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Informativo STJ 834 Parte 1 Comentado

O fim do ano se aproxima, mas nós estamos firmes em nossa caminhada jurisprudencial. Chegou a hora do Informativo nº 834 Parte 1 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.     Extensão da regra de transição da EC 47/2005 a empregados públicos

A regra de transição prevista no art. 3º, caput, da EC n. 47/2005, a qual garantiu aposentadoria com proventos integrais a servidor que tenha ingressado no serviço público anteriormente a 16/12/1998, não se aplica à prestação de serviço em fundação pública sob o regime celetista e por meio de contrato administrativo.

AgInt no RMS 66.132-RS, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024, DJe 18/11/2024. (Info STJ 834)

1.1.  Dos FATOS.

Creide, empregada pública de fundação pública sob o regime celetista e por meio de contrato administrativo, impetrou mandado de segurança por meio da qual pretende o reconhecimento do direito de se aposentar com proventos integrais, por ter ingressado no serviço público antes de 16/12/1998 e portanto na forma da regra de transição prevista no art. 3º, caput, da EC n. 47/2005.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Do DIREITO.

EC n. 47/2005:

Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições:

I trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria;

III idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base neste artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos que tenham se aposentado em conformidade com este artigo.

1.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A controvérsia cinge-se a aferir se o período laborado em Fundação prestadora de serviço público, como celetista, antes de ser ocupante de cargo efetivo, deve ser considerado como tempo de efetivo serviço para o fim de aposentadoria com proventos integrais, nos termos do previsto no art. 3º, caput, da Emenda Constitucional n. 47/2005.

caput do art. 3º da EC n. 47/2005, expressamente, garante o direito à aposentadoria com proventos integrais ao servidor “da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações” cujo ingresso no serviço público tenha ocorrido anteriormente a 16/12/1998.

Não se contesta a natureza de serviço público prestado em Fundação estadual (pessoa jurídica de direito privado). O que se discute é a existência de vínculo efetivo, com o fim de integralizar a aposentadoria pelo regime próprio.

Despicienda a natureza jurídica da Fundação estadual, cujo serviço prestado era inequivocamente de caráter público. O que importa para a solução da controvérsia é a natureza do vínculo empregatício.

O trabalho junto à Fundação se deu por meio de contrato administrativo, regido pela CLT e com contribuição, portanto, ao Regime Geral da Previdência Social – RGPS. Embora o tempo laborado junto à Fundação seja computado para sua aposentadoria, a contribuição naquele período difere-se daquela como servidor público concursado e não é apta a integralizar a sua aposentadoria voluntária como almejado.

Assim, conclui-se que a regra prevista no art. 3º da EC n. 47/2005 destina-se aos servidores ocupantes de cargo efetivo. A expressão “ingresso no serviço público” refere-se à investidura em cargo público, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, que expressamente prevê, no inciso II, que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público”.

1.2.3.    Da DECISÃO.

A regra de transição prevista no art. 3º, caput, da EC n. 47/2005, a qual garantiu aposentadoria com proventos integrais a servidor que tenha ingressado no serviço público anteriormente a 16/12/1998, não se aplica à prestação de serviço em fundação pública sob o regime celetista e por meio de contrato administrativo.

DIREITO CIVIL

2.     Extensão da personalidade jurídica da sociedade empresária e da personalidade jurídica de seus sócios e de seus representantes legais

A personalidade jurídica da sociedade empresária é distinta da personalidade jurídica de seus sócios e de seus representantes legais, portanto, a procuração outorgada pela pessoa jurídica aos seus patronos não perde a validade com o falecimento do sócio ou do representante legal que assinou o instrumento de mandato.

AgInt no REsp 1.997.964-SC, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024, DJe 18/11/2024. (Info STJ 834)

2.1.  Dos FATOS.

A empresa OldNews outorgou procuração ao escritório Creisson e Tabajara Adv Associados. Ocorre que, durante o curso de um processo, o sócio representante legal Matusa veio a falecer. A parte contrária alega a irregularidade da representação processual, uma vez que a procuração juntada aos autos fora assinada pelo falecido e não renovada.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Do DIREITO.

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Código Civil:

Art. 682. Cessa o mandato:

I – pela revogação ou pela renúncia;

II – pela morte ou interdição de uma das partes;

III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;

IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

2.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Nos termos da jurisprudência do STJ, a personalidade jurídica da sociedade empresária é distinta da personalidade jurídica de seus sócios e de seus representantes legais. Assim, o falecimento da pessoa física que subscreveu o instrumento de procuração, outorgando aos patronos a representação da empresa, não interfere na validade do mandato assinado por quem de direito no momento da prática do ato civil.

De acordo com o disposto no art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, em conjunto com o art. 682, I a IV, do Código Civil, o negócio jurídico produz efeitos a partir de sua celebração.

Dessa forma, se realizado de forma válida no momento em que ocorreu, o mandato concedido no caso específico deve prevalecer até que ocorra sua revogação, renúncia, extinção da pessoa jurídica ou mudança de estado que impeça a atuação do mandatário.

