O tema prescrição da pretensão executória foi alvo de diversas alterações legislativas e entendimentos jurisprudenciais nos últimos anos.
Este artigo tem por objetivo apontar os entendimentos jurisprudenciais essenciais à sua aprovação.Tópicos a serem vistos:
Vamos lá.
A prescrição consiste na perda do direito de punir do Estado, em razão de não ter sido exercido dentro do prazo legal.
Assim, ante a inércia Estatal, ocorre a extinção da punibilidade do agente.
Nota-se que a prescrição tem natureza jurídica de causa extintiva da punibilidade do agente, conforme se extrai do art. 107, IV, do Código Penal, in verbis:
Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:
IV – pela prescrição, decadência ou perempção;
Trata-se de matéria de ordem pública que pode ser reconhecida de ofício a qualquer tempo. Nesse sentido, segue o entendimento do STJ:
A extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal constitui matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício, em qualquer grau de jurisdição, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal
(STJ, AgRg no REsp 1.394.133/AL, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 05/10/2016).
Ademais, cabe ressaltar que o instituto tem como fundamento, dentre outros, os seguintes postulados político-criminais: proporcionalidade, segurança jurídica, presunção de bom comportamento do agente e desaparecimento dos efeitos do crime para a sociedade.
Apesar disso, dois crimes foram considerados imprescritíveis pela Carta Magna: o crime de racismo (CF, art. 5º, XLII) e o delito de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV).
Ademais, o Supremo Tribunal Federal equiparou o crime de injúria racial (art. 140, § 3º, do Código Penal) ao delito de racismo, considerando-o imprescritível. Veja-se:
O crime de injúria racial, espécie do gênero racismo, é imprescritível. A prática de injuria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, traz em seu bojo o emprego de elementos associados aos que se definem como raça, cor, etnia, religião ou origem para se ofender ou insultar alguém. Em ambos os casos, há o emprego de elementos discriminatórios baseados na raça para a violação, o ataque, a supressão de direitos fundamentais do ofendido. Sendo assim, não se pode excluir o crime de injúria racial do
mandado constitucional de criminalização previsto no art. 5º, XLII, restringir-lhe indevidamente a aplicabilidade.
STF. Plenário. HC 154248/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/10/2021 (Info 1036).
O Código Penal prevê duas espécies de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória.
Nas lições do Superior Tribunal de Justiça:
A extinção da punibilidade pela prescrição regula-se, antes de transitar em julgado a sentença, pelo máximo da pena prevista para o crime (CP, art. 109) ou pela pena efetivamente aplicada, depois do trânsito em julgado para a acusação (CP, art. 110), conforme expressa previsão legal
(STJ, HC 42338/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJ 22/8/2005, p. 321).
Em regra, no período entre a data da consumação do crime e antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória pode ocorrer a prescrição da pretensão punitiva.
Ressalta-se a prescrição da pretensão punitiva é subdivida em 3 espécies, as quais serão estudadas em artigos futuros: 1) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; 2) prescrição intercorrente e 3) prescrição retroativa.
Por outro lado, a partir do trânsito em julgado para ambas as partes, poderá ocorrer a chamada prescrição da pretensão executória.
Na prescrição da pretensão punitiva, o Estado perde a possibilidade de formar o seu título executivo judicial, excluindo, assim, os efeitos principais e secundários(penais e extrapenais). Assim, será como se o agente não tivesse praticado a infração penal, visto que continuará a gozar do status de primário e não poderá ser maculado em seus antecedentes penais. Nota-se que tal espécie impede o exercício da ação penal.
Por outro lado, na prescrição da pretensão executória, o Estado, ante a sua inércia, somente irá perder o direito de executar sua decisão. Dessa forma, o título executório, formado com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não poderá ser executado.
Nota-se que a prescrição da pretensão executória extingue somente a pena(efeito principal da condenação), mantendo-se intactos os efeitos secundários da condenação, penais e extrapenais.
