Responsabilidade tributária na sucessão empresarial, terceiros e infrações
Conceitos Iniciais
O objetivo deste texto é expor o tema da responsabilidade tributária no direito tributário pela transferência em sucessão empresarial, bem como responsabilidade por infrações.
A responsabilidade tributária é a situação que impõe ônus tributário a uma terceira pessoa, que não é pessoalmente vinculada à situação que constitui o fato gerador, mas possui seu vínculo com ela decorrente de determinação contida em lei tributária.
Entretanto, antes da responsabilidade tributária, há a situação que inicia esta relação do contribuinte com a administração tributária: a obrigação tributária. A obrigação tributária nasce quando a situação que foi prevista em lei – a hipótese de incidência – se materializa no mundo real, transformando aquela previsão na letra da lei, o fato gerador em abstrato em fato gerador em concreto.
Quando isso acontece, a doutrina entende que houve a subsunção do fato com a lei, a coincidência entre os dois.
Sucedendo ao surgimento do fato gerador, passa a existir a obrigação tributária, relação jurídico-tributária entre duas pessoas: o sujeito ativo, que possui capacidade tributária ativa, ou seja, que pode exigir o cumprimento da obrigação principal, e o sujeito passivo, que possui capacidade tributária passiva, ou seja, o dever de submeter o cumprimento da obrigação tributária ao sujeito ativo.
A obrigação tributária principal possui como objeto o pagamento do tributo devido e como causa a situação descrita na lei – necessária e suficiente para a sua ocorrência. Entretanto, nem sempre é possível esperar o cumprimento da obrigação pelo contribuinte, sendo necessário elencar o responsável, que mesmo não possuindo relação direta e pessoal com o fato gerador, terá o ônus de pagar o tributo.
Nos termos da lei n. 5.172/1966, conhecida como Código Tributário Nacional (CTN), a responsabilidade pode ser por substituição ou transferência. Em que pese a substituição tributária e a transferência tributária por solidariedade ou por sucessão em bens móveis e imóveis, este texto aborda as questões da sucessão empresarial por operações empresariais, por sucessão empresarial comum, a responsabilidade de terceiros, bem como a responsabilidade por infrações.
Responsabilidade tributária na sucessão por transformação empresarial
Esta situação corresponde à sucessão empresarial por qualquer operação que resulte em transformação de sociedade empresarial. Uma pessoa jurídica, nessas situações, pode ser resultante de fusão, transformação, incorporação ou cisão.
A fusão acontece quando duas ou mais sociedades empresariais se unem para formar uma sociedade nova, que será sucessora das obrigações das sociedades anteriores. A transformação de uma sociedade ocorre de um tipo para outro de sociedade, quando ela muda de forma, por exemplo, quando uma sociedade limitada se converte em sociedade anônima.
A incorporação é uma operação societária em que uma sociedade ou mais são absorvidas por outra. A empresa “B” é adquirida pela empresa “A”, sendo que agora aquela empresa faz parte desta.
A cisão é uma operação societária que divide o patrimônio de uma sociedade, podendo ser total ou parcial. Cisão total ocorre quando todo o patrimônio de uma sociedade é transferido para outra sociedade, existente ou criada na própria operação, sendo que a empresa cindida se extingue. Já a cisão parcial é transferência de parte do patrimônio de uma sociedade para outra existente ou criada para esse fim – sendo que a empresa cindida parcialmente continua a existir.
Em todos esses casos elencados por operações societárias, há a responsabilidade por sucessão empresarial das sociedades que resultam dessas operações, como sucessoras. Há ainda debates sobre a responsabilidade na sucessão empresarial no que refere a penalidades tributárias. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula n. 554-STJ: “Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.” Ou seja, de acordo com o tribunal da cidadania, existe não só a responsabilidade pelos tributos devidos nas operações societárias, mas também por multas moratórias (por atraso no pagamento) e punitivas (por descumprimento de normas tributárias).
Responsabilidade tributária na sucessão empresarial comum
Na maior parte das vezes, a sucessão empresarial não ocorre por operações societárias, mas pela compra de participação ou integral de uma empresa por outra. Quando ocorre, desta forma a alienação de fundo de comércio ou estabelecimento, de uma empresa “C” para uma empresa “D”, a responsabilidade tributária por sucessão empresarial vai depender do que a empresa alienante (no caso, a empresa “C”) irá fazer depois da alienação. Se o alienante encerrar a exploração de atividade empresarial e não iniciar em 6 meses a contar da data da alienação empresarial, a sucessora possui responsabilidade tributária empresarial integralmente – já que a alienante não mais exerce atividade empresarial alguma. Desta forma, o ônus tributário recai sobre quem é mais fácil de identificar e localizar, pois o sucessor empresarial continua o exercício da atividade.