2.2.3.    Da DECISÃO.

A personalidade jurídica da sociedade empresária é distinta da personalidade jurídica de seus sócios e de seus representantes legais, portanto, a procuração outorgada pela pessoa jurídica aos seus patronos não perde a validade com o falecimento do sócio ou do representante legal que assinou o instrumento de mandato.

3.     Impenhorabilidade de veículo utilizado para o trabalho e sua extensão

A impenhorabilidade de veículo automotor necessário ao exercício da profissão se estende, de maneira reflexa, aos direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária em garantia que tem por objeto o referido bem.

REsp 2.173.633-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024, DJe 18/11/2024. (Info STJ 834)

3.1.  Dos FATOS.

Creiton, representante comercial, adquiriu um veículo por meio de alienação fiduciária. Eventualmente, deixou de pagar as parcelas combinadas, o que levou o banco Cobromesmo a ajuizar ação para recuperar o veículo.

Em sua defesa, Creiton alega que a impenhorabilidade de veículo automotor necessário ao exercício da profissão se estende, de maneira reflexa, aos direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária em garantia.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Do DIREITO.

Código de Processo Civil:

Art. 833. São impenhoráveis:

V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

3.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

De acordo com o art. 833, V, do Código de Processo Civil, são impenhoráveis os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado.

O referido dispositivo legal tem por finalidade resguardar o direito à subsistência do devedor, que não pode ser privado dos bens indispensáveis ao exercício de sua profissão.

Assim, em regra, o carro utilizado pelo devedor para o exercício de sua profissão é impenhorável, nos termos do art. 833, V, do CPC, ressalvadas as exceções previstas em lei.

O STJ perfilha o entendimento de que é possível a penhora de direitos aquisitivos – de titularidade da parte executada – derivados de contrato de alienação fiduciária em garantia.

No entanto, a hipótese analisada, guarda uma peculiaridade, pois o bem móvel objeto da alienação fiduciária (veículo automotor) é utilizado como ferramenta de trabalho pelo devedor, sendo, em princípio, impenhorável a teor do art. 833, V, do CPC.

Nessa hipótese, os direitos que o devedor fiduciante possui sobre o contrato de alienação fiduciária em garantia estão afetados à aquisição da propriedade plena do bem, de modo que, se este bem for necessário ao exercício da profissão, tais direitos aquisitivos estarão igualmente afetados à aquisição do bem impenhorável, razão pela qual, enquanto vigente essa condição, sobre eles deve incidir, reflexamente, a garantia da impenhorabilidade prevista no art. 833, V, do CPC, ficando assim resguardado o direito do devedor à própria subsistência que o legislador buscou proteger.

3.2.3.    Da DECISÃO.

A impenhorabilidade de veículo automotor necessário ao exercício da profissão se estende, de maneira reflexa, aos direitos aquisitivos derivados de contrato de alienação fiduciária em garantia que tem por objeto o referido bem.

4.     Convalidação do registro precoce irregular

O registro precoce de título, feito irregularmente em razão da inobservância de prenotação anterior, poderá ser convalidado se ocorrer a hipótese prevista no art. 205 da LRP, qual seja, a caducidade da anotação provisória por omissão do interessado em atender às exigências legais.

REsp 1.756.277-CE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024. (Info STJ 834)

4.1.  Dos FATOS.

Banco Carpaz ajuizou ação declaratória de nulidade de registro imobiliário aduzindo a invalidade de matrículas que registram a propriedade de imóveis, ao fundamento de que abertas em duplicidade com matrículas de imóveis cuja propriedade teria sido transmitida à instituição financeira por meio de escrituras de dação em pagamento. Além disso, havia prenotação anterior em termos distintos.

A parte demandada sustenta possível a convalidação do registro nos termos do art. 205 da LRP.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    Do DIREITO.

Lei de Registros Públicos – LRP:

Art. 12. Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante.

Parágrafo único. Independem de apontamento no Protocolo os títulos apresentados apenas para exame e cálculo dos respectivos emolumentos.

Art. 182 – Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação. 

4.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Nos termos do art. 182 da Lei de Registros Públicos – LRP, apresentado o título para registro, ele tomará, no protocolo, “o número de ordem que lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação”, lançando-se em seguida o apontamento provisório do título à margem da matrícula, a chamada “prenotação”.

A lei de regência não impede que o oficial receba, enquanto vigente a prenotação, outro requerimento de registro. Em verdade, o texto legal admite expressamente o protocolo sucessivo de pedidos, ainda que constituam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, todavia conferindo prioridade àquele prenotado sob número de ordem mais baixo.

O art. 12 da LRP, por sua vez, enuncia que “nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante”.

Somente na hipótese em que, iniciado o registro e interrompido por motivo de força maior (LRP, art. 208), a lei afirma a inadmissibilidade de nova apresentação (LRP, art. 209).

