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Informativo STJ 828 Comentado

Avançamos em nossa caminhada jurisprudencial. Chegou a hora do Informativo nº 828 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.     Inimputabilidade e incomunicabilidade das penas

Quando o juízo criminal reconhece a inimputabilidade do agente fundada no art. 26 do Código Penal e profere sentença absolutória imprópria, com imposição de medida de segurança, descabe a fixação de sanção administrativa, impondo-se à Administração Pública, ao revés, o dever de avaliar a eventual concessão de licença para tratamento de saúde ou de aposentadoria por invalidez.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 1/10/2024, DJe 4/10/2024. (Info 10)

1.1.  Dos FATOS.

Creosvaldo, servidor público, praticou conduta prevista como crime e também como falta disciplinar, durante surto psicótico, quando estava absolutamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato cometido.

Apesar da constatação da inimputabilidade pela perícia no âmbito criminal, Creosvaldo foi penalizado administrativamente. Indignada, sua defesa sustenta que o reconhecimento da inimputabilidade deveria estender seus efeitos à esfera administrativa.

Processo em segredo de justiça.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Do DIREITO.

Código de Processo Penal:

Art. 66.  Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.

Art. 149.  Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

§ 1o  O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

§ 2o  O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.

Código Civil:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Lei n. 8.112/1990:

Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.

Art. 126.  A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

1.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia acerca do controle de legalidade de Processo Administrativo Disciplinar, notadamente para aferir se, diante da incontroversa inimputabilidade da Impetrante reconhecida em âmbito criminal, viável a subsistência de penalidade disciplinar pelos mesmos fatos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o controle jurisdicional de processos administrativos disciplinares se restringe ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo vedada qualquer incursão no mérito administrativo.

Os artigos 66 do Código de Processo Penal, 935 do Código Civil, e 125 e 126 da Lei n. 8.112/1990, consagram o princípio da relativa independência entre as instâncias civil, administrativa e penal, possibilitando apurações distintas no âmbito de cada esfera de responsabilidade, ressalvada, como regra, a prevalência da jurisdição criminal quanto à afirmação categórica acerca da inocorrência da conduta ou quando peremptoriamente afastada a contribuição do agente para sua prática.

Além das hipóteses expressamente previstas em lei, à luz do princípio constitucional da culpabilidade, impõe-se observar a comunicação entre as órbitas penal e administrativa quando o juízo criminal reconhece, de maneira contundente, a inimputabilidade do agente fundada no art. 26 do Código Penal e profere sentença absolutória imprópria, com imposição de medida de segurança, especificamente em situações nas quais, constatada enfermidade psíquica, o acusado era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, porquanto causa excludente da culpa em sentido lato.

A certificação da inimputabilidade exige acentuada incursão fática, prévia instauração de incidente de insanidade mental (art. 149 do CPP) e detida análise de laudos médicos para avaliar a higidez psíquica do acusado, de modo que a conclusão positiva acerca da carência de discernimento cognitivo encerra juízo de certeza impassível de ulterior revisão ou desconsideração na via administrativa. Nessas circunstâncias, a despeito da ausência de disposição legal expressa determinando a repercussão da sentença penal absolutória imprópria sobre a decisão administrativa, admitir a subsistência da responsabilidade disciplinar quando rechaçada a punição criminal em razão de causa biopsicológica excludente de culpabilidade traduziria evidente incoerência.

Constatada a prática de falta disciplinar quando o agente estava em surto psicótico e absolutamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato cometido, descabe a fixação de sanção administrativa, impondo-se à Administração Pública, ao revés, o dever de avaliar a eventual concessão de licença para tratamento de saúde ou de aposentadoria por invalidez, sendo inviável o apenamento de pessoa mentalmente enferma à época da conduta imputada.

1.2.3.    Da DECISÃO.

Quando o juízo criminal reconhece a inimputabilidade do agente fundada no art. 26 do Código Penal e profere sentença absolutória imprópria, com imposição de medida de segurança, descabe a fixação de sanção administrativa, impondo-se à Administração Pública, ao revés, o dever de avaliar a eventual concessão de licença para tratamento de saúde ou de aposentadoria por invalidez.

