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Sumário
1. Direito à indenização por danos morais pela pessoa jurídica de direito público.. 3
2. Planos de saúde, cláusula e coparticipação e abusividade. 4
3. Planos de saúde e a possibilidade de reembolso de despesas médicas. 8
DIREITO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO… 15
6. Ato ilícito do empregador, reflexos de verbas remuneratórias e previdência complementar. 15
10. Menção a convenções abstratas sem validade e prequestionamento.. 26
11. Início do prazo para impugnação no CPC/15 quando há garantia do juízo pelo credor. 28
12. Recuperação judicial e existência de crédito.. 31
13. Dosimetria, princípio da individualização da pena e deslocamento da majorante sobejante. 34
14. O crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido como hediondo?. 37
16. Requisitos e validade do reconhecimento de pessoa. 42
DIREITO TRIBUTÁRIO – menor relevância. 44
17. Data do surgimento do direito ao crédito presumido de IPI 44
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 46
18.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 46
RECURSO ESPECIAL
Pessoa Jurídica de Direito Público tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem, quando a credibilidade institucional for fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais jurisdicionados em geral for evidente.
REsp 1.722.423-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 24/11/2020, DJe 18/12/2020
O INSS ajuizou ação requerendo a condenação de Jorgete a pagar indenização, por danos materiais e morais, em decorrência do desvio de dinheiro público acontecido no chamado “Caso Jorgete”.
O Juízo de primeiro grau acolheu os pedidos em parte para condenar os réus ao pagamento por danos materiais e morais. A ré recorreu e o Tribunal Regional Federal local entendeu pela impossibilidade de pagamento de uma compensação por danos morais ao INSS, porque inviável cogitar-se, diante da própria natureza das atividades desempenhadas pelo INSS, de impacto negativo correspondente a descrédito mercadológico.
Cinge-se a controvérsia a determinar se é possível o INSS, pessoa jurídica de direito público, ser vítima de danos morais.
R: SIM.
NÃO afasta a pretensão reparatória o argumento de que as pessoas que integram o Estado não sofrem “descrédito mercadológico”. O direito das pessoas jurídicas à reparação por dano moral não exsurge apenas no caso de prejuízos comerciais, mas também nas hipóteses, mais abrangentes, de ofensa à honra objetiva. Nesse plano, até mesmo entidades sem fins lucrativos podem ser atingidas.
Assim, NÃO se pode afastar a possibilidade de resposta judicial à agressão perpetrada por agentes do Estado contra a credibilidade institucional da autarquia, a qual implica em dano reflexo sobre os demais segurados da Previdência e os jurisdicionados em geral é evidente, tudo consubstanciado por uma lesão de ordem extrapatrimonial.
Pessoa Jurídica de Direito Público tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem, quando a credibilidade institucional for fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais jurisdicionados em geral for evidente.
RECURSO ESPECIAL
Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro.
REsp 1.809.486-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/12/2020, DJe 16/12/2020 (Tema 1032)
Lúcia promoveu ação de cobrança em regresso em face Amile Assistência Médica alegando que sua filha é portadora de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e substâncias psicoativas, tendo sido internada para tratamento psiquiátrico, custeado integralmente pela ré apenas durante os primeiros 30 dias de internação. Narrou que foi ajuizada contra si ação de cobrança pela instituição de saúde no âmbito da qual entabulou acordo para pagamento parcelado do quantum devido. A autora entende devido, em regresso, o ressarcimento dos valores dispendidos com base na alegada abusividade da cláusula limitativa do tempo de internação.
O magistrado de primeiro grau julgou procedente a demanda, o que foi mantido em sede de apelação. Inconformada, Amile interpôs recurso especial no qual sustentou a a licitude da “cláusula de cobrança de taxa de coparticipação em internação psiquiátrica após o 30º dia.
Cinge-se a controvérsia a definir se é legal ou abusiva a cláusula que impõe coparticipação para a hipótese de internação psiquiátrica, uma modalidade de tratamento para indivíduos acometidos por transtornos mentais, comorbidades ou dependência química, que corresponde a um serviço de saúde de enorme relevância pública.
Lei n. 8.080/90:
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV – igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V – direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI – divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII – participação da comunidade;
IX – descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X – integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI – conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
XIV – organização de atendimento público específico e especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta, entre outros, atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras, em conformidade com a Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013.
Lei n. 9.656/98:
Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:
III – os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames;
Lei n. 8.078/90:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. (Redação dada pela nº 11.785, de 2008)
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
R: NÃO.
Ao contratar um plano de saúde e despender mensalmente relevantes valores na sua manutenção, o consumidor busca garantir, por conta própria, acesso a um direito fundamental que, a rigor, deveria ser prestado pelo Estado de modo amplo, adequado, universal e irrestrito.
Ocorre que, se a universalização da cobertura – apesar de garantida pelo constituinte originário no artigo 198 da Constituição Federal e considerada um dos princípios basilares das ações e serviços públicos de saúde nos termos do artigo 7º da Lei n. 8.080/90 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências – não é viabilizada pelo Estado no tempo e modo necessários para fazer frente às adversidades de saúde que acometem os cidadãos, tampouco pode ser imposta de modo completo e sem limites ao setor privado, porquanto, nos termos do artigo 199 da Constituição Federal e 4º, § 1º, da Lei n. 8.080/90, a assistência à saúde de iniciativa privada é exercida em caráter complementar.
