do mesmo artigo. Somente nas comarcas em que não houver varas especializadas em violência contra crianças e adolescentes ou juizados/varas de violência doméstica, poderá a ação tramitar na vara criminal comum.
Esta interpretação tem como objetivo, em primeiro lugar, evitar que os dispositivos da Lei n. 13.431/2017 se transformem em letra morta, o que frustraria o objetivo legislativo de instituir um regime judicial protetivo especial para crianças e adolescentes vítimas de violências. De outra parte, também concretiza os princípios da proteção integral e da absoluta prioridade (art. 227 da Constituição Federal), bem como o compromisso internacional do Brasil em proteger crianças e adolescentes contra todas as formas de violência (art. 19 do Decreto n. 99.710/1990), estabelecendo que a submissão destes à competência especializada decorre de sua vulnerabilidade enquanto pessoa humana em desenvolvimento, independentemente de considerações quanto ao sexo, motivação do crime, circunstâncias da violência ou outras questões similares.
Outrossim, a tese de que o alargamento da competência dos juízos especializados em violência doméstica poderá prejudicar a prestação jurisdicional precípua destes órgãos, qual seja, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, não justifica que se desconsidere a disposição expressa da lei. Em verdade, incumbe aos órgãos responsáveis pela organização judiciária avaliar o impacto do processamento de tais ações penais sobre os juizados de violência doméstica e, analisando as peculiaridades de cada local, criar as varas ou juizados especializados, na forma do art. 23 da Lei n. 13.431/17, dando assim cumprimento à imposição legal de conferir prestação jurisdicional célere e especializada tanto às mulheres quanto às crianças e adolescentes.
12.2.3. Resultado final.
A partir da entrada em vigor da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica julgar as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, ressalvada a modulação de efeitos realizada no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ.
13. Abrangência da audiência prevista na Lei Maria da Penha
A audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia.
REsp 1.977.547-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 8/3/2023. (Tema 1167) (Info 766)
13.1. Situação FÁTICA.
Craudio foi condenado pelo crime de ameaça contra sua esposa Gertrudes. Em apelação, o Tribunal local anulou a sentença em razão da falta da designação de audiência prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha.
Inconformado, o MP interpôs recurso especial no qual sustenta que o escopo da audiência prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha não é reiterar a representação da ofendida, mas, sim, ratificar volição no sentido de renúncia/retratação da representação já ofertada, pelo que a audiência em questão deveria ser designada apenas na hipótese em que a ofendida revelar o intuito de se retratar da representação oferecida na fase inquisitiva, o que não teria ocorrido.
13.2. Análise ESTRATÉGICA.
13.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 11.340/2006:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
CC:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
13.2.2. Só é necessária em caso de retratação?
R: Yeaph!!!!
A controvérsia consiste em definir se a audiência preliminar prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é ato processual obrigatório determinado pela lei ou se configura apenas um direito da ofendida, caso manifeste o desejo de se retratar.
A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dessarte, dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.
A norma cuida apenas das hipóteses de ações penais públicas condicionadas à representação, nas quais a representação da vítima constitui condição de procedibilidade para a instauração do inquérito policial e de futura ação penal.
Essencialmente, são duas as condições necessárias e concomitantes para a realização da audiência: (1) a prévia manifestação da vítima levada ao conhecimento do juiz, expressando seu desejo de se retratar e (2) a confirmação da retratação da vítima perante o magistrado, antes do recebimento da denúncia, em audiência especialmente designada para tanto.
Nesse sentido, é imperativo que a vítima, sponte propria, revogue sua declaração anterior e leve tal revogação ao conhecimento do magistrado para que se possa cogitar da necessidade de designação da audiência específica prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha. Pode-se mesmo afirmar que a intenção do legislador, ao criar tal audiência, foi a de evitar ou pelo menos minimizar a possibilidade de oferecimento de retratação pela vítima em virtude de ameaças ou pressões externas, garantindo a higidez e autonomia de sua nova manifestação de vontade em relação à persecução penal do agressor.
Assim, não há como se interpretar a regra contida no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 como uma audiência destinada à confirmação do interesse da vítima em representar contra seu agressor, pois a letra da lei deixa claro que tal audiência se destina à confirmação da retratação. Como regra geral, o Direito Civil (arts. 107 e 110 do CC) já prevê que, exarada uma manifestação de vontade por indivíduo reputado capaz, consciente, lúcido, livre de erros de concepção, coação ou premente necessidade, tal declaração é válida até que sobrevenha manifestação do mesmo indivíduo em sentido contrário.
Transposto o raciocínio para o contexto que circunda a violência doméstica, a realização de novo questionamento sobre a subsistência do interesse da vítima em representar contra seu agressor ganha contornos mais sensíveis e até mesmo agravadores do estado psicológico da vítima, na medida em que coloca em dúvida a veracidade de seu relato inicial, quando não raras vezes ela está inserida em um cenário de dependência emocional e/ou financeira, fazendo com que a ofendida se questione se vale a pena denunciar as agressões sofridas, enfraquecendo o objetivo da Lei Maria da Penha de garantir uma igualdade substantiva às mulheres que sofrem violência doméstica e até mesmo levando-as, desnecessariamente, a reviver os traumas decorrentes dos abusos.
O STJ também tem entendido que “a audiência do art. 16 deve ser realizada nos casos em que houve manifestação da vítima em desistir da persecução penal. Isso não quer dizer, porém, que eventual não comparecimento da ofendida à audiência do art. 16 ou a qualquer ato do processo seja considerado como ‘retratação tácita’. Pelo contrário: se a ofendida já ofereceu a representação no prazo de 06 (seis) meses, na forma do art. 38 do CPP, nada resta a ela a fazer a não ser aguardar pelo impulso oficial da persecutio criminis” (AREsp 1.165.962/AM, Relator Ministro Sebastião Reis Junior, DJe 22/11/2017; EDcl no REsp 1.822.250/SP, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 11/11/2019).