Logo, nenhuma irregularidade resulta do mero recebimento (protocolo), pelo registrador, de título apresentado enquanto vigente prenotação anterior.

É certo que não pode, o oficial, levar a registro um título cujo requerimento tem número de ordem posterior, enquanto não decorrido todo o prazo de vigência da prenotação lançada anteriormente.

Todavia, dessa irregularidade não resulta vício insanável, sendo certo que o registro precoce pode ser convalidado na hipótese de a prenotação que o obstava perder seus efeitos.

Logo, nenhuma irregularidade decorre do mero recebimento (protocolo), pelo registrador, do requerimento apresentado pela interessada enquanto vigente a prenotação que favorecia terceiro, ulteriormente ineficaz pelo decurso do prazo previsto no art. 205 da LRP.

4.2.3.    Da DECISÃO.

O registro precoce de título, feito irregularmente em razão da inobservância de prenotação anterior, poderá ser convalidado se ocorrer a hipótese prevista no art. 205 da LRP, qual seja, a caducidade da anotação provisória por omissão do interessado em atender às exigências legais.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

5.     Condições da ação consignatória prevista no CTN

1) No direito processual civil, predomina na doutrina e jurisprudência pátrias a teoria da asserção, segundo a qual a verificação das condições da ação deve ser realizada com base no que consta na petição inicial, abstratamente.

2) A exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador é condição da ação consignatória prevista no art. 164, III, do CTN, de maneira que a efetiva cobrança, administrativa ou judicial, deve ser verificada da análise da argumentação deduzida na petição inicial.

AREsp 2.397.496-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024. (Info STJ 834)

5.1.  Dos FATOS.

Bitcoio Ltda ajuizou ação de consignação em pagamento ajuizada com base no art. 164, III, do CTN, na qual a sociedade empresária (sediada no município de Caieiras/SP) alega a bitributação do ISS referente à prestação de serviços administrativos na usina termoelétrica sediada no município de Cubatão/SP.

O juízo de primeiro grau entendeu que não havia prova de cobrança do ISS por parte do Município de Caieiras.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    Do DIREITO.

CPC/2015:

Art. 539. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

Art. 546. Julgado procedente o pedido, o juiz declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Parágrafo único. Proceder-se-á do mesmo modo se o credor receber e der quitação.

5.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia quanto a presença ou não de requisito legal para o ajuizamento da ação consignatória, relacionada à exigência por mais de um sujeito ativo de tributo sobre o mesmo fato gerador, tratado no caso como concurso de exigências.

Embora haja previsão específica no âmbito do direito tributário, no artigo 164 do CTN, a singela normatização impõe a interpretação sistemática de normas, a fim de extrair o alcance de suas disposições.

De forma geral, consoante se extrai dos artigos 539 e 546 do CPC/2015 e do art. 334 do CC/2002, vê-se que ação consignatória é o instrumento pelo qual o sujeito passivo visa obter os efeitos do pagamento de uma obrigação e a sua extinção, ou seja, objetiva a quitação da obrigação.

No campo do direito tributário, admite-se a consignação do crédito tributário em juízo pelo sujeito passivo em hipóteses determinadas (art. 164, I, II e III, do CTN). Nesses casos, julgada procedente a consignação, considera-se realizado o pagamento do crédito tributário (§ 2º do art. 164 do CTN).

Quanto à específica previsão do art. 164, III, do CTN, esta diz respeito à consignação de tributo exigido por mais de um sujeito ativo, baseado no mesmo fato gerador. Desse modo, a dúvida sobre o legítimo titular de um crédito tributário é o que autoriza o ajuizamento da demanda. O concurso de exigências do tributo por mais de uma Fazenda Pública, portanto, configura requisito para a propositura da ação de consignação em pagamento, nessa hipótese.

Nesse sentido, a observância do mencionado pressuposto encontra-se no âmbito do interesse de agir. O ajuizamento da ação pressupõe a demonstração da necessidade e da utilidade da prestação jurisdicional de extinção de um crédito tributário exigido por mais de um sujeito ativo mediante a consignação em pagamento. Ou seja, comprovada a exigência de um tributo por mais de um ente federativo estaria atendida essa imposição legal para o ajuizamento da demanda.

No direito processual civil, predomina na doutrina e jurisprudência pátrias a teoria da asserção, segundo a qual a verificação das condições da ação deve ser realizada com base no que consta na petição inicial, abstratamente.

Dessa forma, com relação à ação consignatória fundada no inciso III do art. 164 do CTN, da argumentação da petição inicial deve despontar seguramente a exigência do mesmo tributo por mais de um sujeito ativo. À luz das afirmações deduzidas na petição inicial, deve ser possível a verificação da real exigência do tributo por mais de uma pessoa jurídica de direito público.

No caso, da leitura da petição inicial, não é possível se constatar a dupla cobrança do tributo, uma vez que a ação consignatória foi ajuizada com base exclusivamente em previsão legal abstrata da tributação por mais de um ente público.

