Informativo STJ 832 Parte 2 Comentado
Avançamos em nossa caminhada jurisprudencial. Chegou a hora do Informativo nº 832 Parte 2 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!
DIREITO EMPRESARIAL
1. Valores devidos ao credor adiantamento de contrato de câmbio e sujeição aos efeitos da recuperação judicial
Os valores devidos ao credor do adiantamento de contrato de câmbio não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.
REsp 2.070.288-PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2024, DJe 18/10/2024. (Info STJ 832)
1.1. Dos FATOS.
TNT Motos atuava na exportação de produtos. Para financiar parte de suas atividades empresariais, utilizava os serviços de Paraguation S.A., empresa de câmbio. A crise bateu e TNT Motos teve de requerer recuperação judicial.
Paraguation S.A alega nos autos que como seus saldos com a recuperanda são derivados de adiantamento de contrato de câmbio, deve receber tais valores com prioridade, já que eles não se sujeitariam aos efeitos da recuperação judicial, devendo ser pagos primeiro.
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Do DIREITO.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
1.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Cinge-se a controvérsia em definir se o credor de adiantamento de contrato de câmbio deve aguardar o pagamento dos demais créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial antes de receber os valores a ele devidos.
Nos termos do art. 49, § 4º, da Lei n. 11.101/2005, a importância entregue ao devedor decorrente de adiantamento de contrato de câmbio para exportação não se submete aos efeitos da recuperação judicial.
No adiantamento de contrato de câmbio, o produto da exportação passa a pertencer à instituição financeira, e não mais ao exportador financiado na operação. Portanto, os valores resultantes da exportação realizada por sociedade empresária integram o patrimônio da instituição financeira que realizou a antecipação do crédito, e não da sociedade em recuperação.
Na recuperação judicial, o pressuposto é que o devedor, a partir da concessão de prazos e condições especiais para pagamento, bem como de outros meios de soerguimento da atividade, consiga pagar todos os credores. Assim, não há falar em prioridade de pagamento de determinados credores em detrimento de outros, ressalvada a necessidade de observar o prazo para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho.
A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o adiantamento de crédito decorrente de contrato de câmbio deve ser objeto de pedido de restituição dirigido ao juízo da recuperação judicial.
1.2.3. Da DECISÃO.
Os valores devidos ao credor do adiantamento de contrato de câmbio não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
2. Abrangência do art. 249 do ECA.
O art. 249 do ECA deve ser interpretado de forma abrangente, aplicando-se a qualquer pessoa física ou jurídica que desrespeite ordens da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar, sem limitar-se à esfera familiar, de guarda ou tutela.
REsp 1.944.020-MG, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/10/2024. (Info STJ 832)
2.1. Dos FATOS.
Vale Tudo Eventos foi autuada por permitir a entrada de adolescentes em evento e ainda tolerar que os rapazotes consumissem de bebida alcóolica no local, o que contrariaria a previsão do art. 249 do ECA. Em sua defesa, a empresa alega que os efeitos do dispositivo seriam limitados à esfera familiar, de forma que seriam sujeitos ativos da infração apenas os guardiões ou tutores, não terceiros.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Do DIREITO.
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA:
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder, poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
2.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
A controvérsia reside em determinar quais são os sujeitos ativos da infração administrativa prevista no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA: “Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar”.
Sob o enfoque da proteção integral da criança e do adolescente, é possível extrair do referido artigo duas situações distintas: (i) o descumprimento de deveres decorrentes de poder familiar, tutela ou guarda; e (ii) o descumprimento de determinações da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar.
O primeiro trecho do dispositivo legal claramente exige uma qualidade especial do sujeito ativo, dirigindo-se aos pais, tutores ou guardiães. Contudo, a segunda parte aborda uma infração de âmbito mais amplo: o descumprimento de determinações emitidas por autoridade judiciária ou pelo Conselho Tutelar. Essa infração não se limita às figuras parentais ou aos tutores, uma vez que as ordens judiciais ou do Conselho Tutelar podem ser destinadas a qualquer pessoa ou entidade que, de alguma forma, tenha responsabilidade ou envolvimento na proteção ou cuidado de crianças e adolescentes.