Tudo isso ponderado, ressalta nítido que a audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não pode ser designada de ofício pelo magistrado, até porque uma iniciativa com tal propósito corresponderia à criação de condição de procedibilidade (ratificação da representação) não prevista na Lei Maria da Penha, viciando de nulidade o ato praticado de ofício pelo juiz.
13.2.3. Resultado final.
A audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia.
14. (Im)Possibilidade de o médico acionar a polícia para investigar paciente que procurou atendimento médico-hospitalar por ter praticado manobras abortivas
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Médico não pode acionar a polícia para investigar paciente que procurou atendimento médico-hospitalar por ter praticado manobras abortivas, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo do qual tem conhecimento, bem como de depor a respeito do fato como testemunha.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023. (Info 767)
14.1. Situação FÁTICA.
Dr. Creisson, médico recém-formado, atendia em uma unidade pública de saúde, quando constatou que uma de suas pacientes, Ana, supostamente grávida de aproximadamente 16 semanas, teria realizado manobras abortivas em sua residência, mediante a ingestão de medicamento abortivo.
Dr. Creisson acionou a polícia e foi também arrolado como testemunha na investigação e consequente ação penal. Inconformada, a defesa de Ana impetrou HC no qual alega que o médico não poderia ter acionado a polícia e revelado segredo decorrente da profissão.
14.2. Análise ESTRATÉGICA.
14.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
CP:
Omissão de notificação de doença
Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
14.2.2. Confidente necessário?
R: Yeaph!!!!
O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, cabível somente quando manifesta a atipicidade da conduta, causa extintiva de punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.
No caso, o modo como ocorreu a descoberta do crime invalidou a persecução penal. O médico que realizou o atendimento da paciente – a qual estaria supostamente grávida de aproximadamente 16 semanas e teria, em tese, realizado manobras abortivas em sua residência, mediante a ingestão de medicamento abortivo – acionou a autoridade policial, figurando, inclusive, como testemunha da ação penal que resultou na pronúncia da acusada.
O art. 207 do Código de Processo Penal dispõe que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”. O médico que atendeu a paciente se encaixa na proibição legal, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão intelectual, bem como de depor sobre o fato como testemunha.
Sobre o sigilo profissional, o STJ já teve a oportunidade de decidir que, “O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social.” (RMS 9.612/SP, Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 9/11/1998).
Ademais, também como razões de decidir, o Código de Ética Médica (Resolução CFM n. 2.217/2018) enuncia que é vedado ao médico “revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão“. Não obstante existam exceções à mencionada regra, nos casos de “motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”, o art. 73, parágrafo único, da citada Resolução, prevê, de forma expressa, que a vedação em questão permanece “na investigação de suspeita de crime”, contexto em que o médico “estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal” (art. 73, parágrafo único, “c”, da Resolução CFM n. 2.217/2018).
Com efeito, o médico não possui, via de regra, o dever legal de comunicar a ocorrência de fato criminoso ou mesmo de efetuar prisão de qualquer indivíduo que se encontre em situação de flagrante delito. E, ainda, mesmo nos casos em que o médico possui o dever legal de comunicar determinado fato à autoridade competente, como no contexto de doença cuja notificação seja compulsória (art. 269 do CP), ainda assim é vedada a remessa do prontuário médico do paciente (art. 2º da Resolução n. 1.605/2000 do CFM).
Dessa forma, visto que a instauração do inquérito policial decorreu de provocação da autoridade policial por parte do próprio médico, que além de ter sido indevidamente arrolado como testemunha, encaminhou o prontuário médico da paciente para a comprovação das afirmações, encontra-se contaminada a ação penal pelos elementos de informação coletados de forma ilícita, devendo ser trancada.
14.2.3. Resultado final.
Médico não pode acionar a polícia para investigar paciente que procurou atendimento médico-hospitalar por ter praticado manobras abortivas, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo do qual tem conhecimento, bem como de depor a respeito do fato como testemunha.
15. (Im)Possibilidade da alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
AgRg no RMS 68.895-MS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 9/3/2023. (Info 768)
15.1. Situação FÁTICA.
Craudio foi denunciado por supostamente integrar organização criminosa especializada no transporte aéreo internacional de drogas na região de fronteira. O Justiça determinou o sequestro (medida assecuratória) de uma aeronave em nome de Craudio, assentando-se que esta seria utilizada para a atividade criminosa.
Em razão da dificuldade da guarda e manutenção do bem, bem como das dispendiosas quantias para tanto, o juízo autorizou a alienação antecipada do “teco-teco”. Inconformado, Craudio impetrou MS no qual sustenta a origem lícita do bem, bem como a impossibilidade de alienação antecipada.
15.2. Análise ESTRATÉGICA.
15.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 144-A. O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
Lei n. 9.613/1998:
Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.
§ 1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
Lei n. 11.343/2006:
Art. 61. A apreensão de veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte e dos maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza utilizados para a prática, habitual ou não, dos crimes definidos nesta Lei será imediatamente comunicada pela autoridade de polícia judiciária responsável pela investigação ao juízo competente.
15.2.2. Possível a alienação antecipada?
R: Yeaph!!!!
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que “O art. 144-A do Código de Processo Penal, acrescido ao diploma pela Lei n. 12.694/2012, permite expressamente a alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção” (AgRg no REsp 1.964.491/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 31/3/2022).
Para o deferimento da medida de alienação antecipada, em suma, são necessários indícios suficientes de prática de infração penal, bem como de que os bens constritos são utilizados na prática criminosa ou constituem produto/proveito dos delitos apurados.