Existe inclusive uma questão doutrinária sobre o real sentido da expressão “integralmente”, se ela não quer dizer na verdade “exclusivamente”, já que a outra parte (o alienante) frequentemente é difícil de acionar, no caso de fatores geradores anteriores à transferência empresarial. Mas o entendimento predominante na doutrina é que o sucessor é uma espécie de devedor solidário da obrigação.
Por outro lado, se em 6 meses a contar da data da alienação, a alienante (a empresa “C”) iniciar outra atividade, no mesmo ramo ou outro de negócios, a adquirente (empresa “D”) responderá subsidiariamente – ou seja, depois que a empresa “C” for demandada e não cumprir com a obrigação tributária. Nessa segunda hipótese a adquirente pode usar de benefício de ordem, pois a alienante ainda “está no ramo”.
Isso significa que, no caso de o alienante continuar ou iniciar outra atividade, o alienante ainda está em atividade empresarial, tendo então o fisco que cobrar a obrigação dele, sendo que somente após frustradas as tentativas junto ao devedor original o fisco pode buscar o cumprimento da obrigação junto ao sucessor.
Responsabilidade tributária de terceiros com atuação regular
O CTN, além de estabelecer a responsabilidade tributária na sucessão empresarial, ainda elenca a responsabilidade de terceiros em caso de atuação regular dos devedores originais, conforme preceitua o art. 134: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.”
A responsabilidade apontada para os terceiros neste dispositivo, embora expresse o termo “solidariamente”, não quer dizer exatamente o termo, pois indica que estes terceiros responsáveis somente possuem esta condição nos casos de impossibilidade de exigência da obrigação principal pelo contribuinte. Neste sentido, há uma discussão se essa responsabilidade de terceiros é na verdade subsidiária, e não solidária – mas a corrente majoritária defende a literalidade do CTN a esse respeito. A outra consideração neste dispositivo é que, embora o devedor original possa ser civilmente incapaz, ou mesmo não possuir personalidade jurídica (espólio), todas essas entidades possuem capacidade tributária passiva – ou seja, podem ser devedores de obrigações tributárias.
As pessoas responsáveis neste dispositivo são relacionadas com essas entidades, de forma que elas podem colaborar para impedir o pagamento do tributo, por meio de ações ou omissões que possam ser atribuídas a eles – por esse motivo são elencadas neste dispositivo.
Responsabilidade de terceiros com atuação irregular
Existe também a responsabilidade de terceiros com atuação irregular, que adicionalmente se relaciona com a responsabilidade tributária por sucessão empresarial, em ações realizadas por pessoas de forma que excedam seus poderes ou competências, segundo o art. 135:” São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior; (art. 134, citado acima)
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Existe também a responsabilidade de terceiros em ações realizadas por pessoas de forma que excede seus poderes ou competências, segundo o art. 135:” São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
Aqui é importante repisar que a responsabilidade recai pessoalmente por situações que exigem esse tratamento. No caso de excesso de poderes, um gerente, diretor ou sócio administrador age com um poder que na realidade ele não possui, pois nas disposições societárias este agente não teria poderes suficientes para fazer o que faz – muitas vezes porque determinadas atribuições precisam da deliberação com um conselho de administração ou assembleia. Se este sócio age além dos poderes concedidos, ele será responsabilizado pessoalmente por seus atos.
Outra situação que pode ensejar a responsabilidade dessas pessoas é quando seus atos resultam em infração de lei, contrato social ou estatutos. Sobre este aspecto a atuação do sócio ou administrador tem que ser indubitavelmente comprovado, não bastando uma presunção sobre o ato. Não basta um não pagamento de tributo, como já asseverou sobre isso o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Súmula 430-STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.”
De acordo com o STJ, essa infração tem que envolver algo mais elaborado, como o empregador que retém o Imposto de Renda sobre a Pessoa Física (IRPF) sobre o salário de seus empregados e não recolhe o tributo ao governo federal, ou quando o sócio promove a dissolução irregular da sociedade, deixando débitos tributários pendentes, sem que haja patrimônio empresarial suficiente para o pagamento – atraindo para si a responsabilidade tributária pessoal e ao mesmo tempo excluindo a responsabilidade por sucessão empresarial. Por esse motivo, o STJ editou a súmula 435-STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
Responsabilidade por infrações em sucessão empresarial e de terceiros
A responsabilidade abordada nesta parte é em parte fruto de uma imprecisão técnica, pois na verdade não trata de responsabilidade de terceiros ou por sucessão empresarial – uma pessoa selecionada pela lei para cumprir uma obrigação do contribuinte –, mas outra coisa. Neste ponto se trata mesmo do cometimento das infrações e das consequências legais para as pessoas que as realizaram. Ou seja, aqui se trata de uma aplicação da terminologia “responsabilidade” como consequência dos danos causados atribuída a quem os causou.
Segundo o CTN, essa responsabilidade é inicialmente abordada no art. 136:”Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.” Este enunciado impõe a responsabilidade objetiva a respeito das infrações cometidas, que independe da intenção do agente que as cometeu.
