Recurso Português TRF 1ª Região
Recurso Português TRF 1ª Região
Olá, pessoal!
Como falamos, é natural haver divergência de entendimento do gabarito e devemos realizar o recurso para evitar que a banca mantenha gabarito que supostamente esteja desconectado dos conhecimentos gramaticais.
Vejo muita possibilidade de recurso contra as questões abaixo:
Prova de nível técnico:
9. Apesar de a palavra “eleita” (l.20) ser sinônima de elegida, a substituição daquela por esta comprometeria a correção gramatical do texto.
Gabarito preliminar: C
Recurso: O dicionário formal da língua portuguesa assim entende a palavra “elegido/elegida”:
[Part. de eleger.]
Adjetivo.
1. Escolhido, eleito.
Como a questão fez menção a comprometimento da correção gramatical ao empregar “elegida”, isso vai contra ao que prevê o dicionário Aurélio.
Dessa forma, a fim de preservar o rigor e a excelência dessa banca, há que se anular ou trocar o gabarito desta questão para ERRADO.
Prova Analista:
Questão 6:
Infere-se que na oração introduzida por “mas também” (l.8) está elíptico o verbo tratar-se.
Gabarito: C
Recurso: No trecho “Não se trata apenas do seu combate ao patrimonialismo e ao nepotismo, mas (trata-se) também do que se designa, hoje, de foco no resultado com responsabilidade fiscal”, não é o verbo pronominal colocado em negrito “tratar-se” que está subentendido, mas o presente do indicativo “trata-se” ou “se trata“. Assim, a banca, ao deixar explícita em negrito a construção “tratar-se” levou o candidato a entender que literalmente tal expressão estaria subentendida, o que não é verdade, pois cabe apenas o presente do indicativo, e não o infinitivo. Dessa forma, pede-se a anulação da questão ou a mudança para gabarito “ERRADO”.
Questão 10:
10 A oração introduzida pela expressão “mas também” (l.8) introduz uma ideia que complementa e reforça a ideia contida
na oração imediatamente anterior a ela.
Gabarito: C
Recurso: No trecho “Não se trata apenas do seu combate ao patrimonialismo e ao nepotismo, mas também do que se designa, hoje, de foco no resultado com responsabilidade fiscal”, a expressão “mas também” inicia oração paralela, coordenada, justaposta. Assim, seu papel não é o de complementar, pois isso é fundamento de oração subordinada.
Vale lembrar que a questão chamou a atenção do candidato ao aspecto sintático, haja vista empregar o vocábulo “oração” duas vezes e fazer relação com o conectivo coordenativo. Ao apontar o valor de complemento a uma oração coordenada, isso induz o candidato a entender uma relação de dependência entre a segunda oração e a primeira, o que não é verdade.
Corrobora este pensamento Othon Moacir Garcia em seu livro Comunicação em Prosa Moderna:
“Na coordenação (também dita parataxe), que é um paralelismo de funções ou valores sintáticos idênticos, as orações se dizem da mesma natureza (ou categoria) e função,12 devem ter a mesma estrutura sintático-gramatical (estrutura interna) e se interligam por meio de conectivos chamados conjunções coordenativas. É, em essência, um processo de encadeamento de ideias.” (…)
“Na subordinação (também chamada hipotaxe), não há paralelismo mas desigualdade de funções e de valores sintáticos. É um processo de hierarquização, em que o enlace entre as orações é muito mais estreito do que na coordenação. Nesta, as orações se dizem sintática mas nem sempre semanticamente independentes; naquela, as orações são sempre dependentes de outra, quer quanto ao sentido quer quanto ao travamento sintático.”
Assim, a segunda oração não complementa o pensamento da primeira, ela se adiciona à anterior, podendo-lhe até gerar ênfase, mas é notório que não há relação de dependência entre elas.
O equívoco no emprego do vocábulo “complementa” fica ainda mais patente ao observarmos várias questões anteriores desta renomada banca, em que o emprego desse vocábulo revela-se preponderante na relação de subordinação e abaixo segue apenas um dos vários exemplos:
Detran – ES / 2011 / nível médio (banca CESPE)
Fragmento de texto: O agravamento da crise urbana nos países em desenvolvimento e as mudanças políticas, sociais e econômicas, que, no momento, se processam em escala mundial, requerem novo esforço governamental para a organização das cidades e dos seus sistemas de transporte.
A presença da preposição de antes das expressões “cidades” e “seus sistemas” indica que esses termos complementam a ideia de “organização”.
Comentário: Note que o substantivo “organização” rege preposição “de”, a qual inicia os dois núcleos do complemento nominal composto (das cidades e dos seus sistemas). Como se sabe que o complemento nominal é termo que completa o sentido do nome, a afirmativa está correta.
