Informativo STJ 749 Parte 2 Comentado
Informativo nº 749 – Parte 2 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
DIREITO EMPRESARIAL
1. Efeitos da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela liquidação extrajudicial de entidade cooperativa
RECURSO ESPECIAL
A sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade cooperativa é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, sendo vedadas diversas prorrogações sucessivas, haja vista que a suspensão da ação judicial não pode perdurar por prazo indeterminado.
REsp 1.888.428-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/06/2022, DJe 24/06/2022. (Info 749)
1.1. Situação FÁTICA.
Craudio promoveu cumprimento de sentença contra Unimais Fed Coop. Após penhora de numerário (ativos garantidores), foi formulado pedido para a expedição de alvará de levantamento da quantia constrita. O magistrado de primeira instância, depois de indeferir o pleito, determinou também a suspensão do processo diante da publicação, no Diário Oficial, da ata da assembleia da cooperativa que optou por sua liquidação extrajudicial.
Ultrapassado o prazo de 1 ano, a parte exequente requereu o prosseguimento do feito. Entretanto, como a liquidação da entidade ainda estava em curso, havendo sido prorrogado, por nova assembleia, o prazo de suspensão ante a necessidade de continuação dos trabalhos, o juiz singular indeferiu o pedido, com base no art. 76 da Lei nº 5.764/1971, e determinou que o processo ficasse suspenso por mais 1 (um) ano.
Inconformado, Craudio interpôs sucessivos recursos nos quais alega a impossibilidade de prorrogações sucessivas.
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 5.764/1971:
Art. 63. As sociedades cooperativas se dissolvem de pleno direito:
I – quando assim deliberar a Assembléia Geral, desde que os associados, totalizando o número mínimo exigido por esta Lei, não se disponham a assegurar a sua continuidade;
CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Lei nº 9.656/1998:
Art. 24-D. Aplica-se à liquidação extrajudicial das operadoras de planos privados de assistência à saúde e ao disposto nos arts. 24-A e 35-I, no que couber com os preceitos desta Lei, o disposto na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, no Decreto-Lei no 41, de 18 de novembro de 1966, e no Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, conforme o que dispuser a ANS
1.2.2. Possíveis as sucessivas prorrogações?
R: Pode apenas uma!!!
A questão controvertida é definir se os efeitos da liquidação extrajudicial aprovada pela própria cooperativa (no caso, cooperativa de trabalho médico) são capazes de atingir penhora de valores realizada em cumprimento de sentença em data anterior ao ato assemblear que optou pela autodissolução da sociedade.
De início, cumpre asseverar que as cooperativas são sociedades de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.
Nas cooperativas de trabalho, como a de médicos, a produção (ou o oferecimento de serviço) é realizada em conjunto pelos associados, sob a proteção da própria cooperativa.
Assim, a cooperativa coloca à disposição do mercado a força de trabalho, cujo produto da venda – após a dedução de despesas – é distribuído, por equidade, aos associados, ou seja, cada um receberá proporcionalmente ao trabalho efetuado (número de consultas, complexidade do tratamento, entre outros parâmetros).
Essas cooperativas têm como finalidade melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus associados, dispensando, mediante ajuda mútua, a intervenção de um patrão ou empresário, procurando sempre o justo preço, visto que a entidade não busca o lucro: a sobra apurada em suas operações é distribuída em função do montante operacional de cada associado. Nesse contexto, dadas as peculiaridades do sistema cooperativo, de índole mais social, há regras que lhe são intrínsecas, a exemplo da liquidação extrajudicial voluntária (art. 63, I, da Lei n. 5.764/1971) e dos seus efeitos.
Na autodissolução da sociedade cooperativa, é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial a sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, na existência de motivo relevante, mediante nova decisão assemblear.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade de tal dispositivo legal ao asseverar que “A suspensão das ações contra a cooperativa, em liquidação extrajudicial, pelo prazo de um ano, não importa em ofensa ao art. 5º, XXXV, da Constituição” (RE nº 232.098 AgR/PR, Rel. Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 26/8/2005).
A finalidade da norma que estipula a suspensão geral das ações propostas contra a cooperativa em liquidação extrajudicial é a de preservar a integridade do sistema cooperativo, porquanto permite à sociedade em dificuldades certo prazo para que se recupere economicamente, de modo a adimplir suas dívidas. É um período para o ajuste de contas do ente, minimizando eventuais prejuízos decorrentes da sua dissolução.
