Informativo nº 820 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!
RECURSO ESPECIAL
A invalidação, pelo Poder Judiciário, de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco, somente é possível quando eivado de manifesta ilegalidade, contrário a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorrido em desvio ou abuso de poder. A Ação Popular, embora empreendida a título individual, tem por objetivo a tutela de direitos transindividuais, não se prestando, por conseguinte, à mera tutela patrimonial dos cofres estatais, à contraposição pura e simples da atividade administrativa, tampouco à defesa de interesses do cidadão figurante no polo ativo.
REsp 1.608.161-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 9/8/2024.(Info STJ 820)
Craudião, auditor-fiscal da RFB, ajuizou Ação Popular buscando a anulação de Acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Segundo o Craudião, o CARF declarou a decadência de créditos tributários que haviam sido constituídos em Notificação Fiscal de Lançamento de Débito.
Segundo a inicial, após diligências empreendidas por autoridades fiscais, foi cancelada a imunidade tributária usufruída do contribuinte quanto às contribuições sociais, com efeitos retroativos. Para Craudião, nas hipóteses de afastamento administrativo da imunidade tributária, o termo inicial da decadência corresponde ao primeiro dia do exercício seguinte à data de expedição do ato formal de seu cancelamento. A seu ver, é ilegal a decisão do CARF que considera o termo ad quo a data dos respectivos fatos geradores.
Código Tributário Nacional:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
Lei n. 4.717/1965:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
R: Somente é possível quando eivado de manifesta ilegalidade, contrário a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorrido em desvio ou abuso de poder!!!
Cinge-se a controvérsia acerca do manejo da Ação Popular para fins de controle de atos da Administração Pública. Na hipótese, a referida Ação foi proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento – DRJ.
A ação popular tem por fundamento axiológico a participação da sociedade civil nos afazeres estatais, direito cuja consagração ganhou contornos mais expansivos com a promulgação da atual Constituição da República. Notadamente, em seu art. 1º, parágrafo único, há a outorga aos membros do corpo social a prerrogativa de atuarem diretamente na tomada de decisões públicas, emprestando, assim, maior legitimidade às ações do Estado.
Nessa conjuntura, a ordem constitucional alberga uma plêiade de instrumentos implementadores da atuação direta do cidadão na proteção de interesses coletivos. Além dessas hipóteses, em densificação ao primado da soberania popular, faculta-se ao legislador a criação de órgãos públicos compostos por membros da sociedade civil para deliberação sobre as mais distintas políticas públicas, orientação já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em precedente vinculante (cf. ADPF n. 623/DF, Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 22.5.2023, DJe 18.7.2023).
Dentre os conselhos deliberativos legalmente instituídos como corolários da democracia participativa, o Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais – CARF destaca-se pela sua composição deliberativa paritária e imanente função de decidir acerca dos litígios tributários de alçada federal, cujas decisões foram dotadas de caráter definitivo, sejam elas favoráveis ou contrárias aos interesses do Fisco, como se verifica dos regramentos previstos nos arts. 42, II e III, 43 e 45 do Decreto n. 70.235/1972
Consoante a dicção dos arts. 142 e 145, I, do Código Tributário Nacional, uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento – ato administrativo vinculado mediante o qual se procede à identificação dos sujeitos da relação tributária, bem como à apuração do valor a ser pago a título de tributo, de modo a conferir exigibilidade ao correspondente crédito -, faculta-se ao contribuinte ou ao responsável a apresentação de impugnação tendente a modificar, a alterar ou a extinguir a exigência fiscal.
No âmbito federal, a insurgência apresentada em face do lançamento inaugura a fase litigiosa do contencioso tributário, cabendo a órgãos integrantes da Administração Pública, compostos por representantes dos contribuintes, deliberação definitiva acerca da matéria. Tal processo administrativo fiscal federal é regulado pelos arts. 14 e 25 do Decreto n. 70.235/197, de modo que o julgamento dos recursos apresentados pelos sujeitos passivos incumbe, em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento – DRJ, e, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão colegiado e paritário integrante da estrutura do Ministério da Fazenda.
A despeito de sua composição paritária, o CARF constitui órgão componente da estrutura administrativa da União – estando, por isso, jungido ao princípio da legalidade -, razão pela qual suas decisões são imputadas diretamente à pessoa jurídica da qual é parte integrante. À falta de previsão normativa em sentido diverso, porquanto seus julgados não são passíveis de revisão por nenhum outro órgão administrativo, atribuindo-se, por isso, primazia às deliberações tomadas em ambiente dialógico entre membros do corpo social e servidores públicos efetivos.
A par disso, a instituição, no âmbito da Administração Pública Federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o CARF figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência, (i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e (ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialiazação, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ n. 471/2022 (art. 2º, VI e VII).
Assim, conquanto não se olvide sua natureza administrativa – legitimando, por tal razão, o manejo de ação popular por qualquer cidadão visando à invalidação de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco -, eventual controle judicial de suas conclusões deve considerar o papel reservado ao indicado colegiado na estrutura da Administração Pública Federal. Isso é verdade especialmente quando do escrutínio das teses jurídicas levadas em conta para a consolidação do juízo hermenêutico acerca da interpretação da legislação tributária, de modo a somente afastar as conclusões alcançadas se eivadas de manifesta ilegalidade, contrárias a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorridas em desvio ou abuso de poder.
Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo Poder Público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas.
Mas e qual a finalidade da ação popular???
A tutela de direitos transindividuais!!!
Nos moldes do art. 5º, LXXIII, da Constituição da República e, no plano infraconstitucional, dos arts. 1º e 2º da Lei n. 4.717/1965, a ação popular é direito fundamental, atribuído ao cidadão, de acionar o Poder Judiciário com o objetivo de invalidar atos lesivos ao patrimônio material e imaterial do Estado, ampliando, assim, as formas pelas quais os titulares da soberania exercem prerrogativas fiscalizatórias dos afazeres públicos.
Ainda, constitui instrumento de efetivação da democracia participativa plasmada no art. 1º, parágrafo único, da Constituição, empoderando e estimulando a atuação da sociedade civil no controle de decisões estatais, especialmente por meio de medidas judiciais tendentes a corrigir ofensas a direitos ou interesses difusos e coletivos. Trata-se, portanto, de instrumento ulterior, repressivo e jurisdicional da correção de rumos da Administração Pública, passível de ser acionado por qualquer cidadão com amparo no direito fundamental à soberania popular.