Dessa forma, tendo em vista o emprego duvidoso do vocábulo “complementa”, que é incompatível com a relação de coordenação, solicito anulação da questão.
Gabarito: C
Questão 20: Caso os termos “coisas semoventes” (l.17) e “objetos que possuem a capacidade de se mover” (l. 19 e 20) fossem
intercambiados, a correção e o sentido do texto seriam mantidos.
Gabarito: C
Recurso: Esta questão só poderia estar correta, se entendêssemos que “semoventes” só poderia significar “capacidade de se mover”. Porém, no direito (e o texto relaciona tal palavra ao contexto do direito), “semovente” significa aquilo que possui capacidade de se mover e que pode dar lucro ao seu proprietário. Assim, “semoventes” poderia substituir os dois trechos: “objetos que possuem a capacidade de se mover” e “que podem proporcionar lucros aos seus proprietários“, e não apenas o primeiro.
Ao compararmos as duas estruturas (a original e a reescrita), notamos mudança de sentido obrigatoriamente no adjetivo “semovente”. Note o percurso argumentativo do autor:
Desprovidos de valor próprio e de relevância jurídica no direito penal, os animais são tema de direito civil. Ainda são estudados na atualidade brasileira, sob a influência do direito romano, como simples coisas semoventes, como se desprovidos fossem da capacidade de sentir dor ou apego. Em jurisprudência majoritária, são apenas objetos que possuem a capacidade de se mover e que podem proporcionar lucros aos seus proprietários.
Primeiramente, foi dito que, sob a influência do direito romano, os animais são vistos como simples coisas semoventes. Em seguida, o autor esclarece tal vocábulo, especificando-lhe o sentido: Em jurisprudência majoritária, são apenas objetos que possuem a capacidade de se mover e que podem proporcionar lucros aos seus proprietários.
Assim, “semoventes” tem seu valor no texto conforme o direito lhe garante: objetos que possuem a capacidade de se mover e que podem proporcionar lucros aos seus proprietários.
Ao realizarmos a troca de tais expressões que não têm necessariamente o mesmo sentido, passamos a dar ao adjetivo “semoventes” apenas o sentido de capacidade de se mover, haja vista que em seguida há outro aspecto (que podem proporcionar lucros aos seus proprietários), diverso do anterior. Confirme com a substituição sugerida:
Desprovidos de valor próprio e de relevância jurídica no direito penal, os animais são tema de direito civil. Ainda são estudados na atualidade brasileira, sob a influência do direito romano, como simples objetos que possuem a capacidade de se mover, como se desprovidos fossem da capacidade de sentir dor ou apego. Em jurisprudência majoritária, são apenas coisas semoventes e que podem proporcionar lucros aos seus proprietários.
Ora, nesta segunda construção, fica obrigatório o sentido de semoventes como “objetos que possuem a capacidade de se mover“. Se se pensou tal vocábulo apenas com o primeiro sentido, isso é até possível no vocabulário comum, porém deve se admitir o uso corriqueiro no direito, com a possibilidade de agregar as duas ideias: capacidade de mover-se e de auferir lucro ao proprietário. Dessa forma, a reescrita necessariamente faz mudar o sentido.
Sintaticamente também haveria problema, tendo em vista que, com a troca, teríamos a seguinte construção “são apenas coisas semoventes e que podem proporcionar lucros aos seus proprietários”. Ora, só empregamos a expressão “e que” quando anteriormente já empregamos uma oração também iniciada por “que”, o que não ocorreu nesta reescrita.
Bom, meus amigos!
Afora os atropelos e correiras para colocarmos aqui logo os gabaritos extraoficiais e partirmos para as transmissões ao vivo, foi mais uma experiência muito boa ter este contato “direto e reto” com todos vocês.
Numa análise rápida da prova, a banca inseriu algumas particularidades, no mínimo, duvidosas, como ocorreu na questão 10. Ao observarmos as questões anteriores da banca, não há o entendimento que ora estão dando como certo. Se a questão fosse puramente de interpretação, não haveria motivos de inserir o vocábulo “oração”, o que nos leva ao campo sintático. No mínimo, faltou bom senso à banca por empregar o vocábulo “complementa”, pois este transmite uma relação de dependência entre uma informação e outra.
Espero ter ajudado, tanto no comentário do gabarito extraoficial, quanto agora com a possibilidade dos recursos.
Que o Papai do Céu continue protegendo a todos e que o caminho da aprovação chegue no momento oportuno!
Abração a todos!
Décio Terror