A presente discussão vincula-se, exatamente, às entidades PRIVADAS de assistência à saúde que, embora prestem – de modo secundário e supletivo – serviços de utilidade pública relacionados a direito fundamental estabelecido na Carta Constitucional, exercem, no âmbito do sistema da livre iniciativa, o seu mister com foco na obtenção de lucro inerente à atividade exercida, ressalvadas aquelas instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos.
Assim, diferentemente do Estado, que tem o dever de prestar assistência ampla e ilimitada à população, a iniciativa privada se obriga nos termos da legislação de regência e do contrato firmado entre as partes, no âmbito do qual são estabelecidos os serviços a serem prestados/cobertos, bem como as limitações e restrições de direitos.
A Lei n. 9.656/98 rege os planos e seguros privados de assistência à saúde e permite à operadora dos respectivos serviços custear, total ou parcialmente, a assistência médica, hospitalar e odontológica de seus clientes, estabelecendo no artigo 16, inciso VIII, que os contratos, regulamentos ou produtos colocados à disposição dos consumidores podem fixar “a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário”.
Como se vê da lei de regência, os planos de saúde podem ser coparticipativos ou não, sendo, pois, lícita a incidência da coparticipação em determinadas despesas, desde que informado com clareza o percentual deste compartilhamento, nos termos dos artigos 6º, inciso III e 54, §§ 3o e 4o da Lei n. 8.078/90, nos quais estabelecido que eventuais limitações a direitos, ressalvas e restrições de cobertura, bem como estipulações e obrigações carreadas aos consumidores devem ser redigidos de modo claro, com caracteres ostensivos e legíveis e com o devido destaque a fim de permitir a fácil compreensão pelo consumidor.
A prescrição da internação em virtude de transtornos psiquiátricos ou doenças mentais é considerada uma medida terapêutica excepcional, a ser utilizada somente quando outras formas de tratamento ambulatorial ou em consultório se mostrarem insuficientes para a recuperação do paciente/consumidor. Diante desse contexto, em obediência aos ditames da Lei n. 9.656/98, que admite a coparticipação de algumas despesas, e aos princípios orientadores da internação segundo a Lei n. 10.216/2001, o Conselho Nacional de Saúde Complementar – CONSU e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a fim de regulamentarem a questão, editaram diversas Resoluções Normativas para o trato da matéria ao longo das últimas duas décadas.
Consoante os ditames legais e regulamentares acerca da questão jurídica, verifica-se que NÃO é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao consumidor, limitada ao máximo de 50% do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde, para a hipótese de internação superior a 30 (trinta) dias decorrente de transtornos psiquiátricos, pois destinada à manutenção do equilíbrio entre as prestações e contraprestações que envolvem a gestão dos custos dos contratos de planos privados de saúde.
Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas, nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos, preservada a manutenção do equilíbrio financeiro.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
O reembolso das despesas médico-hospitalaes efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento.
EAREsp 1.459.849-ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/10/2020, DJe 17/12/2020
Júnior promoveu ação em desfavor de Unimedia Cooperativa de Trabalho Médico postulando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais decorrentes da recusa em arcar com intervenção cirúrgica e com as despesas hospitalares e de medicamentos.
O Magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido ao argumento de que o autor teria realizado o tratamento com médico e em hospital não credenciados à rede disponibilizada pela ré, não tendo sido comprovada a situação de urgência ou a indisponibilidade do tratamento pelos credenciados.
Ocorre que, em sede de apelação, o Tribunal de Justiça local deu parcial provimento ao recurso do autor para e condenar a ré à restituição dos valores dispendidos pelo segurado, nos exatos termos da tabela de referência do plano de saúde.
Inconformada, Unimédia interpôs recurso especial no qual sustentou ser indevido o reembolso das despesas médico-hospitalares, tendo em vista que foram realizadas fora da rede credenciada ao plano de saúde sem que tenha sido comprovada a situação de urgência, emergência ou indisponibilidade de profissionais credenciados.
Lei n. 9.656/1998:
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:
VI – reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada;
R: SIM, mas somente em situações EXCEPCIONAIS.
A Segunda Seção, em apreciação aos embargos de divergência, pacificou o entendimento que encontrava dissonância no âmbito do Tribunal com relação ao reembolso das despesas efetuadas pelo usuário do plano de saúde fora da rede conveniada.
À vista disso, constata-se que o acórdão embargado, proferido pela Quarta Turma do STJ reformou o acórdão estadual sob o fundamento de que a jurisprudência desta Corte Superior entende que o reembolso das despesas efetuadas pelo usuário do plano de saúde fora da rede conveniada somente é admitido em casos excepcionais, conforme prevê o art. 12, VI, da Lei n. 9.656/1998. Por sua vez, os acórdãos paradigmas, proferidos pela Terceira Turma do STJ, entenderam que a exegese do artigo supracitado deve ser extensiva, em homenagem aos princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações privadas.
Importante deixar assente que o contrato de plano de assistência à saúde, por definição, tem por objeto propiciar, mediante o pagamento de um preço (consistente em prestações antecipadas e periódicas), a cobertura de custos de tratamento médico e atendimentos médico, hospitalar e laboratorial perante profissionais, rede de hospitais e laboratórios próprios ou credenciados.
Dessa forma, a estipulação contratual que vincula a cobertura contratada aos médicos e hospitais de sua rede ou conveniados é INERENTE a esta espécie contratual e, como tal, não encerra, em si, nenhuma abusividade.
