Prova de Geografia – CACD 2016 – Primeira fase corrigida e comentada
Caros alunos,
Assim como costuma ocorrer, a última prova (2016) do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata foi bem difícil e exigiu conhecimentos sólidos dos candidatos. Este ano, devido à mudanças na banca, houve um peso maior de temas como história do pensamento geográfico e correntes metodológicas da geografia; sendo cobrado também, áreas como teoria em geopolítica, formação territorial do Brasil; e como sempre, globalização e mundialização do capital.
Desta forma, a fim de auxiliar o estudo de vocês, segue abaixo a correção comentada da primeira fase da prova de Geografia do CACD 2016, exclusivamente para o site do Estratégia Concursos.
Questão 27
No que diz respeito às principais correntes metodológicas da Geografia e sua aplicação, julgue (C ou E) os itens seguintes.
1 O fato de a Geografia Humanista considerar o espaço um lugar, extensão carregada de significações, possibilita que ela trate de questões práticas como as que envolvam a percepção ambiental e a valoração arquitetônica.
Certo. O foco principal da Geografia Humanista – conforme seu idealizador, Yu Fu Tuan – é analisar a relação dos grupos humanos com o seu determinado “lugar”, conceito este, relacionado a identidade e ao pertencimento.
2 Tanto o planejamento urbano quanto os símbolos patrimoniais ou culturais da formação territorial histórica, dimensões do espaço vivido nas metrópoles que impactam as pessoas, podem ser analisados no viés geográfico crítico.
Certo. Quando a questão se refere ao “viés geográfico crítico”, está querendo remeter à Geografia Crítica – corrente surgida nos anos 1970 – que prega o materialismo-histórico-dialético como método principal. Para este, o espaço deve ser analisando de forma dialética (não-linear) levando em consideração sua materialidade (mundo físico), e seus processos históricos.
3 A Geografia Teorética ou Nova Geografia reforça a Geografia Tradicional e desprestigia o planejamento territorial adotado pelo Estado.
Errado. Apesar de haver algumas similaridades entre a Geografia Teorética e a Geografia Tradicional, uma não reforça a outra, principalmente em relação aos métodos de campo e ao nível de tecnologia empregado. Além disso, ao contrário do afirmado na alternativa, um dos objetivos centrais da Geografia Teorética é fornecer as bases necessárias ao planejamento e ao prognóstico dos territórios.
4 A Geografia Crítica, ao debater a questão da produção econômica do espaço, reconhece a importância dos agentes hegemônicos do capital na minimização das disparidades urbanas.
Errado. É verdade que Geografia Crítica debata a questão da produção econômica do estado, mas, ao contrário do afirmado, considera os agentes hegemônicos (que representam o grande capital e o estado) como catalisadores das disparidades urbanas, aumentando as desigualdades espaciais e sociais.
Questão 28
Acerca da formação territorial brasileira, julgue (C ou E) os itens a seguir.
1 A partir da segunda metade do século XIX, a produção e o território se mecanizaram, de forma que às técnicas das máquinas circunscritas à produção sucederam as técnicas das máquinas incluídas no território.
Certo. A produção e a mecanização do território brasileiro só foram ocorrer, de fato, a partir dos anos 1930, devido às políticas industriais de Getúlio Vargas. No entanto, desde o século XIX, mesmo que de forma incipiente, foi possível observar pequenos focos de industrialização, principalmente devido à acumulação primitiva de capital dos cafeicultores (que possibilitou futuros investimentos na indústria), e devido à Tarifa Alves Branco, que ainda durante o império, aumentava os impostos de importação no Brasil.
2 No decorrer do século XX, o aparelhamento dos portos, a construção de estradas de ferro e as novas formas de participação do país na fase industrial fizeram do Sudeste a região com maior concentração de capital, de modo independente de uma nova regionalização agrária ou urbana brasileira.
Errado. A alternativa está quase totalmente certa, exceto em um pequeno detalhe que pode confundir o candidato: a economia do Sudeste não se desenvolveu de forma independente, mas sim integrada à malha restante do território, principalmente às regiões Sul e Centro Oeste, o que Milton Santos vai chamar de “Região Concentrada”.
3 Com a construção de Brasília, a nova capital brasileira, pretendeu-se superar três dificuldades para a implementação do Plano de Metas do então presidente Juscelino Kubistchek: a inexistência de uma localização privilegiada do poder para o rearranjo das economias regionais, em prol da unificação do mercado nacional; o enrijecimento econômico do litoral, palco da colonização; o potencial burguês latifundiário e urbano concentrados nas antigas ilhas territoriais produtivas de café e cana-de-açúcar.