De fato, o entendimento de que o art. 249 do ECA deve se restringir exclusivamente a pais, guardiães e tutores seria contrário à finalidade do Estatuto, que busca garantir a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, podendo ser aplicadas sanções àqueles que, independentemente de seu status familiar, deixem de cumprir determinações específicas voltadas a proteger esse direito.
Além disso, a interpretação restritiva do referido dispositivo poderia criar lacunas na responsabilização de agentes que têm papel relevante no cumprimento de decisões judiciais e do Conselho Tutelar, como instituições educacionais, entidades assistenciais ou autoridades administrativas, que também podem estar sujeitas a tais determinações e, em caso de descumprimento, deveriam igualmente ser responsabilizadas.
Portanto, o art. 249 do ECA deve ser interpretado de forma abrangente, aplicando-se a qualquer pessoa física ou jurídica que desrespeite ordens da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar, reforçando a proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes, sem limitar-se à esfera familiar, de guarda ou tutela.
2.2.3. Da DECISÃO.
O art. 249 do ECA deve ser interpretado de forma abrangente, aplicando-se a qualquer pessoa física ou jurídica que desrespeite ordens da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar, sem limitar-se à esfera familiar, de guarda ou tutela.
DIREITO PENAL
3. Competência para dispor sobre os bens da massa falida e dos seus sócios sujeitos a medidas assecuratórias no Juízo criminal.
Compete ao Juízo universal da falência dispor sobre os bens da massa falida e dos seus sócios sujeitos a medidas assecuratórias no Juízo criminal.
CC 200.512-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024, DJe 11/10/2024. (Info STJ 832)
3.1. Dos FATOS.
Dr. Creisson, juiz criminal, determinou medidas assecuratórias contra a Massa Falida de GAS Tech. Os credores da massa não gostaram da parada e o administrador judicial suscitou conflito de competência, alegando que uma vez instaurado o procedimento falimentar, mexeu com bens da massa, é competente o Juízo da Vara Empresarial, não vara criminal (em suma, saí fora Dr. Creisson!).
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Do DIREITO.
Código Penal:
Art. 91 – São efeitos da condenação:
II – a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
CPP:
Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante.
§ 4o Em caso de dúvida sobre quem seja o verdadeiro dono, o juiz remeterá as partes para o juízo cível, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário ou do próprio terceiro que as detinha, se for pessoa idônea.
3.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
A decretação da falência de pessoa jurídica instaura o Juízo universal, que concentra todas as decisões que envolvam o patrimônio da falida, a fim de não comprometer o princípio do par conditio creditorium.
Após a quebra, revela-se descabido o prosseguimento de atos de expropriação contra a falida em outros Juízos, sendo que eventuais terceiros prejudicados deverão valer-se dos mecanismos previstos na legislação falimentar, como o pedido de habilitação de crédito.
Registre-se que, a teor do art. 91, II, do Código Penal, o perdimento de bens, como efeito secundário extrapenal de eventual pena, não poderá prejudicar os terceiros de boa-fé que, em situação de falência de empresa, compreenderá os credores da massa.
O perdimento de bens em favor da União revela-se SUBSIDIÁRIO em relação ao efetivo pagamento dos credores, sendo relevante consignar que a jurisdição criminal, nos termos do art. 120, § 4°, do CPP, não é o foro competente para decidir sobre temas extrapenais, dotados de alto grau de complexidade, cabendo ao Juízo falimentar indicar quem são os terceiros de boa-fé que não poderão ser prejudicados pelo mencionado confisco promovido pelo Estado no âmbito criminal.
Sendo que a União, pode, inclusive, após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, se habilitar no Juízo universal e receber possíveis verbas decorrentes do confisco penal, desde que realizado o pagamento dos credores, inclusive quirografários.
3.2.3. Da DECISÃO.
Compete ao Juízo universal da falência dispor sobre os bens da massa falida e dos seus sócios sujeitos a medidas assecuratórias no Juízo criminal.
4. Animus jocandi e atipicidade da conduta prevista no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
O animus jocandi, em contexto de show de stand up comedy, exclui o dolo específico de discriminação e afasta a tipicidade da conduta prevista no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
AgRg no RHC 193.928-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2024, DJe 18/9/2024. (Info STJ 832)
4.1. Dos FATOS.
O comediante Hilário foi acusado do crime do art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, porque, durante uma apresentação de stand up comedy, fez piada envolvendo pessoa com deficiência física, uma cadeirante. A defesa alega que a conduta seria atípica, por ausência de dolo específico.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Dos FUNDAMENTOS.
