Quem já foi beneficiado com transação penal por ‘uso de drogas’ pode fazer acordo de não persecução penal – ANPP?
Essa é uma questão de recorrente aplicação prática. Pois bem.
Numa leitura estrita do inciso III do § 2º do art. 28-A, a resposta seria NÃO. Eis os termos da vedação legal:
Art. 28-A § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: […]
III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; […]
Entretanto, observada a jurisprudência consolidada do STJ, diríamos que SIM, o sujeito poderia fazer ANPP. Eis os termos da infração penal:
Lei 11.343/06. Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Para explicar, começamos com uma indagação: se o agente tivesse sido ‘condenado’ definitivamente pelo uso de drogas, poderia fazer ANPP?
PODERIA. Essa é nossa conclusão, observando o entendimento do STJ, no sentido de que a condenação (pelo uso de drogas) não constitui causa geradora da ‘reincidência’, impeditiva do benefício (inc. II, § 2º, art. 28-A do CPP).
A Corte Superior reconhece que a conduta prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 não foi descriminalizada, mas apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas (nos termos do entendimento do STF). De qualquer modo, essa infração não tem aptidão para gerar os mesmos efeitos secundários que uma condenação por qualquer outro crime gera, como a reincidência e a revogação obrigatória da suspensão condicional do processo, conforme previsto no artigo 89, § 3º da Lei n. 9.099/1995. Isso “em face dos questionamentos acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do consumo de drogas em prejuízo de outras medidas de natureza extrapenal relacionadas às políticas de redução de danos, eventualmente até mais severas para a contenção do consumo do que aquelas previstas atualmente” (REsp 1.672.654/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/08/2018). Não pode, inclusive, impedir a incidência da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
O principal fundamento para este entendimento toma por base uma comparação entre o delito do artigo 28 da Lei de Drogas e a contravenção penal, concluindo-se que, uma vez que a contravenção penal (punível com pena de prisão simples) não configura a reincidência, revela-se desproporcional considerar, para fins de reincidência, o prévio apenamento por posse de droga para consumo próprio (que, embora seja crime, é punido apenas com advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, ou seja, medidas mais amenas). (Informativo 668, REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020).
Eis o raciocínio do STJ, absolutamente coerente, em poucas palavras: se uma contravenção penal, que é uma infração mais grave (com pena de prisão simples) não gera reincidência, não há razoabilidade em dizer que a infração do art. 28 da Lei 11.343/06 gera. Assim estabelece o Código Penal:
Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Ubi eadem ratio ibi idem jus (onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito)!
Então: se o sujeito condenado pelo uso não pode ser considerado reincidente e tem o ‘direito’ de realizar ANPP, com mais razão o mesmo benefício despenalizador deve ser garantido àqueles que apenas fizeram uma transação referente à mesma infração penal (art. 28 da Lei 11.343/06).
Coerência! É isso que exige o art. 926 do CPC, aplicável ao processo penal (art. 3º do CPP). Simples assim!