Ressalta-se que, em se tratando de cooperativa de trabalho médico, que também constitua operadora de plano de saúde, aplicam-se ainda, quanto ao processo de liquidação extrajudicial, o art. 24-D da Lei nº 9.656/1998 e a RN-ANS n. 522/2022 (antiga RN-ANS n. 316/2012), os quais permitem, de forma semelhante, a suspensão das ações e execuções já iniciadas quando da decretação do ato de dissolução.
Ademais, o art. 17, § 2º, da RN-ANS n. 522/2022 (antiga RN-ANS n. 316/2012) vai ao encontro da Lei das Sociedades Cooperativas, visto que permite a decretação da liquidação extrajudicial, “(…) a requerimento dos administradores da operadora, quando autorizados pelos estatutos ou por deliberação em assembleia geral extraordinária, expostos de forma circunstanciada os motivos justificadores da medida”.
No caso, houve apenas a primeira prorrogação da suspensão da demanda, em fase de cumprimento de sentença. Por outro lado, o fato de a penhora de ativos ter se efetivado em data anterior à publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela autodissolução da cooperativa não é capaz de afastar a irradiação dos efeitos suspensivos oriundos da liquidação extrajudicial, pois decorrem da própria lei, devendo-se aguardar a fluência do prazo para o feito ter regular prosseguimento, com eventual levantamento de valores.
1.2.3. Resultado final.
A sustação de quaisquer ações judiciais ajuizadas contra a entidade cooperativa é decorrência da publicação da ata da Assembleia-Geral que deliberou pela sua liquidação extrajudicial, pelo prazo de 1 (um) ano, prorrogável por igual período, sendo vedadas diversas prorrogações sucessivas, haja vista que a suspensão da ação judicial não pode perdurar por prazo indeterminado.
2. Efeitos da opção pelo credor de não habilitação na recuperação judicial
EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL
O credor que optar por não se habilitar na recuperação judicial sofrerá os seus respectivos efeitos, caso em que o crédito será considerado novado e o credor deverá recebê-lo em conformidade com o previsto no plano, ainda que em execução posterior ao encerramento da recuperação judicial.
EDcl no REsp 1.851.692-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 09/09/2022. (Info 749)
2.1. Situação FÁTICA.
Nirso, credor da empresa Tchau BR, optou por não se habilitar na recuperação judicial da devedora. Ainda assim, Nirso entende que deveria poder participar da assembleia de credores e questiona os seus efeitos em relação ao seu crédito.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei 11.101/2005:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.
Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.
§ 1º Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73 desta Lei.
Art. 63. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61 desta Lei, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará:
I – o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendo efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta) dias, e aprovação do relatório previsto no inciso III do caput deste artigo;
II – a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas;
III – a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor;
IV – a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial;
V – a comunicação ao Registro Público de Empresas e à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia para as providências cabíveis.
Parágrafo único. O encerramento da recuperação judicial não dependerá da consolidação do quadro-geral de credores.
Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:
IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1º do art. 61 desta Lei.
2.2.2. O credor terá seu crédito novado ainda assim?
R: Yeaph!!!!
O titular do crédito não incluído no plano recuperacional possui a PRERROGATIVA de decidir entre habilitá-lo como retardatário, simplesmente não cobrar o crédito ou promover a execução individual (ou o cumprimento de sentença) após o encerramento da recuperação judicial, com a sujeição do seu crédito aos efeitos do plano aprovado e homologado (mediante a novação).
A lei é imperativa ao dispor que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos” (art. 49), e, da mesma forma, que “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei” (art. 59).
De acordo com a doutrina, entre os princípios da lei de regência está o da participação ativa dos credores. Com a maior participação dos credores, os resultados obtidos nos processos judiciais de falência e de recuperação são muito mais adequados às soluções de mercado, evitando-se, também, a ocorrência de fraudes na execução do plano. Sem mencionar que haverá mais democracia no processo decisório, sobretudo quanto ao destino da empresa em dificuldade.
Para que se alcance uma negociação efetiva dos credores com a devedora, por meio de um acordo global capaz de viabilizar a reestruturação, é preciso conceber um ambiente que paralise a ação dos credores resistentes ao acordo coletivo, os quais almejam prosseguir com a realização individual dos seus créditos desconsiderando os demais (os chamados hold outs), e, por outro lado, que haja uma estrutura de incentivos para que os credores participem, efetivamente, da recuperação judicial. Apesar de ser prerrogativa do credor, a habilitação também é um ônus para ele.