2.     Cabimento de indenização quando da existência de ocupação irregular de bem da União

Constatada a existência de ocupação irregular de bem da União, é devida a indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei n. 9.636/1998, pela posse ou ocupação ilícita, abrangendo o período entre a data do ajuizamento da ação e a efetiva desocupação da área e independentemente da comprovação de boa-fé do particular, inclusive quando a autorização de uso for outorgada por quem não detém poderes para tanto.

REsp 1.898.029-RJ, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 17/9/2024, DJe 24/9/2024. (Info 10)

2.1.  Dos FATOS.

Creiton construiu um quiosque na praia (coisa fina), mas o fez sem autorização para tanto. A União ajuizou ação reivindicatória e demolitória (veio ao Judiciário babando), alegando que Creiton ocupou área pública indevidamente. Requereu a demolição às expensas de Creiton.

Só que aí antes de o processo findar, Creiton desocupou o bem “voluntariamente”. Por tal razão, o pedido de demolição foi extinto por perda superveniente do interesse de agir. O juiz, com pena do Creiton, julgou também improcedente o pedido da União de indenização pelo tempo de ocupação de bem público (art. 10, parágrafo único, da Lei 9.636/1998).

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 9.636/1998:

Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.

Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

2.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia acerca dos requisitos para a condenação ao pagamento da indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei n. 9.636/1998, que trata acerca da indenização em razão de posse ou ocupação ilícita de imóvel da União.

Observa-se que o parágrafo único do referido dispositivo não estabelece qualquer condicionante relativa à presença de má-fé do ocupante irregular do bem público.

Assim sendo, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que “cumpre a quem ocupou irregularmente pagar a indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei 9.636/1998, independentemente se agiu ou não de boa-fé” (AgInt no REsp n. 2.108.652/PE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2024, DJe de 4/6/2024).

Em se tratando de bens públicos de uso comum do povo pertencentes à União, são irrelevantes a existência de alvará da Administração Pública Municipal e eventual pagamento de taxa municipal. É devida a indenização pela posse ou ocupação ilícita, pois o fundamento para a indenização deriva tão só da causa objetiva de a União ser a proprietária do bem, e o ocupante ilegal não. (REsp n. 1.730.402/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/6/2018, DJe de 12/3/2019).

Por fim, o termo inicial da indenização deve corresponder à data em que o ente federal notificou o particular acerca da ilegalidade da ocupação ou do ajuizamento da ação reivindicatória.

2.2.3.    Da DECISÃO.

Constatada a existência de ocupação irregular de bem da União, é devida a indenização prevista no art. 10, parágrafo único, da Lei n. 9.636/1998, pela posse ou ocupação ilícita, abrangendo o período entre a data do ajuizamento da ação e a efetiva desocupação da área e independentemente da comprovação de boa-fé do particular, inclusive quando a autorização de uso for outorgada por quem não detém poderes para tanto.

DIREITO CIVIL

3.     Nome de estabelecimento que utiliza título de obra musical “do Leme ao Pontal” de cantor já falecido e violação de direito autoral

Não há violação a direito autoral na utilização de título de obra musical “do Leme ao Pontal” de cantor já falecido como nome de estabelecimento comercial.

REsp 2.152.321-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 1º/10/2024. (Info 10)

3.1.  Dos FATOS.

O espólio de Tim Maia ajuizou ação de indenização por danos morais em face do estabelecimento comercial “Do Leme ao Pontal”. Alega que a expressão foi utilizada para nomear obra do falecido músico.

Em sua defesa, o estabelecimento alega que a expressão “do Leme ao Pontal”, muito antes de dar título à obra musical do falecido músico, refere-se ao trecho da área litorânea do município do Rio de Janeiro/RJ.

A sentença julgou improcedente a demanda, sob o fundamento de que o autor não teria direito autoral patrimonial sobre a referida expressão e que não teria havido utilização indevida de obra musical do cantor.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 9.610/1998:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

VI – os nomes e títulos isolados;

Art. 10. A proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor.

