Jurídico

Intervenção Federal: entenda os aspectos jurídicos da decretação da medida no Rio de Janeiro

O Presidente da República, Michel Temer, assinou em 16 de fevereiro de 2018, o decreto de intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.

O Comandante Militar do Leste, o General do Exército Walter Souza Braga Netto, foi nomeado interventor do Estado.

O interventor será responsável, até 31 de dezembro de 2018, pelo comando da Secretaria de Segurança Pública, das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e do Sistema Carcerário Estadual. Já em vigor, a intervenção ainda precisa de aprovação do Congresso Nacional.

Segundo o Presidente da República, a metástase da criminalidade organizada justifica a edição do decreto de intervenção, apoiada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão.

Inicialmente estava prevista uma ampliação da missão de Garantia da Lei e da Ordem já em vigor no Estado. O Executivo Federal, no entanto, considerou que a intervenção era mais adequada em virtude da situação.

O próximo passo é a nomeação de um relator, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a fim de proferir um parecer pela aprovação ou rejeição do decreto.

Para ajudar você a compreender como esse tema pode ser cobrado no seu  concurso público, o que acha de empreendermos uma análise detida do instituto e de sua disciplina na Constituição Federal? Vamos Lá?

Assista Ao Vivo sábado 17/02 às 16h!

A Intervenção Federal: Aspectos Jurídicos

A intervenção é o ato político que consiste na incursão de uma entidade (interventora) nos negócios de outra entidade que tem sua autonomia temporariamente suprimida. Trata-se de medida de defesa do Estado Federal.

A intervenção é um dos assuntos mais delicados da federação em razão de se tratar de uma exceção à regra de que cada ente possui suas próprias competências (REGRA DE OURO DA FEDERAÇÃO).

Isso ocorre como forma de proteção de determinados bens jurídicos, e somente pode ocorrer diante de algumas hipóteses em que o próprio sistema federativo se vê ameaçado por uma de suas entidades.

Assim, os motivos que justificam a intervenção devem ser relevantes e encontram-se devidamente previstos na Constituição da República (rol taxativo).

A intervenção sujeita-se à ocorrência de determinados MOTIVOS e deve obedecer certas FORMALIDADES.

A prática desse ato excepcional foge à regra da federação, já que um ente político não pode, por qualquer motivo ou sob qualquer forma, afastar a competência do outro.

Pela redação do artigo 34, verifica-se que a regra é a não intervenção. Somente será cabível a intervenção pelos motivos e na forma estabelecida no próprio texto constitucional.

A competência para decretar a intervenção é exclusiva dos chefes do executivo da União e dos Estados.

A forma da intervenção não é fixa, e irá variar de acordo com o motivo. A forma básica é o decreto (privativo do Chefe do Executivo), e o que varia no procedimento é a fase antecedente ao decreto do Executivo.

A Intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal

UNIÃO > ESTADOS ou DF

FORMA

Manter a integridade nacional (I)

Nestes casos a União, após a expedição do decreto presidencial, simplesmente intervém, sem pedir autorização para ninguém.

Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra (II)

O decreto presidencial especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção e, se for o caso, nomeará desde logo o interventor

Pôr termo a grave comprometimento da ordem pública (III)

O controle é feito a posteriori (em 24 horas da expedição do decreto presidencial e é realizado pelo Congresso Nacional que, se estiver de recesso, será convocado extraordinariamente no mesmo prazo de 24 horas.

Garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação (IV)

SOLICITAÇÃO do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido.

REQUISIÇÃO do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário.

Há distinção entre os institutos. Há parte da doutrina que entende que em caso de requisição o chefe do Executivo seria obrigado a decretar a intervenção, mas há corrente entendendo que ainda que se trate de requisição, o chefe do Executivo tem poder discricionário para decidir pela decretação ou não da intervenção

Neste caso NÃO HÁ controle legislativo da intervenção.

O decreto presidencial limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade

Reorganizar as finanças da unidade da Federação que (V)

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

Nestes casos a União, após a expedição do decreto presidencial, simplesmente intervém, sem pedir autorização para ninguém.