Assim, seria CONTRADITÓRIO, por um lado, reconhecer que a norma incentiva a participação do credor na recuperação judicial com a habilitação de seu crédito, ainda que de forma retardatária (apesar das consequências), e, por outro lado, em relação ao credor reticente, que não participa da recuperação e almeja o recebimento “por fora” do seu crédito, não prever o mesmo ordenamento nenhum tipo de repercussão negativa, a não ser aguardar o prazo de encerramento da recuperação judicial (LFRE, art. 61, c/c o art. 63). Premiaria o credor resistente à participação na recuperação judicial e, pior, acarretaria o esvaziamento da própria recuperação.
Com relação as consequências materiais e processuais decorrentes da escolha do credor em não se habilitar.
Se o credor não estiver habilitado, perderá a legitimidade para votar em assembleia, privando-se de seus direitos políticos, e correrá contra ele a prescrição, além do fato de que estará abrindo mão do direito de receber o seu crédito no âmbito da recuperação judicial, durante o período de fiscalização judicial, com a possibilidade de requerer a sua convolação em falência no caso de descumprimento (LREF, art. 61, § 1º, c/c o art. 73, IV).
Por fim, o credor que não tenha sido incluído no plano e que tenha optado por não se habilitar de forma retardatária, sem interesse em participar do conclave pela execução individual, deverá aguardar o encerramento da recuperação judicial (LREF, art. 63), assumindo todas as consequências jurídicas (processuais e materiais) de sua escolha.
2.2.3. Resultado final.
O credor que optar por não se habilitar na recuperação judicial sofrerá os seus respectivos efeitos, caso em que o crédito será considerado novado e o credor deverá recebê-lo em conformidade com o previsto no plano, ainda que em execução posterior ao encerramento da recuperação judicial.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
3. Gravidade do ato infracional cometido como fundamento suficiente para, por si, justificar a manutenção de adolescente em internação
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022, DJe 30/08/2022. (Info 749)
3.1. Situação FÁTICA.
Creitão, adolescente infrator, teve a medida de internação reestabelecida com base na gravidade dos atos infracionais – homicídio qualificado, ocultação de cadáver e furto qualificado. Porém, a decisão deixou de apontar circunstâncias concretas, ocorridas no curso da execução da medida socioeducativa, que demonstrassem a necessidade de manutenção da medida por tempo maior.
Inconformada, sua defesa impetrou recursos alegando a insuficiência de tal fundamentação.
*Processo sob segredo de Justiça- Caso imaginado.
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 12.594/2012:
Art. 46. A medida socioeducativa será declarada extinta:
II – pela realização de sua finalidade;
3.2.2. Justifica a manutenção da internação?
R: Nooops!!!!
De início, assevera-se que “[n]a esfera da Lei n. 8.069/1990, as medidas socioeducativas aplicadas em resposta a ato infracional cometido por adolescente possuem o objetivo de responsabilização quanto às consequências lesivas do ato, a integração social e garantia de seus direitos individuais e sociais, bem como a desaprovação da conduta infracional (art. 1.º, § 2.º, incisos I, II e III, da Lei n. 12.594/2012 – SINASE)” (REsp 1.916.596/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/04/2021, DJe 04/05/2021).
No caso, o tribunal de origem restabeleceu a medida de internação com base na gravidade dos atos infracionais – homicídio qualificado, ocultação de cadáver e furto qualificado -, deixando de apontar circunstâncias concretas, ocorridas no curso da execução da medida socioeducativa, que demonstrassem a necessidade de manutenção da medida por tempo maior, conforme preceitua o art. 46, inciso, II, da Lei n. 12.594/2012.
De outro lado, observa-se que o Juízo das Execuções explicita que “na grande Florianópolis não há unidades de internação para o regime de semiliberdade, o que resulta que as medidas em meio fechado aplicadas, são sempre internação. Assim, não vejo como não aplicar tais dispositivos aos adolescentes que se encontram em regime de internação, que já alcançaram os requisitos acordados para concessão de suas saídas temporárias”.
Desse modo, a manutenção da internação do adolescente implicaria sua manutenção em regime de execução mais gravoso que o devido, tendo em vista a incapacidade do aparato estatal em oferecer condições para a progressão à semiliberdade e ao gozo das saídas temporárias. De fato, a finalidade principal da aplicação das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não é retributiva, mas reeducativa, com vistas à proteção integral do adolescente.
3.2.3. Resultado final.
A gravidade do ato infracional cometido, dissociada de elementos concretos colhidos no curso da execução da medida socioeducativa, não é fundamento suficiente para, por si, justificar a manutenção de adolescente em internação.
DIREITO PENAL
4. Covid -19 e reconhecimento do efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico
RECURSO ESPECIAL
Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, §4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de Covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.