Parágrafo único. O título de publicações periódicas, inclusive jornais, é protegido até um ano após a saída do seu último número, salvo se forem anuais, caso em que esse prazo se elevará a dois anos.

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I – a reprodução parcial ou integral;

II – a edição;

III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;

IV – a tradução para qualquer idioma;

V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;

VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;

VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a) representação, recitação ou declamação;

b) execução musical;

c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva;

f) sonorização ambiental;

g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;

h) emprego de satélites artificiais;

i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;

j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;

IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

3.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A controvérsia jurídica consiste em definir se há violação a direito autoral na utilização de título de obra musical de cantor já falecido como nome de estabelecimento comercial, nos termos dos arts. 7º, V, 10 e 29 da Lei n. 9.610/1998.

O gênero propriedade intelectual abrange a proteção ao direito autoral (direitos de autor, direitos conexos e programas de computador), a proteção à propriedade industrial (patentes de invenção e de modelos de utilidade, marcas, desenho industrial, indicação geográfica e repressão à concorrência desleal) e a proteção sui generis (cultivares, topografia de circuito integrado e conhecimento tradicional).

Cada uma dessas categorias tem seus próprios institutos e bens jurídicos protegidos, assim como suas respectivas formas de tutela, de modo que seus conceitos e abrangência não se confundem. Na hipótese, a proteção da marca deferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI aos recorrentes não se confunde e nem se estende à proteção dada pelo direito autoral à obra musical.

A expressão “do Leme ao Pontal”, muito antes de dar título à obra musical, refere-se ao trecho da área litorânea do município do Rio de Janeiro/RJ.

Conforme dispõe a lei, os nomes e títulos, tomados isoladamente, não são objeto de proteção como direitos autorais, haja vista que a garantia se estende à integralidade da obra intelectual (no caso, a música), considerada em seu conjunto. Desse modo, o título “do Leme ao Pontal”, por si só, não é objeto de proteção intelectual (art. 8º, VI, da Lei n. 9.610/1998).

Da mesma forma, a marca mista “do Leme ao Pontal”, registrada pelos recorrentes nos termos da Lei n. 9.279/1996, não lhes confere exclusividade de uso da parte nominativa “do Leme ao Pontal”. Assim, nada impede a utilização de referida expressão para dar nome a estabelecimento comercial.

3.2.3.    Da DECISÃO.

Não há violação a direito autoral na utilização de título de obra musical “do Leme ao Pontal” de cantor já falecido como nome de estabelecimento comercial.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

4.     Natureza da matéria que trata da impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos

A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão.

REsp 2.061.973-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 2/10/2024. (Tema 1235). (Info 10)

4.1.  Dos FATOS.

Em uma ação de execução fiscal, o juízo determinou a utilização do SISBAJUD para bloqueio de valores do executado. Após verificar que o valor bloqueado era inferior a 40 SM, o juízo determinou de ofício a impenhorabilidade e desbloqueio dos valores.

A ANTT, exequente, não concordou com a decisão e interpôs recurso no qual sustenta ser necessário que a parte executada deduza pretensão pela liberação dos valores, não sendo possível seu reconhecimento de ofício.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    Do DIREITO.

CPC/2015:

Art. 833. São impenhoráveis:

I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

VI – o seguro de vida;

VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

 Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

§ 1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo.

§ 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que:

I – as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;

a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.

4.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, em “definir se a impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz” (Tema 1235/STJ).

Na égide do Código de Processo Civil (CPC/1973), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos EAREsp 223.196/RS, pacificou a divergência sobre a interpretação do art. 649, fixando que a impenhorabilidade nele prevista deve ser arguida pelo executado, sob pena de preclusão, afastando o entendimento de que seria uma regra de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz, sob o argumento de que o dispositivo previa bens “absolutamente impenhoráveis”, cuja inobservância seria uma nulidade absoluta.