Não obstante tradicionalmente vinculado o exercício do direito ao ajuizamento da ação popular à demonstração do binômio ilegalidade-lesividade – notadamente sob a perspectiva de desfalque patrimonial ao Erário -, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento submetido ao regime de repercussão geral, fixou compreensão segundo a qual o núcleo essencial da actio popularis não está exclusivamente ligado à proteção material do Estado, mas, preponderantemente, ao afastamento de ilegalidades, inclusive sob a perspectiva moral do ato lesivo, não bastando, por isso, a simples constatação de perda econômica para autorizar a tutela de direitos coletivos pelos cidadãos (cf. Tema n. 836, ARE n. 824.781/MT, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 28.8.2015, DJe 9.10.2015).
Na ocasião, restou fixada a seguinte tese: “Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe”.
Dessa forma, a actio popularis não se presta à proteção de meros interesses particulares do respectivo autor, sob pena de subverterem-se os fins para os quais instituída. Vale dizer, o ajuizamento de ação popular, fundamentado no exercício da soberania do povo, deve ter por escopo imediato a defesa de interesses coletivos cuja preservação, apenas mediatamente, beneficia o autor enquanto membro do grupo, não se volvendo, contudo, à tutela de interesse preponderantemente individual daquele que em nome de todos atua, tampouco à mera contestação do legítimo exercício da atividade administrativa.
Por essas razões, a tutela de interesses imediatamente particulares e mediatamente coletivos por intermédio de ação popular é rechaçada pela jurisprudência das Turmas integrantes da 1ª Seção, conforme denotam os julgados: REsp 1.870.473-RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 24.5.2022, DJe 2.6.2022, REsp. 801.080-RJ, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007 e REsp 36.534-DF, Relator Ministro Hélio Mossiman, Segunda Turma, julgado em 14.12.1994, DJ 13.2.1995.
No caso, foi proposta Ação Popular por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento – DRJ, que reconhecera a decadência dos créditos tributários constituídos em desfavor de contribuinte por meio de Notificação Fiscal de Lançamento de Débito – NFLD.
Em consulta ao sítio eletrônico do STJ, foram identificados ao menos 200 (duzentos) Recursos Especiais e Agravos interpostos nos autos de Ações Populares, denotando a utilização da via eleita para, reiteradamente, se contrapor à posição do tribunal administrativo responsável pela apreciação definitiva acerca da regularidade das exigências fiscais – caso do CARF -, bem como para afastar intelecção do CNAS quanto ao preenchimento de requisitos para o gozo de imunidade relativa a contribuições sociais (e.g. REsp n. 1.889.451/RS, Relator Ministro Sérgio Kukina; REsp n. 1.704.495/RS, Relatora Ministra Assusete Magalhães; e AREsp n. 891.597/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho).
O elevado grau de litigiosidade expressa nítida insubordinação ao entendimento jurídico exarado por órgãos superiores, conduta passível, ao menos em tese, de caracterizar infração aos deveres funcionais de lealdade às instituições e de cumprimento das legítimas deliberações das autoridades às quais vinculado (cf. art. 116, II e IV, da Lei n. 8.112/1990).
Assegurar a servidor público integrante dos quadros do Fisco, via ação popular, a contestação judicial de deliberações de órgãos administrativos superiores e aos quais seus atos estão sujeitos a reexame, como no caso, pode, a um só tempo, importar em subversão da estrutura hierárquica da Administração Pública e viabilizar a utilização da actio popularis como instrumento de suposta vingança por não ter sido chancelada a sua interpretação pelo órgão julgador.
Desde o ajuizamento da Ação Popular, verifica-se que não houve apontamento de manifesta ilegalidade do entendimento abraçado pelo CARF, desvio ou abuso de poder praticado pelos julgadores, tampouco indicativo de adoção de tese contrária a sedimentados precedentes jurisdicionais; ao revés, a argumentação trazida na petição inicial evidencia mera discordância quanto ao juízo hermenêutico sufragado em âmbito administrativo, em sentido oposto àquele defendido na demanda originária.
Eventual invalidade de ato administrativo somente poder ser aferida à vista da exegese conferida à lei que o ampara, a simples discordância interpretativa, por si só, não se qualifica como ilegalidade passível de ser sanada por meio de Ação Popular, mormente quando em análise decisões de colegiados paritários sobre disposições legislativas de conteúdo polissêmico e objeto de interpretações díspares.
Conquanto se alegue a existência de prejuízo ao erário no reconhecimento da decadência tributária – elemento tido pelo acórdão recorrido como central para viabilizar o ajuizamento da demanda -, o âmago do direito fundamental protegido pelos arts. 5º, LXXIII, da Constituição da República, e 1º e 2º da Lei n. 4.717/1965, consiste na prerrogativa atribuída ao cidadão para afastar ilegalidades na condução dos afazeres estatais, independentemente de eventual desfalque financeiro.
A invalidação, pelo Poder Judiciário, de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco, somente é possível quando eivado de manifesta ilegalidade, contrário a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorrido em desvio ou abuso de poder. A Ação Popular, embora empreendida a título individual, tem por objetivo a tutela de direitos transindividuais, não se prestando, por conseguinte, à mera tutela patrimonial dos cofres estatais, à contraposição pura e simples da atividade administrativa, tampouco à defesa de interesses do cidadão figurante no polo ativo.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Os Tribunais de Contas detêm competência para julgar atos praticados por prefeitos municipais na condição de ordenadores de despesas e, quando constatadas irregularidades ou ilegalidades, têm o poder-dever de aplicar sanções, no exercício das atribuições fiscalizatórias e sancionatórias.
RMS 13.499-CE, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
Geremia, Prefeito de Parapinga, impetrou Mandado de Segurança contra ato do Presidente do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará – TCM, consubstanciado em Acórdão, que, ao constatar irregularidades na compra de um terreno pela prefeitura, determinou ao impetrante no prazo de 15 (quinze) dias, o ressarcimento ao erário da Municipalidade, assim como o pagamento de multa.
Nas razões de seu recurso ordinário, o recorrente sustenta que o Tribunal de Contas dos Municípios, na qualidade de órgão auxiliar do Legislativo local, extrapolou sua competência ao julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, ao tempo em que deveria se restringir à emissão de parecer prévio sem força vinculante e sem conteúdo deliberativo, para ulterior julgamento pela Câmara Municipal.