Assim, se praticar novo crime, será considerado reincidente ou portador de maus antecedentes, a depender da ocorrência ou não do período depurador(art. 64, I, do CP).
Destaca-se que os Tribunais Superiores não admitem a chamada prescrição virtual ou em perspectiva que consiste no reconhecimento da prescrição considerando-se uma provável pena a ser aplicada ao autor do fato.
Nesse sentido, segue o posicionamento do STJ:
Súmula nº 438. É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.
O Supremo Tribunal Federal, seguindo a mesma linha de raciocínio, rejeita a chamada prescrição em perspectiva ou prescrição antecipada, ante a ausência de previsão legal da pretendida causa de extinção da punibilidade. Precedentes (STF, HC 105167/SP, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª T., DJe 18/6/2012).
Inicialmente, destaca-se que a prescrição executória tem como base a pena em concreto, ou seja, a pena fixada na sentença ou no acórdão que transitou em julgado, não podendo mais ser alterada.
Um grande debate vinha sendo travado a respeito do termo inicial dessa espécie de prescrição. Dessa forma, perguntava-se:
A partir de que dia começa o referido prazo para fazer com que o réu condenado inicie o cumprimento da pena?
No final de 2022, os Tribunais Superiores pacificaram a questão.
O art. 112 do Código Penal assim dispõe:
Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr:
I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;
II – do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.
Assim, nota-se que, pela redação legal, o termo inicial da prescrição executória é a data do trânsito em
julgado da sentença condenatória para a acusação.
Logo, iniciaria-se a contagem do prazo de prescrição executória mesmo ainda estando pendente a apreciação do recurso interposto pela defesa.
Diversos doutrinadores e membros do Ministério Público teciam severas críticas ao dispositivo, tendo em vista que a Constituição Federal consagra o princípio da presunção de inocência. Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal não admite a chamada execução provisória da pena, consistente na possibilidade de se executar o decreto condenatório antes do trânsito em julgado.
Assim, pugnavam pelo reconhecimento do início da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória apenas com o trânsito em julgado para ambas as partes, visto que, antes disso, o Estado não pode dar início à execução da pena, já que não há uma condenação definitiva.
Inicialmente, o STJ não admitiu tal prática. Veja-se:
Nos termos do art. 112, I, do Código Penal, o termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para a acusação, e não para ambas as partes, prevalecendo a interpretação literal mais benéfica ao condenado. Precedentes.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 555.043/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/05/2020.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal passou a aderir o posicionamento defendido pelo Ministério Público.
(…) A partir do julgamento pelo Plenário desta Corte do HC nº 84.078, deixou-se de se admitir a
execução provisória da pena, na pendência do RE. O princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade, tal como interpretado pelo STF, deve repercutir no marco inicial da contagem da prescrição da pretensão executória, originariamente regulado pelo art. 112, I do Código Penal.Como consequência das premissas estabelecidas, o início da contagem do prazo de prescrição somente
se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. (…)
STF. 1ª Turma. HC 107710 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 09/06/2015
No mesmo sentido:
O início da contagem do prazo de prescrição somente se dá quando a pretensão executória pode ser exercida. Se o Estado não pode executar a pena, não se pode dizer que o prazo prescricional já está correndo. Assim, mesmo que tenha havido trânsito em julgado para a acusação, se o Estado ainda não pode executar a pena (ex: está pendente uma apelação da defesa), não teve ainda início a contagem do prazo para a prescrição executória. É preciso fazer uma interpretação sistemática do art. 112, I, do CP.
STF. 1ª Turma. RE 696533/SC, Rel. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 6/2/2018
(Info 890).
Assim, ante o posicionamento do STF, no final do ano de 2022, o Superior Tribunal de Justiça reviu seu posicionamento e sedimentou o tema mediante decisão da 3ª Seção:
O termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes.
STJ. 3ª Seção. AgRg no REsp 1.983.259-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado 26/10/2022 (Info 755)
Chegamos ao fim do nosso resumo sobre o tema prescrição da pretensão executória.
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