O CPC/2015 não apenas trata a impenhorabilidade como relativa, ao suprimir a palavra “absolutamente” no caput do art. 833, como também regulamenta a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, prevendo que, após a determinação de indisponibilidade, incumbe ao executado, no prazo de 5 dias, comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis, cuja consequência para a ausência de manifestação é a conversão da indisponibilidade em penhora (art. 854, § 3º, I, e § 5º), restando, para o executado, apenas o manejo de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução (arts. 525, IV, e 917, II).

Quando o legislador objetivou autorizar a atuação de ofício pelo juiz, o fez de forma expressa, como no § 1º do art. 854 do CPC, admitindo que o juiz determine, de ofício, o cancelamento de indisponibilidade que ultrapasse o valor executado, não havendo previsão similar quanto ao reconhecimento de impenhorabilidade.

A impenhorabilidade prevista no art. 833, X, do CPC consiste em regra de direito disponível do executado, sem natureza de ordem pública, pois pode o devedor livremente dispor dos valores poupados em suas contas bancárias, inclusive para pagar a dívida objeto da execução, renunciando à impenhorabilidade.

Assim, o Código de Processo Civil não autoriza que o juiz reconheça a impenhorabilidade prevista no art. 833, X, de ofício, pelo contrário, atribui expressamente ao executado o ônus de alegar tempestivamente a impenhorabilidade do bem constrito, regra que não tem natureza de ordem pública, conforme interpretação sistemática dos arts. 833, 854, §§ 1º, 3º, I, e § 5º, 525, IV, e 917, II, do CPC.

4.2.3.    Da DECISÃO.

A impenhorabilidade de quantia inferior a 40 salários mínimos (art. 833, X, do CPC) não é matéria de ordem pública e não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, devendo ser arguida pelo executado no primeiro momento em que lhe couber falar nos autos ou em sede de embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença, sob pena de preclusão.

5.     Requisitos do atendimento à obrigação de fazer por terceiro

A possibilidade de atendimento à obrigação de fazer por terceiro prevista no art. 817, caput do CPC pressupõe a anuência não só do exequente, como também do terceiro.

AREsp 2.279.703-SP, Rel. Mininistro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 1/10/2024. (Info 10)

5.1.  Dos FATOS.

Em um cumprimento de sentença de ação civil pública, a Fazenda Municipal respondeu em litisconsórcio com particular, sendo que ambos foram condenados em obrigações de fazer distintas, tendo a Fazenda cumprido a sua parte da condenação, enquanto o particular não o fez.

A parte exequente pugnou que o ente municipal cumprisse, na condição de terceiro, a obrigação de fazer imposta ao particular, tese da qual o município discorda.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    Do DIREITO.

Código de Processo Civil (CPC):

Art. 817. Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado.

Parágrafo único. O exequente adiantará as quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado.

5.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A controvérsia versa sobre o cumprimento de sentença de ação civil pública, em que a Fazenda Municipal respondeu em litisconsórcio com particular, sendo que ambos foram condenados em obrigações de fazer distintas, tendo aquela cumprido a sua parte da condenação, enquanto o particular, não.

No caso em questão, a parte exequente pugnou que o ente municipal cumprisse, na condição de terceiro, a obrigação de fazer imposta ao particular, embasando seu pedido no art. 817, caput, do Código de Processo Civil (CPC), o qual rege que “se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado”.

Todavia, a referida regra (atendimento da obrigação de fazer pelo terceiro) pressupõe a anuência não só do exequente, como também do terceiro, tanto é que o texto legal usa a expressão “puder” (em vez de dever) e “autorizar” (em vez de “determinar” ou “requisitar”).

O dispositivo em foco não prevê sanção para o caso de o terceiro deixar de “cumprir” a tal “obrigação de fazer”, a se evidenciar que a aquiescência daquele (o terceiro) é indispensável, pois, do contrário, estar-se-ia diante de norma jurídica sem imperatividade.