R: Yeap!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da aplicação do Tema de Repercussão Geral n. 1287 ao caso julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, o qual entendeu legítima decisão condenatória do Tribunal de Contas local, com imposição de débito e multa a parte, em razão de irregularidade na prática de ato de gestão pelo Prefeito do Município, especificamente, a compra superfaturada de um terreno.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 729.744 (Tema n. 157/STF), concluiu que compete à Câmara Municipal o julgamento das contas anuais do Prefeito. Na ocasião foi firmado o entendimento de que o Tribunal de Contas atua como auxiliar do Poder Legislativo, cabendo-lhe apenas a emissão de parecer técnico opinativo, sem força vinculante.
Posteriormente, no julgamento do RE n. 848.826 (Tema n. 835/STF), a Suprema Corte decidiu que, para fins de aplicação da sanção de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC n. 64/1990, alterado pela LC n. 135/2010, a exequibilidade da decisão da Corte de Contas local sobre as contas do Prefeito, tanto as anuais (de governo) como as de gestão, depende de expressa manifestação do Poder Legislativo municipal.
Mais recentemente, no julgamento do ARE n. 1.436.197, sob o rito da repercussão geral (Tema n. 1.287/STF), o Supremo Tribunal Federal delimitou que a necessidade de manifestação expressa do Poder Legislativo local sobre a aprovação das contas do Chefe do Executivo municipal restringe-se às prestações de contas anuais, as chamadas contas de governo. No que se refere às contas de gestão, a deliberação da Câmara Municipal é exigida apenas nos casos em que é analisada a inelegibilidade, para fins de registro de candidatura.
Nos demais casos de atos de gestão de Prefeito, que não estejam relacionados com análise de inelegibilidade para fins de registro de candidatura (LC n. 64/1990, art. 1º, I, g), “permanece intacta – mesmo após o julgamento dos Temas n. 157 e n. 835 suprarreferidos – a competência geral dos Tribunais de Contas relativamente ao julgamento, fiscalização e aplicação de medidas cautelares, corretivas e sancionatórias, nos limites do art. 71 da Constituição, independentemente de posterior ratificação pelo Poder Legislativo” (ARE 1.436.197, trecho do voto do Rel. Min. Luiz Fux).
A tese do Tema n. 1.287/STF, portanto, confirma o entendimento manifestado no acórdão proferido pela Segunda Turma do STJ, no sentido de que os Tribunais de Contas detêm competência para julgar atos praticados por prefeitos municipais na condição de ordenadores de despesas e, inclusive, constatadas irregularidades ou ilegalidades, tem o poder-dever de aplicar sanções, no exercício das atribuições fiscalizatórias e sancionatórias.
Os Tribunais de Contas detêm competência para julgar atos praticados por prefeitos municipais na condição de ordenadores de despesas e, quando constatadas irregularidades ou ilegalidades, têm o poder-dever de aplicar sanções, no exercício das atribuições fiscalizatórias e sancionatórias.
RECURSO ESPECIAL
Nos contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet, são nulas as cláusulas que preveem a responsabilidade do consumidor em indenizar dano, perda, furto, roubo, extravio de quaisquer equipamentos entregues em comodato ou locação pela prestadora de serviço.
REsp 1.852.362-SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por maioria, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
O MP ajuizou ACP por meio da qual alega a nulidade das cláusulas que preveem a responsabilidade do consumidor em indenizar dano, perda, furto, roubo, extravio de quaisquer equipamentos entregues em comodato ou locação pela prestadora de serviço nos contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet.
Em sua defesa, a operadora Dark sustenta que raramente cobra dos consumidores os danos, em geral quando esses não conseguem demonstrar minimamente a ocorrência de caso fortuito ou força maior e quando os danos são fruto de evidente má-fé ou de descuido muito grande por parte do assinante.
R: Com certeza!!!!
Nos contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet, mesmo que se reconheça a autonomia da vontade (autodeterminação) do contratante ao escolher a prestadora do serviço, não há liberdade de escolha do consumidor quanto à pessoa jurídica com quem celebrará o contrato de comodato ou locação dos equipamentos necessários para a fruição do serviço.
A locação e o comodato, que costumam ser contratos principais no direito privado, surgem, sob o prisma da relação de consumo em debate, como pactos ACESSÓRIOS cuja celebração é decorrência natural e obrigatória da contratação dos serviços de TV por assinatura e internet (pacto principal).
Sendo assim, se o consumidor não pode optar pela compra dos aparelhos e deve se sujeitar ao comodato ou à locação impostos pela operadora “conforme a política comercial vigente”, é abusiva a regra contratual que impõe ao hipossuficiente a assunção do risco pelo perecimento ou perdimento do equipamento, mesmo em situações de caso fortuito ou força maior.
A manutenção das cláusulas de assunção integral do risco constantes de contratos de adesão, redigidos unilateralmente pelo fornecedor, representa prática abusiva e desequilíbrio contratual, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.
Já a exclusão dessa cláusula não causará desequilíbrio em prejuízo dos interesses do fornecedor, pois, se o consumidor invocar a exceção substancial do caso fortuito ou da força maior (roubo, por exemplo), caberá a ele, em tese, demonstrar a sua ocorrência.
Nos contratos de prestação de serviços de TV por assinatura e internet, são nulas as cláusulas que preveem a responsabilidade do consumidor em indenizar dano, perda, furto, roubo, extravio de quaisquer equipamentos entregues em comodato ou locação pela prestadora de serviço.
RECURSO ESPECIAL
A vedação à alienação de vaga de garagem com matrícula própria para terceiro estranho ao condomínio, sem autorização expressa na convenção condominial, prevalece mesmo no caso de alienação judicial por hasta pública.
REsp 2.095.402-SC, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 8/8/2024.(Info STJ 820)
Banco Safira ajuizou execução em face de Craudete, na qual foi requerida a penhora do imóvel — sua vaga de garagem. Ocorre que na convenção condominial há vedação à alienação de vaga de garagem (com matrícula própria) para terceiro estranho ao condomínio. Ao julgar o tema, o tribunal local entendeu a proibição de alienação espontânea na convenção condominial não obsta a venda por imposição judicial.
CC/2002:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1 o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio
R: Para o STJ, sim!!!
Em julgamento da Quarta Turma, definiu-se que, “em condomínio edilício, a vaga de garagem pode ser enquadrada como: (i) unidade autônoma (art. 1.331, § 1º, do CC), desde que lhe caiba matrícula independente no Registro de Imóveis, sendo, então, de uso exclusivo do titular; (ii) direito acessório, quando vinculado a um apartamento, sendo, assim, de uso particular; ou (iii) área comum, quando sua fruição couber a todos os condôminos indistintamente” (REsp 1.152.148/SE, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/8/2013, DJe de 2/9/2013).