Não obstante, EXCEPCIONALMENTE, nos casos de urgência e emergência, em que não se afigurar possível a utilização dos serviços médicos próprios, credenciados ou conveniados, a empresa de plano de saúde, mediante reembolso, responsabiliza-se pelas despesas médicas expendidas pelo contratante em tais condições, limitada, no mínimo, aos preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto.
Trata-se, pois, de GARANTIA LEGAL MÍNIMA conferida ao contratante de plano de assistência à saúde, a ser observada, inclusive, no denominado plano-referência, de cobertura básica, de modo que não se pode falar em ofensa ao princípio da proteção da confiança nas relações privadas, já que os beneficiários do plano estarão sempre amparados, seja pela rede credenciada, seja por outros serviços de saúde quando aquela se mostrar insuficiente ou se tratar de situação de urgência.
O reembolso das despesas médico-hospitalaes efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento.
RECURSO ESPECIAL
É possível a limitação dos descontos em conta bancária de recebimento do Benefício de Prestação Continuada, de modo a não privar o idoso de grande parcela do benefício destinado à satisfação do mínimo existencial.
REsp 1.834.231-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020
Geraldão ajuizou ação declaratória de inexistência de débito c/c pedido de compensação por danos morais Banco Cobromesmo, devido a descontos em seu benefício de Amparo Social ao Idoso – decorrentes de dois empréstimos pessoais e contratos de renegociação de dívida –, em patamar superior a 30% do valor do benefício.
A sentença julgou improcedentes os pedidos. Já o acórdão deu parcial provimento à apelação interposta pelo recorrido, para determinar ao Banco recorrente que suspenda o desconto de qualquer valor na conta bancária do recorrido que ultrapasse a margem de 30% da sua remuneração líquida.
Inconformado e ávido pelo dinheiro do velhinho, o Banco interpôs recurso especial no qual sustentou que seria lícita a cobrança de parcelas de empréstimo, com desconto direto em conta, acima do limite de 30% dos rendimentos do mutuário.
Discute-se, na espécie, a limitação de descontos de prestações de mútuo em conta bancária na qual é depositado, em favor do recorrido, o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC.
R: SIM.
Este benefício, de matriz constitucional, cuida de mecanismo de proteção social que visa garantir ao idoso o mínimo indispensável à sua subsistência, não provida por sua família, mediante a concessão de uma renda mensal equivalente a 1 (um) salário-mínimo.
No plano infraconstitucional, a Lei n. 8.742/1993 (Lei da Assistência Social – LOAS), a par de corroborar que a assistência social é política estatal que provê os mínimos sociais, estabelece que faz jus ao BPC o idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais cuja família tenha renda mensal per capita igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo.
Assim, à toda evidência, o BPC, longe de constituir “remuneração” ou “verba salarial” – do que tratou o precedente firmado no REsp 1.555.722/SP – consiste em renda transferida pelo Estado ao idoso, de modo a ofertar-lhe, em um primeiro momento, condições de sobrevivência em enfrentamento à miséria, e para além disto, “também propiciar condições mínimas de sobrevivência com dignidade”.
Nesse diapasão, constata-se que, em razão da natureza e finalidade do BPC, a margem de disponibilidade, do beneficiário, sobre o valor do benefício é consideravelmente REDUZIDA se comparada à liberdade do trabalhador no uso de seu salário, proventos e outras rendas. O valor recebido a título de benefício assistencial, deveras, é voltado precipuamente à satisfação de necessidades básicas vitais do indivíduo, com vistas à sua sobrevivência.
Diferentemente, em se tratando de verba de natureza salarial, é possível cogitar de uma maior margem financeira do indivíduo para custear suas despesas em geral, como educação, lazer, vestuário, transporte, etc, aí incluído o pagamento de credores.
Convém ressaltar, sequer há autorização legal para desconto de prestações de empréstimos e cartão de crédito diretamente no BPC, concedido pela União Federal e pago por meio do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, pois a Lei n. 10.820/2003, que regula a consignação em folha de pagamento de parcelas de empréstimos e cartão de crédito, ao dispor sobre os descontos nos benefícios pagos pelo INSS, remete, tão somente, aos benefícios de aposentadoria e pensão, ou seja, aqueles relacionados à Previdência Social, não abrangendo, assim, benefícios assistenciais.
Essa limitação dos descontos, na espécie, não decorre de analogia com a hipótese de consignação em folha de pagamento, mas com a necessária ponderação entre o princípio da autonomia da vontade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a não privar o devedor de grande parcela do benefício que, já de início, era integralmente destinado à satisfação do mínimo existencial.
Nesse contexto, diante desse específico quadro normativo, cabe realizar a distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no REsp 1.555.722/SP e a hipótese concreta dos autos, para o fim de acolher o pedido de limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor recebido a título de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso – BPC.
É possível a limitação dos descontos em conta bancária de recebimento do Benefício de Prestação Continuada, de modo a não privar o idoso de grande parcela do benefício destinado à satisfação do mínimo existencial.
RECURSO ESPECIAL
É válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo, a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito.
REsp 1.868.099-CE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020
Sueli ajuizou ação declaratória de nulidade de contrato cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais contra Banco Brasa S.A., sustentando, em síntese, que não reconhecia a contratação de empréstimo que vinha sendo regularmente descontado de seu benefício previdenciário.
A demanda foi julgada improcedente pelo Juízo de primeiro grau e o respectivo recurso foi desprovido pelo Tribunal de Justiça local. Inconformada, Sueli interpôs recurso especial no qual sustentou que a imprescindibilidade de assinatura por procurador público ou a adoção de instrumento público para formalização válida de contrato de empréstimo consignado.