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei

O decreto presidencial especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção e, se for o caso, nomeará desde logo o interventor

O controle é feito a posteriori (em 24 horas da expedição do decreto presidencial e é realizado pelo Congresso Nacional que, se estiver de recesso, será convocado extraordinariamente no mesmo prazo de 24 horas.

Prover a execução de lei federal

PROVIMENTO, pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de REPRESENTAÇÃO do Procurador-Geral da República

(alterado pela EC 45/04)

Nestes casos NÃO HÁ controle legislativo da intervenção.

Prover a execução de ordem ou decisão judicial

REQUISIÇÃO do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral (se for do TST ou STM, deve ser encaminhado ao STF o pedido dessas cortes para que seja requisitado pelo STF)

Assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais

(PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SENSÍVEIS)

(“ADI INTERVENTIVA”)

PROVIMENTO, pelo Supremo Tribunal Federal, de REPRESENTAÇÃO do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII.

A intervenção foi criada na CF/34, que era feita por lei, sendo que a CF permitia que se viesse uma lei decretando a intervenção por motivos abusivos, poderia ser feito o controle de constitucionalidade da lei de intervenção. A ADI INTERVENTIVA era para permitir ou impedir a intervenção. Mas, atualmente, a intervenção não é feita por meio de lei, e sim por meio de uma representação, que surge para PERMITIR A INTERVENÇÃO e não impedi-la como originalmente pensado.

O decreto presidencial limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade

Forma republicana, sistema representativo e regime democrático

Direitos da pessoa humana

Autonomia municipal

Prestação de contas da administração pública, direta e indireta

Aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde

A Intervenção dos Estados nos Municípios

ESTADOS> MUNICÍPIOS e

UNIÃO> MUNICÍPIOS localizados em TERRITÓRIOS

FORMA

Deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

Nestes casos o ESTADO, após a expedição do decreto do governador, simplesmente intervém, sem pedir autorização para ninguém.

OBS.: o DISTRITO FEDERAL nunca fará intervenção, pois a Constituição proíbe que o DF se subdivida em Municípios (art. 32)

Não forem prestadas contas devidas, na forma da lei

O decreto do governador especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção e, se for o caso, nomeará desde logo o interventor

O controle é feito a posteriori (em 24 h da expedição do decreto do governador e é realizado pela Assembléia ou Câmara Legislativa que, se estiver de recesso, será convocado extraordinariamente no mesmo prazo de 24 horas.

Não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde

Neste caso NÃO HÁ controle legislativo da intervenção.

O decreto do governador limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade

Para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual (PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SENSÍVEIS) (AÇÃO INTERVENTIVA ESTADUAL),

O Tribunal de Justiça der provimento a representação

(embora a Constituição não diga expressamente a quem caberia realizar a representação, entende-se que a atribuição cabe ao PGJ)Princípio da Simetria

Neste caso NÃO HÁ controle legislativo da intervenção.

O decreto do governador limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade

Para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial

Características

A intervenção é sempre EXCEPCIONAL e TEMPORÁRIA como garantia da manutenção da federação. Tudo que for interpretado a título de intervenção deve sê-lo de forma restritiva. Características da intervenção:

a) excepcionalidade;

b) temporariedade;

c) restrição interpretativa.

O DECRETO DE INTERVENÇÃO está regulado no artigo 36 da CR/88. Quando o Legislativo analisa o decreto o faz com discricionariedade, podendo determinar a sua suspensão (o controle do Legislativo é posterior ao ato; o controle jurisdicional do STF/TJ é precedente ao ato de decreto da intervenção).

Os atos do interventor são divididos em dois tipos:

1) ATOS PRÓPRIOS DA INTERVENÇÃO PARA AFASTAR OS MOTIVOS DA INTERVENÇÃO: responsabilidade civil direta do órgão interventor;

2) ATOS ORDINÁRIOS DO ENTE POLÍTICO SOB A INTERVENÇÃO/ATOS DE GESTÃO ORDINÁRIOS: a primeira responsabilidade é do ente político sob a intervenção, mas se o interventor agir com dolo ou culpa caberá o regresso contra o ente interventor.

ATENÇÃO: No que se refere ao controle jurisdicional do ato de intervenção, não pode ser utilizado para a análise do seu mérito cuja natureza é política; no entanto, o ato não está imune a qualquer tipo de controle jurisdicional, sendo cabível quando não for observado pelo ente político interventor os dispositivos constitucionais para tanto, bem como as hipóteses taxativamente previstas.