No caso, quanto aos indícios da conduta delitiva, investiga-se organização criminosa especializada no transporte aéreo internacional de drogas na região de fronteira de Ponta Porã/Pedro Juan Caballero/MS, realizado por pilotos habilitados.
O acusado não demonstrou a origem lícita da aquisição, além de ser dispendiosa a manutenção desse bem sem que se deteriore, mostrando-se, portanto, válida a venda antecipada do bem. Ressalta-se que o fato da aeronave ter sido parcelada não demonstra a origem lícita dos recursos usados para quitá-la.
Acrescenta-se, ainda, que a venda está autorizada além da hipótese de perecimento, nos casos de desvalorização ou de dificuldade para a sua manutenção que é o que ocorre com uma aeronave, a qual não pode simplesmente ficar guardada em um hangar sem a realização de diversos procedimentos, como o funcionamento do motor e checagem dos sistemas de direção e hidráulica, entre outros, os quais oneram a guarda do bem, além da sua desvalorização a cada ano que se passa.
Portanto, as circunstâncias autorizam a alienação do bem antecipadamente, nos termos do art. 144-A do Código de Processo Penal e art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.613/1998, tratando-se de medida também disciplinada no art. 61 da Lei n. 11.343/2006, que visa a garantir a preservação do valor econômico dos ativos apreendidos.
15.2.3. Resultado final.
É possível alienação antecipada de bens que correm o risco de perecimento ou desvalorização, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.
16. Nulidade pelo não oferecimento tempestivo do acordo de não persecução penal desacompanhado de motivação idônea
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
Por constituir um poder-dever do Ministério Público, o não oferecimento tempestivo do acordo de não persecução penal desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta.
AgRg no HC 762.049-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 17/3/2023. (Info 769)
16.1. Situação FÁTICA.
Crementino foi denunciado por crime. Embora coubesse o oferecimento do acordo de não persecução penal (ANPP), o Ministério Público estadual prosseguiu com a denúncia, sem declinar as justificativas pelas quais não foi proposto o ajuste.
Inconformada, a defesa de Crementino impetrou HC no qual sustenta a nulidade do recebimento da inicial acusatória, sob o argumento de que era cabível o ANPP.
16.2. Análise ESTRATÉGICA.
16.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
16.2.2. Nulidade absoluta?
R: Yeaph!!!!
Inicialmente, frisa-se que o STJ já decidiu que configuradas as demais condições objetivas, a propositura do acordo não pode ser condicionada à confissão extrajudicial, na fase inquisitorial. Precedente: HC 657.165/RJ, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/8/2022.
O acordo de não persecução penal foi instituído com o propósito de resguardar tanto o agente do delito, quanto o aparelho estatal, das desvantagens inerentes à instauração do processo-crime em casos desnecessários à devida reprovação e prevenção do delito. Para isso, o Legislador editou o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, norma despenalizadora que atribui ao Ministério Público o poder-dever de oferecer, segundo sua discricionariedade regrada, condições para o então investigado (e não acusado) não ser denunciado, caso atendidos os requisitos legais.
Ou seja, o benefício a ser eventualmente ofertado ao agente em hipótese na qual há, em tese, justa causa para o oferecimento de denúncia, aplica-se ainda na fase pré-processual e, evidentemente, consubstancia hipótese legal de mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal.
No caso, também como razões de decidir extraídas do voto-vista do Ministro Sebastião Reis Junior, evidencia-se que todas as condições objetivas, salvo a confissão, exigidas para a propositura do ANPP, estavam presentes; que o Ministério Público local reconheceu que o ANPP não foi apresentado no momento oportuno em razão da ausência da confissão; que a confissão, no inquérito, não é condicionante para o ANPP; e que o acordo veio a ser apresentado, após o recebimento da denúncia, mesmo tendo o réu, por meio de sua defesa, afirmado que só confessaria se e quando formalizado o ANPP.
O evidente prejuízo alegado centra-se no ato de recebimento da inicial acusatória, porquanto o fato criminoso atribuído ao réu teria ocorrido em 31/08/2009, ao passo que a denúncia foi recebida pelo Juízo em 26/07/2021, ou seja, 35 (trinta e cinco) dias antes do escoamento do prazo prescricional pela pena em abstrato.
Assim, presentes as condições para a oferta do ANPP, ele teria de ter sido ofertado antes do oferecimento da denúncia, até porque o Ministério Público reconheceu, quando o ofertou tardiamente, que, se aceita a proposta, deixaria de denunciar o acusado. Silente o Ministério Público antes do oferecimento da denúncia quanto às razões pelas quais não ofertou o ANPP. Reconheceu-se, apenas, ao longo do feito, que o acordo poderia ter sido oferecido antes do oferecimento da denúncia, apesar de ausente a confissão. Há, portanto, uma nulidade que prejudica todo o processo a partir deste momento.
A consequência jurídica do descumprimento ou da não homologação do acordo é exatamente a complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia, nos termos dos §§ 8.º e 10 do art. 28-A do Código de Processo Penal, e não o prosseguimento da instrução. Não há previsão legal de que a oferta do ANPP seja formalizada após a instauração da fase processual. Nesse contexto, para a correta aplicação da regra, há de se considerar o momento processual adequado para sua incidência, sob pena de se desvirtuar o instituto despenalizador.
Portanto, o fato de o acordo tardiamente oferecido não ter chegado a bom termo não supera a nulidade acima apontada, até porque não há como se dizer se o acordo poderia ter outros termos ou se o réu poderia ter eventualmente aceito a proposta ofertada naquele momento.
16.2.3. Resultado final.
Por constituir um poder-dever do Ministério Público, o não oferecimento tempestivo do acordo de não persecução penal desacompanhado de motivação idônea constitui nulidade absoluta.