Ressalte-se que o dispositivo do CTN anteriormente transcrito menciona a exigência do tributo, o que leva a crer que dependeria da prévia existência de um crédito tributário devidamente constituído e em vias de cobrança, ainda que no âmbito administrativo. Raciocínio diverso permitiria a inusitada situação em que o sujeito passivo estaria autorizado a consignar importância ainda indefinida.

Dessa maneira, a exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador encontra-se no domínio das condições da ação consignatória prevista no art. 164, III, do CTN, de maneira que a efetiva cobrança, administrativa ou judicial, deve ser verificada da argumentação deduzida na petição inicial. A mera existência de previsão legal abstrata do tributo ou o oferecimento de contestação à ação de consignação em pagamento não são suficientes para atender ao requisito de que trata o mencionado dispositivo do CTN.

5.2.3.    Da DECISÃO.

A exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador é condição da ação consignatória prevista no art. 164, III, do CTN, de maneira que a efetiva cobrança, administrativa ou judicial, deve ser verificada da análise da argumentação deduzida na petição inicial.

6.     Aplicabilidade do efeito erga omnes à sentença genérica proferida na fase de conhecimento, em ação coletiva, às decisões proferidas no cumprimento individual de sentença.

A norma do art. 103, III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que confere efeito erga omnes à sentença genérica proferida na fase de conhecimento, em ação coletiva, não se aplica às decisões proferidas no cumprimento individual de sentença.

REsp 1.762.278-MS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 18/11/2024. (Info STJ 834)

6.1.  Dos FATOS.

O MP ajuizou ACP em face de Tchau S.A., companhia telefônica, a qual foi julgada parcialmente procedente para condenar a requerida ao pagamento de danos materiais e morais causados a consumidores.

Os consumidores lesados passaram então a ajuizar ações de cumprimento individual pretendendo o reconhecimento de efeito erga omnes das decisões proferidas nesses cumprimentos individuais…

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Do DIREITO.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

6.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

No caso, o Tribunal de origem, em fase de cumprimento individual de sentença, conferiu, ex officio, efeito erga omnes à decisão por ele proferida, sob o fundamento de tratar-se de questão de ordem pública, de que haveria probabilidade de julgamentos contraditórios e de que o princípio da economia processual deveria ser observado, com base no art. 103, III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Todavia, a norma do art. 103, III, do CDC, que confere efeito erga omnes à sentença genérica proferida na fase de conhecimento, em ação coletiva, não se aplica às decisões proferidas no cumprimento individual de sentença. Tal dispositivo é aplicado somente à sentença genérica proferida na fase de conhecimento. Essa interpretação EXTENSIVA restringiria o direito individual conferido ao devedor e ao credor de se manifestarem acerca das obrigações e créditos envolvidos em cada relação concreta e específica.

O cumprimento individual de sentença, precedido ou não de liquidação, é o momento em que o credor ingressa no processo e defende especificamente seu direito à luz do que consta na sentença coletiva, de natureza genérica. Também ao devedor é permitido definir sua obrigação quanto a um determinado credor. Nessa fase, portanto, cabe-lhes – ao credor e ao devedor – deduzir argumentos próprios para concretizar e delimitar, sob todos os enfoques, o direito reconhecido judicialmente.

Nesse sentido, questões semelhantes discutidas simultaneamente em diversos cumprimentos de sentença, autônomos entre si, poderão ser decididas de formas diferentes, caso a caso, dependendo das provas apresentadas pelas partes e da situação específica de cada credor. Mesmo as questões meramente de direito, que eventualmente independam de circunstâncias concretas envolvendo cada beneficiário, deverão ser apreciadas diante das alegações e dos argumentos relevantes apresentados pelo credor e pelo devedor. Com isso, em tese, é possível que o Juízo da execução, em um primeiro momento, decida determinado tema de uma forma e, mais adiante, em outro processo de cumprimento de sentença, com base em fundamentos mais consistentes deduzidos pelas partes, mude o seu posicionamento. A uniformização do tema, em tal circunstância, ocorrerá em segundo grau ou nesta Corte Superior caso a parte interessada utilize os recursos cabíveis.

Ademais, não se pode pretender transplantar para todos os processos individuais de execução da sentença coletiva deliberação inicialmente proferida em um deles, sem que cada parte possa sobre ele se manifestar e ter suas objeções consideradas pelo Poder Judiciário. Exatamente em virtude da necessidade de substrato legislativo para a extensão das questões reiteradas a outros processos, a lei enumera as hipóteses nas quais se admite a racionalização para a expansão vinculante das decisões judiciais.

Do mesmo modo, sobretudo considerando que o efeito erga omnes disciplinado no art. 103 do CDC diz respeito às questões genericamente decididas na fase de conhecimento, ao credor e ao devedor, no respectivo cumprimento individual de sentença, é permitido apresentar teses e fatos, invocando argumentos próprios para tornar concreta a obrigação que deverá ser cumprida. Tem-se como irrelevante o fato de questões semelhantes terem sido arguidas e decididas em outros procedimentos de cumprimento de sentença, envolvendo credores distintos.

