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PROJETO DE LEI Nº 236 DE 2012 E A EUTANÁSIA

EUTANÁSIA E O PROJETO DE LEI Nº 236 DE 2012
A eutanásia é uma forma de conduzir ativamente o processo de morrer

EUTANÁSIA E O PROJETO DE LEI Nº 236 DE 2012

O Projeto de Lei nº 236 de 2012, em tramitação perante o Senado Federal, que busca a instituição de um Novo Código Penal, passa a tipificar a eutanásia como um delito autônomo e não mais como forma privilegiada de homicídio

Olá, pessoal, tudo bem?

Hoje vamos discutir as possíveis mudanças que o projeto de atualização do Código Penal – PLS nº 236 de 2012 – traz para o crime de eutanásia e o que você precisa saber para entender melhor o que de fato é esta conduta.

EUTANÁSIA E O PROJETO DE LEI Nº 236 DE 2012

As mudanças legislativas em discussão

Atualmente tramita perante o Senado Federal o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 236, de 2012, que busca instituir um novo Código Penal. O assunto é de grande importância, já que o diploma criminal vigente, mesmo tendo sofrido alterações significativas em 1984, guarda boa parte da forma e do conteúdo de quando foi publicado no ano de 1940.

Se o PLS se tornar efetivamente lei, a prática da eutanásia passará a ser tipificada como uma modalidade autônoma de delito, por meio do art. 122 do novo código, com previsão de pena de prisão de dois a quatro anos ao agente.
Mas, de início, importante entendermos em que consiste exatamente a eutanásia e qual o tratamento dado a ela pelo ordenamento pátrio vigente, para então estudarmos quais as diferenças para aquilo que se busca instituir no PLS.

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O que é eutanásia?

Atribui-se a filósofo FRANCIS BACON a criação do termo eutanásia, sendo originalmente pensada como um termo que denominava uma forma de trazer tranquilidade ao enfermo em face ao sofrimento de uma morte dolorosa. Palavra de origem grega e que pode ser traduzida, de maneira livre, em boa – “eu” – morte – “thanatos”, nos dias de hoje representa um dos temas mais sensíveis para a Bioética e capaz de suscitar calorosos debates.

Pensada dentro de um contexto da terminalidade e irreversibilidade, o escopo da eutanásia foi se alargando com os anos e atualmente algumas nações a têm como um procedimento legal, com regramento específico e passível de execução em situações para além daquelas envolvendo patologias incuráveis e por doentes em fase terminal.

Em termos jurídicos, possui vários significados, mas normalmente se encontra focada na morte do “moribundo”, tal como o sentido original. A European Association for Palliative Care (EAPC), uma das mais importantes associações quando se fala em cuidados paliativos, define eutanásia nos seguintes termos: “Euthanasia is defined as follows: a physician (or other person) intentionally killing a person by the administration of drugs, at that person’s voluntary and competent request.”.

Consiste em um médico (ou outra pessoa) matar intencionalmente alguém por meio da administração de drogas, a pedido voluntário e competente deste último. Daí ser também chamada de homicídio assistido.

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A situação da eutanásia no Brasil e no mundo

Na atualidade, a eutanásia é uma prática legal em cinco países – Bélgica, Canadá, Colômbia, Luxemburgo e Holanda –, com variações entre os requisitos mínimos a serem observados em cada um deles. Em comum, o que se vê é a existência de filtros que buscam tornar a tomada de decisão pelos médicos uma conduta imparcial e ética. E, dentre as obrigatoriedades, destacamos a necessidade de intervenção e avaliação por profissional não envolvido nos cuidados com o paciente e de respeito a um prazo mínimo entre o pedido e a realização do ato.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) não autoriza a prática de eutanásia, sendo o procedimento vedado ao médico por força do art. 41 do Código de Ética Médica, aprovado através da Resolução CFM nº 1931/2009.

Na normativa há orientação aos profissionais para que ofereçam todos os cuidados paliativos possíveis, com controle da dor e do sofrimento, e que evitem a prática da a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários nas situações clínicas irreversíveis e terminais, situação conhecida como distanásia. Por sua vez, a prática do homicídio assistido é tida pelo órgão como infração ético-profissional e sujeita à sanção administrativa.

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O crime de eutanásia

O Código Penal – e todo o ordenamento jurídico brasileiro de forma geral – protege a vida humana. O diploma criminal, através dos arts. 121 e seguintes, tipifica os chamados crimes contra a vida, sendo que as formas dolosas destes ilícitos serão julgadas pelo Tribunal do Júri, por expressa determinação constitucional. Como se sabe, o homicídio é o tipo penal que inicia a Parte Especial, do que se pode imaginar sua importância para o legislador e para toda a sociedade.

O parágrafo 1º do art. 121 prevê a figura do homicídio privilegiado, situação em que o “matar alguém” se encontra fundado em “relevante valor social ou moral”. Nesta situação, poderá haver diminuição da pena em 1/6 a 1/3, a ser aplicada pelo juiz na terceira fase da dosimetria.

De acordo com a doutrina nacional, a eutanásia pode ser tipificada como uma forma de homicídio privilegiado. Aquele que tira a vida de uma terceira pessoa, quando motivado pelo sofrimento deste último, tal como em situações de doenças incuráveis em estágio terminal, age de maneira tida como nobre e compreensível.

A jurisprudência nacional também entende a questão em termos semelhantes. Considera como valor moral a causa subjetiva que deu fundamento à conduta do agente, mas que, por conta das condições específicas daquele caso, pode ser aprovada pela moralidade social média vigente. Porém ressalta-se que não há decisão judicial de relevo e com ampla discussão sobre as questões envolvendo a eutanásia. O argumento sobre a valor moral da conduta é, em geral, usado como argumento pela defesa do acusado, mas em contextos diferentes.

