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PROVA COMENTADA SANEAGO – PORTUGUÊS

Olá, pessoal. Bom dia.

Postei o comentário da última prova da SANEAGO, realizada recentemente. A banca cobrou muitas questões de intelecção textual, com referência a figuras de linguagem, interpretação de texto, tipologia textual, vocabulário e variação linguística. Vale a pena revisar tais temas!

Abraço e sucesso na prova!

Leia o texto que segue para responder às questões de 01 a 03.

Texto 1

História da criação

Os nossos sábios disseram:

“No começo não existia o mundo. Existia o ƗMƗKOHO ÑEKƗ, (O Avô do Mundo), ou seja, o Criador do Universo. Existia a ƗMƗKOHO ÑEKO, a Irmã do Criador do Universo, Avó do Mundo. Existia o YE’PA ÕAKƗHƗ (O Guia Revelador, que poderia ser traduzido como Deus na nação Tukana).

O Criador do Universo perguntou à sua irmã:

– O que faremos desse imenso universo… Temos mundo, e como faremos para criar os primeiros homens na terra?

– Desde o princípio eu sou o ser feminino. Respondeu a irmã.

– É isso mesmo! Eu sou homem e sei disso. Disse o Criador do Universo, depois de refletir bastante.”

TUKANO, Álvaro. O mundo Tukano antes dos brancos – um mestre Tukano.

  1. 1. Brasília-DF: INCTI/UnB/CNPq, 2017. p. 44.

 

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR / 2018)

Do enunciado “No começo não existia o mundo. Existia o ƗMƗKOHO ÑEKƗ, (O Avô do Mundo)”, infere-se que, para o povo Tukano,

(A) o universo é resultado de invenção mitológica.

(B) existiu um plano superior de seres não humanos.

(C) o mundo é a representação do universo não indígena.

(D) existiu um tempo-lugar anterior ao do mundo atual habitado.

Comentários:

Se antes de existir o mundo como o conhecemos já existia outros seres, interagindo, conversando, decidindo sobre a criação do mundo, podemos então concluir que já existia um tempo-lugar anterior ao mundo atual habitado.

Gabarito letra D.

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

O texto apresenta a narração da criação do mundo em uma perspectiva

(A) dialógica, promovida pela interação entre homem e mulher.

(B) divinatória, em que seres fantásticos são os protagonistas.

(C) enigmática, envolvida nos mistérios e segredos dos autores.

(D) conspiratória, em que duas figuras mitológicas compõem a trama.

Comentários:

 

A narração do texto divide claramente o gênero dos protagonistas. Existia o criador, do gênero masculino, e existia a irmã dele, do gênero feminino. Então temos essa relação dialógica entre homem e mulher. Veja:

O Criador do Universo perguntou à sua irmã:

– O que faremos desse imenso universo… Temos mundo, e como faremos para criar os primeiros homens na terra?

– Desde o princípio eu sou o ser feminino. Respondeu a irmã.

– É isso mesmo! Eu sou homem e sei disso.

Gabarito letra A.

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

A autoria da narrativa sobre a criação do mundo é informada no texto

(A) pela nomeação dos narradores e pelo destaque da forma cultural de tratamento.

(B) pelo uso de marcadores discursivos e pela maneira social de reverência aos anciãos.

(C) pela indicação dêitica dos autores e pela ênfase nos discursos diretos.

(D) pelo emprego de aspas duplas e pela citação da voz narrativa seguida de dois pontos.

Comentários:

A narrativa é atribuída aos sábios:

Os nossos sábios disseram (essa é a voz narrativa, seguida de dois-pontos):

Após esse trecho, todo o conteúdo está entre aspas, para indicar, pela pontuação, que essa narrativa é reproduzida diretamente da fala dos sábios. Em outras palavras, as aspas são utilizadas para indicar o discurso direto.

Gabarito letra D.

 

Leia o Texto 2 para responder às questões de 04 a 06.

 

Texto 2

Eu comecei a fazer festa de reggae em 1975, com a minha radiola. Mas onde o reggae começou a se espalhar mesmo foi num sítio chamado Mato Grosso, por trás da Expoema. Ali foi o primeiro sítio que eu foquei. Depois eu toquei num festejo de Nossa Senhora do Bom Parto, que acontece todo ano, dia 2 de fevereiro, num lugar chamado Andiroba; fica antes de Mato Grosso. Foi dali que começou. Aí, eu fui trazendo para os bairros e comecei a fazer festa no Salgueiro (antiga Escola de Samba no Sacavém – não existe mais), na favela (só Samba) fazia festa no Sacavém, também no festejo de Elzita (mãe-de-santo de um terreiro de mina no bairro Sacavém) e trazia aquela multidão do Retiro Natal, Monte Castelo, Liberdade, a turma que já participava das festas que eu fazia…

DA SILVA, Carlos Benedito Rodrigues. Da terra das primaveras à ilha do

amor – reggae, lazer e identidade cultural. São Luís: Pitomba, 2016. p.68.

