Aplica-se a prescrição em relação à pretensão de ressarcimento ao erário fundamentada em decisão de Tribunal de Contas. Esse entendimento foi adotado pelo STF, em tese com repercussão geral, nesta sexta-feira, dia 17/04. Vamos entender bem esse caso!
Inicialmente, vamos começar pela leitura da Tese, que ficou com a seguinte redação: “é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”.
Ainda não tivemos acesso aos votos emitidos na sessão, mas já podemos fazer alguns breves comentários, que serão complementados tão logo os votos estejam disponíveis.
Nesse contexto, é importante a leitura do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, que dispõe que: “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
Com base nesse dispositivo, por vários anos, vigorou o entendimento de que as ações de ressarcimento de dano causado ao erário eram imprescritíveis.
Porém, vários autores defendiam uma interpretação distinta do dispositivo constitucional, alegando que a imprescritibilidade deveria ser uma exceção, em virtude da preservação da segurança jurídica.
Então, em 2016, no julgamento do RE 669.069, o Supremo firmou o seguinte entendimento: “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.
Contudo, na ocasião, ficou consignado que esse entendimento era válido para os ilícios “civis” ou “meramente civis”, como, por exemplo, uma batida de carro. Por outro lado, o posicionamento não era válido para atos de improbidade administrativa ou ainda para débitos imputados pelos tribunais de contas.
Em 2018, foi firmada uma nova tese, mas agora específica para os danos decorrentes de atos de improbidade administrativa, firmando-se o seguinte posicionamento: “são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (RE 852.475).
Logo, desde então, os danos ao erário decorrentes de atos de improbidade praticados por conduta culposa ficariam sujeitos a prazo prescricional, enquanto os danos decorrentes de atos de improbidade dolosos seriam imprescritíveis.
Porém, ainda ficou faltando discutir um caso: e os débitos decorrentes de decisão dos Tribunais de Contas? Esses seriam prescritíveis ou não?
Vamos compreender esse tema melhor! Os tribunais de contas encarregam-se do controle contábil, orçamentário, financeiro, operacional, patrimonial da administração pública, por intermédio do denominado controle externo.
Constitucionalmente, o titular do controle externo é o Congresso Nacional (em âmbito federal), mas o Tribunal de Contas da União, órgão que o auxilia nessa tarefa, possui as suas competências próprias e privativas, constantes no art. 71 do texto da Constituição da República.
Entre outras tarefas, cabe ao Tribunal julgar as contas dos administradores públicos e dos demais responsáveis por recursos públicos, bem como daqueles que derem causa a prejuízo ao erário público (CF, art. 71, II). Ao final do processo, o Tribunal de Contas poderá imputar débito aos responsáveis, ou seja, poderá determinar que o responsável devolva o valor do prejuízo causado ao poder público.
Imagine que João foi responsável pela gestão de R$ 10 milhões, mas somente comprovou a aplicação regular de R$ 9 milhões, existindo um prejuízo de R$ 1 milhão. Nesse caso, ao julgar as contas de João, o Tribunal de Contas poderá imputar o débito no valor de R$ 1 milhão, valor que será devolvido com correção e incidência de juros.
Contudo, imagine que o Tribunal de Contas fixou um prazo para que João realizasse a devolução do dinheiro, mas João não cumpriu a determinação, ou seja, não devolveu o dinheiro. Nesse caso, teremos que mover uma ação para “executar” a decisão do Tribunal de Contas.
Essa execução terá que ocorrer em um processo judicial, pois o Tribunal de Contas não tem poder para executar as suas próprias decisões. Por exemplo: o Tribunal de Contas não pode realizar a penhora e submeter os bens do responsável a leilão para fins de execução do débito. Isso somente o Poder Judiciário poderá fazer.
Porém, se você (você mesmo) for cobrar uma dívida de alguém, no Poder Judiciário, o processo terá duas fases: (i) uma de conhecimento, para discutir se você realmente tem razão e para apurar o valor da dívida; (ii) a segunda é chamada de fase de execução, que ocorre quando o valor (apurado na fase de conhecimento) será cobrado.
Quando um órgão vai executar a decisão do Tribunal de Contas, a fase de conhecimento não precisa ser realizada, uma vez que a responsabilidade e o valor já foram objeto de discussão no âmbito do próprio Tribunal de Contas.
Logo, a decisão judicial “pula” uma fase, partindo diretamente para a fase de execução.
É por isso que a Constituição Federal dispõe que as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. Isso significa que a cobrança poderá partir direto para a chamada “ação de execução”, ou seja, quem for cobrar a dívida não terá que provar, novamente, a responsabilidade e o valor pelo débito.
Pois bem! Mas a quem compete interpor a ação de execução do débito? Primeiro, a ação de execução não cabe ao próprio Tribunal de Contas (RE 223.037). Essa competência também não cabe ao Ministério Público (nem o especial de contas nem o comum) (ARE 823.347).