17. Natureza da ação penal relativa ao delito de registro não autorizado da intimidade sexual
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
O delito de registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do CP) possui a natureza de ação penal pública incondicionada.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023. (Info 772)
17.1. Situação FÁTICA.
Josefino manteve relacionamento com Creide. E não é que o rapaz gravava as relações sexuais sem a ciência da Creide?! E daí deu no que deu… Quando o relacionamento acabou, Josefino passou a exibir as imagens aos amigos, fato do qual tomou conhecimento Creide. O Problema é que apenas após um ano da ciência das gravações é que Creide tomou providência para “denunciar” o ex-namorado.
A defesa de Josefino, mais ligeira que rato perseguido por gato, sustenta que houve decadência, pois que, mesmo tomando conhecimento da gravação ilegal, a vítima Creide apenas teria representado após o prazo de 6 meses conferido pelo art. 38 do CPP.
17.2. Análise ESTRATÉGICA.
17.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Penal:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.
CPP:
Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.
17.2.2. Ação penal pública incondicionada?
R: Yeaph!!!!
A Lei n. 13.718/2018 converteu a ação penal de todos os crimes contra a dignidade sexual em pública incondicionada (art. 225 do Código Penal). Posteriormente, a Lei n. 13.772/2018 criou um novo capítulo no Código Penal, o Capítulo I-A, e dentro dele o delito do art. 216-B (Registro não autorizado da intimidade sexual). Ao criar esse novo capítulo, no entanto, deixou-se de acrescentar sua menção no art. 225 do Código Penal, o qual se referia aos capítulos existentes à época da sua redação (Capítulos I e II).
No caso, a defesa alega a existência de constrangimento ilegal decorrente do ato de recebimento da denúncia, uma vez que o crime encontra-se prescrito e decaído, pois, mesmo tomando conhecimento da gravação ilegal, a vítima apenas teria representado após o prazo de 6 meses conferido pelo art. 38 do CPP.
Todavia, compreende-se que tal omissão legislativa não prejudica o posicionamento de que o crime de registro não autorizado da intimidade sexual se trata de ação penal pública incondicionada. Isso porque, inexistindo menção expressa (seja no capítulo I-A, seja no art. 216-B) de que se trata de ação privada ou pública condicionada, aplica-se a regra geral do Código Penal: no silêncio da lei, deve-se considerar a ação penal como pública incondicionada.
No mesmo sentido, referencia-se o entendimento do Tribunal de origem no sentido de que “A interpretação deve ser, em tais hipóteses, necessariamente restritiva, pelo que é forçoso reconhecer não estar referido “Capítulo I-A” abrangido na previsão expressa de mencionado art. 225 do CP. Não se pode, contudo, perder de vista que a regra geral da legislação criminal é a ação penal pública ser incondicionada, sendo pública condicionada, ou privada, apenas se houver previsão expressa nesse sentido pelo legislador”.
Dessa forma, ao se considerar o delito de registro não autorizado da intimidade sexual como delito de ação penal pública incondicionada, inexiste a alegada decadência do direito de representação.
17.2.3. Resultado final.
O delito de registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do CP) possui a natureza de ação penal pública incondicionada.
18. Cabimento do ANPP nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito – seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial.
AgRg no REsp 2.016.905-SP, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 14/4/2023. (Info 772)
18.1. Situação FÁTICA.
Creosvalda foi condenada pelo crime de falsidade ideológica por sete vezes. Em apelação, foi provido o recurso para reconhecer a continuidade delitiva dos atos e o redimensionamento da pena para menos de dois anos.
A defesa então requereu a remessa do feito ao MP, para que avaliasse a possibilidade de celebração de ANPP, o que foi negado pelo tribunal sob a alegação de que não se poderia discutir a composição após a condenação.
18.2. Análise ESTRATÉGICA.
18.2.1. Questão JURÍDICA.
CP:
Falsidade ideológica
Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
18.2.2. Cabível o ANPP?
R: SIM!!!!
No caso, houve uma relevante alteração do quadro fático-jurídico, tornando-se potencialmente cabível o instituto negocial do Acordo de Não Persecução Penal – ANPP. Afinal, o Tribunal a quo, ao julgar o recurso de apelação interposto pela defesa, deu-lhe parcial provimento, a fim de reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299), tornando, assim, objetivamente viável a realização do referido acordo, em razão do novo patamar de apenamento – pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos.
Trata-se, mutatis mutandis, de raciocínio similar àquele constante da Súmula n. 337 do STJ, a saber: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”.
De fato, ao longo da ação penal até a prolação da sentença condenatória, o ANPP não era cabível, seja porque a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) entrou em vigor em 23/1/2020, após o oferecimento da denúncia (26/4/2019), seja porque o crime imputado – falsidade ideológica, por sete vezes, em concurso material – não tornava viável o referido acordo, tendo em vista que a pena mínima cominada era superior a 4 (quatro) anos, em razão do concurso material de crimes.
Ocorre que o Tribunal de origem, já na vigência da Lei n. 13.964/2019, deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa para reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de falsidade ideológica, afastando, assim, o concurso material.
Essa modificação do quadro fático-jurídico não somente resultou numa considerável redução da pena, mas também tornou objetivamente cabível a formulação de acordo de não persecução penal, ao menos sob o aspecto referente ao requisito da pena mínima cominada ser inferior a 4 (quatro) anos, conforme previsto no art. 28-A do CPP.
Assim, nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, como no caso em questão, e ainda em situações em que houver a desclassificação do delito – seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o ANPP, torna-se cabível o instituto negocial.
Cabe salientar, ainda, que, no caso, não se faz necessária a discussão acerca da questão da retroatividade do ANPP, mas, sim, unicamente a circunstância de que a alteração do quadro fático-jurídico tornou potencialmente cabível o instituto negocial, de maneira que o entendimento externado na presente decisão não entra em confronto com a jurisprudência do STJ.