No contexto da unidade autônoma, é admissível a penhora de vaga de garagem associada a imóvel considerado bem de família, conforme estabelecido pela Súmula n. 449 do STJ.
Ao aplicar o entendimento da referida súmula, a Corte estadual afastou a proibição do art. 1.331, § 1º, do Código Civil (CC/2002) – alienação a terceiros estranhos ao condomínio – na hipótese de determinação judicial de penhora de vaga de garagem com matrícula própria.
A redação do parágrafo primeiro foi conferida com a finalidade de garantir segurança, funcionalidade e harmonia no ambiente condominial. Ao restringir o acesso às vagas apenas aos condôminos, reduz-se o risco de indivíduos não autorizados circularem no espaço, diminuindo a probabilidade de incidentes como furtos, vandalismos ou invasões.
Logo, ao interpretar o art. 1.331, § 1º, do CC/2002, que veda a alienação das vagas de garagem a pessoas estranhas ao condomínio sem autorização expressa na convenção condominial, em conjunto com o entendimento consolidado na Súmula n. 449 do STJ, que autoriza a penhora de vaga de garagem com matrícula própria, é imperativo restringir a participação na hasta pública exclusivamente aos condôminos.
A vedação à alienação de vaga de garagem com matrícula própria para terceiro estranho ao condomínio, sem autorização expressa na convenção condominial, prevalece mesmo no caso de alienação judicial por hasta pública.
RECURSO ESPECIAL
A divulgação de novidade estética de desenho industrial que não possui registro perante o INPI resulta imediata incorporação ao estado da arte, possibilitando sua utilização por terceiros, independentemente de autorização.
REsp 2.042.712-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
Macro Brinquedos comercializava uma boneca que teria sido desenvolvida com utilização de partes de outras duas bonecas. Só que essas outras bonequinhas eram fabricadas por empresa concorrente — atuante no mesmo segmento mercadológico de indústria e comércio de brinquedos e jogos recreativos.
A empresa concorrente alega que teria ocorrido violação ao direito de propriedade industrial.
R: Nada!!!
Cinge-se a controvérsia acerca da proteção do desenho de uma boneca que teria sido desenvolvida com utilização de partes de outras duas bonecas fabricadas por empresa concorrente atuante no mesmo segmento mercadológico de indústria e comércio de brinquedos e jogos recreativos.
Desse modo, discute-se o regime de proteção aplicável ao caso, se o regime dos direitos autorais ou o regime de propriedade industrial, com as repercussões decorrentes, em especial, quanto à imprescindibilidade de registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para proteção dos direitos de exploração exclusiva.
Ensina a doutrina que “o termo estético expressa um valor intrínseco, encerrado na consideração da obra em si mesma, e independente de sua destinação ou uso efetivo. Já as obras utilitárias, alvo de proteção pelo Direito de Propriedade Industrial, têm por objetivo a consecução de utilidades materiais diretas, ainda que possam guardar relação com elementos estéticos incorporados em seus produtos”.
Dessa forma, a aplicação do Direito de Autor prevista em âmbito nacional na Lei n. 9.610/1998 está adstrita à proteção de produção intelectual não abarcada pela proteção específica da Lei n. 9.279/1996, embora ambas as produções decorram inequivocamente do emprego da inteligência e criatividade humanas.
Logo, não se forma um vínculo permanente com aquele que introduz essa inovação no mercado, como ocorre com os institutos da marca ou mesmo entre autor e sua obra para os fins da Lei n. 9.610/1996, ou mesmo com a marca.
Nesse cenário, não há espaço para duvidar-se da natureza jurídica de propriedade industrial e correspondente regime jurídico a ser aplicado. Veja-se que bonecas que imitam bebês humanos são produtos industriais comercializados de longa data.
Além disso, os caracteres indicados como novos, cuja proteção se busca com fundamento no Direito de Autor, configuram modificações ou detalhes estéticos que não agregam função nova ou utilidade especial às bonecas, mas tão somente as tornam diferentes de outras tantas disponíveis do mercado, inclusive do mesmo fabricante.
Portanto se está diante de verdadeiro desenho industrial, cuja proteção é assegurada ao desenvolvedor (autor) por meio do direito de exploração exclusiva, porém apenas quando requerido regularmente seu registro. Isso porque o regime de propriedade industrial brasileiro adotou o sistema atributivo, de modo que o registro constitui a titularidade da propriedade dos bens imateriais protegidos pela Lei n. 9.279/1998.
A divulgação de novidade estética de desenho industrial que não possui registro perante o INPI resulta imediata incorporação ao estado da arte, possibilitando sua utilização por terceiros, independentemente de autorização.
RECURSO ESPECIAL
É competente a Justiça estrangeira para determinar a expedição de passaportes e para as demais questões relacionadas à saída de crianças de país no exterior quando este for o local de domicílio delas e de seus genitores.
REsp 1.992.735-PE, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
Creide, brasileira, ajuizou ação contra a União buscando autorização judicial para a emissão de passaportes para seus filhos menores, em razão da negativa do pai, de nacionalidade norueguesa. Segundo consta, a família reside na Noruega desde 2015 e, após separação do casal, o genitor não consentiu com a renovação dos passaportes por temer que eles, se viajassem para o Brasil com a mãe, não mais retornassem. Os menores têm nacionalidade brasileira e norueguesa.
Ao manter a sentença, o Tribunal local ressaltou que a Convenção da Haia de 1980, da qual Brasil e Noruega são signatários, prioriza as decisões proferidas no país de residência das crianças no tocante à guarda e visitas, razão pela qual a Justiça Norueguesa seria a competente para suprir o consentimento do pai e determinar a emissão dos passaportes pleiteada nesta ação.
Decreto n. 5.978/2006:
Art. 27. Quando se tratar de menor de dezoito anos, salvo nas hipóteses de cessação de incapacidade previstas em lei, é vedada a emissão de documento de viagem sem a expressa autorização:
I – de ambos os pais ou responsável legal;
II – de apenas um dos pais ou responsável legal, no caso de óbito ou destituição do poder familiar de um deles, comprovado por certidão de óbito ou decisão judicial brasileira ou estrangeira legalizada; e
III – do único genitor registrado na certidão de nascimento ou documento de identidade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto à concessão do documento de viagem do menor, o documento será concedido mediante decisão judicial brasileira ou estrangeira legalizada.