REsp 1.953.607-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 14/09/2022 (Tema 1120). (Info 749)
4.1. Situação FÁTICA.
O Tribunal local, em julgamento de IRDR relativo ao tema, fixou tese no sentido de que não seria possível a concessão de remição ficta, com extensão do alcance da norma prevista no art. 126, §4º, da Lei de Execução Penal, aos apenados impossibilitados de trabalhar ou estudar em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.
Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso no qual alega que o termo “acidente”, presente na Lei 7.210/84, merece ser interpretado extensivamente, de modo a compreender um “acontecimento imprevisto” ou um “fato puramente casual”, como a situação pandêmica gerada pelo novo coronavírus.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei de Execução Penal:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 4o O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição.
Lei 7.210/1984:
Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
CF/1988:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
4.2.2. Devido o cômputo dos períodos?
R: Yeaph!!!!
A controvérsia consiste em definir a possibilidade ou não de concessão de remição ficta, com extensão do alcance da norma prevista no art. 126, §4º, da Lei de Execução Penal, aos apenados impossibilitados de trabalhar ou estudar em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.
O STJ entende que a ausência de previsão legal específica impossibilita a concessão de remição da pena pelo simples fato de o Estado não propiciar meios necessários para o labor ou a educação de todos os custodiados. Entende-se, portanto, que a omissão estatal não pode implicar remição ficta da pena, haja vista a ratio do referido benefício, que é encurtar o tempo de pena mediante a efetiva dedicação do preso a atividades lícitas e favoráveis à sua reinserção social e ao seu progresso educativo.
Contudo, em que pese tal entendimento, ele não se aplica à hipótese excepcionalíssima da pandemia de Covid-19 por várias razões (distinguishing). A jurisprudência mencionada foi construída para um estado normal das coisas, não para uma pandemia.
O art. 3º da Lei 7.210/1984 estabelece que, “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Em outros termos, ressalvadas as restrições decorrentes da sentença penal e os efeitos da condenação, o condenado mantém todos os direitos que lhe assistiam antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Por sua vez, a doutrina estabelece que a “Derrotabilidade é o ato pelo qual uma norma jurídica deixa de ser aplicada, mesmo presentes todas as condições de sua aplicabilidade, de modo a prevalecer a justiça material no caso concreto”.
Nessa linha, negar aos presos que já trabalhavam ou estudavam antes da pandemia de Covid-19 o direito de continuar a remitir sua pena se revela medida injusta, pois: (a) desconsidera o seu pertencimento à sociedade em geral, que padeceu, mas também se viu compensada com algumas medidas jurídicas favoráveis, o que afrontaria o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/1988), da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988) e da fraternidade (art. 1º, II e III, 3º, I e III, da CF/1988); (b) exige que o legislador tivesse previsto a pandemia como forma de continuar a remição, o que é desnecessário ante o instituto da derrotabilidade da lei.
Note-se, assim, que não se está a conferir uma espécie de remição ficta pura e simplesmente ante a impossibilidade material de trabalhar ou estudar. O benefício não deve ser direcionado a todo e qualquer preso que não pôde trabalhar ou estudar durante a pandemia, mas tão somente àqueles que, já estavam trabalhando ou estudando e, em razão da Covid, viram-se impossibilitados de continuar com suas atividades.
4.2.3. Resultado final.
Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, §4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de Covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.
5. Proporcionalidade da aplicação da fração máxima de 2/3 na hipótese de a conduta criminosa corresponder a 7 ou mais infrações em continuidade delitiva
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
É proporcional a aplicação da fração máxima de 2/3 na hipótese de a conduta criminosa corresponder a 7 ou mais infrações em continuidade delitiva.
AgRg no REsp 1.945.790-MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022. (Info 749)
5.1. Situação FÁTICA.
Creiton trabalhava como assessor parlamentar e também como professor em Escola Municipal. Quando, em razão do ofício na Câmara Municipal, não podia comparecer às aulas, enviava um substituto da mesma matéria para que desempenhasse sua função, remunerando-o com dinheiro próprio. Ressalta que assinava a ficha de ponto mesmo quando não comparecia à escola, porquanto era orientação da Secretaria de Educação que a substituição deveria ocorrer dessa maneira, bem como que a assinatura da ficha de ponto deveria ser realizada pelo professor responsável pela aula e não pelo substituto.
Posteriormente, Creiton veio a ser denunciado pelo crime de falsidade ideológica em documento público em continuidade delitiva por 15 vezes.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. A aplicação deve ser proporcional?
R: Yeaph!!!!
A jurisprudência do STJ entende que “a fração a ser aplicada a título de continuidade delitiva deve ser proporcional ao número de infrações cometidas, sendo aplicada a fração máxima de 2/3 no caso de 7 ou mais infrações.” (AgRg no AREsp n. 2.067.269/SP, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 5/8/2022).