STJ
INTERVENÇÃO FEDERAL. ESTADO DO PARANÁ. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL CARACTERIZADO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. 1. A intervenção federal é medida de natureza excepcional, porque restritiva da autonomia do ente federativo. Daí as hipóteses de cabimento serem taxativamente previstas na Constituição da República, em seu artigo 34. 2. Nada obstante sua natureza excepcional, a intervenção se impõe nas hipóteses em que o Executivo estadual deixa de fornecer força policial para o cumprimento de ordem judicial. 3. Intervenção federal julgada procedente. Constituição34 (106 PR 2009/0049699-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 12/04/2010, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 12/05/2010)
STF
2. INTERVENÇÃO FEDERAL. (…) Não se justifica decreto de intervenção federal por não pagamento de precatório judicial, quando o fato não se deva a omissão voluntária e intencional do ente federado, mas a insuficiência temporária de recursos financeiros (4640 RS, Relator: Min. NELSON JOBIM (Presidente), Data de Julgamento: 29/03/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2012 PUBLIC 25-04-2012)

Perguntas:

1) O não-pagamento de precatório pode, em tese, ensejar intervenção federal? SIM. O fato do Estado-membro deixar de pagar precatório configura descumprimento de decisão judicial transitada em julgado e, portanto, pode, em tese, autorizar a intervenção federal com base no art. 34, VI, 2ª parte, da CF/88.

2) O simples não-pagamento de precatório já enseja a intervenção federal? NÃO. Segundo a jurisprudência consolidada do STF, é pressuposto indispensável ao acolhimento da intervenção federal que reste demonstrada a atuação estatal voluntária e dolosa com objetivo de descumprir decisão judicial transitada em julgado.

Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município.” (SÚM. 637)

Para se saber qual o Tribunal Superior será competente deverá ser analisada a matéria discutida e para quem seria dirigido o eventual recurso.

Compete ao STJ julgar pedido de intervenção federal baseado no descumprimento de ordem de reintegração de posse de imóvel rural ocupado pelo MST expedida por Juiz Estadual e fundada EXCLUSIVAMENTE na aplicação da legislação infraconstitucional civil possessória.

Isso porque a decisão descumprida analisou tema relacionado com direito civil privado, não tendo feito considerações sobre questões constitucionais. Logo, o eventual recurso contra a decisão, quando o processo superasse as instâncias ordinárias e chegasse aos Tribunais Superiores, seria apreciado pelo STJ em sede de recurso especial.

Não caberia, no caso, recurso extraordinário ao STF, razão pela qual esta Corte não seria competente para julgar o pedido de intervenção relacionada com o desatendimento da decisão.

O Decreto de Intervenção Federal no RJ

Confira abaixo a íntegra do decreto de intervenção editado pelo Presidente da República em 16 de fevereiro de 2018:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso X, da Constituição,

DECRETA:
Art. 1º  Fica decretada intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro até 31 de dezembro de 2018.
§ 1º  A intervenção de que trata o caput se limita à área de segurança pública, conforme o disposto no Capítulo III do Título V da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
§ 2º  O objetivo da intervenção é pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro.
Art. 2º  Fica nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto.
Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza militar.
Art. 3º  As atribuições do Interventor são aquelas previstas no art. 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro necessárias às ações de segurança pública, previstas no Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
§ 1º  O Interventor fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção.
§ 2º  O Interventor poderá requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção.
§ 3º O Interventor poderá requisitar a quaisquer órgãos, civis e militares, da administração pública federal, os meios necessários para consecução do objetivo da intervenção.
§ 4º  As atribuições previstas no art. 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que não tiverem relação direta ou indireta com a segurança pública permanecerão sob a titularidade do Governador do Estado do Rio de Janeiro.
§ 5º  O Interventor, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, exercerá o controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Art. 4º  Poderão ser requisitados, durante o período da intervenção, os bens, serviços e servidores afetos às áreas da Secretaria de Estado de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, para emprego nas ações de segurança pública determinadas pelo Interventor.
Art. 5º  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Ricardo Torques

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