R: Aos Nórdicos!!!!
A autora, brasileira, ajuizou ação contra a União buscando autorização judicial para a emissão de passaportes para seus filhos menores, em razão da negativa do pai, de nacionalidade norueguesa. Segundo consta, a família reside na Noruega desde 2015 e, após separação do casal, o genitor não consentiu com a renovação dos passaportes por temer que eles, se viajassem para o Brasil com a mãe, não mais retornassem. Os menores têm nacionalidade brasileira e norueguesa.
Ao manter a sentença, o Tribunal a quo ressaltou que a Convenção da Haia de 1980, da qual Brasil e Noruega são signatários, prioriza as decisões proferidas no país de residência das crianças no tocante à guarda e visitas, razão pela qual a Justiça Norueguesa seria a competente para suprir o consentimento do pai e determinar a emissão dos passaportes pleiteada nesta ação.
Em relação à emissão de passaporte de menores de 18 anos, o parágrafo único do art. 27 do Decreto n. 5.978/2006, “Regulamento de Documentos de Viagem”, estabelece que, havendo divergência dos pais quanto à concessão do documento, caberá à justiça brasileira ou à estrangeira legalizada dirimir a lide.
Não obstante, no caso, a Justiça Norueguesa proferiu decisão sobre a guarda dos menores, que tem residência fixa com a mãe, em uma cidade da Noruega, garantindo o direito de visita do pai, sem, contudo, se posicionar sobre a possibilidade de saída dos menores do país de domicílio, de modo que o acolhimento do pedido pleiteado na ação poderia facilitar a vinda das crianças ao Brasil sem a expressa anuência do genitor ou da autoridade judicial competente.
Nesse cenário, eventual decisão judicial brasileira que supra a autorização paternal para emissão do passaporte das crianças poderia caracterizar violação aos princípios emanados pela “Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” (Decreto n. 3.413/2000), que tem por finalidade proteger a criança dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas, além de garantir a efetiva aplicação dos direitos de guarda e de visita estabelecidos pelo país de domicílio do menor, como previsto em seu art. 1º.
Devido às peculiaridades do caso, portanto, o pedido para suprir a autorização do pai para a expedição do passaporte dos menores deve ser analisado pela Justiça Norueguesa, por envolver questões atinentes à guarda das crianças, garantindo ao genitor o direito de ingressar nos autos para exercer plenamente sua defesa e contribuir para a instrução processual.
Ademais, esse entendimento prestigia o princípio do juízo imediato, previsto no art. 147, I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a proximidade do julgador com as partes proporciona uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva, visando atender ao melhor interesse dos menores
É competente a Justiça estrangeira para determinar a expedição de passaportes e para as demais questões relacionadas à saída de crianças de país no exterior quando este for o local de domicílio delas e de seus genitores.
RECURSO ESPECIAL
A interposição de um recurso inexistente não gera preclusão consumativa, sendo cabível a subsequente interposição do recurso previsto na legislação.
REsp 2.141.420-MT, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 8/8/2024.(Info STJ 820)
Em uma ação de indenização por danos morais, o juiz acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa Drebor para extinguir o feito sem resolução do mérito quanto a essa.
O exequente Tadeu discordou da decisão e interpôs agravo retido. Tal recurso não foi conhecido, por se tratar de modalidade de recurso extinta, não mais existente sob a égide do novel Código de Processo Civil. Logo em seguida, Tadeu interpôs agravo de instrumento, mas Drebor alega ter ocorrido a preclusão consumativa.
CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
R: Nooops!!!!
Segundo o princípio da Taxatividade Recursal, só se consideram recursos aqueles expressamente previstos na lei. De modo que, sem previsão legal, a impugnação recursal não possui existência jurídica e, portanto, é desprovida da capacidade de gerar efeitos jurídicos.
O STJ entende que, “no sistema recursal brasileiro, vigora o cânone da unicidade ou unirrecorribilidade recursal, segundo o qual, manejados dois recursos pela mesma parte contra uma única decisão, a preclusão consumativa impede o exame do que tenha sido protocolizado por último” (AgInt nos EAg 1.213.737/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 17/8/2016, DJe 26/8/2016).
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC/2015), houve algumas mudanças significativas em relação aos recursos cabíveis, entre elas a supressão do agravo retido. No novo código, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação.
Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da Taxatividade Recursal.
Ressalta-se, ademais, que a preclusão consumativa pressupõe o exercício de uma faculdade ou poder processual. Como um recurso inexistente não representa validamente a prática de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa decorrente de sua interposição.
Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa.
A interposição de um recurso inexistente não gera preclusão consumativa, sendo cabível a subsequente interposição do recurso previsto na legislação.
RECURSO ESPECIAL
É lícito ao Poder Judiciário determinar que o Poder Público realize estudo para identificar núcleos urbanos informais consolidados, áreas de risco e áreas de relevante interesse ecológico, no caso de omissão estatal.
REsp 1.993.143-SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
O MP ajuizou Ação Civil Pública tendo em vista a negativa de Município em responder requisição do Parquet que solicitou informações sobre a existência de um diagnóstico socioambiental, com mapeamento de áreas de risco e espaços territoriais especialmente protegidos, a fim de evitar ou, ao menos, minorar danos ambientais e à população que vive nessas localidades.
Após o juiz de primeiro grau ter julgado a demanda procedente e determinado a apuração das localidades consideradas áreas urbanas consolidadas, áreas de risco e de relevante interesse ecológico, dentre outros, o Tribunal de Justiça local deu provimento à Apelação do Município por considerar que a execução em si desse trabalho é incumbência que deve antes passar pelo crivo de governo, a quem o constituinte concedeu independência.
R: Com certeza!!!!
Cinge-se a controvérsia acerca do manejo de Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Estado, tendo em vista a negativa de Município em responder requisição do Parquet que solicitou informações sobre a existência de um diagnóstico socioambiental, com mapeamento de áreas de risco e espaços territoriais especialmente protegidos, a fim de evitar ou, ao menos, minorar danos ambientais e à população que vive nessas localidades. Após o juiz de primeiro grau ter julgado a demanda procedente e determinado a apuração das localidades consideradas áreas urbanas consolidadas, áreas de risco e de relevante interesse ecológico, dentre outros, o Tribunal de Justiça do Estado deu provimento à Apelação do Município por considerar que a execução em si desse trabalho é incumbência que deve antes passar pelo crivo de governo, a quem o constituinte alçou independência.