No caso, a defesa do acusado sustentou pedido de redução da fração decorrente do reconhecimento da continuidade delitiva. Contudo, as condutas criminosas foram praticadas por 15 vezes, demonstrando fundamento SUFICIENTE para aplicar o aumento do crime continuado no patamar adotado de 2/3.
5.2.2. Resultado final.
É proporcional a aplicação da fração máxima de 2/3 na hipótese de a conduta criminosa corresponder a 7 ou mais infrações em continuidade delitiva.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
6. Cabimento do ajuizamento de revisão criminal em face de decisão unipessoal de relator que dá provimento ao recurso especial para restabelecer sentença condenatória
PROCESSO SOB SEGREDO DE JUSTIÇA
Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Seção, por maioria, julgado em 14/09/2022. (Info 749)
6.1. Situação FÁTICA.
Tadeu foi processado pelo crime de roubo e, em recurso especial, o relator proferiu decisão unipessoal que deu provimento para reestabelecer a sentença condenatória.
Inconformada, a defesa de Tadeu ajuizou revisão criminal em face da decisão.
- Processo sob segredo de justiça. Caso imaginado.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Cabe o ajuizamento da revisão criminal?
R: Yeaph!!!!
No Superior Tribunal de Justiça há julgados que não enfrentam o mérito revisional de decisão singular do relator por ausência de previsão regimental específica. Esse entendimento parte de uma leitura restritiva da norma prevista no art. 239 do RISTJ, assim redigido: “À Corte Especial caberá a revisão de decisões criminais que tiver proferido, e à Seção, das decisões suas e das Turmas”. A indicada leitura dos termos “Seção” e “Turmas” restringe o cabimento às revisionais ajuizadas contra decisões de órgãos colegiados, considerando que seriam os únicos competentes para o seu conhecimento.
Em síntese, pode-se afirmar que, se um órgão do Tribunal decide reiteradamente, da mesma maneira, uma questão de fato ou de direito, seus integrantes ficam autorizados a decidir, de forma isolada e prévia, os demais processos sobre o mesmo tema, que inevitavelmente teriam a mesma decisão. Essa reiteração de entendimentos consolidados fortalece a estabilidade e a segurança jurídica. Por esse motivo, as cortes superiores consideram que o julgamento singular não contraria o princípio da colegialidade (STF, AgRg no HC 214.006/SP, relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe de 13/05/2022; e STJ, AgInt na AR 6.475/SC, relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, DJe de 18/12/2020).
No que diz respeito às revisões criminais, uma exaustiva pesquisa jurisprudencial demonstra não haver, em verdade, consenso sobre o cabimento de revisão criminal de decisão unipessoal de relator. Muitos julgados a inadmitem, adotando uma posição restritiva; outros tacitamente a admitem, adentrando o tema revisional sem nenhum tipo de consideração acerca do cabimento; outros poucos, por fim, expressamente admitem o cabimento de revisões criminais de decisões monocráticas.
Feitas essas considerações preliminares, o posicionamento mais ADEQUADO a ser adotado na Terceira Seção é aquele que admite revisionais de decisões monocráticas de relator; que prima por conferir maior garantia aos réus em processo penal, assegurando-lhes o exercício de um direito que a lei não restringe.
Pontua-se que o entendimento contrário provoca efeitos altamente indesejáveis, a saber: 1 – confere maior solidez e imutabilidade à decisão unipessoal de relator, em indireto desprestígio às decisões do colegiado; 2 – cria uma categoria de decisões condenatórias não suscetíveis de revisão criminal, em descompasso com garantias constitucionais; e 3 – obriga as partes ao automático e indiscriminado manejo do agravo regimental, circunstância que apenas colabora para a sobrecarga recursal desta Corte.
Considera-se, portanto, que a decisão singular substitui o julgamento colegiado, sendo-lhe ontologicamente equiparada. Representa mera antecipação de julgamento, que não fere o princípio da colegialidade ou do juiz natural.
6.2.2. Resultado final.
É cabível o ajuizamento de revisão criminal em face de decisão unipessoal de relator que dá provimento ao recurso especial para restabelecer sentença condenatória.
7. Ausência de imputação de crime eleitoral ou a ocorrência de conexão de delito comum com delito eleitoral e encaminhamento do feito à Justiça Eleitoral.
Não tendo havido imputação de crime eleitoral ou a ocorrência de conexão de delito comum com delito eleitoral, não se justifica o encaminhamento do feito à Justiça Eleitoral.