Assim, somente a procuradoria ou órgão de representação jurídica da entidade beneficiária da decisão é que terá a competência para executar a decisão do Tribunal de Contas. Para ficar bem simples de você entender, no âmbito da União, cabe à Advocacia-Geral da União (AGU) mover a ação de execução de débito imputado pelo TCU. Nas demais entidades, a competência será do “órgão jurídico”, como as procuradorias estaduais, municipais ou advocacias das entidades administrativas.
Então, se o TCU condenar um responsável a devolver recursos para os cofres do Tesouro Nacional e o responsável não pagar a dívida, o título executivo da decisão do TCU será enviado para a AGU, a quem caberá mover a ação de execução.
É aqui que entra a decisão do STF! Como a decisão que imputava o débito tratava de um prejuízo ao erário, o entendimento vigente até então era de que a pretensão de ressarcimento era imprescritível. Assim, a Advocacia-Geral da União, no meu exemplo anterior, não teria prazo para iniciar a ação de execução.
Porém, a partir de agora, não funciona mais assim! Conforme consta na tese de repercussão geral, é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas.
Portanto, as procuradorias estarão sujeitas a prazo prescricional para mover a ação de execução da decisão do Tribunal de Contas. Portanto, a AGU terá um prazo para iniciar o processo de execução.
Agora que já entendemos o teor da decisão do STF, vamos colocar alguns detalhes, em virtude de dúvidas que vários alunos estão fazendo no post no nosso Instagram (@profherbertalmeida).
Primeiro: não existe diferença entre ação doloso ou culposa nesse caso. Vários alunos estão confundindo essa decisão com a decisão relativa à prescrição de ações de ressarcimento em virtude de atos de improbidade administrativa (RE 852.475). Nesta última, existe a diferença entre ato doloso e culposo. Mas no caso da tese sobre as decisões dos tribunais de contas, não houve essa diferença. Logo, a ação de ressarcimento será prescritível, independentemente do elemento subjetivo (dolo ou culpa) da conduta do agente responsável.
No “mundo real”, alguns fatos poderão ser objeto de ação de improbidade e de condenação do Tribunal de Contas. Então, haverá uma “comunicabilidade” entre as instâncias de responsabilização. Logo, penso que a ação de reparação, quando houver dolo, acabará sendo imprescritível, em virtude da aplicação da conduta mais específica: ato doloso de improbidade. Porém, para fins de prova, isso é irrelevante, pois a bancas não farão essa “análise”. Logo, separe cada decisão “na sua caixinha”. No caso da “caixinha” da decisão do Tribunal de Contas, não existe diferença entre conduta dolosa ou culposa.
Segundo: a decisão do STF não tratou do processo no Tribunal de Contas, mas da execução da decisão do Tribunal de Contas. Logo, considerando apenas a decisão do STF, não foi definido prazo prescricional para o processo de controle externo. Não vamos também discutir esse tema, pois isso já é objeto de discussões específicas da disciplina de controle externo, com base na legislação especial (lei orgânica, regimento interno e demais atos normativos) de cada Corte de Contas.
Terceiro: o STF não fixou o prazo prescricional. Farei a leitura dos votos, quando liberados, para verificar se houve algum comentário sobre o prazo. Nas outras decisões, o STF também não chegou a fixar o prazo prescricional, deixando isso para a discussão na legislação infraconstitucional. Possivelmente, teremos a definição desse prazo em breve, provavelmente em decisão do STJ.
Quarto: para saber se essa nova decisão pode ou não cair no seu concurso, você precisa ler o edital do certame. No caso do TCDF, a Lei de Concurso do DF veda a cobrança de nova jurisprudência, posterior ao edital. No caso do TCE RJ, o edital permite a exigência de cobrança de jurisprudência nova, desde que publicada pelo menos 30 dias antes da data da prova (enquanto eu escrevo este artigo, a data da prova está indefinida). O edital do TCM SP não é tão claro, mas determina que a jurisprudência nova poderá ser exigida quando “quando supervenientes ou complementares a algum tópico já previsto ou indispensável à avaliação das provas”. Eu penso que isso permitiria a cobrança da nova decisão. Para os demais concursos, avalie o seu edital.
É isso aí! Em breve, eu farei alguns complementos a este artigo, tão logo o tema fique ainda mais claro.
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Abraços,
Herbert Almeida
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Adoro suas explicações! Que didática fantástica! Parabéns e obrigada por compartilhar seu conhecimento.
Fala professor, tudo bem?
Professor, no caso de inércia da AGU, por exemplo, em promover a devida ação de execução de uma ação de ressarcimento decorrente de um julgamento do TCU, caberia ao MPF entrar com uma ação civil pública contra o responsável?
obrigado