18.2.3. Resultado final.
Nos casos em que houver a modificação do quadro fático-jurídico, e, ainda, em situações em que houver a desclassificação do delito – seja por emendatio ou mutatio libelli -, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos para o Acordo de Não Persecução Penal, torna-se cabível o instituto negocial.
19. (In)Capacidade do depoimento testemunhal indireto para sustentar uma acusação e justificar a instauração do processo penal
O depoimento testemunhal indireto não está excluído do sistema probatório brasileiro, podendo ser valorado a critério do julgador. Porém, é imprescindível a presença de outros elementos probatórios substanciais para sustentar uma acusação e justificar a instauração do processo penal.
AREsp 2.290.314-SE, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 26/5/2023. (Info 776)
19.1. Situação FÁTICA.
O MP ofereceu denúncia em desfavor de Craudião pelo crime de homicídio. O juízo criminal rejeitou a denúncia, por ausência de justa causa, com fundamento no art. 395, inciso III, do CPP, uma vez que a prova na qual se baseou o MP era um testemunho indireto (a testemunha teria” ouvido dizer” que Craudião matou). O TJ acolheu o recurso do MP e reconheceu a presença de justa causa para deflagração da ação penal. Inconformada, a defesa de Craudião interpôs recurso especial no qual sustenta que o depoimento indireto não seria suficiente para sustentar a acusação.
19.2. Análise ESTRATÉGICA.
19.2.1. Questão JURÍDICA.
CPP:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.
19.2.2. “Ouvi dizer” presta pra nada?
R: Não é bem assim…
O testemunho indireto é conhecido também como testemunha auricular ou de auditus, e seu depoimento não está excluído do sistema probatório brasileiro, podendo ser valorado a critério do julgador.
No ordenamento jurídico pátrio, não há previsão legal específica para a testemunha “de ouvir dizer”, uma vez que não há distinção entre testemunhas diretas e indiretas. Ao contrário, a legislação penal brasileira determina que o depoimento testemunhal será admitido sempre que for relevante para a decisão. Dessa forma, diferentemente dos sistemas da commow law, as restrições probatórias relacionadas ao ouvir dizer não se aplicam no Brasil, sendo, em regra, admissível como meio probatório.
No julgamento do REsp 1.387.883/MG, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão que afirma a legalidade da prova testemunhal indireta, reconhecendo sua suficiência para embasar uma sentença condenatória, uma vez que tal modalidade de prova é admitida pela legislação em vigor e sua valoração fica a cargo do julgador. O referido julgado tratava de um crime de estupro, no qual a vítima somente confirmou a autoria do fato durante o seu depoimento perante as autoridades policiais. Além disso, havia duas testemunhas que relataram ter ouvido diretamente da própria vítima que ela teria sido vítima de estupro pelo acusado.
Considerando esse contexto fático, juntamente com as demais provas constantes nos autos, como o exame de corpo de delito, a Quinta Turma do STJ concluiu que a autoria do delito estava demonstrada. A partir dessa decisão, fica evidente que a prova testemunhal indireta possui validade e relevância na formação do convencimento judicial, desde que corroborada por outros elementos probatórios.
No âmbito do procedimento do Tribunal do Júri, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento relevante em relação aos testemunhos baseados em “ouvir dizer”. Por exemplo, no julgamento do REsp 1.674.198/MG, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, decidiu-se que a pronúncia baseada unicamente em depoimentos indiretos é inadmissível, dada a precariedade desse tipo de prova.
Em suma, os relatos indiretos e baseados em ouvir dizer não são elementos suficientes para garantir a viabilidade acusatória, sendo necessário que existam outros elementos probatórios robustos para embasar uma acusação consistente. Portanto, na análise, deve-se considerar a fragilidade dos depoimentos baseados em ouvir dizer na formação de um juízo acusatório.
Nesse sentido, a ausência de justa causa para o exercício da ação penal denota a inexistência de elementos probatórios suficientes nos autos que respaldem a acusação formalizada pelo Ministério Público ou pela parte acusadora, como unicamente o testemunho indireto na espécie. Em sua essência, trata-se da carência de indícios que apontem a ocorrência de um delito e a participação do acusado na sua prática.
A rejeição da denúncia, nesse caso, mostra-se como uma questão de interesse processual. Se a persecução penal é destinada ao fracasso desde o início (pois nenhuma das provas apresentadas pela acusação é suficiente para sustentar uma pronúncia ou condenação, e não há indicação de que outras provas serão produzidas durante a instrução), não há razão para iniciar o processo.
Assim, caso a acusação tenha como intenção apenas repetir o testemunho indireto, a ação penal se mostra sem perspectivas de sucesso desde o início. Nesse contexto, prosseguir com o processo torna-se apenas um ato de assédio processual contra o acusado.
19.2.3. Resultado final.
O depoimento testemunhal indireto não possui a capacidade necessária para sustentar uma acusação e justificar a instauração do processo penal, sendo imprescindível a presença de outros elementos probatórios substanciais.
20. Competência para estadual processar e julgar causa quando não se verifica, da atuação de indiciado que se autodeclara quilombola, disputa alguma por terra quilombola ou interesse da comunidade na ação delituosa
Compete à Justiça estadual processar e julgar causa quando não se verifica, da atuação de indiciado que se autodeclara quilombola, disputa alguma por terra quilombola ou interesse da comunidade na ação delituosa.
CC 192.658-RO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/5/2023, DJe 16/5/2023. (Info 777)
20.1. Situação FÁTICA.
Foi instaurado inquérito policial para apurar a suposta prática dos crimes de posse irregular de arma de fogo e pesca ilegal. O Juízo Estadual declinou da competência para a Justiça Federal porque o investigado se autodeclarara membro de quilombola e alegara que as infrações penais imputadas a ele decorrem de condutas praticadas em conformidade com a organização social, costumes e tradições de seu povo.