A intervenção do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas deve ser vista como exceção, pois sempre se espera que a Administração Pública desempenhe suas funções voluntariamente. Contudo, a Lei n. 13.465/2017, a qual dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, procura tutelar bem jurídico da mais alta relevância: o direito à cidade ambiental e socialmente sustentável, de modo a evitar que parte da população – que em razão de uma expansão urbana desordenada, foi obrigada a construir suas moradias de maneira irregular, muitas vezes em áreas de alto risco – permaneça vulnerável a enchentes, deslizamentos, desmoronamentos e outros desastres naturais tão noticiados nos últimos anos.
A referida Lei disciplinou a regularização fundiária de assentamentos irregulares em Áreas de Preservação Permanente e outros espaços territoriais especialmente protegidos, possibilitando a proteção física e jurídica dos moradores e, assim, promovendo a justiça ambiental. Densificou o dever fundamental dos municípios de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”, previsto no art. 182 da Constituição Federal. Para tanto, instituiu, nos arts. 11, §§ 2º e 3º, e 39, o dever de elaboração de estudos técnicos para instruir a regularização fundiária de núcleos urbanos informais situados em Área de Preservação Permanente ou em área de unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção de mananciais, bem como em áreas de riscos geotécnicos, de inundações ou de outros riscos especificados em lei.
Na mesma linha, a Lei 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, estabelece como deveres dos municípios “identificar e mapear as áreas de risco de desastres” (art. 8º, VI); “vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis” (art. 8º, VII); e manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de desastres (art. 8º, IX).
Sendo a defesa do meio ambiente urbanístico, da segurança e da saúde públicas um dever fundamental do Estado, a atividade dos órgãos estatais na sua promoção é compulsória, especialmente quando os instrumentos para alcançar tal objetivo estão detalhadamente previstos em lei. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que a obrigação de preservação dos espaços territoriais especialmente protegidos é objetiva e solidária, sendo dever do Poder Público e da coletividade protegê-la para as presentes e futuras gerações. A propósito: REsp 1.071.741/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 16/12/2010; AREsp 1.756.656/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 21/10/2022; AgInt no REsp 1.205.174/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 1/10/2020.
Nesse contexto, deve-se fazer a releitura e atualização do princípio da indisponibilidade do interesse público. Nele e por ele, retira-se da órbita da representação estatala possibilidade de negociar com o interesse público. Nesse diapasão, a indisponibilidade tanto é dos bens jurídicos material e individualmente considerados, como, no plano formal, das amarras e garantias de natureza procedimental que balizam a atuação do Administrador, por meio de comportamentos de dar, não-fazer ou fazer.
Ademais, o STJ possui entendimento firme de que, na hipótese de demora do Poder competente, o Poder Judiciário poderá determinar a implementação de políticas públicas de interesse social, sem que haja invasão da discricionariedade ou afronta à reserva do possível. Com efeito, “o controle jurisdicional de políticas públicas se legitima sempre que a ‘inescusável omissão estatal’ na sua efetivação atinja direitos essenciais inclusos no conceito de mínimo existencial” (AgInt no REsp 1.304.269/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 20/10/2017).
O Pretório Excelso também consolidou o posicionamento de ser lícito ao Poder Judiciário determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes (AI 739151 AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 27-05-2014, Acórdão Eletrônico DJe-112 DIVULG 10-06-2014 PUBLIC 11-06-2014)
No caso, o Ministério Público não busca criar políticas públicas, objetiva-se tão somente que o Poder Público realize estudo para identificar núcleos urbanos informais consolidados, áreas de risco e áreas de relevante interesse ecológico, de modo que seja tutelado, por meio da Ação Civil Pública – ACP, além do próprio meio ambiente, também a segurança e saúde das pessoas em situação de vulnerabilidade ambiental.
Dessa forma, tendo-se em vista que os princípios da prevenção e da precaução não toleram a omissão do Poder Público diante da segregação socioespacial urbana que leva milhares a se estabelecerem em locais de risco e em áreas especialmente protegidas, não se pode admitir, em nome da discricionariedade administrativa, que o Estado postergue ou simplesmente não atue para a proteção da segurança, da saúde ou mesmo da vida de parte da população de baixa renda e do meio ambiente urbanístico sadio.
Importante ressaltar a distinção quanto ao julgado no REsp 1.880.546/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 16/11/2021, no qual, apesar de ter reconhecido o dever dos municípios de promoverem o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, como corolário do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; bem como a possibilidade de controle judicial das políticas públicas nas hipóteses de inescusável omissão estatal, a eminente Relatora, Ministra Assusete Magalhães, concluiu incidir, naquele caso, a Súmula 7/STJ. Já no presente caso, o Tribunal de origem nada disse de concreto sobre da (in)capacidade financeira do Município para suportar o cumprimento da sentença que lhe fora desfavorável, pautando-se, genericamente, na suposta inviabilidade de o Poder Judiciário determinar a realização do diagnóstico socioambiental, uma vez que caberia ao Município avaliar a conveniência de sua realização ante as outras demandas que deve atender.
É lícito ao Poder Judiciário determinar que o Poder Público realize estudo para identificar núcleos urbanos informais consolidados, áreas de risco e áreas de relevante interesse ecológico, no caso de omissão estatal.
HABEAS CORPUS
Não é possível a concessão de salvo-conduto autorizando a realização de procedimento de interrupção da gravidez, em aplicação, por analogia, do entendimento firmado no julgamento da ADPF n. 54/STF, quando, embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave (Síndrome de Edwards e cardiopatia grave), com alta probabilidade de letalidade, não for possível extrair da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero.
HC 932.495-SC, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
Creosvalda impetrou HC por meio da qual requereu salvo-conduto para interrupção de gravidez. Relata que está no final da trigésima semana de gestação de feto que, conforme documentação médica juntada aos autos, não teria viabilidade de vida extrauterina, uma vez que foi identificada alteração genética denominada Síndrome de Edwards e cardiopatia grave.
Aduz, ainda, prejuízos psicológicos e risco à sua vida e na continuidade da gestação. Pediu a aplicação, por analogia, do entendimento firmado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 para que seja concedido salvo-conduto autorizando a realização de procedimento de interrupção da gravide.
Código Penal:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
R: Nooopsss!!!!
Em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada com o objetivo de que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não fosse considerada crime, o Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme à Constituição, fixando o entendimento no sentido de que “Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.” (ADPF n. 54, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe 30.4.2013).
