Saudações, pessoal. Sou Michael Procopio, Juiz Federal, ex-Juiz Estadual (TJSP) e Professor de Direito Penal do Estratégia.
Comentei brevemente as questões de Direito Penal do Concurso da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Espero que aproveitem, seja como oportunidade de estudo, seja como base para possível questionamento.
Vamos lá!
29. O princípio da insignificância, que defende a não intervenção do Direito Penal para coibir ações típicas que causem ínfima lesão ao bem jurídico tutelado é afastado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por sua Súmula no 599, em relação aos crimes
(A) de menor potencial ofensivo.
(B) contra a Administração Pública.
(C) contra o meio ambiente.
(D) praticados contra as mulheres ou em condição de violência de gênero.
(E) contra a criança e o adolescente.
Comentários
No caso, a banca exigiu conhecimento da jurisprudência do STJ, bem como o número do enunciado da Súmula de referida Corte. O enunciado 599 possui o seguinte teor:
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.
Deste modo, a alternativa B está correta e é o gabarito da questão.
30. João ministra veneno a Maria, em dose apta a causar-lhe a morte, pois ela iria informar à autoridade policial que João havia mantido relação sexual incestuosa e consentida com a filha dele, de 16 anos. Antes que o resultado se efetive, João socorre Maria, levando-a a um pronto-socorro. Lá, o médico de plantão deixa de atender Maria, sob a única razão de estar almoçando. Maria, que seria salva caso o médico interviesse, morre. Diante desse cenário, que admite múltiplas qualificações jurídicas, assinale a alternativa que melhor se adeque à espécie.
(A) João será beneficiado pelo arrependimento posterior e não sofrerá qualquer reprimenda penal; o médico cometeu homicídio culposo, na modalidade negligência.
(B) João cometeu homicídio; o médico cometeu lesão corporal seguida de morte.
(C) João cometeu lesão corporal seguida de morte; o médico cometeu omissão de socorro em concurso com homicídio culposo, na modalidade negligência.
(D) João cometeu homicídio duplamente qualificado; o médico cometeu omissão de socorro, com a pena duplicada pelo resultado morte.
(E) João cometeu homicídio qualificado; o médico cometeu omissão de socorro com pena triplicada pelo resultado morte.
Comentários:
João cometeu homicídio por meio do emprego de veneno, o que o torna qualificado. Não quis ocultar crime, já que ter relações sexuais de forma consentida, mesmo com a própria filha, não é crime se o parceiro ou a parceira tiver mais de 16 anos de idade. Não o favorece o arrependimento eficaz, já que, como o próprio nome diz, ele exige que o resultado seja evitado, não havendo isenção de responsabilização pela mera tentativa de evitar o resultado.
O médico, por sua vez, responderia, segundo a banca, por omissão de socorro, com pena triplicada pelo resultado morte. Assim, foi apontada como correta a alternativa E.
Entretanto, entendo cabível recurso para anulação da questão, pois a condição de médico plantonista o coloca na posição de garante, razão pela qual pode responder pelo resultado morte. É um tema tormentoso, que envolve discussões complexas e aprofundadas. De todo modo, a controvérsia demonstra a possibilidade de recurso.
31. “Espécie” de legítima defesa que a doutrina afirma ser inexistente, pois a situação fática não é reconhecida como legítima defesa e não exclui a ilicitude de ação:
(A) legítima defesa em proteção a quem consente com a agressão de terceiro a bem indisponível.
(B) legítima defesa de terceiro.
(C) legítima defesa recíproca.
(D) legítima defesa putativa.
(E) legítima defesa própria.
Comentários.
A legítima defesa abrange a proteção de bem indisponível, ainda que a vítima consinta. O consentimento não vale em relação a bens indisponíveis, como a vida.
A legítima defesa de terceiro é cabível.
Também reconhece a doutrina a possibilidade da legítima defesa putativa, seja por erro de tipo, seja por erro de proibição. O agente se equivoca e imagina agir sob a excludente.
Além disso, também cabe a legítima defesa própria.
Entretanto, não é cabível a legítima defesa recíproca. Por se tratar de defesa de uma agressão injusta, um dos dois terá agido de forma injusta. Deste modo, não cabe legítima defesa real contra legítima defesa real.
Por isso, está incorreta a alternativa C, que é o gabarito da questão.
32. No que concerne à aplicação das penas restritivas de direitos dos arts. 43 a 48 do CP, é correto afirmar que
(A) penas privativas de até 2 (dois) anos em regime aberto podem ser substituídas por uma multa ou por uma pena restritiva de direitos.
(B) ao reincidente é vedada a substituição da privativa de liberdade.
(C) os crimes culposos admitem sua aplicação em substituição às privativas de liberdade, independentemente da pena aplicada.
(D) a pena restritiva de direitos se converte em privativa de liberdade sempre que ocorrer o descumprimento da restrição imposta.
(E) o benefício não pode ser aplicado mais de uma vez no interregno de 5 (cinco) anos ao mesmo réu.
Comentários
Sobre a alternativa A, está incorreta, já que o artigo 44, § 2º, do CP, prevê que: “Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos”. Não há sequer referência ao regime de cumprimento de pena, além de o parâmetro ser um ano, e não dois.
A alternativa B também está incorreta, por prever o Código Penal, em seu artigo 44, § 3º, trazer a hipótese excepcional de substituição no caso de reincidentes: “Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”.
A alternativa C está correta e é o gabarito da questão. É o que se conclui da leitura do artigo 44, I, do CP: “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;”.