Não é por outro motivo que a Segunda Seção, no julgamento dos EREsp n. 1.590.294/DF, impôs a necessidade de liquidação de sentença genérica em processo coletivo. Além disso, em outro julgado, sob o rito dos recursos repetitivos, determinou-se que: “A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de ‘quantia certa ou já fixada em liquidação’ (art. 475-J do CPC), porquanto, ‘em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica’, apenas ‘fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados’ (art. 95 do CDC). A condenação, pois, não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, não sendo aplicável a reprimenda prevista no art. 475-J do CPC.” (REsp 1.247.150/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/10/2011, DJe 12/12/2011)

De fato, conquanto a tese firmada naquele julgado, para fins do art. 543-C do CPC, tenha sido sobre o alcance pessoal dos efeitos da coisa julgada formada em ação civil pública, é certo que também foi analisado outro ponto, qual seja, a não incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, em virtude da impossibilidade de cumprimento voluntário da obrigação, adotando-se como premissa que a sentença proferida em ação civil pública, por si só, não confere ao vencido o atributo de devedor de quantia certa ou já fixada em liquidação, porquanto a condenação é genérica, apenas fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados, conforme disposto no art. 95 do CDC.

Desse modo, a condenação é certa e precisa – haja vista que a certeza é condição essencial do julgamento e o comando da sentença estabelece claramente os direitos e as obrigações que possibilitam a sua execução -, porém não se reveste da liquidez necessária ao cumprimento espontâneo da decisão, devendo ainda ser apurados em liquidação os destinatários (cui debeatur) e a extensão da reparação (quantum debeatur). Somente nesse momento é que se dará, portanto, a individualização da parcela que tocará ao exequente segundo o comando sentencial proferido na ação coletiva.

Sem dúvida, a necessidade de liquidação de sentença, que impõe que sejam observados o contraditório e o direito à ampla defesa, por si, representa óbice à aplicação do efeito erga omnes a decisão proferida em cumprimento de sentença envolvendo um determinado credor. Conforme afirmado, a concretização do direito, com delimitação da obrigação, será efetivada em cada procedimento executório.

Portanto, as alegações apresentadas no cumprimento individual de sentença deverão ser decididas autonomamente em cada procedimento, recomendando-se acompanhar a jurisprudência em casos semelhantes. Tais decisões, proferidas em determinado cumprimento de sentença, não vinculam outro procedimento envolvendo credor distinto.

6.2.3.    Da DECISÃO.

A norma do art. 103, III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que confere efeito erga omnes à sentença genérica proferida na fase de conhecimento, em ação coletiva, não se aplica às decisões proferidas no cumprimento individual de sentença.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

7.     Tema 1246 STJ e admissibilidade do recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade

É inadmissível recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente).

REsp 2.082.395-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 13/11/2024, DJe 18/11/2024. (Tema 1246). (Info STJ 834)

7.1.  Dos FATOS.

Trata-se de ação afetada em razão da controvérsia ao regime dos recursos especiais repetitivos, visando ao exame de questão de direito repetitiva sintetizada na seguinte proposição (Tema 1.246/STJ): “(in)admissibilidade de recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício previdenciário por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente)”.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Do DIREITO.

CPC:

Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

§ 6º Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

7.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

O STJ tem uma jurisprudência estável e uniforme a dizer que não é passível de conhecimento o recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente), em casos nos quais controvertem as partes quanto ao direito do segurado a um benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente).

Sempre que instado a rever as conclusões das instâncias ordinárias quanto à matéria, afirma o STJ que do recurso especial não se pode conhecer, tendo em vista que atingir conclusão diferente daquela que exsurge do acórdão recorrido demandaria inevitável reexame dos fatos e das provas do processo, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ por desvirtuar a ratio essendi do recurso especial.

Elevar essa secular jurisprudência persuasiva do STJ à condição de precedente vinculante por meio do presente julgamento é medida salutar, que conspira a favor da racionalização dos trabalhos do Tribunal e, por consequência, favorece o cumprimento de sua função institucional primordial. Há fundamentos de ordem legal, sistêmica e empírica que respaldam essa afirmação.

Em relação aos fundamentos legais, registra-se que não há qualquer impedimento legal à criação de precedente vinculante alusivo à admissibilidade do recurso especial, como não há para qualquer outra questão processual, ex vi do art. 928, parágrafo único, do Código de Processo Civil. O art. 1.036, § 6º, do CPC, ao aludir a recurso “admissível”, estabelece comando dirigido aos tribunais de apelação, o que faz tomando em conta o que ordinariamente acontece, ou seja, que o recurso especial precisa, quase sempre, ser conhecido para que o STJ possa analisar a questão de direito controvertida, que está posta no recurso como mérito recursal.