HC 746.737-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 06/09/2022, DJe 12/09/2022. (Info 749)
7.1. Situação FÁTICA.
Crementino, na qualidade de Secretário de Estado, agindo com vontade e consciência, subtraiu, em proveito próprio e alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporcionava o cargo público, bens doados pela Receita Federal e pelo TCU à Secretaria em que ele labutava.
Após a denúncia, em que se mencionava um possível propósito eleitoral no desvio, Crementino acabou condenado pelo crime de peculato majorado. A defesa impetrou Habeas Corpus no qual sustentou que a Justiça Comum deveria remeter o caso à Justiça Eleitoral com esteio em precedentes do STF.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Penal:
Peculato
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Funcionário público
Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 2º – A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
7.2.2. Passa pra Justiça Eleitoral?
R: Nooopssss!!!!
O núcleo da controvérsia consiste na identificação do Juízo competente para o julgamento do crime descrito no art. 312, §1º, c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal – CP (peculato-furto majorado) imputado ao paciente.
A leitura das decisões proferidas pelas instâncias ordinárias revela que não foram imputados crimes eleitorais ao paciente. A menção, na denúncia, ao propósito eleitoreiro é circunstância adjeta, caracterizadora de mero proveito da conduta típica. Elemento subjetivo do tipo penal do peculato-furto é o dolo, que se aperfeiçoa independente da finalidade específica ou do objetivo remoto da conduta. Dessa forma, em análise tipológica, os interesses político-eleitorais envolvidos no peculato são írritos para fins de definição de competência da Justiça Eleitoral.
A jurisprudência do STJ, na linha da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento do Inquérito 4.435/DF, tem reconhecido a competência da Justiça Eleitoral quando denúncias narram a utilização de dinheiro de origem criminosa em campanha, mediante falsidade ideológica eleitoral, conduta tipificada no art. 350 do Código Eleitoral. Contudo, na singularidade do caso concreto, não há notícias de que o paciente tenha utilizado qualquer numerário oriundo de fontes ilícitas para sua campanha eleitoral, tendo havido, somente, imputação e condenação pela prática de desvio de computadores doados para estudantes carentes, conduta que se amolda ao crime de peculato majorado, mas que não se encontra descrita como crime eleitoral. Além disso, não há notícias de qualquer delito eleitoral possivelmente conexo, em tese praticado pelo paciente, que pudesse justificar o deslocamento da competência para a Justiça Especializada.
7.2.3. Resultado final.
Não tendo havido imputação de crime eleitoral ou a ocorrência de conexão de delito comum com delito eleitoral, não se justifica o encaminhamento do feito à Justiça Eleitoral.
8. Mera referência à legalidade da interceptação telefônica, com exclusiva intenção de justificar a imposição de outra medida cautelar e validação pelo STJ
PROCESSO SOB SEGREDO JUDICIAL
Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022. (Info 749)
8.1. Situação FÁTICA.
Um Tribunal local, ao reformar a sentença que havia extinguido o processo em razão da declaração de nulidade das decisões que prorrogaram a medida de interceptação telefônica, declinou, como único fundamento, a anterior chancela que o Superior Tribunal de Justiça teria conferido aos referidos atos decisórios.
Ocorre que a ação penal, cuja investigação se iniciou perante o Tribunal Regional Federal, em determinado momento, foi remetida para o STJ em razão da existência de investigado com prerrogativa de foro. A defesa do acusado passou a questionar a legalidade da interceptação telefônica.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 9.296/1996:
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
8.2.2. Validado pelo STJ?
R: Noooopss!!!!
Ocorre que, ao contrário do que foi decidido, não houve por parte do STJ a análise da fundamentação das decisões que prorrogaram a medida de interceptação telefônica. O STJ limitou-se a apontar, de passagem, a medida de interceptação telefônica como suporte probatório para a decretação de outra medida cautelar, a de busca e apreensão. Assim, a toda evidência, não houve o exame da fundamentação das decisões e, por conseguinte, de sua legitimidade.
Em suma, a mera referência à legalidade da medida, com exclusiva intenção de justificar a imposição de outra medida cautelar em âmbito de competência originária não significa que tenha havido a sua validação por esta Corte.
Do contrário, haveria indevido cerceamento à defesa dos acusados, que, não obstante tenham suscitado essa questão perante esta Corte, naquele instante, não tiveram seus argumentos examinados, justamente por ter sido o processo encaminhado para a instância de origem.
Portanto, não houve o exame das decisões pelo Superior Tribunal de Justiça, visto que ausente a análise do conteúdo das decisões e sua compatibilidade com o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996.
8.2.3. Resultado final.
A mera referência à legalidade da interceptação telefônica, com exclusiva intenção de justificar a imposição de outra medida cautelar, não significa que tenha havido a sua validação pelo STJ.