No voto condutor, o Ministro Marco Aurélio consignou que não se discutia a descriminalização do aborto, mas tão somente a possibilidade de interrupção da gravidez de feto anencéfalo. A anencefalia, doença congênita letal, pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O crime de aborto atenta contra a vida, mas, na hipótese de anencefalia, o delito não se configura, pois o anencéfalo não tem potencialidade de vida. E, inexistindo potencialidade para o feto se tornar pessoa humana, não surge justificativa para a tutela jurídico-penal.
O Ministro Marco Aurélio registrou, ainda, que “o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e (…) principalmente de proteção jurídico-penal. Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica.” Assim, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal parte da premissa da inviabilidade da vida extrauterina.
Assentada a premissa teórica, impossível a aplicação do entendimento ao caso em análise, porquanto, embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave, com alta probabilidade de letalidade, não se extrai da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero. Portanto, inviável a aplicação, por analogia, da interpretação conforme a Constituição fixada pela ADPF n. 54 do STF.
Ademais, no caso, não se identifica elementos objetivos que indiquem o risco no prosseguimento da gravidez para a gestante, o que, em tese, poderia levar à caracterização da excludente do art. 128, inciso I, do Código Penal.
Não é possível a concessão de salvo-conduto autorizando a realização de procedimento de interrupção da gravidez, em aplicação, por analogia, do entendimento firmado no julgamento da ADPF n. 54/STF, quando, embora o feto esteja acometido de condição genética com prognóstico grave (Síndrome de Edwards e cardiopatia grave), com alta probabilidade de letalidade, não for possível extrair da documentação médica a impossibilidade de vida fora do útero.
PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA
É possível o reconhecimento da atipicidade de conduta que poderia configurar o crime de estupro de vulnerável, quando as circunstâncias fáticas verificadas (consentimento da família da vítima, inclusive abrigando o casal por período de tempo, e a manutenção do relacionamento até os dias atuais, inclusive com nascimento de filho fruto da relação), indicam que o bem jurídico tutelado não foi vulnerado.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024.(Info STJ 820)
Creitinho, jovem nem tão jovem (23 anos), iniciou namoro com Belinha de apenas 13 anos. O casal namorava com o consentimento da família da menina, que inclusive abrigou o casal por período de tempo, sendo que ocorre a manutenção do relacionamento até os dias atuais, inclusive com nascimento de filho fruto da relação.
O MP ficou sabendo da situação e denunciou o rapaz pelo crime de estupro de vulnerável.
* Processo em segredo de justiça. Caso imaginado.
Código Penal:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
R: Yeaphhhh!!!!!
Não se ignora que a norma do art. 217-A do Código Penal objetiva tutelar não só a dignidade sexual da vítima, mas também o saudável crescimento físico, psíquico e emocional de crianças e adolescentes (REsp 1.480.881/PI, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 10/9/2015).
No entanto, o contexto que precedeu a prática delitiva (consentimento da família da vítima, inclusive abrigando o casal por período de tempo) e as circunstâncias fáticas verificadas durante a conduta (manutenção do relacionamento até os dias atuais, inclusive com notícia de filho fruto da relação), indicam que o bem jurídico tutelado não foi vulnerado.
Ainda que se pudesse argumentar que a vítima teve seu desenvolvimento afetado por ter sido submetida precocemente a obrigações típicas da idade adulta, essa assertiva não vence as circunstâncias concretas verificadas no caso, que indicam o contrário, sobretudo o fato de que o relacionamento entre ambos permaneceu, mesmo após a intervenção policial e judicial (ação penal), tendo, inclusive, se aprofundado com a concepção de um filho e planos de casamento.
Não parece adequado, diante do contexto atual, lançar argumentos vagos e especulativos no sentido de traçar um cenário ideal de desenvolvimento para vítima caso não tivesse sido inserida na vida sexual de forma precoce. O cenário fático parece inconteste: não há nenhum elemento concreto que indique lesão à dignidade sexual ou ao desenvolvimento da vítima. Ao revés, divisa-se a possibilidade de prejuízo concreto caso se opte pela via da intervenção estatal mediante aplicação da lei penal.
Há risco de taxar um relacionamento consolidado pelo tempo e pela formação de uma família, inclusive com prole, em criminoso, circunstância que põe em perigo a unidade familiar e a proteção de um terceiro inocente (filho). E, nesse aspecto, se de um lado a proteção à criança e ao adolescente tem sede constitucional (art. 227 da CF); do outro, a unidade familiar também goza de reconhecimento e proteção da Carta Magna (art. 226 da CF), de modo que não parece justo, sacrificar um em detrimento do outro.
Por fim, ressalte-se que não se está propondo a mitigação do Tema 918/STJ, mas apenas reconhecendo que a situação verificada é demasiadamente complexa, de modo que escapa da diretriz estabelecida no julgamento do REsp 1.480.881/PI.
É possível o reconhecimento da atipicidade de conduta que poderia configurar o crime de estupro de vulnerável, quando as circunstâncias fáticas verificadas (consentimento da família da vítima, inclusive abrigando o casal por período de tempo, e a manutenção do relacionamento até os dias atuais, inclusive com nascimento de filho fruto da relação), indicam que o bem jurídico tutelado não foi vulnerado.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Em caso de bloqueio universal dos bens do investigado, inexistindo indícios de fraude para estabelecer os honorários em montante fictício, há obrigatoriedade de se liberar o valor integral dos honorários advocatícios acordados entre as partes, desde que não ultrapassado o limite legal de 20% do patrimônio bloqueado.
RMS 71.903-SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 9/8/2024.(Info STJ 820)
Em uma ação penal na qual foi realizado o bloqueio universal dos bens do investigado, as instâncias ordinárias entenderam pela possibilidade de levantamento apenas parcial dos honorários advocatícios, sob a avaliação de que o momento embrionário das investigações não recomendaria a sua liberação integral, bem como sob a interpretação de que a expressão até 20% dos bens bloqueados dava ao magistrado margem de liberdade para decidir pela liberação de porcentagem inferior.
O escritório de advocacia que defende o acusado impetrou mandado de segurança no qual alega que deveria ocorrer a liberação do valor total contratado a título de honorários.
Lei n. 8.906/1994:
Art. 24-A. No caso de bloqueio universal do patrimônio do cliente por decisão judicial, garantir-se-á ao advogado a liberação de até 20% (vinte por cento) dos bens bloqueados para fins de recebimento de honorários e reembolso de gastos com a defesa, ressalvadas as causas relacionadas aos crimes previstos na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas), e observado o disposto no parágrafo único do art. 243 da Constituição Federal.