O juízo de admissibilidade positivo, portanto, quase sempre é inevitável para a afetação do recurso ao regime dos repetitivos. Mas haverá situações em que a própria admissibilidade do recurso especial pode constituir a questão a ser dirimida pelo Tribunal, o que torna inviável condicionar a análise da questão ao prévio conhecimento do recurso.

Em relação aos fundamentos sistêmicos, registra-se que devem ser compreendidos a partir de uma visão estrutural do sistema brasileiro de precedentes. Esses fundamentos se concatenam de modo a extrair do sistema de precedentes a sua máxima potencialidade, racionalizando-se os trabalhos do STJ para que sua verdadeira vocação institucional seja fielmente cumprida.

Se operada com prudência e comedimento, a elevação de persuasiva para vinculante de uma jurisprudência do STJ sólida, uniforme e estável, relativa à inadmissibilidade do recurso especial nesta ou naquela hipótese, tem a aptidão de racionalizar os trabalhos do Tribunal, dispensando-o do injustificável encargo de afirmar em infinitas causas que lhe sejam remetidas que tal ou qual hipótese não autoriza o conhecimento do recurso especial interposto.

Por fim, em relação aos fundamentos empíricos, registra-se que a metodologia da pesquisa consistiu em consulta à base de dados jurisprudenciais do STJ, analisando-se todos os acórdãos produzidos pela Primeira e Segunda Turmas publicados em um intervalo de tempo de 5 (cinco) anos (30/6/2019 a 30/6/2024), considerado razoável e suficiente para a identificação de eventual padrão decisório do Tribunal em casos nos quais presente a hipótese investigada. Como critério inicial de refinamento da pesquisa, foram utilizados simultaneamente três termos genéricos (“previdenciário” + “benefício” + “incapacidade”) que, somados, assegurariam a priori que fossem excluídos da análise apenas acórdãos absolutamente estranhos à controvérsia pesquisada.

Da pesquisa jurisprudencial resultou em 46 acórdãos, que confirmou, de maneira peremptória, a hipótese sugerida: em todos os 46 julgados (cem por cento das amostras válidas), as Turmas de Direito Público do STJ afirmaram, sem nenhuma discordância, a inadmissibilidade do recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício previdenciário por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente).

Dado o objeto da controvérsia tal como posto no recurso especial, é uniforme e estável a jurisprudência do STJ a reconhecer que do recurso especial não se pode conhecer, uma vez que a pretensão do recorrente demanda, inexoravelmente, reexame de todo o acervo de fatos e provas da causa, inviável em recurso especial nos termos da Súmula 7/STJ.

Os mesmos critérios de pesquisa foram utilizados para a análise das decisões monocráticas proferidas pelos Ministros e Ministras integrantes da Primeira e Segunda Turmas e pela Presidência do STJ, haja vista que a matéria, pela sua natureza e pela solução que a ela é conferida, resolve-se, em regra, por meio de simples decisão singular.

Mais uma vez, sem nenhuma surpresa, concluiu-se que em 100% (cem por cento) das decisões analisadas a solução encontrada pelo relator, pela relatora, ou pela Presidência, foi o não conhecimento do recurso especial, com aplicação do óbice da Súmula 7/STJ.

Em todos os casos analisados e acima identificados, o que se pedia ao STJ é que a solução conferida à causa fosse modificada por meio do reexame dos fatos e das provas dos autos, utilizando-se, assim, do recurso especial como mero recurso ordinário, e tomando-se o STJ como mera Corte de Revisão.

Ante todos os fundamentos legais, sistêmicos e empíricos expostos, fixa-se a seguinte tese jurídica de eficácia vinculante: “É inadmissível recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente)”.

7.2.3.    Da DECISÃO.

É inadmissível recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente).

DIREITO TRIBUTÁRIO

8.     Atividade econômica remunerada por preço controlado pelo governo como fundamento para afastar a natureza indireta do ISS

O fato de a atividade econômica ser remunerada por preço controlado pelo governo não é suficiente para afastar a natureza indireta do ISS, cabendo ao contribuinte demonstrar a condição estabelecida no art. 166 do Código Tributário Nacional – CTN (ausência de repasse econômico da exação ou autorização do contribuinte de fato) para a postulação à repetição de indébito.

REsp 2.073.516-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024. (Info STJ 834)

8.1.  Dos FATOS.

A ECT pleiteia a restituição pelo Município de São Paulo de valores pagos a título de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, em razão de alegada imunidade tributária da ECT.

Em recurso, o Município sustenta que o ISSQN tem natureza de tributo indireto e que a possibilidade de transferência do encargo econômico e financeiro do tributo é inerente a essa natureza.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Do DIREITO.

Código Tributário Nacional – CTN:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro sòmente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por êste expressamente autorizado a recebê-la.