Portanto, não pode ser determinado ao Município, na condição de terceiro, que realize a obrigação de fazer imposta ao particular, pois o comando normativo em discussão não permite obrigar o terceiro a cumprir obrigação pela qual não é responsável, mas sim faculta essa opção.

5.2.3.    Da DECISÃO.

A possibilidade de atendimento à obrigação de fazer por terceiro prevista no art. 817, caput do CPC pressupõe a anuência não só do exequente, como também do terceiro.

6.     Dever de auxílio do juízo para que a parte encontre as informações que condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições

Quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições.

REsp 2.142.350-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 1º/10/2024, DJe 4/10/2024. (Info 10)

6.1.  Dos FATOS.

Em uma ação de execução de título extrajudicial, o juízo extinguiu o processo sem resolução de mérito, ante à “ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo” e “ausência de legitimidade” (desconhecimento sobre inventário ou partilha).

O exequente interpôs recurso no qual alega que cabe ao juízo proceder com levantamento de dados das partes pelos sistemas disponíveis quando a parte autora os desconhecer.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Do DIREITO.

Código de Processo Civil – CPC:

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 319. A petição inicial indicará:

§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.

6.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

O dever de colaboração está expresso no art. 6º do Código de Processo Civil – CPC, o qual dispõe que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Além disso, está implicitamente em outros dispositivos processuais, entre os quais se destaca o art. 319, § 1º, do CPC, o qual prevê que, na petição inicial, poderá o autor, caso não disponha, requerer ao juiz diligências necessárias à obtenção de informações acerca de nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, endereço eletrônico, domicílio e residência do réu.

O dever de colaboração processual redesenha, em certa medida, o papel do juiz, o qual, mantendo-se imparcial em relação às partes e ao desfecho do processo, deve com elas colaborar para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

De fato, não pode o Juízo – de modo algum – substituir as partes, as quais devem empreender esforços para diligenciar e desempenhar adequadamente as suas atribuições.

Por outro lado, quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições.

Acrescente-se que a decisão do juiz deve observar o exame acerca da proporcionalidade das diligências pretendidas pelo requerente, verificando-se a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito das medidas quando confrontados direitos fundamentais.

6.2.3.    Da DECISÃO.

Quando comprovado o empenho da parte e o insucesso das medidas adotadas, o juiz tem o dever de auxiliá-la a fim de que encontre as informações que, à disposição do Juízo, condicionem o eficaz desempenho de suas atribuições.

DIREITO DO CONSUMIDOR

7.     Validade das práticas de intermediação, pela internet, da venda de ingressos mediante cobrança de “taxa de conveniência” e da indisponibilidade de certas formas de pagamento nas compras efetuadas on-line e por meio de call center

São válidas as práticas de intermediação, pela internet, da venda de ingressos mediante cobrança de “taxa de conveniência”; assim como de venda antecipada de ingressos a um determinado grupo de pessoas; e a indisponibilidade de certas formas de pagamento nas compras efetuadas on-line e por meio de call center.

REsp 1.984.261-SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por maioria, julgado em 27/8/2024. (Info 10)

7.1.  Dos FATOS.

Em um show da Banda Repolho, a empresa responsável pelo evento decidiu contratar uma empresa intermediária para vender os ingressos. A intermediária, Ticketário SA, era remunerada mediante uma “taxa de conveniência”. Não eram aceitas formas de pagamento diversas do cartão de crédito.

O MP ajuizou ACP na qual alega a abusividade das condutas.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia acerca da possível abusividade nas práticas de: I) cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos pela internet; II) venda antecipada de ingressos a um determinado grupo de pessoas; e III) indisponibilidade de certas formas de pagamento quando a venda ocorre por meio on-line call center.

O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a cobrança de taxa de conveniência na venda de ingressos pela internet só é abusiva quando se verifica o descumprimento do dever de informação na fase pré-contratual.

Dessa forma, a validade da intermediação, pela internet, da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de “taxa de conveniência”, exige que o consumidor seja previamente informado o preço total da aquisição do ingresso, com o destaque do referido valor. (EDcl no REsp n. 1.737.428/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 6/10/2020, DJe de 19/11/2020).