Por sua vez, o juízo federal suscitou conflito de competência alegando que o fato de o investigado se autodeclarar pertencente a quilombola, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal. Isto porque não haveria nos autos elementos que evidenciem que os crimes ambientais perpetrados foram em detrimento do interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais.
20.2. Análise ESTRATÉGICA.
20.2.1. Questão JURÍDICA.
Súmula 140:
Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima.
20.2.2. A quem compete julgar o autodeclarado quilombola?
R: Justiça ESTADUAL!!!
Trata-se de conflito negativo de competência em inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de posse irregular de arma de fogo e pesca ilegal, por indivíduo que se autodeclarou quilombola.
A Justiça estadual declinou de sua competência com o entendimento de que a autodeclaração do indiciado de que seria quilombola atrairia a competência da Justiça Federal.
Em casos assemelhados, referentes a povos indígenas, o Supremo Tribunal Federal e o STJ já esclareceram que a competência será da Justiça Federal nos feitos que versem acerca de questões ligadas à cultura ou disputas de interesses das comunidades indígenas.
Por isso, o STJ, inclusive, editou a Súmula 140, clara ao estabelecer que “compete à justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima” (Terceira Seção, DJe 24/5/1995).
No caso, porém, não se verifica, da atuação do indiciado, disputa alguma por terra quilombola ou interesse da comunidade na ação delituosa. O fato de o investigado se autodeclarar quilombola, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal, isso porque não há nos autos elementos que evidenciem que os crimes ambientais perpetrados foram em detrimento do interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. Assim, se não se verifica lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de seus entes, afasta-se a competência da Justiça Federal.
Nesse sentido, “o mero fato de índio figurar como autor do delito ambiental, sem nenhuma conotação especial, não enseja o deslocamento da causa para a Justiça Federal, conforme enunciado da Súmula n° 140/STJ” (CC 93.120/AM, rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 9/6/2010, DJe 17/6/2010).
20.2.3. Resultado final.
Compete à Justiça estadual processar e julgar causa quando não se verifica, da atuação de indiciado que se autodeclara quilombola, disputa alguma por terra quilombola ou interesse da comunidade na ação delituosa.
21. Dispensa do exame do corpo de delito em lesão corporal ocorrida em ambiente doméstico.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime.
AgRg no AREsp 2.078.054-DF, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 30/5/2023. (Info 777)
21.1. Situação FÁTICA.
Craudio foi condenado pelo crime de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico. O TJ local negou provimento ao apelo da defesa para que absolvesse o réu por insuficiência de provas, em virtude da não realização do laudo do exame de corpo de delito e da impossibilidade de se comprovar que as fotografias juntadas aos autos foram produzidas no dia do crime.
Inconformada, a defesa interpôs recurso especial para sustentar violação ao art. 158 do Código de Processo Penal, uma vez que se reconheceu a materialidade do crime de lesão corporal sem que fosse realizado o exame de corpo de delito.
21.2. Análise ESTRATÉGICA.
21.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
21.2.2. Pode ser dispensado o exame de corpo de delito?
R: Sim, mas desde que haja outras provas idôneas da materialidade do crime!!!
A jurisprudência do STJ possui entendimento consolidado de que a palavra da vítima detém especial importância nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem. Claro que a tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo Penal.
Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário responder adequadamente aos que perpetram atos de violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição Federal. Por outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal.
No caso, não havia laudo emitido por médico particular, nem testemunha que tivesse presenciado o momento das agressões. Ao revés, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado, e as fotografias que instruem o feito não foram periciadas, a despeito de terem sido produzidas pelo irmão da vítima. As provas que deveriam suprir a deficiência (ausência) do laudo consistiam em fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou diretamente os fatos.
Com efeito, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado e os elementos de prova restantes – fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou os fatos – se mostraram insuficientes para a manutenção da condenação. A absolvição é medida que se impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não foi adequadamente suprida, nem devidamente justificada.
21.2.3. Resultado final.
O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime.
22. Postura firme do Juiz Presidente ao inquirir testemunha como influenciadora dos jurados.
HABEAS CORPUS
Não se pode compreender que uma postura mais firme (ou até mesmo dura) do Juiz Presidente ao inquirir testemunha, durante a sessão plenária, influencie os jurados, a quem a Constituição da República pressupôs a plena capacidade de discernimento, ao conceber o direito fundamental do Tribunal do Júri.
HC 682.181-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023. (Info 777)
22.1. Situação FÁTICA.
Geremias foi condenado pelo tribunal do júri por crime de homicídio consumado. Sua defesa interpôs, sob a alegação de parcialidade do Magistrado Togado e, no mérito, buscando a redução da pena. Conforme a defesa de Geremias, o juízo teria sido excessivamente incisivo em seus questionamentos, de forma a influenciar os jurados.
22.2. Análise ESTRATÉGICA.
22.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
22.2.2. A postura firme do Juiz Presidente influencia ilegalmente os jurados?
R:. Negativo!!!
Ainda que se possa conjecturar que o Juiz de Direito, no caso, tenha sido incisivo em seus questionamentos, não há como concluir que atuou na condução do feito de forma parcial, valendo, ainda, referir que a “‘aferição da suspeição do magistrado é tema que envolve debate de nítido colorido fático-processual, inviável de ser efetivado no seio do mandamus’ (HC 131.830/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 1°/2/2013)” (HC 705.967/SC, Rel. Ministro Jesuíno Rissato – Desembargador convocado do TJDFT -, Quinta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe 15/12/2021).
A alegada suspeição do Juiz Togado, no caso, parece até ser desimportante para a solução da controvérsia, porque o magistrado Presidente não tem competência constitucional para julgar os crimes dolosos contra a vida. Em outras palavras, não há como reconhecer prejuízo ao réu também porque o mérito da causa não foi analisado pelo Juiz de Direito, mas pelos Jurados.