8.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o ISS é espécie tributária que admite a sua dicotomização como tributo direto ou indireto, consoante o caso concreto. Na hipótese em que for verificada a configuração de sua natureza de tributo indireto, convém a observância dos requisitos do art. 166 do Código Tributário Nacional – CTN, reclamando à parte que pleiteia judicialmente a repetição de indébito tributário a prova da não repercussão, ou, na hipótese de ter transferido o encargo a terceiro, de estar autorizada por este a recebê-los (Tema 398/STJ).

Especificamente quanto aos serviços submetidos a tabelamento de preços por órgão estatal, o STJ já se posicionou no sentido de que, para os casos de preços regulados, em que o valor do tributo integra o próprio custo do contribuinte, presume-se a absorção do ônus financeiro do tributo pelo próprio contribuinte de direito, ficando a cargo do fisco a produção de prova em contrário (AgRg no AgRg no Ag 1020121/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10/8/2010, DJe 26/8/2010).

Ocorre que, em julgados mais recentes, o STJ teve a oportunidade de novamente se manifestar sobre o tema, dando-lhe outra interpretação em embargos de divergência, em especial com relação ao controle de preço que foi exercido pelo Governo Federal sobre a venda de passagens aéreas, nos seguintes termos: “Ambas as Turmas de Direito Público vem entendendo que se aplica a condição exigida pelo art. 166 do CTN para a repetição de ICMS que indevidamente incidiu sobre a venda de passagens áreas, não sendo possível, em face da Súmula 7/STJ, alterar o juízo de convicção das instâncias de origem, formada com base no acervo probatório de cada caso, quanto existência, ou não, de prova da não transferência do encargo financeiro do tributo ao consumidor final.” (EREsp n. 1.191.469/AM, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 13/4/2016, DJe de 17/5/2016.)

Esta mudança de orientação tem origem na evolução do entendimento do que constitui a natureza direta ou indireta de um tributo na hipótese de tabelamento de preços, qual seja: o fato de o preço do serviço ou operação ser controlado pelo estado não altera a natureza do tributo, a qual é ditada pela forma como o imposto é exigido pelo Fisco.

Assim, para o caso de tabelamento de preços dos serviços por órgão da administração pública, podemos ter duas situações: (i) aquela em que o valor do imposto objeto do pedido de repetição integrou a cesta de custos do preço tabelado, não alterando a margem de lucro estimada, hipótese em que seu ônus financeiro foi imediatamente repassado no preço pago pelo consumidor; (ii) aquela em que o valor do imposto a repetir não compôs a cesta de custos do preço tabelado, situação em que foi arcado diretamente pelo fornecedor (contribuinte de direito), mediante redução da margem de lucro estimada, hipótese em que inexistiu repasse do encargo econômico do tributo, servindo a repetição do indébito como recomposição do resultado esperado da empresa.

Isso considerado, para fins de verificação da necessidade do prestador de serviços comprovar o preenchimento dos requisitos do art. 166 do CTN na hipótese de repetição de indébito dos valores recolhidos a título de ISSQN pela edilidade incidente sobre serviços prestados, cujos preços encontravam-se submetidos ao tabelamento por órgão da administração pública, torna-se pertinente a análise da forma de composição destes preços, de maneira a se verificar se o tributo em questão teria ou não sido considerado pelo órgão público como custos das empresas quando do cálculo do preço tabelado.

Assim, havendo a possibilidade de transferência direta e imediata do ônus tributário ao consumidor final (circunstância presumida na forma do art. 166 do CTN), o fato do preço do serviço ser controlado pelo estado não altera a natureza do tributo ou impõe a alteração do ônus da prova da ausência de transferência do encargo financeiro.

Além disso, a imunidade tributária não assegura, por si só, o direito de repetição, que, na linha na mais recente orientação do STJ, depende de prova do contribuinte da assunção do impacto econômico. Isto é, ainda que o entre tributado seja imune, é possível que este ente tenha figurado apenas como contribuinte de direito, tendo repassado, no entanto, o custo dessa cobrança tributária (mesmo que indevida) para terceiros, afastando uma das condições exigidas para repetição.

Se, por um lado, não é justo cobrar tributo de pessoa imune, por outro, também não é legítimo devolver um valor que não foi efetivamente suportado pelo contribuinte de direito, mas pelo consumidor. E é nesse sentido que deve ser interpretada a regra do art. 166 do CTN, de coibir eventual enriquecimento indevido à custa do erário.

Ainda, “para dar concretude ao princípio da persuasão racional do juiz, insculpido no art. 371 do Código de Processo Civil (CPC/2015), aliado aos postulados de boa-fé, de cooperação, de lealdade e de paridade de armas previstos no novo diploma processual civil (arts. 5º, 6º, 7º, 77, I e II, e 378 do CPC/2015), com vistas a proporcionar uma decisão de mérito justa e efetiva, foi introduzida a faculdade de o juiz, no exercício dos poderes instrutórios que lhe competem (art. 370 do CPC/2015), atribuir o ônus da prova de modo diverso entre os sujeitos do processo quando diante de situações peculiares (art. 373, § 1º, do CPC/2015). A instrumentalização dessa faculdade foi denominada pela doutrina processual teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova ou teoria da carga dinâmica do ônus da prova” (REsp n. 1.888.242/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 31/3/2022)

Assim, convém distribuir-se ao autor do pedido de repetição de indébito, que teria acesso facilitado à prova, diante de sua participação na formação do preço tabelado, o ônus de provar que o imposto não foi considerado na cesta de custos da operação, tendo sido recolhido em prejuízo à margem de lucro fixada pela Administração, situação em que ele tomaria a feição de tributo direto, afastando-se a necessidade de comprovação do preenchimento dos requisitos do art. 166 do CTN ao pedido de repetição de indébito.