Ainda, venda antecipada de ingressos a um determinado grupo de pessoas e a indisponibilidade de formas de pagamento equivalentes a dinheiro e cartão de débito nas compras efetuadas on-line e call center, não podem ser consideradas como abusivas, uma vez que não caracterizam vantagem indevida ao fornecedor e nem efetivo prejuízo aos consumidores.

Privilegiar certo grupo de consumidores em determinadas situações, sem decorrer prejuízo financeiro aos demais, deve ser caracterizada como prática comercial legítima.

Além disso, a existência de outras possibilidades e meios de compra disponíveis aos consumidores afasta a suposta abusividade na venda de ingressos on-line e call center que não disponibilizam dinheiro ou cartão de débito como meios de pagamentos possíveis, uma vez que o consumidor tem outras opções acessíveis para recorrer.

7.2.2.    Da DECISÃO.

São válidas as práticas de intermediação, pela internet, da venda de ingressos mediante cobrança de “taxa de conveniência”; assim como de venda antecipada de ingressos a um determinado grupo de pessoas; e a indisponibilidade de certas formas de pagamento nas compras efetuadas on-line e por meio de call center.

DIREITO EMPRESARIAL

8.     (I)Legitimidade das fundações de direito privado não possuem legitimidade para o ajuizamento de pedido de recuperação judicial

As fundações de direito privado não possuem legitimidade para o ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

REsp 2.026.250-MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 1º/10/2024, DJe 4/10/2024. (Info 10)

8.1.  Dos FATOS.

Unomar, fundação de direito privado, passava por severa crise econômica em decorrência de escolhas da gestão financeira. Propôs ação de recuperação judicial em que destaca ser o maior e mais antigo centro de referência na educação superior da região. Foi deferido o processamento da recuperação judicial.

O credor Banco Brasa interpôs recurso no qual alega que as previsões da Lei nº 11.101/2005 não permitem a recuperação judicial das fundações.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

8.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A questão controvertida resume-se a definir se as fundações de direito privado têm legitimidade para ajuizar pedido de recuperação judicial.

A recuperação judicial é um incentivo ao empreendedor que decide utilizar seu patrimônio para a geração de riquezas, garantindo-se que eventual crise financeira possa ser superada com a cooperação das partes interessadas. Em contrapartida aos benefícios trazidos pela atividade empresarial, entendeu-se ser possível a exigência de determinados sacrifícios à sociedade como um todo e, particularmente, aos empregados e fornecedores da sociedade empresária em crise. Ademais, a manutenção das atividades garante, a princípio, a permanência de empregos e a geração de riquezas.

Em relação às associações e fundações, essa lógica não pode ser aplicada. As entidades sem fins lucrativos são criadas com o objetivo de promover uma causa ou prestar um serviço. Qualquer excedente das receitas em relação às despesas deve ser reinvestido com o intuito de alcance de seus objetivos sociais. A finalidade social não impede que as entidades cobrem pela prestação dos serviços oferecidos, como nos casos em que são cobradas mensalidades dos alunos.

Como, em regra, os objetivos se situam no campo social e educacional, prestando serviços de utilidade pública, a sociedade é chamada a dar contrapartida a essas ações mediante a concessão de benefícios fiscais pelo Estado.

Assim, a concessão de recuperação judicial a entidades sem fins lucrativos que já usufruem de imunidade tributária equivaleria a exigir uma nova contraprestação da sociedade brasileira, sem estudos acerca do impacto concorrencial e econômico que a medida poderia gerar, além de impactar na alocação de riscos dos agentes do mercado, em desatendimento à segurança jurídica.

Por fim, o art. 1º da Lei n. 11.101/2005 afirma que a recuperação judicial é do empresário e da sociedade empresária, não incluindo as fundações de direito privado entre os legitimados para o pedido de recuperação judicial, dispositivo legal que não foi alterado com as recentes modificações trazidas pela Lei n. 14.112/2020.