Cinge-se a controvérsia a definir, a par da adequação da tutela jurisdicional entregue, a validade do contrato de empréstimo consignado por consumidor analfabeto mediante a mera aposição da digital ao instrumento contratual.
Código Civil de 2002:
Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
Lei n. 10.820/2003:
Art. 3o Para os fins desta Lei, são obrigações do empregador:
III – efetuar os descontos autorizados pelo empregado, inclusive sobre as verbas rescisórias, e repassar o valor à instituição consignatária na forma e no prazo previstos em regulamento.
R: SIM.
A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever. Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é LIVRE, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei.
O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada. Essa observação, ainda que pareça singela, é essencial para a identificação dos requisitos de validade do contrato, em especial, no que se refere à sua formalização. Isso porque o fundamento central do acórdão recorrido foi a aplicação, ao caso dos autos, do art. 595 do Código Civil de 2002, cujo texto normativo excepcionaria a necessidade de procuração pública para assinatura de contrato de prestação de serviço.
Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3o, III, da Lei n. 10.820/2003).
A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1o da Resolução CMN n. 3.694/2009).
Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser FUNDAMENTAL para manifestação inequívoca do consentimento.
A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei.
A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar.
É válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo, a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito.
RECURSO ESPECIAL
I) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria. II) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho. III) Modulação dos efeitos da decisão (art. 927, § 3º, do CPC/2015): nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (data do julgamento do REsp n. 1.312.736/RS – Tema repetitivo n. 955/STJ) – se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devem compor a base de cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso.IV) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar.
REsp 1.740.397-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 11/12/2020 (Tema 1021).
Tânia, ex-empregada do Banco Brasileiro, ajuizou ação de revisão de benefício contra PRIVI, aduzindo que trabalhou para o Banco Brasileiro S/A de 1/7/1987 a 1/9/2004, ocasião em que se aposentou, passando a receber benefício de suplementação de aposentadoria diretamente da ré. Na inicial, narrou que o ex-empregador teria deixado de adimplir corretamente as verbas referentes a anuênios, que foram consideradas devidas em reclamação trabalhista ajuizada contra o ex-empregador, outrossim condenado ao recolhimento das contribuições incidentes sobre as verbas pagas.
O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau de jurisdição, sob o entendimento de ser indevida a revisão da suplementação de aposentadoria a fim de incluir verbas de natureza salarial reconhecidas no âmbito da Justiça Laboral por dois motivos: falta de custeio e de previsão regulamentar.
A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça local. Inconformada, a autora interpôs recurso especial no qual defendeu a possibilidade de revisão do benefício concedido, para a inclusão das verbas referentes aos anuênios, obtidas na Justiça do Trabalho.
R: NÃO.
No julgamento do REsp Repetitivo 1.312.736/RS, conclui-se pela inviabilidade da inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.
|Mostra-se adequada e coerente, a afirmação da TESE MAIS AMPLA, para que o enunciado estabelecido no Tema n. 955/STJ seja aplicável ao pedido de incorporação de quaisquer verbas remuneratórias no benefício já concedido, pois a verba em si (horas extras habituais) não foi motivo determinante para o entendimento fixado no julgamento do REsp 1.312.736/RS.
O que efetivamente se decidiu foi pela impossibilidade da incorporação pretendida, não obstante haver previsão no plano de que verbas de natureza remuneratória (naquele caso específico, as horas extraordinárias habituais) deveriam compor a base de cálculo das contribuições do patrocinador e do participante e servir de parâmetro para o cálculo da renda mensal inicial do benefício, dada a natureza do regime de capitalização – que exige a prévia formação de reserva capaz de garantir o pagamento do benefício – e a inviabilidade da recomposição dessa reserva.
Seja qual for a espécie de verba remuneratória reivindicada perante a Justiça do Trabalho, é possível concluir, como se afirmou no repetitivo anterior, pela IMPOSSIBILIDADE de sua incorporação no benefício de previdência complementar, caso não haja o prévio aporte, nos termos exigidos pelo respectivo regulamento, porque invariavelmente haverá prejuízo para o equilíbrio atuarial do plano. A tese mais abrangente se mostra, portanto, não apenas adequada, mas necessária para assegurar a ISONOMIA e conferir segurança jurídica em sua aplicação.
I) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos de quaisquer verbas remuneratórias reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.
II) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.
III) Modulação dos efeitos da decisão (art. 927, § 3º, do CPC/2015): nas demandas ajuizadas na Justiça comum até 8/8/2018 (data do julgamento do REsp n. 1.312.736/RS – Tema repetitivo n. 955/STJ) – se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias, reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar de que as parcelas de natureza remuneratória devem compor a base de cálculo das contribuições a serem recolhidas e servir de parâmetro para o cômputo da renda mensal inicial do benefício, e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte, a ser vertido pelo participante, de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso.IV) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar.
RECURSO ESPECIAL
Cabe agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias proferidas no processo de recuperação judicial e no processo de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.
REsp 1.717.213-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 03/12/2020, DJe 10/12/2020 (Tema 1022)
Imper Ltda ajuizou ação de recuperação judicial. Em decisão interlocutória, o juízo determinou ao autor que devolvesse à Caixa Econômica Federal, em 48 horas, o valor de R$ 942.388,53, sob pena de penhora online do valor e multa de R$ 50.000,00.