Certo. Sob o lema “50 anos em 5” e amparado por um grande endividamento público, O Plano de Metas de JK contemplava a substituição da matriz econômica brasileira: de um país agrário-exportador para um país industrializado. A construção de Brasília – sendo parte deste plano – incorporava também, o melhor controle estratégico do extenso território nacional.
4 Nos três primeiros séculos de colonização portuguesa no Brasil, a produção no território brasileiro era fundada na criação de um meio técnico mais dependente do trabalho direto e concreto do homem do que da incorporação de capital à natureza.
Certo. Nos primeiros 50 anos, o principal interesse na colônia foi a extração de Pau Brasil. No entanto, se analisarmos os primeiros 300 anos – conforme pede a alternativa – vamos ver que neste período, o principal produto brasileiro foi a cana-de-açúcar, cultivada principalmente na Zona da Mata e no Agreste nordestino, de solos tipicamente férteis. A agricultura da época era muito mais dependente da mão de obra escrava (até porque o tráfico poderia gerar mais riqueza do que o próprio cultivo agrícola em si), do que das condições do meio que eram naturalmente favoráveis.
Questão 29
A mundialização não diz respeito apenas às atividades dos grupos empresariais e aos fluxos comerciais que elas provocam. Inclui também a globalização financeira, que não pode ser abstraída da lista das forças às quais deve ser imposta a adaptação dos mais fracos e desguarnecidos.
François Chesnais. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996 (com adaptações).
Tendo como referência inicial o fragmento de texto apresentado, julgue (C ou E) os itens subsequentes.
1 A agricultura moderna brasileira elabora usos e apropriações da terra com reduzida demanda de recursos hídricos e maximização da fragmentação do território nacional.
Errado. Muito pelo contrário, 70% do consumo de água no Brasil é destinado a agropecuária. É muita água. Só por isso a alternativa já está errada.
2 Mundialização do capital ou globalização refletem a capacidade estratégica de grandes grupos oligopolistas, voltados para a produção industrial ou para as principais atividades de serviços, em adotar, por conta própria, enfoque e conduta globais.
Certo. Com a globalização, há um enfraquecimento dos estados nacionais e um fortalecimento natural do poder das multinacionais e transnacionais. Hoje, são elas que ditam a maior parte da política global.
3 O princípio geográfico da localização, no mundo globalizado economicamente competitivo, é superado pelos sistemas técnicos e de informação.
Errado. A alternativa está quase correta. De fato, com a globalização, ocorreu o que David Harvey chama de compressão-espaço-tempo, que é a sensação do “mundo estar menor” devido ao aumento da técnica e a consequente aceleração dos fluxos de capital, informações, mercadorias e pessoas. Assim, a localização geográfica hoje, é bem menos importante do que há 30 anos atrás. No entanto, ao contrário do afirmado, ela ainda não foi superada. Há realidades locais (políticas, logísticas, econômicas, etc.) que diferenciam os modos de produção.
4 No mundo globalizado, observa-se uma tendência de compartimentação generalizada dos territórios, onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade do trabalho e o movimento particular de cada fração espacial: do nacional ao regional e ao local.
Certo. Com a globalização, os atores hegemônicos não se restringem às suas localidades de origem, mas exploram as melhores áreas da superfície. Com a financeirização e a mecanização do mundo, as antigas noções de local, regional, e global vão mudando de significado. Num mesmo espaço geográfico, podemos ter as três escalas coexistindo, ora de forma harmônica, ora de forma conflituosa.
Questão 30
País de território misto, marcado a um só tempo pela continentalidade e maritimidade, o Brasil tem, na análise dos clássicos da teoria geopolítica relacionados ao poder naval (Mahan) e na da teoria do poder terrestre (Mackinder), importantes questões para a discussão de uma visão estratégica contemporânea, em um contexto em que há um importante aumento da estrutura política e econômica do país no cenário mundial.
Ronaldo Gomes Carmona. Geopolítica clássica e geopolítica brasileira contemporânea: Mahan e Mackinder e a “grande estratégia” do Brasil para o Século XXI. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012 (com adaptações).
Tendo como referência inicial o trecho do texto de Ronaldo G. Carmona, julgue (C ou E) os itens seguintes, acerca de continentalidade, maritimidade e geopolítica brasileira no século XXI.
1 A vasta extensão territorial do Brasil, que corresponde a 47% do território sul-americano, indica a necessidade de segurança das fronteiras com seus países vizinhos, de responsabilidade dos órgãos de segurança pública, da Secretaria da Receita Federal e das forças armadas.
Certo. O Brasil é o quinto país com maior território do mundo, fazendo fronteira com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e até com a França! É difícil patrulhar todas estas fronteiras, mas este cuidado é essencial para a soberania nacional.
2 Em relação à segurança nacional, as bacias hidrográficas amazônica e do Paraguai são consideradas não prioritárias, em razão de seu isolamento e distanciamento em relação aos grandes centros urbanos do centro-sul do país e também da ocupação rarefeita da população nas regiões onde se situam.