9. Ausência de contato entre réu e defensor dativo na audiência de inquirição de testemunhas e cerceamento de defesa
RECURSO ESPECIAL
No âmbito da audiência de inquirição de testemunhas, a ausência de contato prévio entre o réu e seu defensor dativo configura cerceamento de defesa.
REsp 1.794.907-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022. (Info 749)
9.1. Situação FÁTICA.
Creitinho foi denunciado pelo crime de tráfico enquanto já se encontrava cumprindo pena de reclusão por outros crimes. Ocorre que ele deixou de ser conduzido para a audiência de instrução na qual seriam ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação. Apesar disso, a audiência foi realizada.
Inconformada, a defesa alega a nulidade da audiência em razão da falta de contato prévio entre o réu e seu defensor dativo.
9.2. Análise ESTRATÉGICA.
9.2.1. Resta configurado o cerceamento de defesa?
R: Yeaph!!!
É EVIDENTE o prejuízo do réu que, por falha no estado, tem cerceado o seu direito de comparecer ao depoimento das testemunhas arroladas pelo órgão acusador, ocasião onde foi representado por um advogado dativo com quem nunca tivera contato. Exigir que a defesa indique desde já os detalhes de um prejuízo é exigir a chamada “prova diabólica”, tendo em vista que não há como a parte provar como o processo seguiria caso estivesse presente na audiência.
No caso, diante da responsabilidade exclusiva do Estado, a ausência do recorrido na audiência de inquirição de testemunhas, ante a impossibilidade de transporte de presos, não lhe pode ser imputada. Com efeito, não se pode permitir que o Estado seja ineficiente em cumprir com suas obrigações mínimas, como disponibilizar o recorrido para a audiência previamente marcada.
Ademais, a informação de que a ausência de contato prévio entre o recorrido e seu defensor inviabilizou que este tomasse conhecimento da versão do acusado e formulasse a defesa de forma adequada durante a audiência em que ouvidos os policiais, revela que ele não possuía conhecimento dos fatos, não podendo fazer nada numa audiência desta natureza, denotando, mais uma vez, o efetivo prejuízo sofrido pelo recorrido. Logo, tratando-se de nulidade absoluta insanável – podendo ser reconhecida e declarada a qualquer tempo, e estando inequivocamente demonstrado o prejuízo ao réu – é de ser declarada a NULIDADE do ato processual – no caso, a audiência.
9.2.2. Resultado final.
No âmbito da audiência de inquirição de testemunhas, a ausência de contato prévio entre o réu e seu defensor dativo configura cerceamento de defesa.
10. Cabimento da alegação de nulidade por ausência de intimação na hipótese em que novo causídico, ainda que sem juntada de mandato, omitiu-se em registrar seu efetivo patrocínio em ata de audiência e, sucessivamente, em novo prazo para alegações finais.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
É incabível a alegação de nulidade por ausência de intimação na hipótese em que novo causídico, ainda que sem juntada de mandato, omitiu-se em registrar seu efetivo patrocínio em ata de audiência e, sucessivamente, em novo prazo para alegações finais.
AgRg no AREsp 2.021.072-RR, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/09/2022. (Info 749)
10.1. Situação FÁTICA.
Nirso e Nirse foram denunciados pelo crime de lavagem de dinheiro. Encerrada a instrução criminal com relação a Nirso, a defesa foi intimada para apresentação de alegações finais, tendo o prazo transcorrido in albis. Assim, o Juízo processante determinou a intimação pessoal de Nirso para que constituísse novo defensor.
A defesa rogou então pela devolução do prazo para requerimento de diligências, sob o argumento de que o primeiro despacho teria sido publicado em nome de advogado que não mais atuava nos autos. O pedido foi indeferido porque Dr. Creisson, advogado a quem se alega terem sido outorgados poderes com exclusividade, participou de audiência de Nirse depois daquela primeira intimação e não demandou registro expresso da alegada nulidade em ata.
10.2. Análise ESTRATÉGICA.
10.2.1. Questão JURÍDICA.
CPP:
Art. 266. A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório.
10.2.2. Tem-se nulidade?
R: Nooops!!!!
O art. 266 do CPP dispõe que “a constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório”. Isto é, é válida a constituição de defensor apud acta, independentemente da juntada de mandato, desde que haja o efetivo registro na ata de audiência. Outrossim, o STJ possui entendimento de que “a outorga de poderes a um novo patrono, sem reserva quanto aos do antigo advogado, revoga tacitamente o mandato anterior” (HC 441.103/PI, rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 26/02/2019).