Dessa forma, incide na espécie a regra prevista no art. 563 do Código de Processo Penal – a positivação do dogma fundamental da disciplina das nulidades -, de que o reconhecimento de vício que enseja a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo (pas de nullité sans grief).
Ademais, a doutrina ressalta que o munus de julgar confere ao leigo responsabilidade, além de provocar-lhe o sentimento de civismo. É por isso que não se pode compreender que tão somente uma postura mais firme (ou até mesmo dura) do magistrado Presidente influencie os jurados – a quem a Constituição Federal pressupôs a plena capacidade de discernimento, ao conceber o direito fundamental do Tribunal do Júri (art. 5º, inciso XXXVIII).
Nesse sentido, o STJ já decidiu que “A condução pelo togado do interrogatório da ré, durante o júri, de forma firme e até um tanto rude, não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado e nem influência negativa nos jurados (…)” (HC 410.161/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17/4/2018, DJe de 27/4/2018).
22.2.3. Resultado final.
Não se pode compreender que uma postura mais firme (ou até mesmo dura) do Juiz Presidente ao inquirir testemunha, durante a sessão plenária, influencie os jurados, a quem a Constituição da República pressupôs a plena capacidade de discernimento, ao conceber o direito fundamental do Tribunal do Júri.
23. Efeito do recurso dirigido às instâncias administrativas contra o parecer da instância superior do Ministério Público no caso de recusa de oferecimento do acordo de não persecução penal pelo representante do Ministério Público
PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA
No caso de recusa de oferecimento do acordo de não persecução penal pelo representante do Ministério Público, o recurso dirigido às instâncias administrativas contra o parecer da instância superior do Ministério Público não detém efeito suspensivo capaz de sustar o andamento de ação penal.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 5/6/2023, DJe 7/6/2023. (Info 780)
23.1. Situação FÁTICA.
Craudio cometeu crime e foi denunciado. Como o MP não ofereceu o ANPP, a defesa interpôs recurso dirigido às instâncias administrativas superiores do Ministério Público.
Neste meio tempo, ação penal prosseguiu, o que levou a defesa de Creitinho a questionar por meio de recurso a continuidade da ação penal, uma vez que, em seu entender, o recurso apresentado contra o não oferecimento do ANPP teria efeito suspensivo.
23.2. Análise ESTRATÉGICA.
23.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
23.2.2. Tem efeito suspensivo?
R: Negativo!!!
O § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal garantiu a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos a órgão superior do Ministério Público nas hipóteses em que a acusação tenha se recusado a oferecer a proposta de Acordo de Não Persecução Penal na origem.
No caso, verifica-se que, diante da recusa do representante do Ministério Público Federal em primeiro grau para propor o acordo, a defesa pugnou pela reapreciação do tema pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal – MPF, o que foi deferido no próprio âmbito administrativo.
Contudo o órgão superior do Ministério Público ratificou o entendimento acerca da impossibilidade concreta da propositura do acordo aos acusados. Nesse caso, por ausência de previsão legal, afasta-se a obrigatoriedade de suspensão das duas ações penais em curso na origem diante da pendência do julgamento de recurso administrativo interposto pela defesa no âmbito interno do Ministério Público Federal. Isso porque cumpre ao Ministério Público, como titular da ação penal pública, a propositura, ou não, do ANPP (art. 28-A do CPP).
Além disso, não há ilegalidade pelo fato de o órgão acusatório sequer ter iniciado diálogo com a defesa sobre o tema, notadamente porque, de forma fundamentada, explicitou as razões pelas quais entendeu não ser viável a propositura do acordo. O oferecimento submete-se à DISCRICIONARIEDADE do Ministério Público como titular da ação penal. Não constitui direito subjetivo do acusado a oferta do acordo. Por fim, também não cabe ao Poder Judiciário impor ao Ministério Público a obrigação de ofertá-lo.
23.2.3. Resultado final.
No caso de recusa de oferecimento do acordo de não persecução penal pelo representante do Ministério Público, o recurso dirigido às instâncias administrativas contra o parecer da instância superior do Ministério Público não detém efeito suspensivo capaz de sustar o andamento de ação penal.
24. Exercício do direito ao silêncio e efeitos probatórios
O exercício do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais, sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo penal a respaldá-las.
REsp 2.037.491-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023. (Info 780)
24.1. Situação FÁTICA.
Creitinho foi denunciado pelo crime de tráfico de drogas. Embora em primeiro grau tenha sido acolhida a tese de que se tratava de usuário que havia acabado de comprar a droga dos traficantes, em apelação, o tribunal local reformou a sentença para condenar o rapaz.
A condenação foi embasada no fato de que Creitinho optara pelo silêncio em juízo, bem como da declaração dos policiais que teriam visto o acusado se esquivando das viaturas e escondendo drogas em locais distintos. Na linha argumentativa desenvolvida e adotada pelo Tribunal, a negativa do réu em juízo seria estratégia para evitar a condenação.
24.2. Análise ESTRATÉGICA.
24.2.1. Questão JURÍDICA.
CF:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
Lei n. 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
CPP:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
24.2.2. Pode punir o silêncio?
R: De jeito nenhum!!!
