Olá, pessoal. Tudo certo? Veremos no artigo de hoje uma decisão do Supremo Tribunal Federal referente à inconstitucionalidade do critério de desempate disciplinado no estatuto dos servidores do Pará, a lei em questão é Lei 5.810/1994 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade é a ADI 5358.
Vamos compreender melhor o caso.
O “imbróglio judicial” iniciou-se com o questionamento da constitucionalidade da Lei 5.810/1994 pela Procuradoria Geral da República pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5358, pois a Procuradoria entendia que alguns dispositivos violam os princípios constitucionais, entre eles os princípios da igualdade e da razoabilidade.
O artigo 10 da Lei 5.810/1994 previa, no caso de empate, a preferência a candidato pertencente ao serviço público estadual e no caso de empate a candidatos não servidores, a preferência seria do mais idoso.
Nesse sentido a PGR se posicionou:
“Aqueles que já tenham exercido função pública na administração pública do Estado do Pará tornam-se, apenas por isso, beneficiários de condições privilegiadoras, que os desigualam de forma injustificada, na competição com os demais cidadãos brasileiros, em disputas por cargos públicos”
Assim a PGR pediu em medida cautelar a suspensão da eficácia dos dispositivos questionados e a declaração de sua inconstitucionalidade.
Já a Assembleia Legislativa do Pará defendeu a validade do critério de desempate porque permitiria a “seleção dos candidatos mais experientes, em atendimento ao interesse público”, além disso, se posicionou contrária a medida cautelar, uma vez que a norma já estava em vigor há mais de 20 anos, não apresentando qualquer risco da demora (periculum in mora).
Fato é que o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu a liminar suspendendo a eficácia dos dispositivos legais e sustentou que “ainda que a norma esteja em vigor há tantos anos, sua manutenção permitiria que, a cada novo concurso, fosse renovado o risco de lesão de difícil reversão aos princípios constitucionais da igualdade, razoabilidade, moralidade e impessoalidade por favorecer aqueles que prestaram serviços especificamente ao Estado.”
A notícia pode ser encontrada no site do STF:
Suspensos critérios de desempate em concurso no PA que favoreciam servidores
Antes de entrarmos de fato nos votos dos Ministros para entender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, vejamos a parte da lei que estava sendo discutida a constitucionalidade.
Art. 10. A aprovação em concurso público gera o direito à nomeação, respeitada a ordem de classificação dos candidatos habilitados.
§ 1° Terá preferência para a ordem de classificação o candidato já pertencente ao serviço público estadual e, persistindo a igualdade, aquele que contar com maior tempo de serviço público ao Estado
§ 2° Se ocorrer empate de candidatos não pertencentes ao serviço público do Estado, decidir-se-á em favor do mais idoso.
Nesse ponto acreditamos que já tenha ficado claro a discussão.
Vejamos um julgador anterior (ADI nº 3580, Rel. Min. Gilmar Mendes) em que o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a inconstitucional o ato normativo que estabelece critérios de discriminação entre os candidatos de “forma arbitrária ou desproporcional” para Concurso Público nos Serviços Notarias e de Registro.
Segue o julgado.
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 17, I e II, da Lei 12.919, de 29 de junho de 1998, do Estado de Minas Gerais.
3. Concurso Público de Ingresso e Remoção nos Serviços Notarias e de Registro.
Apresentação dos seguintes títulos:
a) tempo de serviço prestado como titular, interino, substituto ou escrevente em serviço notarial e de registro (art. 17, I);
b) apresentação de temas em congressos relacionados com os serviços notariais e registrais (art. 17, II).
4. Violação ao princípio constitucional da isonomia. Atividades específicas relacionadas às atividades notarial e de registro. Precedentes.
5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
6. Modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Efeito ex nunc, a partir de 8.2.2006, data da concessão da cautelar”.
Trata-se de um caso correlato que nos dá a noção do posicionamento do STF.
Veremos agora duas frentes de posicionamento no próprio Supremo Tribunal Federal, uma do ministro e relator Luís Roberto Barroso, favorável a inconstitucionalidade, e do ministro Marco Aurélio, favorável à constitucionalidade da Lei.
O ministro relator Luís Roberto Barroso declarou em seu voto entre outras coisas que:
“O ato normativo impugnado não assegura a seleção de candidatos mais experientes, como alega a parte autora. Ao contrário, possibilita que um candidato mais experiente, proveniente da administração pública federal, municipal ou, ainda, da iniciativa privada, seja preterido em prol de um servidor estadual com pouco tempo de serviço, desde que pertença aos quadros do estado do Pará”, apontou o relator.
“Portanto, a medida é inadequada para a seleção do candidato mais experiente, viola a igualdade e a impessoalidade e não atende ao interesse público, favorecendo injustificada e desproporcionalmente os servidores estaduais”, acrescentou.
Já o ministro Marco Aurélio seguiu a seguinte linha:
“Os critérios diferenciais seguem-se à avaliação do mérito dos candidatos com pontuação idêntica, sendo razoável considerar a antiguidade no serviço público e a idade.”
“Os preceitos impugnados disciplinam critérios objetivos, aplicáveis de modo linear aos concorrentes. Não encerram tratamento diferenciado em descompasso com os princípios republicano e democrático, a formarem base de um sistema destinado à garantia de concorrência aberta, plural e em condições de igualdade a cargos públicos. “
“Descabe reconhecer contrariedade aos preceitos relativos à isonomia e impessoalidade contidos nos artigos 5º, cabeça, e 19, inciso III, da Constituição Federal.”
Fato é que o Plenário virtual do STF declarou inconstitucional os dispositivos da Lei 5.810/1994 do estado do Pará, por todos os pressupostos já apresentados anteriormente.
Por fim, vejamos alguns dos preceitos constitucionais analisados na decisão do Supremo Tribunal Federal.
Iniciamos pelas disposições sobre os Princípios Constitucionais da Administração Pública. Temos disciplinados as regras referentes aos Cargos públicos (I) e ao Ingresso no serviço público (II).
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Trata-se de regras a garantir a igualdade perante a lei na seleção de candidatos no ingresso ao serviço público, essas regras decorre do princípio da igualdade/isonomia.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…)
A preocupação quanto à isonomia e à igualdade é uma constante no texto da carta magna, nesse sentido temos a isonomia no âmbito do Direito Tributário. Vejamos.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
E por fim, a Constituição também trouxe algumas vedações aos entes federados, como o Princípio da isonomia federativa.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Nesse ponto, inclusive, temos um ponto muito forte a favor da inconstitucionalidade dos artigos da Lei 5.810/1994.
Caso tenha dúvida no tema não deixe de ler o seguinte artigo:
Organização do Estado na Constituição Federal
Chegamos ao final do artigo sobre a Inconstitucionalidade da Lei 5.810/1994, espero que tenham gostado.
Veja que não se trata simplesmente de uma inconstitucionalidade de alguns artigos de um Estatuto dos Servidores de um ente da federação, mas sim de um posicionamento do Supremo Tribunal Federal que poderá ser seguido para diversas normas de outros entes em casos similares e situações correlatas posteriormente.
Além de ser uma ótima oportunidade para rever conceitos constitucionais em casos práticos.
Até mais e bons estudos!
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Ver comentários
Leonardo! Parabéns pelo texto claro, objetivo e pela excelente explicação.
Eu que sou aqui do Pará, e venho lidando com alguns concursos que cobram esta lei, tenho enorme interesse nessa jurisprudência do STF.
Obrigado.