A alternativa D está incorreta. Prevê o artigo 44, § 4º, do CP: “§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.” Percebam que só deve haver a conversão quando ocorrer o descumprimento injustificado, e não todo e qualquer descumprimento.
Por fim, a alternativa E está incorreta, não havendo tal previsão no ordenamento jurídico pátrio.
33. No sistema brasileiro de aplicação de pena, o desconhecimento da lei
(A) isenta de pena por afastar a potencial consciência da ilicitude e, consequentemente, a culpabilidade.
(B) é causa de diminuição da pena.
(C) socorre como atenuante apenas aos menores de 21 (vinte e um) anos.
(D) é circunstância atenuante da pena.
(E) não tem qualquer consequência para a pena.
Comentários.
Segundo o artigo 21, caput, do CP, “O desconhecimento da lei é inescusável”. Entretanto, o artigo 65, III, do CP, prevê como circunstância que sempre atenua a pena “o desconhecimento da lei”. Portanto, a alternativa D é a correta.
34. João invade um museu público disposto a furtar um quadro. Durante a ação, quando já estava tirando o quadro da parede, depara-se com um vigilante. Diante da ordem imperativa para largar o quadro, e temendo ser alvejado, vulnera o vigilante com um projétil de arma de fogo.
O vigilante vem a óbito; e João, impressionado pelos acontecimentos, deixa a cena do crime sem carregar o quadro. De acordo com o entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, praticou-se
(A) latrocínio consumado.
(B) latrocínio tentado.
(C) furto qualificado tentado em concurso com homicídio qualificado consumado.
(D) roubo impróprio tentado em concurso com homicídio consumado.
(E) roubo próprio tentado em concurso com homicídio consumado.
Comentários.
Da violência empregada, resultou-se a morte do vigilante. Portanto, temos roubo qualificado pelo resultado morte, delito chamado de latrocínio. A subtração foi tentada, enquanto a morte foi consumada. A esse respeito, o STF editou a Súmula 610: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.”
Portanto, de acordo com entendimento sumulado do STF, o latrocínio se consumou, sendo a alternativa A o gabarito da questão.
35. As penas do crime de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa, do art. 2o da Lei no 12.850/13, são aumentadas de 1/6 a 2/3, nos termos do parágrafo 4o, se
(A) o acusado exercer o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
(B) das ações diretas ou indiretas da organização criminosa resultar morte.
(C) houver impedimento ou, de qualquer forma, embaraçar-se a investigação de infração penal cometida no seio da organização criminosa.
(D) na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo.
(E) houver concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal.
Comentários.
Cuida-se de cobrança de conhecimento da letra da lei. Prevê o artigo 2º, § 4º, da Lei 12.850/2013:
“§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
I – se há participação de criança ou adolescente;
II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;
III – se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV – se a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V – se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.”
Portanto, está correta a alternativa E, que corresponde ao previsto no artigo 2º, § 4º, inciso II, da Lei 12.850/13.
36. Aquele que conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência e, nessas condições, causa morte de terceiro por imprudência responde por
(A) homicídio doloso, na modalidade dolo eventual e embriaguez ao volante, em concurso formal.
(B) homicídio culposo na direção de veículo automotor e embriaguez ao volante, em concurso formal.
(C) homicídio doloso, na modalidade dolo eventual e embriaguez ao volante, em concurso material.
(D) homicídio culposo na direção de veículo automotor, qualificado.
(E) homicídio culposo na direção de veículo automotor e embriaguez ao volante, em concurso material.
Comentários.
A lei admite o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor e a embriaguez, já que o próprio Código de Trânsito Brasileiro prevê, no seu artigo 302, § 3º, prevê forma qualificada de referido delito se “o agente conduz veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. A jurisprudência tem analisado caso a caso o dolo eventual, que tem sido reconhecido, por exemplo, se a embriaguez ao volante é acompanhada de direção em excesso de velocidade ou ultrapassagem em local proibido.
O TJRJ tem entendido caber concurso material entre os crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor e o delito de embriaguez ao volante: “Tendo em vista a ocorrência de concurso material entre os delitos de homicídio culposo e de embriaguez ao volante, aplicam-se cumulativamente as respectivas penas, totalizando 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de detenção, no regime inicialmente aberto, e 10 (dez) dias multa no valor mínimo legal, com a suspensão da habilitação do réu para conduzir veículo automotor, proibindo-o de obter habilitação específica para dirigir veículos de carga e/ou de passageiros na forma do art. 302 do CTB, pelo período correspondente à pena privativa de liberdade ora fixada.” (Processo 0008520-71.2016.8.19.0037 – APELAÇÃO, Des(a). CELSO FERREIRA FILHO, Julgamento: 13/08/2019, Segunda Câmara Criminal).
O STJ também tem entendimento neste sentido: “Os crimes de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor e os de embriaguez ao volante tutelam bens jurídicos distintos, de forma que, além de configurarem delitos autônomos, por tutelarem bens jurídicos diversos, também possuem momentos consumativos diferentes, não havendo que se falar, portanto, em absorção” (STJ, AgRg no HC 457838/SC, Rel. Min. Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 01/10/2018).
Entretanto, há entendimento jurisprudencial, presente inclusive em julgados do TJRJ, no sentido de que o delito deve ser absorvido pelo homicídio culposo na direção de veículo automotor, consistindo a embriaguez ao volante na própria situação de imprudência que compõe referido delito.
Como há divergências, entendo que cabe recurso, tendo a banca apontado como correta a alternativa D.
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