Contudo, no caso, o Tribunal de origem afastou a alegação de nulidade em razão de o réu ser patrocinado, efetiva e formalmente, por outro defensor – quando do interrogatório de uma das rés – e o presente advogado, a quem se alega terem sido outorgados poderes com exclusividade, não demandou registro expresso da alegada nulidade em ata, conforme disposto no art. 266 do CPP. Ademais, aberto novo prazo para a apresentação de alegações finais para o novo causídico, este optou por deixar transcorrer o prazo sem apresentar a peça, preferindo a interposição de agravo regimental para tentar obstar o prosseguimento do feito.
Logo, não há de se falar em nulidade, porquanto a Corte de origem atuou dentro da realidade fático-processual do momento, realizando a intimação dos efetivos defensores com poderes para tanto, e a atual defesa escolheu estratégia diversa que, a posteriori, não pode ser considerada prejudicada em razão de não ter alcançado os efeitos pretendidos.
10.2.3. Resultado final.
É incabível a alegação de nulidade por ausência de intimação na hipótese em que novo causídico, ainda que sem juntada de mandato, omitiu-se em registrar seu efetivo patrocínio em ata de audiência e, sucessivamente, em novo prazo para alegações finais.
11. Ato de dispensar uma sacola na rua ao notar a aproximação da guarnição, somado ao nervosismo demonstrado e à denúncia anônima pretérita como fundada suspeita.
HABEAS CORPUS
O ato de dispensar uma sacola na rua ao notar a aproximação da guarnição, somado ao nervosismo demonstrado e à denúncia anônima pretérita de que o acusado estava praticando o crime de tráfico de drogas no local, indica a existência de fundada suspeita de que o recipiente contivesse substâncias entorpecentes e de que o réu estivesse na posse de mais objetos relacionados ao crime.
HC 742.815-GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022. (Info 749)
11.1. Situação FÁTICA.
Creitinho foi denunciado pela prática, em tese, do crime de tráfico de drogas. A defesa impetrou Habeas Corpus no qual alega ser nula a busca pessoal realizada no paciente, ao argumento de que se baseou apenas em denúncia anônima.
Porém, o relato do policial foi um pouco diferente. Conforme o PM, ao avistar a guarnição, Creitinho teria demonstrado nervosismo, atirado uma sacola com conteúdo ao chão (na qual foi encontrada significativa quantidade de drogas) e dinheiro. Ainda conforme o policial, a guarnição teria se deslocado ao local em razão de denúncia anônima.
11.2. Análise ESTRATÉGICA.
11.2.1. Questão JURÍDICA.
Código de Processo Penal:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
11.2.2. Verifica-se a fundada suspeita nas condutas?
R: Aí SIM!!!!
O art. 244 do Código de Processo Penal dispõe que “a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.
Em recente julgamento sobre o tema, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, interpretando o referido dispositivo legal, alguns critérios para a realização de tal medida. Exige-se, nesse sentido, “a existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência” (RHC 158.580/BA, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, julgado em 19/04/2022, DJe 25/4/2022).
No caso, a busca pessoal realizada no acusado não se baseou apenas em denúncia anônima. Além das informações recebidas pelos policiais a respeito da traficância no local onde estava o paciente, os agentes ressaltaram que ele demonstrou nervosismo e dispensou uma sacola no chão quando avistou a guarnição.
Com efeito, o ato de dispensar uma sacola na rua ao notar a aproximação da guarnição, somado ao nervosismo demonstrado pelo acusado e à denúncia anônima pretérita de que ele estava praticando o crime de tráfico de drogas no local, indica a existência de fundada suspeita de que o recipiente contivesse substâncias entorpecentes e de que o réu estivesse na posse de mais objetos relacionados ao crime.
Cabe frisar, aliás, que a apreensão das drogas não decorreu da revista pessoal do paciente, porquanto a sacola com tais objetos havia sido por ele dispensada em via pública anteriormente, de modo que não estava mais junto ao seu corpo.
Assim, os elementos indicados apontam que a busca pessoal foi precedida de fundada suspeita da posse de corpo de delito, de modo que, ao menos por ora, dentro dos limites de cognição possíveis do habeas corpus, não se constata ilegalidade patente que justifique o excepcional trancamento do processo.
11.2.3. Resultado final.
O ato de dispensar uma sacola na rua ao notar a aproximação da guarnição, somado ao nervosismo demonstrado e à denúncia anônima pretérita de que o acusado estava praticando o crime de tráfico de drogas no local, indica a existência de fundada suspeita de que o recipiente contivesse substâncias entorpecentes e de que o réu estivesse na posse de mais objetos relacionados ao crime.