Inconformada, a recuperanda interpôs agravo de instrumento e, diante do não conhecimento deste, agravo interno. Porém, mesmo o agravo interno acabou sendo não provido por entender o Tribunal de Justiça local que não seria cabível o recurso de agravo de instrumento fora das hipóteses taxativas previstas nos incisos I a XI, do art. 1015, do CPC/15, não sendo possível qualquer interpretação extensiva.
Imper então interpôs recurso especial no qual sustentou que a natureza jurídica e as especificidades existentes nas ações recuperacionais e falimentares exigem que a elas não se aplique o regime do art. 1.015, incisos, CPC/15, mas, sim, o regime do art. 1.015, parágrafo único, CPC/15, que elencaria, em rol não exaustivo, as hipóteses de recorribilidade imediata de todas as decisões interlocutórias.
CPC/2015:
Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 17. Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.
Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em assembléia-geral.
Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.
§ 2º Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.
Art. 100. Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação.
R: SIM.
No regime recursal adotado pelo CPC/2015, há dois diferentes modelos de recorribilidade das decisões interlocutórias:
i) para as decisões proferidas na fase de conhecimento, será cabível o agravo de instrumento nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015, observado, ainda, o abrandamento da taxatividade desse rol em razão da tese fixada por ocasião do julgamento do Tema Repetitivo 988 (tese da taxatividade mitigada);
ii) para as decisões proferidas nas fases de liquidação e cumprimento da sentença, no processo executivo e na ação de inventário, será cabível o agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias, por força do art. 1.015, parágrafo único.
O regime recursal diferenciado para as decisões interlocutórias proferidas nas fases de liquidação e cumprimento de sentença, no processo executivo e na ação de inventário se justifica pela impossibilidade de rediscussão posterior da questão objeto da interlocutória, na medida em que nem sempre haverá apelação nessas espécies de fases procedimentais e processos, inviabilizando a incidência da regra do art. 1.009, §1º, do CPC/2015 e também pela altíssima invasividade e gravidade das decisões interlocutórias proferidas nessas espécies de fases procedimentais e processos, uma vez que, em regra, serão praticados inúmeros e sucessivos atos judiciais de índole satisfativa (pagamento, penhora, expropriação e alienação de bens, etc.) que se revelam claramente incompatíveis com a recorribilidade apenas diferida das decisões interlocutórias.
Conquanto a Lei n. 11.101/2005 preveja o cabimento do agravo de instrumento em específicas hipóteses, como, por exemplo, o art. 17, caput, art. 59, §2º e art. 100, não se pode olvidar que, por ocasião da edição da referida lei, vigorava no Brasil o CPC/1973, cujo sistema recursal, no que tange às decisões interlocutórias, era diametralmente oposto ao regime recursal instituído pelo CPC/2015, de modo que a escolha, pelo legislador, de apenas algumas específicas hipóteses de recorribilidade imediata das interlocutórias proferidas nos processos recuperacionais e falimentares deve ser interpretada como o reconhecimento de que, naquelas hipóteses, estava presumidamente presente o risco de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, requisito exigido pelo art. 522, caput, do CPC/1973.
Ao se reinterpretar a questão relacionada à recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas nos processos recuperacionais e falimentares à luz do regime instituído pelo CPC/2015, conclui-se que, tendo o processo recuperacional a NATUREZA JURÍDICA DE LIQUIDAÇÃO e de execução negocial das dívidas da pessoa jurídica em recuperação e tendo o processo falimentar a natureza jurídica de liquidação e de execução coletiva das dívidas da pessoa jurídica falida, a esses processos deve ser aplicada a regra do art. 1.015, parágrafo único, do novo CPC.
Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: Cabe agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias proferidas no processo de recuperação judicial e no processo de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.
Para propiciar segurança jurídica e proteger as partes que, confiando na irrecorribilidade das decisões interlocutórias fora das hipóteses de cabimento previstas na Lei n. 11.101/2005, não interpuseram agravo de instrumento com base no art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, faz-se necessário estabelecer que:
Cabe agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias proferidas no processo de recuperação judicial e no processo de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Não é admissível, nem excepcionalmente, a impetração de mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias após a publicação do acórdão em que se fixou a tese referente ao tema repetitivo 988, segundo a qual “o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
RMS 63.202-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 01/12/2020, DJe 18/12/2020
Comercial Zenaide promoveu ação de rescisão contratual c/c pedido indenizatório contra Marcos e Lexa, tendo requerido, em sua inicial, além da procedência dos pedidos ali expendidos, a citação da parte demandada para, querendo, comparecer à audiência de conciliação a ser designada e apresentar contestação no prazo legal.
O Juízo de primeiro grau, ao receber a petição inicial, antevendo a impossibilidade de reunir o feito com outro a ele conexo, já sentenciado, postergou a análise acerca da conveniência da designação da audiência de conciliação para momento oportuno, “a fim de adequar o rito processual às necessidades do conflito”, com esteio no art. 139, VI, do CPC/2015, razão pela qual determinou a citação dos réus para apresentarem a contestação no prazo de 15 (quinze) dias.
No prazo da contestação, Marco, em caráter de urgência, requereu a designação de audiência de conciliação e mediação, assinalando, em suma, que, tanto a parte autora, como a parte requerida, nessa oportunidade, manifestaram, de modo expresso, seu interesse na realização da audiência de conciliação e mediação, porém o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido em razão da dificuldade de pauta e da própria matéria discutida nos autos.