Errado. A questão estaria totalmente correta se a palavra “não” fosse retirada. Exatamente o contrário, estas fronteiras são estratégicas por diversos motivos, entre eles a biopirataria, o contrabando, o tráfico de drogas, e a imigração ilegal.
3 A Política de Defesa Nacional destaca a importância do controle e defesa dos chamados ativos estratégicos do Brasil: fontes de água doce e de energia, biodiversidade, imensas reservas de recursos naturais e extensas áreas a serem incorporadas ao sistema produtivo nacional.
Certo. O Brasil possui a maior floresta tropical do mundo (Amazônia), a maior reserva de água doce do mundo, e também uma das maiores biodiversidades do planeta. Somos riquíssimos em recursos naturais e minerais.
4 O fato de o Brasil possuir um vasto litoral com importantes reservas de recursos naturais é, por si só, indicativo de que o país deve investir na força naval de defesa de seu território oceânico.
Certo. Se Mahan fosse brasileiro, certamente se preocuparia com a marinha do país. Além de ser militarmente estratégico, o bioma da Zona Costeira, possui ecossistemas riquíssimos em biodiversidade.
Questão 31
No início do século XIX, o conjunto de pressupostos históricos de sistematização da geografia já havia ocorrido: a Terra já estava toda reconhecida; a Europa articulava um espaço de relações econômicas mundial; havia informações dos lugares mais variados da superfície terrestre, bem como representações do globo, devido ao uso cada vez maior de mapas.
Antônio Carlos Robert Moraes. Apud: Auro de Jesus Rodrigues. Geografia: introdução à ciência geográfica. São Paulo: Editora Avercamp, 2008 (com adaptações).
O neocolonialismo teve forte influência no desenvolvimento do pensamento geográfico europeu durante o século XIX e o início do século XX. A geografia, enquanto ciência a serviço dos Estados nacionais, foi instrumento de poder europeu sob vastas extensões territoriais na África, na América, na Ásia e na Oceania. A respeito desse assunto, julgue (C ou E) os itens que se seguem, tendo como referência o texto apresentado.
1 Os estudos da geografia na França, com uma formação filosófica e social mais humanista, voltavam-se, no período citado, para os estudos das diferenças entre as várias regiões do país e do mundo, com apontamentos das causas do subdesenvolvimento das colônias e da riqueza das metrópoles.
Errado. A geografia francesa no século XIX era pautada no possibilismo geográfico de Vidal de la Blache, e não no humanismo. A Geografia Humanista só foi surgir anos 1970, cerca de cem anos depois. Também está errada a afirmação de que a geografia tradicional francesa estudava as causas do subdesenvolvimento das colônias.
2 O levantamento e a descrição de informações nos trabalhos geográficos do século XIX e do início do século XX foram influenciados pela ideia de multidisciplinaridade das ciências. Assim, as informações sobre paisagens e regiões eram apresentadas, de forma detalhada, com sessões conjuntas para fatos humanos (população, economia, povoamento etc.) e fatos naturais (clima, relevo, vegetação, geologia, hidrografia, recursos naturais).
Errado. A alternativa está quase correta. De fato, os estudos de geografia tradicional eram bem detalhados, principalmente em à descrição dos aspectos físicos dos territórios. No entanto, apesar da geografia ser considerada uma “ciência-síntese”, este conhecimento não era multidisciplinar. Era estritamente descritivo, com metodologias próprias da geografia da época.
3 Os estudos geográficos constituíram, no período citado, uma justificativa ideológica de legitimação da exploração de outros povos pelos países imperialistas, em substituição à religião, cujas explicações para tal exploração estavam sendo questionadas, com a difusão do conhecimento científico.
Certo. O conhecimento geográfico é estudado desde a Antiguidade, porém, somente no século XIX que a geografia torna-se uma ciência com métodos próprios. Justamente porque havia, nesta época, um grande interesse das potências europeias em manter ou ampliar suas colônias.
4 O determinismo geográfico serviu para a legitimação das políticas expansionistas dos países imperialistas europeus, notadamente o alemão. O geógrafo alemão Ratzel, por exemplo, teorizou a relação entre os Estados nacionais e seu território, apontando que o potencial de desenvolvimento de um Estado-nação se daria basicamente pela relação entre dois fatores: a população e os recursos naturais do território.
Certo. O determinismo geográfico – ideia concebida por Ratzel, pregava que os grupos humanos eram moldados pelas características do território. Além disso, cada sociedade precisaria de um espaço vital com recursos suficientes. Estes dois conceitos ratzelianos (determinismo e espaço vital) vão legitimar a expansão ultramarina do Império Alemão.