O encerramento prematuro da ação penal, bem como do inquérito policial, é medida excepcional, admitido apenas quando ficar demonstrada, de forma inequívoca e sem necessidade de incursão no acervo probatório, a atipicidade da conduta, a inépcia da denúncia, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, ou a existência de causa extintiva da punibilidade.
No caso, o inquérito policial foi instaurado para verificar se o acusado durante um show de comédia, ao contar uma piada sobre cadeirante, incidiu na conduta descrita no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual dispõe que é crime “Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”.
Com efeito, o contexto retratado não revela por si só o dolo específico, mas, ao contrário, sua ausência. O fato de se tratar de um show de stand up comedy já denota a presunção do animus jocandi, sendo necessário, portanto, elementos no mínimo sugestivos do dolo específico de discriminação, para que seja possível instaurar um inquérito, o que não se verifica na hipótese.
“Não há dúvida de que se trata de conduta em que o animus jocandi se fez presente […]” (QC 2/DF, Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 23/8/2023). “[…] a mera intenção de caçoar (animus jocandi), de narrar (animus narrandi), de defender (animus defendendi), de informar ou aconselhar (animus consulendi), de criticar (animus criticandi) ou de corrigir (animus corrigendi) exclui o elemento subjetivo e, por conseguinte, afasta a tipicidade […]”. (HC 234.134/MT, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 16/11/2012).
4.2.2. Da DECISÃO.
O animus jocandi, em contexto de show de stand up comedy, exclui o dolo específico de discriminação e afasta a tipicidade da conduta prevista no art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
5. Autoridade policial que obtém informações de aparelho que já foi objeto de busca anterior declarada nula e nulidades posteriores.
O mero fato de a autoridade policial ter obtido informação de que o aparelho celular já havia sido objeto de busca e apreensão declarada nula, em outra investigação policial, não tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões judiciais supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024, DJe 11/10/2024. (Info STJ 832)
5.1. Dos FATOS.
Em uma investigação, o juízo de Vara A determinou a busca e apreensão de um aparelho celular. Essa busca e apreensão acabou sendo anulada posteriormente. Passado algum tempo, o juízo de Vara B determinou a busca e apreensão do mesmo telefone. Ao receber a nova ordem, a autoridade policial informou já ter conhecimento prévio de informações acerca de aparelho celular (marca, modelo e número de série), já objeto de busca e apreensão declarada nula, em outra investigação policial.
A defesa veio de sola, alegando que como a busca e apreensão do mesmo aparelho já foi declarada nula em outra investigação, não há que se falar em nova busca. Ademais, o fato de a polícia já saber os dados do aparelho demonstra como está tudo contaminado.
O MP rebate que se trata de investigação diversa, com ordem busca proferida por Juízo distinto, com objetivo de desvendar delitos diferentes praticados em épocas diversas, com decisão amparada em fundamentos autônomos que não guardam semelhança com os do primeiro caso.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. Do DIREITO.
CF:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
5.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
A controvérsia consiste em saber se o mero fato de a autoridade policial ter conhecimento prévio de informações acerca de aparelho celular (marca, modelo e número de série), já objeto de busca e apreensão declarada nula, em outra investigação policial, tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone.
No caso, as ordens de busca e apreensão proferidas por Juízos distintos, além de terem por mote desvendar a suspeita de cometimento de delitos diferentes praticados em épocas diversas, também foram amparadas em fundamentos autônomos que não guardam semelhança uns com os outros.
O mero fato de a autoridade policial ter obtido informação de que o aparelho celular já havia sido objeto de busca e apreensão declarada nula em outra investigação policial não tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões judiciais supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone, até mesmo porque a informação a respeito do nome de marcas e modelos de aparelhos telefônicos não se insere no registro da proteção à intimidade da pessoa, nem na garantia da inviolabilidade dos dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, inciso XII, da CF), que é vocacionada a proteger o conteúdo de mensagens, imagens e áudios existentes no aparelho celular.
Ademais, informações sobre a marca e modelo de um aparelho celular não se encontram acobertadas pela garantia constitucional da inviolabilidade dos dados e comunicações telefônicas (art. 5º, XII, CF), uma vez que tais informações poderiam ser obtidas pela autoridade policial sem a necessidade de prévia autorização judicial. Assim sendo, a eventual declaração de nulidade do mandado de busca e apreensão que autorizou o recolhimento do aparelho jamais teria o condão de projetar efeitos sobre informações não protegidas pelo sigilo constitucional.