A seção continua com o artigo 137: “A responsabilidade é pessoal ao agente:
I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.”
Dentro desta parte aparece a figura do dolo, que trata da intenção do agente, que prevê coisas diversas como crimes ou contravenções, dolo específico elementar – situações em que se pode notar uma atuação de alguém em posição de comando, representante ou outras posições em que o agente possua poderes que podem permitir que sua atuação possa ser danosa a uma sociedade, empresa ou a um conjunto de pessoas.
Há uma evidente ressalva de que se tais atos são executados no exercício regular de administração, por óbvio, não está configurada a conduta danosa.
Responsabilidade: a denúncia espontânea para terceiros e empresarial
A responsabilidade por infrações também permite a exclusão de penalidades, dentro de determinadas condições, conforme enuncia o art. 138:” A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração. “
Claramente trata-se de uma medida para estimular a atitude do contribuinte, que, consciente de sua infração, procura a administração tributária para confessar seu débito e pagar os tributos em atraso, de forma voluntária, com o propósito de sanar essa falta.
Dessa forma, o CTN prevê esta hipótese de uma desistência voluntária e arrependimento eficaz, conceitos emprestados do Direito Penal. Ao confessar o tributo devido e não pago, o devedor propicia também um benefício ao fisco, que não precisará se encarregar de mover seus recursos no sentido de fiscalizar este contribuinte sobre o débito declarado.
Portanto, ao tomar essa atitude, o CTN possibilita que o contribuinte devedor faça a denúncia espontânea, sendo que, se houver algum débito decorrente desta denúncia o contribuinte poderá pagá-lo com o valor do tributo devido mais os juros moratórios (os juros pela impontualidade) – sem as multas. Só que os valores devidos somente possuem este benefício se forem pagos à vista.
Com vistas a isso, o STJ aprovou a súmula 360-STJ: “O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo”.
Outra consideração relevante quanto a denúncia espontânea é que ela não se aplica após iniciado procedimento de fiscalização, cuja infração possua relação com a denúncia, pois do contrário o contribuinte poderia esperar para confessar somente se fosse apanhado pela fiscalização.
Conclusões
Neste texto o alvo de discussão foi o das sucessões empresariais, seja por sucessão comum ou por operações societárias, de terceiros e por infrações.
Na sucessão empresarial podem ocorrer sucessões fundadas em operações societárias, entre elas a fusão, a transformação, a incorporação e a cisão empresarial, ou por simples aquisição ou trespasse da empresa.
Na aquisição empresarial ocorre uma transferência para outro sócio ou proprietário, que passa a ser sucessor empresarial em matéria tributária. O grau desta responsabilidade vai variar, de acordo com as ações que o alienante tomar depois da transferência. Se em até 6 meses o alienante retomar a atividade ou iniciar atividade empresarial em outro segmento, o sucessor responde subsidiariamente com as obrigações tributárias – já que o devedor original “está na ativa”, muito mais consciente de suas responsabilidades.
Por outro lado, se o alienante encerra sua atividade, sem iniciar outra em até 6 meses a contar da alienação, o sucessor responde integralmente aos débitos tributários.
Nas operações societárias, a sociedade remanescente é a sucessora tributária, uma vez que compõe o patrimônio da sociedade anterior. Portanto, em uma sociedade fundida com outra, transformada em outra, incorporada por outra, ou mesmo cindida em uma ou mais sociedades, serão responsáveis tributários as sociedades resultantes destas operações.
Entre outras responsabilidades tributárias, há a responsabilidade de terceiros, que são pessoas nomeadas por lei por eventos ou circunstâncias que impeçam os contribuintes de cumprir com suas respectivas obrigações. Essa é uma responsabilidade que opera sob duas condições: caso seja impossível cobrar o contribuinte e oriunda de ações ou omissões dos responsáveis nestas situações – sendo que a literalidade do CTN denomina esta responsabilidade de “solidária” (embora pareça subsidiária).
A responsabilidade de terceiros também pode ser pessoal, quando há infrações em lei, contrato social ou estatutos, quando o agente ultrapassa seus poderes ou viola dispositivos legais ou acordos legais aos quais tem a obrigação de cumprir. A responsabilidade pessoal se estende também a casos em que se denota dolo específico ou elementar às circunstâncias.
A questão da responsabilidade vai também no aspecto das consequências legais, indicando a predominância da responsabilidade objetiva – descumpriu-se a lei, a conduta é apenada, independentemente da intenção do agente, em regra.
Por derradeiro, o CTN traz a possibilidade de denúncia espontânea, circunstância em que o contribuinte em falta com a administração tributária voluntariamente vai ao fisco e confessa a conduta e, se for o caso, promove o recolhimento dos tributos devidos, com os devidos juros de mora e atualização monetária, à vista. Só que essa denúncia espontânea não valerá se houver procedimento fiscal em curso, e ela for relacionada com a fiscalização.
Ricardo Pereira de Oliveira
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