R: Exatamente!!!
A controvérsia cinge-se em definir se, em caso de bloqueio universal dos bens do investigado, há discricionariedade do magistrado para decidir o numerário a ser liberado dos valores constritos para fins de pagamento de honorários advocatícios; ou se, do contrário, há obrigatoriedade de se liberar o valor integral dos honorários acordados entre as partes, desde que não ultrapassado o limite legal de 20% do patrimônio bloqueado.
No caso, as instâncias ordinárias entenderam pela possibilidade de levantamento apenas parcial dos honorários advocatícios, sob a avaliação de que o momento embrionário das investigações não recomendaria a sua liberação integral, bem como sob a interpretação de que a expressão “até 20% dos bens bloqueados”, contida no art. 24-A da Lei n. 8.906/1994, dava ao magistrado margem de liberdade para decidir pela liberação de porcentagem inferior.
No entanto, tal compreensão reduz, em demasia, o espaço em que deveria imperar a autonomia privada das partes – contrato entre cliente e advogado -, dando ao magistrado o poder de definir o que seria ou não razoável e proporcional aos serviços prestados.
Destarte, se o contrato conformado entre as partes estipula que o pagamento dos honorários deve ser integralmente satisfeito ao início da persecução penal, não há falar que o fato de as investigações estarem em estágio preliminar afastaria a possibilidade de liberação dos honorários advocatícios, pois tal aspecto insere-se plenamente na esfera de decisão dos contratantes.
A importância do direito à defesa e da atividade da advocacia no Estado Democrático de Direito confere ao art. 24-A do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – EAOB a interpretação que prestigia a relação – desde que, evidentemente, lícita e isenta de indícios de fraude – estabelecida entre o advogado e o seu cliente, em relação ao pagamento dos honorários advocatícios, seja em relação ao seu valor, seja em relação à sua forma (data de vencimento, parcelamento, entre outros aspectos).
A única limitação prevista pelo legislador é de que a liberação dos valores para esse propósito não pode superar o montante de 20% de todo o patrimônio bloqueado. Tal implica em dizer que os honorários advocatícios podem ser, naturalmente, inferiores a 20% dos valores constritos, sendo que, nessas hipóteses, o valor levantado há de ser integral, pois não atingido o teto legal. Se o valor dos honorários superar 20% do patrimônio universal bloqueado, a liberação encontrará limite nessa porcentagem, em face da necessidade de se também garantir, por intermédio dos bens constritos, a satisfação de interesses outros, como a reparação à vítima e à restituição dos bens ilicitamente obtidos.
Portanto, não cabe ao magistrado avaliar se o momento embrionário da persecução penal justifica o pagamento do valor integral dos honorários, se tal questão foi acertada em contrato entabulado entre os particulares.
Por fim, havendo indicativos concretos da ocorrência de fraude entre as partes, ou seja, possível articulação entre o cliente e o advogado para estabelecer honorários em montante fictício, como forma de contornar o bloqueio realizado sobre os bens, o magistrado poderá, de forma fundamentada, excepcionar o regramento legal e determinar o levantamento de valor inferior ao artificialmente estipulado.
Em caso de bloqueio universal dos bens do investigado, inexistindo indícios de fraude para estabelecer os honorários em montante fictício, há obrigatoriedade de se liberar o valor integral dos honorários advocatícios acordados entre as partes, desde que não ultrapassado o limite legal de 20% do patrimônio bloqueado.
HABEAS CORPUS
É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens.
HC 817.270-RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024 (Info STJ 820)
Em uma ação penal, a justiça castrense condenou 4 policiais militares a penas entre 48 e 80 anos de reclusão pela prática de corrupção passiva, por diversas vezes, com o fundamento de que recebiam valores de traficantes do Comando Vermelho para que não obstassem suas atividades.
Crementino foi denunciado como participante do esquema criminoso Comando Vermelho. Um dos acusados, após descrever as características físicas, reconheceu Crementino por meio de fotografia enviada por aplicativo de mensagens. Como consequência, foi realizada busca e apreensão na residência do rapaz, onde encontraram significativos valores em espécie, bem como realizada quebra de sigilo telefônico, ocasião em que se constatou que ele entrou em contato com outros corréus.
Código de Processo Penal:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
R: Obviamente!!!!
Como consabido, a apresentação de fotografia pelo método show up é ensejadora de erros de reconhecimento e até de contaminação da memória do depoente. A situação é agravada quando o mesmo acusado que realizou o reconhecimento informal o negou em juízo.
Sobre o tema, a Sexta Turma do STJ firmou recentemente novo entendimento de que o regramento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal é de observância obrigatória, e ainda assim não prescinde de corroboração por outros elementos indiciários submetidos ao crivo do contraditório na fase judicial.
Com tal entendimento, objetiva-se a mitigação de erros judiciários gravíssimos que, provavelmente, resultaram em diversas condenações lastreadas em acervo probatório frágil, como o mero reconhecimento fotográfico de pessoas em procedimentos crivados de vícios legais e até psicológicos – dado o enviesamento cognitivo causado pela apresentação irregular de fotografias escolhidas pelas forças policiais -, que acabam por contaminar a memória das vítimas, circunstância que reverbera até a fase judicial e torna inviável posterior convalidação em razão do viés de confirmação.
Nessa linha, a Sexta Turma do STJ chegou ao consenso de que o prévio reconhecimento do réu por fotografia acaba por contaminar a memória da vítima, inviabilizando sua convalidação pelo posterior reconhecimento pessoal em juízo.
No caso, o reconhecimento foi realizado de forma absolutamente irregular, qual seja, apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens a um dos acusados que, posteriormente, em juízo, negou as afirmações e foi absolvido das imputações de tráfico de drogas que lhe recaíam. Logo, tal prova é imprestável para utilização no feito, bem como as dela decorrentes, por aplicação do princípio da árvore dos frutos envenenados.
Por fim, a acusação não logrou êxito em demonstrar que os valores recolhidos na residência do réu seriam oriundos da atividade ilícita, ao contrário, inverteram o ônus da prova ao acusado para que comprovasse a origem lícita dos recursos, em afronta ao princípio acusatório no sistema processual penal brasileiro, que é mitigado tão somente em casos excepcionais, quando da apreensão com o réu de bens comprovadamente ilícitos, como no caso da receptação.
É nulo o reconhecimento fotográfico realizado através da apresentação informal de foto via aplicativo de mensagens.
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