Marco então impetrou mandado de segurança no qual sustentou ter sido ferido seu direito líquido e certo ao devido processo legal. O mandado de segurança teve provimento negado por entender o Tribunal de Justiça local que a decisão que posterga marcação de audiência de conciliação não seria teratológica e, portanto, não caberia mandado de segurança, uma vez ausente o direito líquido e certo. Marco então interpôs recurso ordinário no qual defende o cabimento do manejo de mandado de segurança para a hipótese em tela.
Cinge-se a controvérsia a definir se, após a publicação do acórdão em que se fixou a tese referente ao tema repetitivo 988, é admissível, ainda que excepcionalmente, a impetração de mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias
CPC: Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
R: NÃO.
Inicialmente, é preciso reconhecer desde logo a premissa no sentido de que ser inócuo e inútil impugnar, apenas em apelação ou em contrarrazões, a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes.
De fato, de nada adiantará, do ponto de vista prático, uma eventual impugnação diferida sobre um ato processual que se pretende seja praticado no início do processo, especialmente porque diante da irreversibilidade dos efeitos que serão produzidos com a referida decisão e dos danos alegadamente sofridos pelas partes.
Quanto a via impugnativa adequada, a decisão judicial que, a requerimento do réu, indefere o pedido de designação da audiência de conciliação prevista no art. 334, caput, do CPC, ao fundamento de dificuldade de pauta, proferida após a publicação do acórdão que fixou a tese da taxatividade mitigada, somente é impugnável por agravo de instrumento e não por mandado de segurança.
Conquanto seja excepcionalmente admissível a impugnação de decisões judiciais lato sensu por mandado de segurança, NÃO é admissível, nem mesmo excepcionalmente, a impugnação de decisões interlocutórias por mandado de segurança após a tese firmada no tema repetitivo 988, que estabeleceu uma exceção ao posicionamento há muito adotado nesta Corte, especificamente no que tange à impugnabilidade das interlocutórias, de modo a vedar, em absoluto, a impugnação dessa espécie de decisão pelas partes mediante mandado de segurança, porque há via impugnativa recursal apropriada, o agravo de instrumento.
Não é admissível, nem excepcionalmente, a impetração de mandado de segurança para impugnar decisões interlocutórias após a publicação do acórdão em que se fixou a tese referente ao tema repetitivo 988, segundo a qual “o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.
RECURSO ESPECIAL
Há litisconsórcio passivo necessário da União e da Agência Nacional de Saúde em ação coletiva que afete a esfera do poder regulador da entidade da Administração Pública.
REsp 1.188.443-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020
Trata-se de ação coletiva que tem como causa de pedir a invocação de que a Resolução n. 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar – Consu, reproduzida em cláusulas de contratos de planos e seguros de saúde das rés, alegadamente extrapolou os lindes estabelecidos pela Lei n. 9.656/1998, ao impor o limite, no período de carência contratual, de 12 horas para atendimento aos beneficiários dos planos ambulatoriais e hospitalares.
Lei n. 9.961/2000:
Art. 4o Compete à ANS:
I – propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar – Consu para a regulação do setor de saúde suplementar;
XXIX – fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei no 9.656, de 1998, e de sua regulamentação;
XXX – aplicar as penalidades pelo descumprimento da Lei no 9.656, de 1998, e de sua regulamentação;
CPC/2015:
Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.
Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:
I – nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;
R: SIM.
Com efeito, o exame da higidez do ato administrativo é questão prejudicial ao acolhimento do pedido, que implica tacitamente obstar seus efeitos, ao fundamento de violação de direito de terceiros (beneficiários de planos e seguros de saúde).
Por um lado, o art. 4º, incisos I, XXIX e XXX, da Lei n. 9.961/2000 estabelece que compete à Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS: I – propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho de Saúde Suplementar – Consu para a regulação do setor de saúde suplementar; XXIX – fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei n. 9.656, de 1998, e de sua regulamentação; XXX – aplicar as penalidades pelo descumprimento da Lei n. 9.656, de 1998, e de sua regulamentação.
Por outro lado, o contrato (o regulamento contratual) não se confunde com o instrumento contratual, sendo as normas legais e os atos das autoridades constituídas – notadamente em se tratando de relação contratual a envolver a saúde suplementar, que sofre forte intervenção estatal -, juntamente com a vontade das partes (que exprime o poder de autonomia), os agentes típicos das limitações à liberdade contratual dos particulares, isto é, são as fontes do regulamento contratual, para cuja concreta determinação, segundo as circunstâncias e em diferentes medidas, podem concorrer.
Nos termos do art. 47 do CPC/1973, há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei “ou pela natureza da relação jurídica”, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. E o art. 114 do CPC/2015 também estabelece que o litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. Já o art. 115, I, do CPC/2015 dispõe que a sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo.
Assim, orienta a doutrina que parte legítima para a causa é quem figura na relação como titular dos interesses em lide ou, ainda, como substituto processual. No tocante aos substituídos da ação civil pública e às inúmeras seguradoras e operadoras de planos de saúde rés, o pedido mediato da ação, bem como o decidido pelas instâncias ordinárias, pretensamente esvazia os efeitos do ato regulamentar administrativo (que vincula fornecedores e consumidores), a par de ensejar a possibilidade de coexistência de decisões inconciliáveis, caso o ato administrativo venha a ser questionado na Justiça Federal e considerado hígido.
Consoante a jurisprudência da Primeira Seção do STJ, HÁ LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO quando o pedido formulado na inicial da ação afetar a esfera do poder regulador de entidade da administração pública.
