Olá, guerreiros!!! Tudo bem? Delícia de prova da PM-MG, não é? Sem sustos! Fiz alguns comentários sobre as questões. Achei uma prova simples, mas com um texto maravilhoso!! Nada de gramática!

Vamos juntos!!

“Nóis Mudemo”
Fidêncio Bogo

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, todo poesia e misticismo.
Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um episódio que parecia tão banal… Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico.
As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
– Por que você faltou esses dias todos?
– É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
Risadinhas da turma.
– Não se diz “nóis mudemo”, menino! A gente deve dizer: “nós mudamos”, tá?
-Tá, fessora!
No recreio, as chacotas dos colegas: “Oi, nóis mudemo!” “Até amanhã, nóis mudemo!” No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
– Pai, não vô mais pra escola
– Oxente! Modi quê?
Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
– Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da meninada! Logo eles esquece.
Não esqueceram.
Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele.
Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido no dia anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.
– É, professora, meu fio não aguentou as gozação da meninada. Eu tentei fazê ele continua, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di té ficado na fazenda côa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi.
O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.
Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
– O que é, moço?
– A senhora não se lembra de mim, fessora?
Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.
– Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
– Eu sou “Nóis mudemo”, lembra?
Comecei a tremer.
– Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?
– Lúcio – Lúcio Rodrigues Barbosa.
– O que aconteceu com você?
– O que aconteceu? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu. Comi o pão que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia-fria, um “gato” me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante às veis fais coisa sem querê fazé. A escola fais uma farta danada. Eu não devia de té saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui fala direito. Ainda hoje não sei.
– Meu Deus!
Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada, comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz, que me olhava atarantado.
O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de mim suavemente.
– Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
– Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!
Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.
Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos… Superusada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna – a língua que a criança aprendeu com seus pais, irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.
E os lúcios da vida, os milhares de lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: “Não é assim que se diz, menino!” Como se o professor quisesse dizer: “Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra! E siga desarmado pelo matadouro da vida…”
Fonte do texto:http://euterlucia.vilabol.uol.com.br/texto4.html www.recantodasletras.com.br/pensamentos/3045465
Dados do autor
Nome: Fidêncio Bogo
Professor, escritor e poeta Catarinense viveu no Estado de Tocantins de 1976 até a sua morte, ocorrida em 2014. Trabalhou com educação durante muitos anos e, por esse trabalho, recebeu o título de cidadão Tocantinense em 2009. Publicou 5 livros, foi padre, professor universitário, diretor de faculdade, diretor de escolas de ensino fundamental e médio, conselheiro e presidente de conselhos estadual (TO) e municipal (TO) de educação, entre outros cargos voltados à educação.

1ª QUESTÃO – “Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos… Superusada, mal usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna, a língua que a criança aprendeu com seus pais, irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos”. De acordo com o excerto, marque a alternativa CORRETA:
A. ( ) A professora defende que o estudo da gramática nas escolas destrói a espontaneidade do uso da Língua.
B. ( ) A Língua somente ganha vida quando uma gramática descritiva orienta o uso de uma fala padrão.
C. ( ) Os professores exploraram também o conceito: dor da incompletude. Pode-se afirmar que esse conceito se refere aos nossos desejos e vontades.
D. ( ) A gramática é um organismo que degenera a linguagem em evolução contínua, que se mantém ou altera pelo uso linguístico que se faz dela.

Comentário: a questão traz um texto lindo que resume os efeitos do preconceito linguístico nas escolas! É a história vivida por uma professora que lamenta não ter percebido antes que o estudo da gramática nas escolas destrói a espontaneidade do uso da Língua, assim como afirma a alternativa A. As outras alternativas não encontram respaldo no texto.
GABARITO: A

2ª QUESTÃO – Assinale a alternativa CORRETA que corresponda ao período do dia em que ocorreu o reencontro da professora com o aluno Lúcio, que havia abandonado a escola há 17 anos:
A. ( ) Matutino.
B. ( ) Noturno.
C. ( ) Matinal.
D. ( ) Vespertino.
Comentário: questão bastante simples, mas, para não errar, é necessário saber que “vespertino” é o período da tarde, o que confirma a alternativa D como a resposta pela leitura do trecho “Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou…”
GABARITO: D