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O PLS nº 236 de 2012 e a tipificação da eutanásia

Na proposta original do PLS nº 236, de 2012, de autoria do Senador José Sarney (MDB/AP), a eutanásia deixaria de ser uma forma de homicídio privilegiado. Passaria a ser tipificada como crime autônomo, como se vê no art. 122 do anteprojeto anexo ao PLS, em que temos:

Eutanásia
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos.

Mesmo com as mudanças legislativas que têm sido vistas em alguns países e das alterações dos valores morais e culturais da sociedade brasileira, o legislador nacional entende que o momento atual não comporta uma discussão mais aprofundada sobre a temática. De modo contrário, dedica um tipo penal específico à prática da eutanásia, ainda que com pena mais branda que o homicídio simples.

De todo modo, convém destacar as disposições contidas nos dois parágrafos do artigo 122 do anteprojeto. No parágrafo 1º, o legislador deixa, a cargo do juízo e conforme as circunstâncias do caso, a possibilidade de aplicar a excludente de culpabilidade nas situações em que o agente tenha praticado a ação em decorrência de “estreitos laços de afeição” ou de “parentesco” com a vítima.

§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

Exclusão de ilicitude

Já no parágrafo 2º do art. 122, ao qual o legislador atribui o título de exclusão de ilicitude, há previsão da excludente para as situações em que se evita a prática de distanásia, situação distinta do homicídio assistido.

Exclusão de ilicitude
§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Nota-se, na redação do dispositivo, um possível equívoco legislativo em relação às formas de abreviação e de prolongamento da vida humana, o que pode culminar com dificuldades na aplicação da normativa nos casos concretos. Isto pois se confunde o não praticar a distanásia com o exercício da eutanásia.

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Conclusão

Neste artigo sobre a eutanásia e o Projeto de Lei nº 236 de 2012, destacamos os seguintes pontos:

  1. Existem várias definições possíveis para a eutanásia.
  2. Trata-se de um projeto de lei.
  3. Apesar de já contar com quase dez anos de apresentação, ainda deverá ser submetido a uma série de avaliações parlamentares em comissões distintas de ambas as Casas Legislativas. Assim, seu teor poderá sofrer grandes alterações até eventual promulgação.
  4. Quando lembramos que as discussões sobre o homicídio assistido têm crescido tanto na sociedade brasileira quanto em outras nações, a compreensão da matéria e de suas consequências se mostra relevante aos juristas, aos médicos e à população em geral.

Obrigado e até a próxima!

Diogo Reginato

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Referências

BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer nº 2285/2010 CRM-PR. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/crmpr/pareceres/2010/2285_2010.htm. Acesso em: 29 out. 2021. “[…] a distanásia é a morte decorrente de um abuso na utilização dos recursos médicos, mesmo quando flagrantemente infrutíferos para o paciente, de maneira desproporcional, impingindo-lhe maior sofrimento ao identificar, sem reverter, o processo de morrer já em curso.”

BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1931/2009. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&id=20670:resolucao-cfm-no-19312009. Acesso em: 29 out. 2021.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404. Acesso em: 29 out. 2021.

CARVALHO, Gisele Mendes de; KAROLENSKY, Natália Regina. Aspectos bioético-jurídicos da eutanásia: análise das recentes resoluções do CFM e do anteprojeto de Código Penal de 2012. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=74249bfb36330626. Acesso em: 29 out. 2021.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 14. ed. Niterói: Impetus, 2017. v. 2, p. 42. “A Parte Especial do Código Penal está dividida em títulos, capítulos e seções, ordenados sistematicamente, levando em consideração o bem juridicamente protegido. […] Foi somente a partir do Código Penal de 1940 que a Parte Especial teve início com os chamados ‘Crimes contra a Pessoa’, ressaltando-se, dessa forma, sua importância.”

MARINHO, Renato Silvestre. Vida e consentimento: o tratamento da eutanásia no Direito Penal. 2017. Tese (Doutorado em: Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. p. 28 e 29. “Como se observa, a maior parte dos autores, na linha do proposto por Francis Bacon, opta por restringir a utilização do termo eutanásia àquelas situações em que há uma enfermidade terminal, incurável e causadora de intenso sofrimento, ou, no máximo, também aos casos de invalidez irreversível. Alguns autores, contudo, a exemplo de Claus Roxin, fazem questão de destacar que o importante é a concepção de dignidade humana do próprio indivíduo interessado, e não de terceiros.”

PROCON/ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Disponível em: https://euthanasia.procon.org/euthanasia-physician-assisted-suicide-pas-around-the-world/. Acesso em 29 out. 2021.

RADBRUCH, Lukas et al. Euthanasia and physician-assisted suicide: A white paper from the European Association for Palliative Care. Palliative Medicine, v. 30, n. 2, p. 104–116, 2016. p. 108. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0269216315616524.

STJ – AREsp: 1361375 PI 2018/0236551-5, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 19/05/2021 e STJ – REsp: 1924206 MG 2021/0054687-1, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Publicação: DJ 04/08/2021.

WATSON, Max et al. Oxford Handbook of Palliative Care. 3. ed. New York: Oxford University Press, 2019. p. 19. “Euthanasia is an emotive topic that typically generates a polarized debate, with well-meaning, strongly held views on both sides. Some clinicians may see euthanasia as a potentially beneficial intervention, empathizing with and respecting the requests of distressed, dying patients—i.e. a ‘mercy killing’— while others see killing patients as the antithesis of good care that cannot be ‘safely’ legalized (risking acceptance of ‘death on demand’), and even if legalized, should never involve clinicians. As with any contentious ethical dilemma, the use of emotive language can easily cloud the arguments on both sides of the debate.”

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