Leis Delegadas: entenda como são produzidas
Dando sequência à série de artigos que visa democratizar o conhecimento sobre o Processo Legislativo Constitucional, continuaremos o estudo sobre o funcionamento da produção das Leis no país. Hoje, avançaremos no detalhamento dos Procedimentos Legislativos Especiais, tratando especificamente do procedimento de criação das Leis Delegadas.
Procedimentos Legislativos Especiais
No artigo Processo Legislativo Constitucional: como as Leis são produzidas, aprendemos que o objeto do Processo Legislativo é a produção dos atos normativos primários. Cada espécie normativa tem uma razão de ser, bem como um regramento diferente para sua produção e tramitação nas Casas Legislativas.
Naquela oportunidade, foi dado um panorama sobre a configuração do Processo Legislativo, com enfoque no Procedimento Legislativo Comum, que rege a produção das Leis Ordinárias e Leis Complementares. Esse procedimento serve de base para a compreensão dos Procedimentos Legislativos Especiais, sendo recomendada a leitura do artigo, que está disponível neste link.
Seguimos para o detalhamento dos Procedimentos Legislativos Especiais, que são cinco, e coincidem com o ato normativo que será produzido. São eles as Medidas Provisórias, as Emendas Constitucionais, as Leis Delegadas, as Resoluções e os Decretos Legislativos. Nos artigos precedentes, foi explicado como as Medidas Provisórias e como as Emendas Constitucionais são produzidas. Hoje esmiuçaremos o procedimento de criação de uma Lei Delegada.
Leis Delegadas
A Lei Delegada é uma espécie normativa com força de Lei Ordinária prevista no art. 68 da Constituição Federal de 1988. Ela é editada pelo Presidente da República no exercício de sua função legislativa atípica, sob autorização do Congresso Nacional e dentro dos limites por ele impostos.
Diferentemente das Medidas Provisórias (MPV), não há o requisito da relevância e urgência para a criação de uma Lei Delegada. A existência dessa espécie normativa se justifica para dar maior eficácia ao Estado, facilitando a normatização de temas que sejam caros ao Poder Executivo, diante da possível inércia do Poder Legislativo em tratar do assunto.
Na prática, as Leis Delegadas não são tão utilizadas pelos Chefes do Executivo, que costumam valer-se das MPVs mesmo na ausência de relevância e urgência manifesta. Isso ocorre pois, enquanto a edição da Lei Delegada requer uma solicitação prévia do Presidente ao Legislativo, a Medida Provisória é editada unilateralmente pelo Presidente, sendo submetida à aprovação do Legislativo somente após sua entrada em vigor.
Vamos entender melhor esse procedimento!
1- Fase introdutória/iniciativa
A) Iniciativa:
As Leis Delegadas são atos normativos com força de Lei Ordinária e sua edição é competência privativa do Presidente da República. O Presidente, por meio de mensagem, faz uma solicitação ao Congresso Nacional para que lhe seja delegada a competência para legislar sobre determinada matéria. Essa é a chamada iniciativa solicitadora.
B) Matérias:
Da mesma forma que ocorre com as Medidas Provisórias, a Constituição Federal veda a edição de Leis Delegadas sobre um rol taxativo de temas, quais sejam:
i) atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, atos de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
ii) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
iii) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
iv) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento;
v) matéria reservada a lei complementar.
A delegação legislativa é um instrumento atípico de produção de normas, uma vez que as leis que regem a vida em sociedade, via de regra, devem ser decididas por deliberação do Poder Legislativo, que é composto por representantes do povo e dos Estados.
Nesse sentido, em respeito à soberania popular, ao federalismo e à separação dos poderes, o legislador constituinte escolheu vedar a edição de Leis Delegadas a respeito dos temas acima elencados, seja pela sua relevância social, por sua complexidade ou pela garantia que eles representam ao cidadão e às instituições.
Dessa forma, esses assuntos ficam protegidos de qualquer tipo de abuso ou arbitrariedade que possa vir a ser cometida pelo Poder Executivo na edição de Leis Delegadas.
2- Fase constitutiva
A) Resolução do Congresso Nacional
A solicitação para a delegação legislativa feita pelo Presidente será deliberada, e sua aprovação dependerá do voto da maioria simples/relativa dos membros de ambas as Casas Legislativas.
Caso seja aprovada, o Congresso Nacional editará uma Resolução que especificará o conteúdo, os termos e o prazo para o exercício da delegação concedida. Será inconstitucional um ato de delegação genérico, vago, que dê poderes ilimitados ao Presidente da República no que diz respeito à competência legislativa.
i) Não vinculação do Congresso Nacional
A Resolução que normatiza a delegação legislativa não é irreversível, podendo o Congresso Nacional, discricionariamente, revogar seus termos a qualquer tempo, ainda que não vencido o prazo fixado na Resolução. Havendo sua revogação, o Presidente fica impedido de produzir a Lei Delegada.