5.2.3. Da DECISÃO.
O mero fato de a autoridade policial ter obtido informação de que o aparelho celular já havia sido objeto de busca e apreensão declarada nula, em outra investigação policial, não tem o condão de contaminar de nulidade outras decisões judiciais supervenientes que determinem a busca e apreensão do mesmo telefone.
6. Extinção das medidas protetivas de urgência e seus requisitos.
A revogação ou modificação das medidas protetivas de urgência demanda comprovação concreta da mudança nas circunstâncias que ensejaram sua concessão, não sendo possível a extinção automática baseada em presunção temporal.
REsp 2.066.642-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 4/10/2024. (Info STJ 832)
6.1. Dos FATOS.
Creide foi agredida pelo seu ex-namorado Craudião, que achou que ia reconquistar seu amor através do romântico ato de colocar fogo no carro do atual namorado da moça. Em suas declarações, Creide não expressou o desejo de representar criminalmente contra seu ex-namorado. Solicitou contudo medidas protetivas. O juízo criminal julgou extinto o feito sem resolução do mérito, uma vez que a vítima não prosseguiu com a representação. As medidas foram fixadas inicialmente com a duração de noventa dias.
O MP recorreu da decisão visando que as medidas protetivas concedidas em benefício de Creide fossem mantidas por prazo indeterminado.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Do DIREITO.
Lei n. 11.340/2006:
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
§ 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
6.2.2. Dos FUNDAMENTOS.
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de atribuir limite temporal à eficácia das medidas protetivas de urgência concedida em prol da vítima, sob a luz das recentes inovações legislativas.
A autonomia conferida às medidas protetivas de urgência, reforçada pelos §§ 5º e 6º do art. 19 da Lei n. 11.340/2006, sublinha a função inibitória dessas medidas, que visam a impedir a reincidência de atos de violência por meio da imposição de restrições específicas ao agressor. Simultaneamente, a dimensão satisfativa dessas medidas se manifesta na capacidade de proporcionar à vítima uma resposta jurídica eficaz e tempestiva, garantindo a sua segurança e integridade, independentemente da instauração de processos judiciais.
Diferentemente das medidas cautelares no espectro processual penal, as medidas protetivas instituídas pela Lei Maria da Penha não se sujeitam a uma determinação temporal para sua validade. Imperativo é que perdurem enquanto houver o temor de que o direito almejado esteja sob ameaça ou que a conduta de risco visada seja efetivada. Ao preconizar um termo para a duração das medidas protetivas, o julgador inadvertidamente restringe e debilita essa tutela, presumindo, sem a devida sustentação fática, que o contexto de risco findará pelo simples decurso do período estabelecido.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no precedente firmado no REsp 2.036.072/MG, adota a interpretação de que a natureza jurídica das medidas protetivas se afasta da temporalidade fixa. Esta orientação impede que ocorra revogação sem um exame meticuloso quanto à persistência do estado de risco que fundamentou a aplicação das medidas protetivas, evitando assim expor a mulher a possíveis novas agressões.
Adicionalmente, diferentemente das medidas cautelares elencadas no art. 282 do CPP, a Lei n. 11.340/2006 não estipulou um lapso temporal para a vigência dessas medidas, tampouco impôs a obrigação de revisão periódica para sua continuidade. Sua vigência deve se estender enquanto subsistir a situação de perigo, uma vez que as medidas protetivas possuem validade enquanto perdurar a situação de risco e a decisão judicial que as determina submete-se à cláusula rebus sic stantibus, isto é, para sua eventual revogação ou modificação, mister se faz que o Juízo se assegure de que ocorreu a mudança do panorama fático e jurídico. No silêncio da vítima e do agressor, presume-se a continuidade da situação de risco, em alinhamento com o princípio interpretativo firmado no art. 4º da Lei n. 11.340/2006.
Contudo, com o objetivo de prevenir a prorrogação desnecessária das medidas protetivas de urgência, facultado está ao juízo, caso julgue apropriado, fixar um prazo específico, de acordo com as peculiaridades do caso, e revisar periodicamente a necessidade de manutenção das medidas protetivas estabelecidas. Este procedimento deve assegurar, invariavelmente, a oportunidade para a manifestação prévia das partes, antes da eventual cessação das medidas.