 

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

A composição do Texto 2 é caracterizada por uma sequência textual

(A) argumentativa.

(B) descritiva.

(C) narrativa.

(D) injuntiva.

Comentários:

Temos um texto tipicamente narrativo, que traz uma sequência de ações sequenciais, com um narrador costurando um trecho de uma história.

Observe que há verbos no pretérito perfeito (comecei, toquei, fui), há uma clara divisão temporal, com referências temporais (1975, depois, aí…). Gabarito letra C.

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

Concorrem para o estabelecimento da coesão do texto o emprego dos articuladores “Ali” (linha 3), “dali” (linha 5) e “Aí” (linha 5). O uso desses articuladores

(A) torna o estilo linguístico do texto informal e próximo da oralidade.

(B) denota desconhecimento dos recursos de articulação gramatical.

(C) revela o nível de escolaridade formal do autor do texto.

(D) evidencia um marcador de variação linguística diatópica.

Comentários:

Ali, Dali e Aí são referências temporais típicas da oralidade, da linguagem falada, informal, livre, espontânea. Gabarito letra A.

  1. b) Usar linguagem informal não indica desconhecimento da língua culta, pode ser apenas a linguagem adequada à situação específica de uma conversa descontraída.
  2. c) Vale o mesmo comentário acima.
  3. d) Variação linguística diatópica é a variação regional. Não é o que ocorre aqui, a variação em tela é situacional.
  4. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

Considerando-se os tempos verbais empregados no texto, infere-se que a temporalidade da narrativa é:

(A) hipotética, com marcadores temporais imperfeitos do subjuntivo.

(B) estável, com a predominância do pretérito-perfeito do indicativo.

(C) subjetiva, dependente da interpretação do leitor.

(D) psicológica, restrita à imaginação do narrador.

Comentários:

 

Essa questão complementa o reconhecimento do texto narrativo exigido na questão 4. Na narração, há predominância de verbos no pretérito perfeito, pois este indica que as ações foram concluídas e sucedidas por outras ações, numa sequência. Há também verbos no pretérito imperfeito, indicando algumas ações que eram contínuas/reiteradas em determinados momentos da narrativa. Contudo, a divisão temporal é estável, homogênea, linear, uma ação imediatamente seguida de outra. Gabarito letra B.

 

Leia o Texto 3 para responder às questões de 7 a 10.

 

Texto 3

Resgatar as receitas é convocar as “almas” com o perfume doce das damas-da-noite que habitam as frestas dos muros desgastados de adobe e as tortuosas ruas de pedras. Almas que habitam os quintais sombreados pelas mangueiras. É evocar frases e sons retidos na argamassa das paredes de taipas. É trazer novamente as luzes e o brilho das licoreiras de cristal e dos saraus no Palácio Conde dos Arcos. Ouvir ecos das vozes recitando poemas no Clube Literário. É sentir o calor do abraço de despedida e o som dos pés se arrastando na procissão. É, quase possível, ouvir o órgão e as velas escorrendo dos castiçais na Igreja Boa Morte. Os latidos dos cães no mercado. A voz longínqua do vendedor de bolo de arroz na tarde quente. As “almas” das coisas podem re-existir, tocar corações, sussurrar lembranças, habitar cozinhas modernas, pessoas diversas em outras cidades e países. Só a Arte, aqui a arte culinária, permite esse trânsito, subvertendo o espaço-tempo linear, conduzindo a memória de cada um a lugares esquecidos, lugares nunca visitados – enriquecer o cotidiano trivial de cada um. Uma fatia de bolo pode sim, como diz Proust, conter toda uma infância, uma cidade, um estado e um país.

LIMA, Ana Chrisitna da Rocha. Nádia Köller – memórias e receitas de

Goyaz. Goiânia: Eclea, 2017. p. 13.

 

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

Predominam no texto as características da composição literária, e os sentidos, em todo o texto, são produzidos por meio do mecanismo da

(A) pressuposição.

(B) sinestesia.

(C) comparação.

(D) sinédoque.