Além disso, a edição da Resolução não retira do Poder Legislativo a prerrogativa de regular a matéria por meio de Lei Ordinária, ainda que vigente o prazo cedido ao Presidente para a edição da Lei Delegada
ii) Não vinculação do Presidente da República
No mesmo sentido, a delegação legislativa não apresenta efeito vinculante para o Presidente da República. Ele pode, discricionariamente, desistir da edição da Lei Delegada, não estando compelido a produzi-la, mesmo diante da autorização do Congresso e da respectiva elaboração da Resolução.
B) Delegação
A delegação pode ser de duas ordens:
i) Delegação típica/própria
A Resolução do Congresso Nacional atribui ao Presidente a competência para elaborar, promulgar e publicar a Lei, sem que haja sua intervenção nesse procedimento. Isso significa que o Poder Legislativo não participa de mais nenhuma etapa do procedimento, não havendo discussão ou votação do conteúdo da Lei no parlamento.
ii) Delegação atípica/imprópria
A Resolução do Congresso Nacional atribui ao Presidente a competência para elaborar a Lei, mas prevê que o Projeto de Lei Delegada seja discutido e votado pelo Poder Legislativo. Caso aprovada, a Lei Delegada será encaminhada ao Presidente da República, para que a promulgue e publique.
Deliberação (discussão e votação)
O Congresso Nacional apreciará o Projeto de Lei, em votação única, sendo necessário o quórum de maioria simples/relativa para sua aprovação.
Nesse procedimento as Emendas Parlamentares são vedadas. Isso significa que não pode haver discordância parcial com o conteúdo da norma editada pelo Presidente. Sendo assim, ou o projeto é aprovado nos termos em que foi elaborado, ou ele é rejeitado e arquivado por inteiro.
Princípio da Irrepetibilidade
Um Projeto de Lei Delegada rejeitado pelo Congresso Nacional, será arquivado e a matéria de que ele se trata não poderá ser objeto de novo Projeto de Lei na mesma sessão legislativa. A sessão legislativa é o período de um ano, que vai de 2 de fevereiro a 22 de dezembro.
O princípio da irrepetibilidade, nesse caso, é relativo. Isso significa que, se houver proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas, a matéria constante de Projeto de Lei rejeitado poderá ser objeto de novo projeto na mesma sessão legislativa.
C) Ausência de manifestação do Chefe do Executivo
O Projeto de Lei Delegada não é objeto de sanção ou veto presidencial. Isso se dá porque, seja na delegação típica ou atípica, o projeto de Lei Delegada não sofre modificação em seu texto original.
No caso da delegação típica, o projeto sequer é apreciado pelo Legislativo. Na delegação atípica, apesar de haver a apreciação por parte do Congresso Nacional, não há possibilidade de elaboração de Emendas Parlamentares. Portanto, em ambos os casos a Lei é aprovada nos exatos termos em que foi elaborada pelo Presidente.
3 -Fase complementar
A) Promulgação da Lei Delegada
É o ato solene que atesta a existência da Lei. A promulgação da Lei Delegada é uma competência do Presidente da República.
b) Publicação da Lei Delegada
Consiste na comunicação de que a lei existe e deve ser cumprida. Trata-se de condição de eficácia da lei: a partir do momento em que ela é publicada, ela passa a estar apta a produzir todos os seus efeitos. A publicação da Lei Delegada é ato de competência do Presidente da República.
Outras especificidades do procedimento de criação das Leis Delegadas
Sustação dos atos normativos do Presidente da República
A Constituição Federal concedeu ao Congresso Nacional a prerrogativa de sustar os atos do Poder Executivo que exorbitem os limites da delegação legislativa delineadas na Resolução legislativa.
Isso significa que, se o Presidente, na elaboração da Lei Delegada, extrapola as balizas fixadas pelo Poder Legislativo, o Congresso Nacional, por meio de Decreto Legislativo, pode decidir pela sustação da Lei Delegada. A partir da publicação do Decreto, a Lei Delegada para de produzir efeitos, não retroagindo (efeito ex nunc), já que não é o caso de declaração de nulidade.
Declaração de inconstitucionalidade da Lei Delegada
Mesmo diante da sustação legislativa, nada impede que haja declaração de inconstitucionalidade da Lei Delegada pelo Poder Judiciário, se essa houver violado algum requisito formal ou material do Processo Legislativo, imposto pela Constituição.
Nesse caso, a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos ex tunc, retroagindo desde a sua edição.
Declaração de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo
Outro ponto que merece destaque é que o Decreto Legislativo do Congresso Nacional que susta a Lei Delegada poderá também ter sua constitucionalidade questionada por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, a sustação poderá sofrer controle repressivo judicial, caso haja desrespeito formal ou material dos preceitos constitucionais.
Demais Procedimentos Legislativos Especiais
Os procedimentos de criação de uma Media Provisória e de uma Emenda Constitucional já foram detalhados em artigos precedentes. Os demais Procedimentos Especiais serão objeto de estudo em uma próxima oportunidade.
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