O direito ao silêncio, enumerado na Constituição Federal como direito de permanecer calado, é sucedâneo lógico do princípio nemo tenetur se detegere. Nesse sentido, é equivocado qualquer entendimento de que se conclua que seu exercício possa acarretar alguma punição ao acusado. A pessoa não pode ser punida por realizar um comportamento a que tem direito. O art. 5º, inc. LXIII, da CF, não deixa dúvidas quanto à não recepção do art. 198 do CPP, quando diz que o silêncio do acusado, ainda que não importe em confissão, poderá se constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
Esse reprovável subterfúgio processual foi enfrentado no julgamento do HC 330.559/SC, em 2018. Consta, na ementa daquela decisão que: “3. Na verdade, qualquer pessoa ao confrontar-se com o Estado em sua atividade persecutória, deve ter a proteção jurídica contra eventual tentativa de induzir-lhe à produção de prova favorável ao interesse punitivo estatal, especialmente se do silêncio puder decorrer responsabilização penal do próprio depoente”. (HC n. 330559/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, DJe 9/10/2018).
No caso, a absolvição em primeira instância foi revista pelo Tribunal que, acolhendo a apelação interposta pela acusação, condenou o réu pela prática do delito incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Na linha argumentativa desenvolvida a negativa do réu em juízo quanto à comissão do delito seria estratégia para evitar a condenação. As exatas palavras utilizadas no acórdão recorrido foram que: “Fosse verdadeira a frágil negativa judicial, certamente o réu a teria apresentado perante a autoridade policial, quando entretanto, valeu-se do direito constitucional ao silêncio, comportamento que, se por um lado não pode prejudicá-lo, por outro permite afirmar que a simplória negativa é mera tentativa de se livrar da condenação”. Houve, portanto, violação direta ao art. 186 do CPP.
O raciocínio enviesado que concedeu inequívoco valor de verdade à palavra dos policiais e que interpretou a negativa do acusado em juízo como mentira, teve o silêncio do réu em sede policial como ponto de partida. A instância de segundo grau erroneamente preencheu o silêncio do réu com palavras que ele pode nunca ter pronunciado, já que, do ponto de vista processual-probatório, tem-se apenas o que os policiais afirmaram haver escutado, em modo informal, ainda no local do fato.
Decidiu o Tribunal estadual, então, que, se de um lado havia razões para crer que o réu mentia em juízo, de outro, estavam os desembargadores julgadores autorizados a acreditar que os policiais é que traziam relatos correspondentes à realidade, ao afirmarem: 1) que avistaram o acusado descartando as drogas que foram encontradas no chão, 2) que a balança de precisão que estava no interior de um carro abandonado seria do acusado e, adicionalmente, 3) que ainda na cena do crime, o recorrente haveria confessado informalmente que, sim, traficava.
Essa narrativa toma como verídica uma situação em que o investigado ofereceu àqueles policiais, desembaraçadamente, a verdade dos fatos, em retribuição à empatia com que fora tratado por eles; como se houvesse confidenciado um segredo a novos amigos, e não confessado a prática de um delito a agentes da lei. Se é que de fato o acusado confirmou para os policiais que traficava por passar por dificuldades financeiras, é ingenuidade supor que o tenha feito em cenário totalmente livre da mais mínima injusta pressão.
O Tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja a injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos.
Nesse contexto, é preciso reconhecer que, se se pretende aproveitar a palavra do policial, impõe-se a exigência de respaldo probatório que vá além do silêncio do investigado ou réu. O silêncio não descredibiliza o imputado e não autoriza que magistrados concedam automática presunção de veracidade às versões sustentadas por policiais.
Por fim, ante a manifesta escassez probatória que – em violação ao art. 186 do CPP – se extraiu do silêncio do acusado inferências que a lei não autoriza extrair, impõe-se reconhecer que o standard probatório próprio do processo penal, para a condenação, não foi superado.
24.2.3. Resultado final.
O exercício do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais, sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo penal a respaldá-las.
25. A postura de abandonar o plenário do Júri, como tática de defesa e aplicação de multa.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
A postura de abandonar o plenário do Júri, como tática de defesa, configura flagrante desrespeito ao múnus público conferido ao advogado, o que justifica a aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP.
AgRg no RMS 63.152-SC, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/3/2023, DJe 14/3/2023. (Info 769)
25.1. Situação FÁTICA.
Em um julgamento pelo Tribunal do Júri, a defesa do autor resolveu abandonar o plenário, como tática de defesa, após a leitura de uma peça pela acusação. Fora então aplicada a multa do art. 265 do CPP aos defensores, que, contrariados, ajuizaram ação com o objetivo de serem desobrigados ao pagamento.
25.2. Análise ESTRATÉGICA.
25.2.1. Questão JURÍDICA.
CPP:
Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
25.2.2. Justificada a aplicação da multa?
R: Mais do que justificada!!!!
É consolidada a jurisprudência do STJ no sentido que “o não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP” (AgRg no RMS n. 55.414/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 1º/7/2019).
No caso, a defesa abandonou a sessão plenária, inconformada com a leitura de uma peça pela acusação, como tática de defesa. Contudo, como observado pelo acórdão recorrido, “abandonar um processo em curso, por mero inconformismo com o decidido em plenário, é tática processual que afronta a Justiça, notadamente quando se trata de uma sessão do Tribunal do Júri, cuja preparação é consideravelmente dispendiosa, inclusive em termos financeiros para o Estado“.
Além disso, fundamentos invocados pela Corte de origem motivam a manutenção da multa aplicada, pois “segundo o art. 265 do CPP, o defensor não pode abandonar o processo, senão por motivo imperioso, sob pena de multa.
Ora, “não há que se falar em motivo imperioso quando o advogado, ao invés de buscar a reforma da decisão/anulação do julgamento, pela via processual adequada, simplesmente abandona o plenário, obstando a continuidade da Sessão. Assim, nos termos do art. 265 do CPP, aplicam-se aos defensores, solidariamente, multa no valor de 50 (cinquenta) salários-mínimos, considerando, como parâmetro, o custo para realização de uma sessão de julgamento do Tribunal do Júri”. |
25.2.3. Resultado final.
A postura de abandonar o plenário do Júri, como tática de defesa, configura flagrante desrespeito ao múnus público conferido ao advogado, o que justifica a aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP.