Olá turma, como estão os estudos? Aproveitando o clima de CNU, vamos continuar a relembrar alguns casos examinados pela jurisprudência do STJ envolvendo o procedimento administrativo disciplinar contra servidor público federal, regido pela Lei n. 8.112/90.
Conforme explicado na parte 1, o processo administrativo disciplinar contra servidor público federal está regulamentado no título V da Lei n. 8.112/90, entre seus artigos 143 e 182, dentre os quais, em síntese, se identifica seu transcurso em 3 (três) fases padrões (art. 151): instauração; inquérito e julgamento.
Ademais, deve-se ressaltar que o processo administrativo disciplinar contra servidor público pode ser entendido como um gênero que comporta duas espécies (arts. 143 e 145 da Lei n. 8.112/90): sindicância, prevista para fatos que ensejam sanções mais leves (advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias), e o procedimento administrativo em sentido estrito, voltado à aplicação das sanções mais graves (suspensão superior a 30 dias, demissão, destituição de cargo em comissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade).
Nesse último caso, de sanções mais graves, a sindicância passa a funcionar como uma fase prévia do processo administrativo disciplinar.
Vamos aos entendimentos do STJ sobre o PAD contra servidor público federal.
Segundo o STJ, em regra, a instauração de processo administrativo disciplinar contra servidor efetivo cedido dar-se-á no órgão em que tenha sido praticada a suposta irregularidade (cessionário), devendo o julgamento e a eventual aplicação de sanção ocorrer no órgão ao qual o servidor efetivo estiver vinculado (cedente)[1].
A autoridade julgadora pode utilizar prova emprestada produzida em juízo para fundamentar seu entendimento, desde que tenha sido levada ao processo administrativo com autorização do juízo competente e que tenham sido respeitos o contraditório e a ampla defesa em benefício do servidor processado (Súmula n. 591, Primeira Seção, julgado em 13/9/2017, DJe de 18/9/2017).
Essa prova emprestada pode ter sido produzida em inquérito policial ou em processo criminal, podendo consistir inclusive em interceptações telefônicas realizadas na seara criminal
Nesse julgamento, pode a autoridade discordar da penalidade sugerida pela comissão instrutora, desde que em decisão fundamentada e que o relatório da comissão processante esteja destoante das provas constantes do processo disciplinar[2].
Ademais, no âmbito administrativo-disciplinar, é irrelevante auferir o proveito econômico obtido pelo servidor faltoso para justificar a aplicação da penalidade[3].
O julgamento do processo administrativo disciplinar pode ser alterado administrativamente mediante recurso à autoridade superior, revisão ou pedido de reconsideração à autoridade que aplicou a penalidade.
Ademais, é cabível recurso administrativo hierárquico em face de decisão prolatada em Processo Administrativo Disciplinar – PAD, para autoridade superior de outro órgão estatal ao qual se acha vinculado o órgão onde o servidor punido ocupa seu cargo, “muito embora a Lei nº 8.112/90 não traga regramento específico de cabimento dessa modalidade recurso recurso administrativo no capítulo referente ao processo administrativo disciplinar, sendo seu cabimento independente de previsão legal, por força do contraditório e da ampla defesa (MS n. 10.224/DF, relator Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), Terceira Seção, julgado em 10/3/2010, DJe de 23/3/2010).
Assim, os recursos[4] administrativos e os pedidos de reconsideração, contra a decisão que aplicou a sanção disciplinar, não têm efeito suspensivo, sendo lícito o imediato cumprimento da penalidade oriunda do PAD contra servidor público federal (MS 21120/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 01/03/2018).
Ainda nesse contexto, entendeu o STJ que “Meras alegações de que existe fato novo não têm o condão de abrir a via da revisão do processo administrativo disciplinar, sendo indispensável a comprovação da existência de fatos novos, desconhecidos ao tempo do PAD (MS 21065/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 22/10/2018).
Ademais, a revisão do PAD[5], analisada pela autoridade que aplicou a penalidade (art. 181 da Lei n. 8.112/90), não pode ensejar agravamento na sanção aplicada, por força dos princípios típicos do direito sancionador da proibição do bis in idem e da reformatio in pejus.
Ressalte-se também que o pedido de revisão do PAD deve ser subsidiado por provas da ocorrência de fatos novos, desconhecidos ao tempo do PAD, sendo inviável seu processamento com base em meras alegações de existência de fato novo ou de injustiça da decisão[6] [7], sendo que “A revisão do processo disciplinar prevista no art. 174 da Lei 8.112/1990 depende da estrita comprovação da existência de fatos novos, desconhecidos ao tempo do processo disciplinar ou que não puderam ser alegados à época, ou de circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da sanção aplicada”[8].
Ademais, o pedido de revisão também não tem efeito suspensivo, de modo que sua interposição não autoriza a suspensão da aplicação da penalidade (MS n. 9.773/DF, relator Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, julgado em 24/8/2005, DJ de 12/9/2005, p. 205).
Nos termos do art. 141 da Lei n. 8.112/1990, a competência para o julgamento do PAD contra servidor público federal varia conforme a espécie de sanção aplicável.
De fato, as penalidades disciplinares serão aplicadas: I – pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade; II – pelas autoridades administrativas de hierarquia imediatamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior quando se tratar de suspensão superior a 30 (trinta) dias; III – pelo chefe da repartição e outras autoridades na forma dos respectivos regimentos ou regulamentos, nos casos de advertência ou de suspensão de até 30 (trinta) dias; IV – pela autoridade que houver feito a nomeação, quando se tratar de destituição de cargo em comissão.
Ademais, segundo admitido pelo STJ, no âmbito federal, “Por força do art. 84, IV, “a” e parágrafo único, da Constituição Federal, foi editado o Decreto n. 3.035/1999, por meio do qual o Exmo. Senhor Presidente da República delegou aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União a atribuição de julgar Processos Administrativos Disciplinares e aplicar penalidades aos servidores públicos a eles vinculados, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade” (MS n. 17.449/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/8/2019, DJe de 1/10/2019).
A pena de demissão é uma das mais graves sanções que pode resultar do PAD, estando prevista para as hipóteses tratadas no art. 132 da Lei n. 8.112/90, tendo especial atenção da jurisprudência do STJ.
Com efeito, segundo o Tribunal da Cidadania, sendo praticado fato que enseja demissão ou cassação de aposentadoria, a autoridade julgadora não tem discricionariedade para aplicar sanção mais branda, visto que, nos termos da jurisprudência do STJ, a aplicação da demissão seria configura ato vinculado (MS 17054/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 13/12/2019).
Esse entendimento restou sumulado: “A autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caraterizadas as hipóteses previstas no artigo 132 da Lei n. 8.112/1990”
Ademais, “Não há falar em ofensa ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade quando a única reprimenda prevista para a infração disciplinar apurada é a pena de demissão”[9], inexistindo, portanto, espaço para que a autoridade julgadora faça uma dosimetria da pena segundo as circunstâncias do caso concreto.
Porém, tratando-se de suposta conduta desidiosa (arts. 117, XV, e 132, XIII, da Lei n. 8.112/90), a pena de demissão é justificada somente se for comportamento reiterado e/ou se forem graves as suas consequências, “sob pena de se afrontarem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade previstos no art. 2º da Lei n. 9.784/1999” (MS n. 20.945/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 14/6/2023, DJe de 20/6/2023).
Ainda sobre a demissão, o STJ tem decidido que a autoridade julgadora pode aplicar essa sanção quando, no PAD, é investigado ato de improbidade administrativa, ante a independência das instâncias civil, penal e administrativa[10], sendo que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992) não revogou, de forma tácita ou expressa, os dispositivos da Lei n. 8.112/1990, em relação aos processos administrativos disciplinares[11].
Ressalte-se que, ainda segundo o STJ, pode-se aplicar a referida lei de improbidade administrativa, em interpretação sistemática, para definir o tipo administrativo previsto no art. 132, IV, da Lei n. 8.112/90[12] e justificar a aplicabilidade da pena de demissão (MS 21937/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2019, DJe 23/10/2019).
Ademais, o afastamento do servidor por licença para tratamento de saúde não impede a aplicação da pena de demissão[13].
Outro entendimento importante do STJ, acerca do PAD contra servidor público federal, diz respeito ao ato faltoso de abandono do cargo, o qual, para ficar configurado, exige demonstração de dolo específico de abandono (animus abandonandi)[14].
Um tema polêmico envolvendo o PAD contra servidor público federa está relacionado à sanção de cassação da aposentadoria. Sustenta-se que, sendo contributivo o regime previdenciário do serviço público, a cassação desse benefício, ainda que fundamentada em infração disciplinar, ensejaria enriquecimento ilícito do ente público.
Entretanto, o STJ entendeu que essa pena administrativa é constitucional e legal (AgInt no MS n. 28.417/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 28/11/2023, DJe de 30/11/2023).
Ressalte-se que, transcorrendo o PAD por tempo desproporcional, não é ilegal a concessão de aposentadoria ao servidor público processado (AgInt no AREsp 1348488/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2020, DJe 19/02/2020).
O STJ já teve oportunidade de fazer o controle de legalidade do PAD contra servidor público federal, fixando alguns entendimentos relevantes.
Entendeu o Tribunal da Cidadania que, sendo decretada a nulidade do PAD antes de seu julgamento, não se aplica o princípio da proibição da reformatio in pejus quando a segunda comissão processante opina por penalidade mais gravosa (MS 18370/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 01/08/2017).
Ademais, segundo o STJ e o STF, “É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira” (STF. Súmula 19 Aprovação: 13/12/1963).
Entretanto, não se pode falar em nulidade do PAD contra servidor público federal sem efetiva e suficiente comprovação de prejuízo ao direito de defesa, sendo aplicável ao processo administrativo disciplinar o princípio pas de nullité sans grief”[15], sendo que “O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa” (Súmula n. 592, Primeira Seção, julgado em 13/9/2017, DJe de 18/9/2017).
Ainda segundo o STJ, por si só, não ocorre nulidade do PAD se a autoridade julgadora presta declarações à mídia, fazendo pré-julgamentos sobre irregularidade cometidas por servidores a ela subordinados (MS 18370/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 01/08/2017).
Deve-se destacar ainda que “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição” (Súmula Vinculante n. 5/STF).
Em regra, as instâncias administrativa e penal são independentes entre si, exceto quando, na esfera penal, é reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria[16].
Nesses termos, a absolvição na ação penal com base na prescrição da pretensão punitiva não configura, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, um fato novo apto a repercutir na esfera administrativa.
Com efeito, “A prescrição penal corresponde a uma modalidade de extinção de punibilidade e não de negativa de autoria ou de declaração de inexistência do fato tido como criminoso. Não pode, portanto, ser utilizada como argumento para sustentar dependência da esfera administrativa à penal, visto que se aplica a regra da independência das instâncias, com exceção apenas de sentença penal absolutória com base em prova de inexistência do crime ou negativa de autoria autorizam essa interconexão” (AgInt no AgInt no REsp n. 1.840.161/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 18/12/2023).
Ademais, é válida a pena de demissão ainda que o servidor tenha sido absolvido em ação penal e em ação de improbidade administrativa por falta de dolo (MS n. 21.305/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/12/2016, DJe de 26/4/2017).
Enfim, encerramos a segunda parte do artigo sobre o PAD contra servidor público federal na jurisprudência do STJ. Esperamos que esse novo rol exemplificativo de casos seja útil para estudos e revisões. Para maiores detalhes, os acórdãos dos julgados citados estão disponíveis por meio dos links constantes do texto e caso saibam de mais algum julgado interessante na jurisprudência do STJ e do STF sobre o tema, podem citar nos comentários.
[1] RMS 50365/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 02/09/2019.
[2] MS 21773/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 28/10/2019.
[3] MS 18090/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2013, DJe 21/05/2013.
[4] RMS 61317/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 20/02/2020.
[5] Lei n. 8.112/1990. Art. 174. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.
[6] MS 21065/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 22/10/2018.
[7] MS n. 14.725/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 11/4/2012, DJe de 24/4/2012.
[8] MS n. 20.564/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/12/2016, DJe de 17/4/2017.
[9] MS 21937/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2019, DJe 23/10/2019.
[10] RMS 47351/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020.
[11] AgRg nos EDcl no REsp 1459867/MA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 13/11/2015.
[12] Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: IV – improbidade administrativa.
[13] MS 19451/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 02/02/2017.
[14] MS 22566/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 29/11/2019.
[15] MS n. 20.857/DF, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 28/8/2019, DJe de 6/9/2019.
[16] AgInt no RMS 62007/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2020, DJe 27/04/2020.
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