8.2.3.    Da DECISÃO.

O fato de a atividade econômica ser remunerada por preço controlado pelo governo não é suficiente para afastar a natureza indireta do ISS, cabendo ao contribuinte demonstrar a condição estabelecida no art. 166 do Código Tributário Nacional – CTN (ausência de repasse econômico da exação ou autorização do contribuinte de fato) para a postulação à repetição de indébito.

9.     Diferencial de alíquotas do ICMS na BC de PIS e COFINS.

O diferencial de alíquotas do ICMS (DIFAL) não integra as bases de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS.

REsp 2.128.785-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 12/11/2024, DJe 19/11/2024. (Info STJ 834)

9.1.  Dos FATOS.

TeraCom Ltda, impetrou mandado de segurança objetivando afastar a inclusão do ICMS-DIFAL nas bases de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. Em primeira instância, foi concedida a segurança, decisão posteriormente reformada.

Em recurso, alega que o montante recolhido a título de ICMS-DIFAL é inserido no valor da nota fiscal e indevidamente incluído no conceito de receita bruta para fins de compor a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Do DIREITO.

Constituição Federal:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;  

9.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia em definir, se o Diferencial de Alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS-DIFAL) compõe as bases de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

Inicialmente, destaca-se que o Diferencial de Alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (DIFAL) possui assento no art. 155, caput, II, da Constituição Federal, o qual dispõe que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; e também no § 2º, VII, do mesmo diploma, nos termos da redação conferida pela EC n. 87/2015, assim expresso: “O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: […] VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual.”

De acordo com essa disciplina normativa, convém lembrar que o DIFAL corresponde à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual do remetente, revelada quando uma pessoa jurídica realiza uma operação interestadual e o Estado de destino exige uma alíquota interna superior àquela interestadual fixada pelo Estado de origem. Tais variações são uma característica marcante do tributo estadual, pois cada Estado é competente para defini-las, gerando, assim, uma diversidade significativa na quantificação do valor a ser recolhido pelo contribuinte.

O ICMS-DIFAL tem por finalidade promover a igualdade tributária entre os Estados, mecanismo que se tornou necessário em razão da elevação das vendas em e-commerce. Logo, trata-se de uma aplicação de percentual de alíquota em compra ou venda interestadual, traduzindo-se em mera modalidade de cobrança do tributo.

Sendo assim, o DIFAL é recolhido ao estado de origem, tornando a arrecadação do ICMS mais equitativa entre as unidades federativas, evitando que as regiões com alíquotas maiores se sintam prejudicadas.

Dessarte, o DIFAL não consiste em nova modalidade de tributo; ao revés, traduz-se em mera sistemática de cálculo do ICMS, com idênticos aspectos material, espacial, temporal e pessoal, diferenciando-se, tão somente, o seu aspecto quantitativo, mais precisamente quanto ao acréscimo de alíquota a ser considerado para o cálculo do valor devido pelo contribuinte e do ulterior direcionamento do respectivo produto da arrecadação.

Nesta linha de raciocínio, tratando-se o DIFAL de mera sistemática de apuração de um único imposto – o ICMS -, não há razões para aplicar-se-lhe intelecção distinta, uma vez que se trata de um mesmo tributo, com mesmo regime jurídico, sendo idêntica, ainda, a respectiva legislação aplicada, diferenciando-se do ICMS Próprio tão somente quanto ao acréscimo de alíquota em contextos de operações interestaduais. Assim, aplica-se a ele as mesmas teses fixadas no Tema n. 69/STF e no Tema 1125/STJ.

Sob o regime da repercussão geral, foi fixada a seguinte tese para o Tema n. 69/STF: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”. Já sob o rito dos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que o “ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva” (Tema 1125/STJ).

Deste modo, de acordo com a ratio decidendi dos temas supramencionados, o ICMS não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, tanto no regime próprio, como no contexto da substituição tributária progressiva, porquanto o valor respectivo não constitui receita do contribuinte, mas, sim, mero ingresso financeiro em caráter não definitivo, o qual deve ser ulteriormente repassado aos cofres estaduais.

À vista dessa premissa, conclui-se inviável a inclusão do ICMS, em quaisquer de suas modalidades – inclusive o DIFAL -, nas bases de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

9.2.3.    Da DECISÃO.

O diferencial de alíquotas do ICMS (DIFAL) não integra as bases de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS.

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