3ª QUESTÃO – Depois de refletir sobre a vida do aluno Lúcio, a professora se posicionou acerca do uso da língua e, sobretudo, o emprego da gramática normativa. Escolha a alternativa CORRETA em relação ao posicionamento da professora:
A. ( ) A gramática é prescritiva, mas considera a língua em uso pelo aluno no âmbito familiar.
B. ( ) A gramática é prescritiva e não considera a língua em uso pelo aluno no âmbito familiar.
C. ( ) A gramática não é prescritiva, mas considera a língua em uso pelo aluno no âmbito familiar.
D. ( ) A gramática não é prescritiva e concebe também como correta a língua em uso pelo aluno no âmbito familiar.

Comentário: a gramática é prescritiva, pois estabelece normas, leis que devem ser seguidas pelo usuário da língua. Tais normas, segundo a professora, NÃO considera o uso feito da língua pelo aluno no âmbito familiar, o que é possível comprovar pelos seguintes trechos: “A gramática faz gato e sapato da língua materna – a língua que a criança aprendeu com seus pais, irmãos e colegas – e se torna o terror dos alunos” e ‘”Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra! E siga desarmado pelo matadouro da vida…”’.
GABARITO: B

4ª QUESTÃO – Leia o excerto a seguir: “Fui bóia-fria, um “gato” me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. ” Quanto a interpretação, marque a alternativa CORRETA:
A. ( ) O personagem não teria sido trabalhador rural e um agenciador de trabalho escravo não o teria levado para uma fazenda distante da civilização.
B. ( ) O personagem teria sido trabalhador rural e um agenciador de trabalho escravo o teria levado para uma fazenda distante da civilização.
C. ( ) O personagem teria sido trabalhador rural e um agenciador de trabalho regular o teria levado para uma fazenda no perímetro urbano.
D. ( ) O personagem teria sido trabalhador urbano e um agenciador de trabalho lícito o teria levado para uma fazenda de fácil acesso, próximo da civilização.

Comentário: o trecho sugere que o tal “gato” é um agenciador que levou o personagem para o trabalho escravo (ele fugiu no final) no campo, como lemos no seguinte trecho: “(..) um “gato” me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi”.
GABARITO: B

5ª QUESTÃO – Após o aluno Lúcio ter sido hostilizado pelos colegas de classe, ele disse ao seu pai que não queria mais frequentar a escola. Marque a alternativa CORRETA que corresponda ao posicionamento do pai de Lúcio diante da postura do filho:
A. ( ) Lúcio deveria deixar a escola, pois a zombaria dos colegas de classe não poderia chegar ao fim em pouco tempo.
B. ( ) Lúcio deveria deixar a escola, pois a zombaria dos colegas de classe poderia chegar ao fim em pouco tempo.
C. ( ) Lúcio não deveria deixar a escola, pois a zombaria dos colegas de classe poderia chegar ao fim em pouco tempo.
D. ( ) Lúcio não deveria preocupar em deixar a escola, pois a zombaria dos colegas de classe não poderia chegar ao fim em pouco tempo.

Comentário: O pai de Lúcio disse: “- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da meninada! Logo eles esquece”, isso demonstra que, segundo ele, Lúcio não deveria ter deixado a escola, pois os amigos iriam deixar a zombaria de lado em pouco tempo, eles esqueceriam
GABARITO: C

6ª QUESTÃO – “No recreio as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até
amanhã, nóis mudemo! No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos,
gozações”. Marque a alternativa que revela a intenção dos colegas de classe ao proferirem palavras em tom de brincadeira ao aluno Lúcio:
A. ( ) Menoscabar.
B. ( ) Atordoar.
C. ( ) Valorizar.
D. ( ) Execrar.