Nessa perspectiva, a jurisprudência do STJ estabelece que a revogação das medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da ofendida, procedimento essencial para avaliar a efetiva cessação da situação de risco à integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial da vítima. (AgRg no REsp 1.775.341/SP, Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe de 14/4/2023).
6.2.3. Da DECISÃO.
A revogação ou modificação das medidas protetivas de urgência demanda comprovação concreta da mudança nas circunstâncias que ensejaram sua concessão, não sendo possível a extinção automática baseada em presunção temporal.
7. Competência para julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social
A fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social exige a demonstração da natureza aberta do perfil que realizou a postagem, a fim de possibilitar a verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional.
AgRg no HC 717.984-SC, Rel. Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 2/9/2024, DJe 4/9/2024. (Info STJ 832)
7.1. Dos FATOS.
Creitinho usou seu perfil aberto na rede social Facebook para divulgar conteúdo considerado racista. Passou-se a discutir então a competência para julgamento do feito, em razão do suposto alcance da postagem do rapaz.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Dos FUNDAMENTOS.
A competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social depende da verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional.
Ressalte-se que o critério utilizado pelo STJ não é o da comprovação do efetivo atingimento de pessoas em território estrangeiro, mas sim de sua potencialidade.
Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça consideram cumprido tal requisito quando a postagem, além de não se dirigir a pessoa determinada, mas a uma coletividade delas, é divulgada em perfis abertos de rede social, de potencial abrangência internacional – circunstância que não é consectário natural dos perfis fechados, com restrição de público visualizador.
Com efeito, “o perfil aberto no Facebook corresponde a meio de divulgação que permite que qualquer usuário do Facebook, seja no Brasil ou no exterior, tenha acesso ao conteúdo das falas, o que se revela suficiente para o reconhecimento da transnacionalidade do delito e para a fixação da competência da Justiça Federal para a condução do inquérito.” (CC n. 204.372, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 25/04/2024).
Assim, para a fixação da competência da Justiça Federal, exige-se a demonstração efetiva da natureza aberta do perfil que realizou a postagem.
7.2.2. Da DECISÃO.
A fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social exige a demonstração da natureza aberta do perfil que realizou a postagem, a fim de possibilitar a verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional.
8. Julgamento e forma virtual e causa de nulidade ou cerceamento de defesa.
A realização do julgamento de forma virtual, mesmo com a oposição expressa da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa.
AgRg no RtPaut no REsp 2.125.449-SP, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/8/2024, DJe 29/8/2024. (Info STJ 832)
8.1. Dos FATOS.
Uma ação criminal teve seu processo incluído na pauta de julgamento da sessão virtual do STJ. A defesa não gostou da ideia e requereu de retirada de pauta para fins de julgamento presencial, o que foi indeferido. Inconformada, a defesa alega que realização do julgamento de forma virtual implica em nulidade e cerceamento de defesa.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. Dos FUNDAMENTOS.
O pedido de retirada de pauta de julgamento virtual foi indeferido, uma vez que cabe à parte interessada proceder na conformidade do art. 184-B do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, encaminhando sua sustentação oral para o julgamento virtual em até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.
Ressalte-se que o direito ao exercício da sustentação oral foi garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, com início do prazo para encaminhamento da sustentação oral após a publicação da inclusão em pauta de julgamento e término 48 horas antes do início da sessão.
Sobre o tema, note-se que “a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido que não há, no ordenamento jurídico vigente, o direito de exigir que o julgamento ocorra por meio de sessão presencial. Portanto, o fato de o julgamento ter sido realizado de forma virtual, mesmo com a oposição expressa e tempestiva da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa. Ademais, mesmo nas hipóteses em que cabe sustentação oral, se o seu exercício for garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, não haverá qualquer prejuízo ou nulidade, ainda que a parte se oponha a essa forma de julgamento, porquanto o direito de sustentar oralmente as suas razões não significa o de, necessariamente, o fazer de forma presencial.” (AgRg no HC 832.679/BA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 18/4/2024).
8.2.2. Da DECISÃO.
A realização do julgamento de forma virtual, mesmo com a oposição expressa da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa.
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