Nessa linha, não se tratando de ação coletiva visando dar cumprimento à regulamentação legal e/ou infralegal – hipótese mais frequente, em que é inquestionável a competência da Justiça Estadual e a ausência de interesse institucional da União e da ANS -, mas de tentativa, por via TRANSVERSA, sem a participação das entidades institucionalmente interessadas, de afastar os efeitos de disposição cogente infralegal, ocasionando embaraço às atividades fiscalizatórias e sancionatórias da ANS, sem propiciar às entidades da administração pública federal o exercício da ampla defesa e do contraditório, até mesmo para eventualmente demonstrarem o interesse público na manutenção dos efeitos da norma, devem integrar o polo passivo da demanda a União e a ANS.
Há litisconsórcio passivo necessário da União e da Agência Nacional de Saúde em ação coletiva que afete a esfera do poder regulador da entidade da Administração Pública.
RECURSO ESPECIAL
A menção a convenções abstratas que não possuem validade e eficácia no Direito Interno não é suficiente à configuração do prequestionamento, mesmo que em sua forma implícita.
REsp 1.821.336-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 04/02/2020, DJe 22/10/2020
SG LTDA impetrou Mandado de Segurança tendo por objeto o afastamento da tributação pelo Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF sobre valores remetidos a empresas sediadas no exterior, a título de pagamento por serviços que não envolvem transferência de tecnologia.
A Fazenda Nacional de opôs ao pleito da empresa e sustenta cabível a aplicação da norma especial (art. 12 do Modelo de Convenção da OCDE), em vez da norma geral (art. 7º do Modelo de Convenção da OCDE). A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça por meio de recurso especial para decisão.
R: NÃO.
No caso, a corte de origem menciona o art. 12 da Convenção Modelo da OCDE para concluir que os valores remetidos ao exterior não se enquadram no conceito de royalties, pois os serviços prestados pela impetrante não implicam transferência de tecnologia.
Em análise superficial, pode induzir a reconhecimento do prequestionamento implícito da matéria. No entanto, uma peculiaridade: a referência ao art. 12 da Convenção Modelo da OCDE, instrumento de soft law por excelência, NÃO é suficiente à configuração do prequestionamento.
Em outras palavras, a menção à abstrata Convenção Modelo da OCDE, que não possui, per si, validade e eficácia no Direito Interno, não é suficiente à configuração do prequestionamento, mesmo que em sua forma implícita. Apenas a apreciação das concretas convenções firmadas com base em tal modelo e internalizadas no ordenamento jurídico nacional, essas sim normas jurídicas aptas a produzir efeitos no País, supriria o requisito para conhecimento do apelo nobre.
Sem desprezar a relevância interpretativa dos princípios e normas de Direito Público Internacional, não é possível o reconhecimento do prequestionamento implícito, baseado em mera recomendação internacional, que nem sequer se enquadra no conceito de “lei federal” para fins de interposição de Recurso Especial.
Ademais, a redação do art. 12 da Convenção Modelo da OCDE (lato sensu) não é suficiente à conclusão que a parte recorrente pretende ver acolhida. Apenas com análise de cada Protocolo específico, questão não suscitada pela recorrente na Corte de origem, é possível definir o alcance da expressão “informações correspondentes á experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico”. Esse é o ponto central da argumentação do Recurso Especial, que não foi tratado no acórdão recorrido e não foi objeto da oposição de aclaratórios.
A menção a convenções abstratas que não possuem validade e eficácia no Direito Interno não é suficiente à configuração do prequestionamento, mesmo que em sua forma implícita.
RECURSO ESPECIAL
O prazo para impugnação se inicia após 15 (quinze) dias da intimação para pagar o débito, ainda que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, independentemente de nova intimação.
REsp 1.761.068-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020
Maria foi intimada em 19/04/2016 para que, em 15 dias, efetuasse o pagamento do valor excutado. O depósito judicial do valor apontado foi realizado em 9/5/2016 e a impugnação ao cumprimento de sentença foi apresentada somente em 3/6/2016.
O exequente alegou a intempestividade da impugnação ao cumprimento de sentença por ter sido apresentada após o prazo de 15 dias úteis contados a partir da data do depósito judicial. A tese foi afastada pelo magistrado de primeiro grau por entender que o prazo para impugnação se inicia tão logo tenha transcorrido o prazo para pagamento voluntário, independentemente de penhora ou nova intimação.
O Tribunal de Justiça local manteve a decisão de piso por entender que o prazo para oferecimento da impugnação é de 30 dias ininterruptos, mesmo na hipótese em que o executado oferece garantia ao juízo.
O exequente então interpôs recurso especial no qual sustenta a intempestividade da impugnação ao cumprimento de sentença ao argumento de que o termo inicial para sua apresentação é a data em que realizado o depósito, e não o término do prazo para pagamento voluntário do débito.
CPC/2015:
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
§ 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
§ 6º A apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.
R: NÃO.
Na vigência do CPC/1973, prevaleceu na Segunda Seção que, havendo depósito judicial do valor da execução, a constituição da penhora é automática, independente da lavratura do respectivo termo, motivo pelo qual o prazo para oferecer embargos do devedor deveria ser a data da efetivação do depósito judicial da quantia objeto da ação de execução.
Referida orientação tinha em vista a previsão do art. 738, I e II, do CPC/1973, em sua redação originária, anterior à reforma da Lei n. 11.232/2005, que estabelecia a garantia do juízo como pressuposto dos embargos do devedor e que previa que o prazo para a sua apresentação de embargos tinha início com a intimação da penhora ou do termo de depósito judicial.