Comentário: está claro que os colegas de classe queriam menosprezar Lúcio pelo tipo de fala que ele possuía. A palavra “execrar” significa tratar com extremo desrespeito, o que é um pouco forte para o contexto.
GABARITO: A

7ª QUESTÃO – “É, professora, meu fio não aguentou as gozações da mininada. Eu tentei fazê ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chateado demais. Bosta de vida! Eu devia di tê ficado na fazenda coa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado”. De acordo com o excerto, marque a alternativa CORRETA:
A. ( ) Escolas com excesso de alunos por sala de aula e hospitais superlotados são obstáculos para inserção da população rural.
B. ( ) A população rural é sempre caracterizada pela habitação espalhada, baixos níveis de miséria, escolaridade e capacidade de compra.
C. ( ) Os migrantes rurais ficam expostos a todo tipo de violência e acabam perdendo até a identidade.
D. ( ) Os resultados obtidos são modestos até o momento para promover a fixação do homem no campo.

Comentário: o texto mostra que os migrantes sofrem todo tipo de violência quando vêm para a cidade, isso faz com que a vida deles nos grandes centros perca sentido.
GABARITO: C

8ª QUESTÃO – Assinale a alternativa CORRETA, cuja coesão referencial é estabelecida por meio do uso de pronomes em substituição a substantivos:
A. ( ) O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento.
B. ( ) No recreio as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo!
C. ( ) No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
D. ( ) Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte.

Comentário: observem a alternativa D: “Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte”. O pronome “ele” está substituindo o substantivo “menino”. Tal recurso coesivo não ocorreu em outra alternativa.
GABARITO: D

9ª QUESTÃO – Escolha a alternativa CORRETA que corresponda ao sinônimo da expressão “uma resposta lacônica”:
A. ( ) Uma resposta prolixa.
B. ( ) Uma resposta vaga.
C. ( ) Uma resposta com lacunas.
D. ( ) Uma resposta concisa.

Comentário: uma resposta lacônica é uma resposta breve, concisa. Ser prolixo é justamente o contrário, é estender a resposta, fazer com que seja longa. Sendo assim, alternativa D como correta.
GABARITO: D

10ª QUESTÃO – Nas opções abaixo, marque “V” se for verdadeira ou “F” se for falsa.

( ) Na função fática, a ênfase se dá ao canal de comunicação, exemplos dessa função de linguagem podem ser extraídos do cotidiano das pessoas, que se cumprimentam, desejam boa tarde, boa noite, etc.
( ) A função referencial tem por objetivo o ato de informar, exemplos dessa função de linguagem podem ser extraídos de textos jornalísticos.
( ) A função conotativa ou apelativa não tem por objetivo despertar a atenção do leitor, bem como persuadi-lo de alguma forma. Exemplos dessa função de linguagem podem ser extraídos de poemas.
( ) Na função metalinguística, explica-se um código com a utilização do próprio código. Essa função está presente nos dicionários e gramáticas, que se valem do próprio código linguístico para apresentar informações acerca desse código.

Marque a alternativa que contém a sequência CORRETA de respostas:
A. ( ) V, V, F, V.
B. ( ) F, V, F, V.
C. ( ) V, F, F, V.
D. ( ) F, V, V, F.

Comentário: vamos ver cada afirmativa:
(V) A função fática tem como foco os interlocutores, estabelecer comunicação entre eles.

(V) Toda comunicação que visa à informação é referencial.

(F) A função conotativa ou apelativa não tem por objetivo despertar a atenção do leitor, bem como persuadi-lo de alguma forma. Exemplos dessa função de linguagem podem ser extraídos de poemas.
Vários problemas nessa afirmativa, a função apelativa tem como foco o leitor, quer persuadi-lo sim. Exemplo disse seria uma peça publicitária.

(V) A função metalinguística explica o código pelo próprio código.
GABARITO: A

É isso, queridos, parabéns a todos que conseguiram êxito na primeira fase do concurso, estou torcendo para a correção da redação de vocês!!

Abraço!

Contem comigo!

Professora Rafaela Freitas.

Rafaela Freitas

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