8.2.3.    Da DECISÃO.

As fundações de direito privado não possuem legitimidade para o ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

9.     Recuperação judicial e necessidade da apresentação de certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento do pedido de recuperação judicial

Após a entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020, é indispensável a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento do pedido de recuperação judicial.

AgInt no AgInt no REsp 2.110.542-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/8/2024, DJe 29/8/2024. (Info 10)

9.1.  Dos FATOS.

Quebradeira Ltda requereu a recuperação judicial antes das mudanças promovidas pela Lei n. 14.112/2020. Quando o pedido bateu na mesa do juiz, já na vigência da nova lei, o juízo exigiu a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais.

Inconformada, a empresa alega que tal exigência somente seria devida para os pedidos realizados após a vigência da alteração, conforme o princípio do tempus regit actum.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Código Tributário Nacional:

Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei.

9.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Nos termos da orientação jurisprudencial outrora perfilhada pelo STJ, o deferimento da recuperação judicial prescindia da demonstração da regularidade fiscal, nos termos das regras previstas no arts. 57 da Lei n. 11.101/2005 e 191-A, do Código Tributário Nacional.

Todavia, como consequência das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.112/2020, o Superior Tribunal de Justiça comunga de entendimento diverso, reconhecendo a imprescindibilidade da apresentação de certidões negativas de débitos fiscais, reputadas essenciais para o deferimento do pedido de soerguimento.

No caso em análise, concluiu o Tribunal de origem, à luz da reforma promovida pela Lei n. 14.112/2020, não ser possível a relativização da obrigatoriedade da apresentação de certidões negativas de débitos fiscais, para fins de homologação do aditivo do plano de recuperação judicial aprovado em 24/3/2022.

Tal conclusão está em harmonia com o atual entendimento jurisprudencial firmando por esta Corte sobre a matéria, observadas as alterações promovidas pela Lei n. 14.112/2020.

9.2.3.    Da DECISÃO.

Após a entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020, é indispensável a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento do pedido de recuperação judicial.

DIREITO PENAL

10.  Cabimento da utilização de óbice previsto para o acordo de não persecução penal para negar o oferecimento da suspensão condicional do processo

Não cabe a utilização de óbice previsto para o acordo de não persecução penal para negar o oferecimento da suspensão condicional do processo.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 1º/10/2024. (Info 10)

10.1.               Dos FATOS.

Craudião se desentendeu com sua esposa Creide. Após a denúncia, o MP deixou de oferecer a suspensão condicional do processo. Segundo o MP, se não pode nem ANPP no caso de infração no âmbito da Lei Maria da Penha, não haveria que se falar em sursis processual também.

A defesa de Craudião sustenta a falta de previsão legal para tal obste, de modo o fiscal do ordenamento jurídico estaria atuando fora do (em contraposição ao) ordenamento jurídico.

10.2.               Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Do DIREITO.

Lei n. 9.099/1995:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

10.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O instituto da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) se aplica nas hipóteses em que “a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano”, “desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)”.

Contudo, no caso,sursis processual foi negado com fundamento no art. 28-A, § 2º, inciso IV, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o acordo de não persecução penal não se aplica “nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.”

Relevante salientar que, embora a suspensão condicional do processo não se trate de mero direito subjetivo do réu, não pode ser obstado sem fundamentação idônea, em atenção à disciplina legalmente prevista. Não constitui direito subjetivo do réu nem mera faculdade do Ministério Público. Trata-se de um poder-dever do Parquet.

Oportuno anotar que, ao contrário do que também afirma o Ministério Público para negar a benesse, a hipótese não atrai igualmente a vedação constante do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, uma vez que o acusado não foi denunciado como incurso na Lei Maria da Penha. Como é de conhecimento, nem todo crime contra a mulher é praticado em violência doméstica e familiar, não tendo referida circunstância sido narrada na denúncia.