Comentários:

O texto é todo construído de metáforas, que são figuras de linguagem constituídas de comparações implícitas entre dois seres com características em comum. Veja que poderíamos até explicitar a comparação, devolvendo os conectivos comparativos:

Resgatar as receitas é como convocar as “almas” com o perfume doce das damas-da-noite que habitam as frestas dos muros desgastados de adobe e as tortuosas ruas de pedras. Almas que habitam os quintais sombreados pelas mangueiras. É como evocar frases e sons retidos na argamassa das paredes de taipas.

Muita gente achou que a resposta poderia ser “Sinestesia”, porque há menção a “perfume doce das damas da noite”. Embora isso faça certo sentido, o enunciado diz “predominam” e esta foi a única vez em que ocorreu no texto uma mistura de sentidos, que caracteriza a Sinestesia. Gabarito letra C.

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

O enunciado “É evocar frases e sons retidos na argamassa das paredes de taipas” (linhas 3-4), situado no contexto geral do texto, tem o sentido de

(A) evocação de lembranças.

(B) expressão de angústias.

(C) intensificação de desejos.

(D) ensejo de esperanças.

Comentários:

Observem que o texto menciona lugares e cenas que ocorreram nesses lugares (igrejas, Palácios, Construções). Essas lembranças estão ‘entranhadas” nos locais, em suas paredes, em suas árvores, em suas ruas e seus objetos:

Resgatar as receitas é convocar as “almas” com o perfume doce das damas-da-noite que habitam as frestas dos muros desgastados de adobe e as tortuosas ruas de pedras. Almas que habitam os quintais sombreados pelas mangueiras. É evocar frases e sons retidos na argamassa das paredes de taipas. É trazer novamente as luzes e o brilho das licoreiras de cristal e dos saraus no Palácio Conde dos Arcos. Ouvir ecos das vozes recitando poemas no Clube Literário. É sentir o calor do abraço de despedida e o som dos pés se arrastando na procissão. É, quase possível, ouvir o órgão e as velas escorrendo dos castiçais na Igreja Boa Morte.

Gabarito letra A.

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

No enunciado “Uma fatia de bolo pode sim, como diz Proust, conter toda uma infância, uma cidade, um estado e um país” (linha 14-15) “uma fatia de bolo”, por metonímia, é o mesmo que

(A) repositório.

(B) depósito.

(C) estoque.

(D) memória.

Comentários:

A fatia de bolo é uma “receita”, que no contexto indica algo que pode evocar muitas memórias de cenas passadas. Veja:

Só a Arte, aqui a arte culinária, permite esse trânsito, subvertendo o espaço-tempo linear, conduzindo a memória de cada um a lugares esquecidos, lugares nunca visitados – enriquecer o cotidiano trivial de cada um. Uma fatia de bolo pode sim, como diz Proust, conter toda uma infância, uma cidade, um estado e um país.

Então, a “fatia de bolo” é só uma substituição do agente (o bolo) por seu efeito (fazer lembrar uma infância, uma cidade, um estado, um país).

Gabarito letra D.

  1. (UFG / SANEAGO / ANA. DE GESTÃO – ADMINISTRADOR/ 2018)

Em “as frestas dos muros desgastados de adobe” (linha 2), há um mecanismo de construção de sentido que dificulta o entendimento da sequência destacada, porque

(A) gera redundância.

(B) produz ambiguidade.

(C) cria pressuposição.

(D) permite inferência.

Comentários:

O texto gera ambiguidade, pois não sabemos se as frestas são “de adobe”, se os muros são “de adobe”, ou se os muros estão desgastados “de adobe” (por causa do adobe).

O fato é que pouca gente sabia o que é “adobe”, então a ambiguidade ficaria ainda mais prejudicial ao texto.

A propósito, vejamos:

ADOBE- 1. Grilhão preso a peça pesada de ferro, semelhante a um tijolo, us. antigamente para atar os pés ou as pernas dos presos

Gabarito letra B.

Então, é isso! Grande abraço a todos.

Coordenação

Ver comentários

  • Olá Felipe,
    muito interessante a sua análise das questões sobre o trecho do livro que escrevi.
    Foi uma honra para mim que o trecho tenha sido escolhido, fui surpreendida. E agora encontro suas ponderações aqui, que bacana!
    Só tenho uma observação a fazer, um detalhe, pois a sua definição do adobe está incompleta. O adobe, que é a matéria prima dos muros da antiga cidade de Goiás, se adequa mais a esta definição: "O adobe é um material vernacular usado na construção civil. É considerado um dos antecedentes históricos do tijolo de barro e seu processo construtivo é uma forma rudimentar de alvenaria. Adobes são tijolos de terra crua, água e palha e algumas vezes outras fibras naturais, moldados em fôrmas por processo artesanal ou semi-industrial."
    Grande abraço para você,
    Ana

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