Racismo e injúria racial: alterações da Lei 14.532/2023
Hoje, vamos conhecer um pouco a respeito da Lei 14.532/2023, especificamente as novidades inseridas nos arts. 2º-A da Lei 7.716/89 e 140 do CP, os quais tratam, respectivamente, da nova espécie do crime de racismo e promovem alteração no crime de injúria racial. As demais alterações feitas pela Lei 14.532/2023, analisaremos no próximo artigo científico sobre o tema.
Por fim, destacamos que, no presente estudo, daremos enfoque aos temas mais cobrados na área dos concursos de carreira jurídica.
Vamos lá!
1. Racismo e injúria racial: introdução
A Lei 14.532/23 alterou a Lei do Racismo (Lei nº 7.716/89) e o Código Penal, resultando na superação de algumas discussões que existiam na doutrina e na jurisprudência envolvendo os crimes de racismo e injúria racial.
Vejamos, adiante, as implicações práticas causadas por essa novidade legislativa.
2. Racismo e injúria racial: art. 2º-A da Lei 7.716/89 e art. 140 do CP
De início, no estudo das novidades inseridas nos crimes de racismo e injúria racial, cumpre destacar a forma elementar do crime de racismo trazida pela Lei 7.716/89:
Art. 1º da Lei 7.716/89 – Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, RELIGIÃO ou procedência nacional. |
Visto isso, vejamos as novidades dispostas pela Lei 14.532/23 nos arts. 2º-A da Lei 7.716/89 e 140 do CP:
Art. 2º-A da Lei 7.716/89 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. |
ANTES da Lei 14.532/2023 | APÓS a Lei 14.532/2023 |
Art. 140 do CP – § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. | Art. 140 do CP – § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência. |
Como se vê, os elementos raça, cor, etnia e origem não mais integram a injúria qualificada prevista no Código Penal. Tais elementos passaram a figurar como novas elementares do crime de racismo – previsto na Lei de Racismo (Lei nº 7.716/86).
Quais as implicações práticas dessa alteração nos crimes de racismo e injúria racial?
Como resultado, qualquer injúria que envolva raça, cor, etnia ou procedência nacional, independentemente de segregação ou discriminação, configurará crime de racismo, amoldando a conduta nos termos da Lei 7.716/86, e não meramente como crime de injúria previsto no Código Penal.
Exemplo: José, em acalorada discussão com João, diz que este é um macaco rabugento. Perceba que, nesse exemplo, a ofensa se refere à raça e, portanto, trata-se de um crime de racismo nos atuais termos da lei de regência.
ATENÇÃO: note que a elementar “religião” continua prevista no Código Penal, não tendo sido transportada para a Lei de Racismo juntamente com as demais. Assim, OFENSAS envolvendo a religião, continuam configurando uma injúria qualificada – prevista no art. 140, §3°, do Código Penal.
Todavia, caso haja SEGREGAÇÃO, marginalização ou incentivo à marginalização da pessoa em razão da sua religião, referida conduta se amoldará aos tipos previstos na Lei de Racismo (art. 3 a 14 ou 20 da referida lei), nos termos do art. 1º da Lei de Racismo.
OBS.: a injúria em razão de condição de pessoa idosa constitui infração penal do Código Penal (art. 140, § 3°, do CP). Porém, ocorrendo a segregação, marginalização ou incentivo à marginalização, incide o art. 96 do Estatuto da Pessoa Idosa.
Nesse sentido:
Art. 96 do Estatuto da Pessoa Idosa – Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:
Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.
A lógica acima também é aplicável em relação aos crimes envolvendo a pessoa com deficiência. Vejamos:
Art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Para esquematizar o tema, veja a seguinte tabela:
Somente ofensa | Segregação, marginalização ou incentivo à marginalização | |
Por motivo de religião | Art. 140, §3°, do Código Penal | Art. 3 a 14 ou 20 da Lei de Racismo |
Pessoa idosa | Art. 140, §3°, do Código Penal | Art. 96 do Estatuto da Pessoa Idosa |
Pessoa com deficiência | Art. 140, §3°, do CP | Art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência |
3. Racismo e injúria racial: alteração no “quantum” da pena
Com a inclusão na Lei de racismo da injúria em razão da raça, cor, etnia ou procedência nacional, houve também alteração na quantidade de pena, bem como a inclusão de uma causa de aumento. Vejamos:
ANTES DA LEI 14.532/2023 | DEPOIS DA LEI 14.532/2023 |
Art. 140, § 3º, CP – Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena – reclusão de um a três anos e multa. | Art. 2º-A da Lei 7.716/89 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. |
Percebam que ocorreu uma novatio legis in pejus, de modo que essa alteração legislativa não poderá retroagir para prejudicar o criminoso. Assim, somente se aplica aos fatos criminosos ocorridos após a sua entrada em vigor.
Ademais, se o crime for cometido em concurso de pessoas, será aplicada majorante no percentual de 1/2. Esta causa de aumento também configura novidade e só poderá ser aplicada aos crimes cometidos após a sua vigência.
Já no Código Penal, a pena do crime de injúria em razão da religião ou condição de pessoa idosa ou com deficiência permaneceu a mesma.
4. Racismo e homofobia
Por fim, ainda no exame dos crimes de racismo e injúria racial, questão que causa grande discussão é: a homofobia poderia ser enquadrada como uma forma de racismo?
A jurisprudência entendeu que, diante da omissão na legislação sobre o tema, a homofobia deve se enquadrar nos tipos penais definidos na Lei 7.716/89 (Lei de racismo) até que seja editada lei sobre o caso.
Nesse sentido, assim decidiu o STJ:
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26, de relatoria do Ministro Celso de Mello, deu interpretação conforme à Constituição, “para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional“.
2. Tendo sido firmado pelo Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a homofobia traduz expressão de racismo, compreendido em sua dimensão social, caberá a casos de homofobia o tratamento legal conferido ao crime de racismo.
3. No caso, os fatos narrados pelo Ministério Público estadual indicam que a conduta do Investigado não se restringiu a uma pessoa determinada, ainda que tenha feito menção a ato atribuído a um professor da rede pública, mas diz respeito a uma coletividade de pessoas.
4. Demonstrado que as falas de suposto cunho homofóbico foram divulgadas pela internet, em perfis abertos da rede social Facebook e da plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube, ambos de abrangência internacional, está configurada a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito (STJ, CC 191970 / RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, S-3, DJe em19/12/2022).
Feitas essas considerações, finalizamos, assim, mais um importante tema pertinente às novidades legislativas.
Conclusão
Hoje, vimos um pouco a respeito da Lei 14.532/23, em especial acerca da mudança legislativa nos crimes de racismo e injúria racial.
Assim, finalizamos, por ora, mais um tema empolgante para os que almejam a sonhada carreira jurídica.
Advertimos que esse artigo, juntamente com as questões do Sistema de Questões do Estratégia Concursos, serve como complemento ao estudo do tema proposto, devendo-se priorizar o material teórico, em PDF ou videoaula, do curso.
Até a próxima!
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