Ademais, quando se examinou o Tema Repetitivo 1121, a Terceira Seção, fez constar expressamente na ementa do acórdão o cabimento da suspensão condicional do processo para o delito previsto no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro. Eis o item 12 da referida Ementa: 12. Não é só. Desclassificar a prática de ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos para o delito do art. 215-A do CP, crime de médio potencial ofensivo que admite a suspensão condicional do processo, desrespeitaria ao mandamento constitucional de criminalização do art. 227, §4º, da CRFB, que determina a punição severa do abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. Haveria também descumprimento a tratados internacionais. (REsp 1.954.997, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 1/7/2022).

Nessa linha de intelecção, a fundamentação declinada pelo Ministério Público para impedir o benefício, por meio da transposição de óbice previsto para instituto distinto, denota verdadeira analogia in malam partem, o que não se admite no direito penal.

10.2.3. Da DECISÃO.

Não cabe a utilização de óbice previsto para o acordo de não persecução penal para negar o oferecimento da suspensão condicional do processo.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

11.  Validade da decretação da revelia se o magistrado optou por intimar apenas o advogado constituído para a audiência de instrução e julgamento, sem sequer buscar localizar o acusado

É indevida a decretação da revelia se o magistrado optou por intimar apenas o advogado constituído para a audiência de instrução e julgamento, sem sequer buscar localizar o acusado para realizar a sua intimação pessoal, nos termos da legislação processual penal.

AgRg no AREsp 2.507.134-DF, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/9/2024, DJe 17/9/2024. (Info 10)

11.1.               Dos FATOS.

Geremias tinha advogado no feito, mas não foi pessoalmente intimado para AIJ. Seu advogado pediu o adiamento do ato para encontrar o Geremias, mas o juiz negou o pleito e decretou a revelia, determinando o seguimento do feito, que findou na condenação do Gemerias.

A combativa defesa alega que existiam informações suficientes no processo para viabilizar a intimação pessoal do acusado. No entanto, o magistrado optou por intimar apenas o advogado constituído, sem tentar localizar o querelado por outros meios, como carta precatória ou métodos eletrônicos.

11.2.               Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Do DIREITO.

CPP:

Art. 399.  Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.    

Art. 563.  Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

11.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Conforme o art. 399 do CPP, ao receber a denúncia ou queixa, o juiz “designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”. A redação clara e objetiva do dispositivo impõe a necessidade de intimação pessoal do acusado e de seu defensor para a audiência de instrução e julgamento.

No caso, o Tribunal de origem acolheu a nulidade destacando que existiam informações suficientes no processo para viabilizar a intimação pessoal do acusado. No entanto, o magistrado optou por intimar apenas o advogado constituído, sem tentar localizar o querelado por outros meios, como carta precatória ou métodos eletrônicos, o que tornou incorreta a decretação da revelia.

É certo que o reconhecimento de nulidade no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, reclama a efetiva demonstração de prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado no art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Contudo, na espécie, o prejuízo foi demonstrado, pois a ausência do querelado impediu seu interrogatório e o exercício pleno da ampla defesa. Ademais, a irregularidade foi apontada pelo advogado no início da audiência, quando pediu o adiamento do ato processual.

O STJ já afastou alegações de nulidade pela ausência de intimação do acusado para a audiência quando a não realização do ato ocorreu por culpa do réu, como, por exemplo, quando não manteve seu endereço atualizado, ou pela ocorrência de preclusão. No entanto, no caso em análise, não houve nenhuma tentativa frustrada de intimação, tampouco se verificou o descumprimento do dever de manter o endereço atualizado. Ao contrário, o magistrado optou por intimar apenas o defensor do réu, sem sequer buscar localizar o acusado para realizar a intimação pessoal, nos termos da legislação processual penal.

Diante disso, a ausência de intimação pessoal do réu trouxe prejuízo concreto à defesa, especialmente considerando que o réu foi condenado sem ter a oportunidade de exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa durante a audiência de instrução e julgamento.

11.2.3. Da DECISÃO.

É indevida a decretação da revelia se o magistrado optou por intimar apenas o advogado constituído para a audiência de instrução e julgamento, sem sequer buscar localizar o acusado para realizar a sua intimação pessoal, nos termos da legislação processual penal.

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