No CPC/2015, com a redação do art. 525, § 6º, a garantia do juízo deixa expressamente de ser requisito para a apresentação do cumprimento de sentença, passando a se tornar apenas mais uma CONDIÇÃO para a suspensão dos atos executivos.
De fato, nos termos do § 3º do art. 523 do CPC/2015, somente após não ter sido efetuado o pagamento no prazo de 15 dias da intimação do executado será expedido, desde logo, o mandado de penhora e avaliação, o que se justifica pelo fato de que, conforme a doutrina, “antes de decorrido o prazo para pagamento voluntário não se justifica a prática de atos executivos”.
Não por outra razão, o art. 525, caput, dispõe que o prazo de 15 dias para a apresentação da impugnação se inicia após o prazo do pagamento voluntário, independentemente de nova intimação.
Logicamente, portanto, se o mandado de penhora só pode ser expedido após o prazo de 15 (quinze) dias do pagamento espontâneo, não há razão para se considerar que a garantia do juízo é pré-requisito da apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença.
Da mesma forma, se, nos termos do CPC/1973, segundo a redação do § 1º do art. 475-J, tão logo o juízo estivesse assegurado pela constrição de bens – requisito de admissibilidade da reação do devedor -, deveria ser realizada a intimação da penhora, quando, então, querendo, poderia o devedor apresentar impugnação no prazo de quinze dias; na atual redação do CPC/2015, a garantia do juízo é completamente dispensável para viabilizar a impugnação, sendo, assim, igualmente, dispensada a intimação, na hipótese de penhora, ou o reconhecimento da ocorrência de comparecimento espontâneo, por meio do depósito, para que o prazo para a impugnação comece a ter curso, porquanto não têm essas circunstâncias qualquer influência sobre esse fato processual.
Realmente, a apresentação de garantia do juízo não supre eventual falta intimação, eis que, na forma dos arts. 523 e 525 do CPC/2015, a intimação para a apresentação da impugnação, se houver interesse, já se torna perfeita com a intimação para pagar o débito, tendo início automático após o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento espontâneo da obrigação.
Assim, por disposição expressa do art. 525, caput, do novo CPC, mesmo que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, o prazo para a apresentação da impugnação somente se inicia após transcorridos os 15 (quinze) dias contados da intimação para pagar o débito, previsto no art. 523 do CPC/2015, independentemente de nova intimação.
O prazo para impugnação se inicia após 15 (quinze) dias da intimação para pagar o débito, ainda que o executado realize o depósito para garantia do juízo no prazo para pagamento voluntário, independentemente de nova intimação.
RECURSO ESPECIAL (ART. 7º REVOGADO PELA “NOVA LEI DE FALÊNCIAS)
Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.
REsp 1.842.911-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/12/2020, DJe 17/12/2020 (Tema 1051)
Virgínia ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização e repetição do indébito em desfavor de Olá S.A., objetivando o restabelecimento do serviço de seu terminal telefônico, a reparação pelos danos morais experimentados e a devolução dos valores pagos indevidamente.
Os pedidos foram julgados procedentes para condenar a ré a restabelecer o serviço, sob pena de multa diária, e ao pagamento de indenização por danos morais. A ré então interpôs agravo de instrumento alegando que, diversamente do afirmado pelo Juízo de primeiro grau, o crédito tem natureza concursal, pois seu fato gerador é anterior ao pedido de recuperação judicial.
Ocorre que o Tribunal de Justiça local negou provimento ao agravo de instrumento, ao entendimento de que o crédito tem natureza extraconcursal, fato que impediria sua sujeição aos efeitos da recuperação judicial, impondo-se o prosseguimento do processo até a liquidação do crédito, com o cômputo de juros e atualização monetária.
Inconformada, a companhia telefônica interpôs recurso especial no qual sustenta que o marco a ser considerado para definir o crédito como concursal ou extraconcursal seria a data do fato gerador e não a sua liquidação definitiva. Ressaltou ainda que o crédito concursal é aquele existente na data do pedido, ainda que não vencido, devendo ser atualizado até a data do pedido de recuperação judicial.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
§ 7º-A. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
R: A data do respectivo FATO GERADOR.
A questão controvertida consiste em definir, a partir da interpretação do artigo 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, se a existência do crédito é determinada pela data de seu fato gerador ou pelo trânsito em julgado da sentença que o reconhece.
Conforme se percebe da leitura do referido artigo, nem todos os credores estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial, mas somente aqueles titulares de créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, e que não foram excepcionados pelo artigo 49, §§ 3º e 4º, da Lei n. 11.101/2005. Além disso, os créditos de natureza fiscal estão excluídos da recuperação judicial (art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/2005).
Diante dessa opção do legislador de excluir determinados credores da recuperação judicial, mostra-se imprescindível identificar o que deve ser considerado como crédito existente na data do pedido ainda que não vencido.
A matéria ganha especial dificuldade no que respeita aos créditos que dependem de liquidação. Os créditos ilíquidos decorrentes de responsabilidade civil, das relações de trabalho e de prestação de serviços, entre outros, dão ensejo a DUAS INTERPRETAÇÕES quanto ao momento de sua existência, que podem ser assim resumidas:
A primeira corrente interpretativa parte do pressuposto de que somente nas situações em que a obrigação é descumprida, sendo necessária a intervenção do Poder Judiciário para que a prestação seja satisfeita, é que se poderia falar em existência do crédito. No entanto, o crédito pode ser satisfeito espontaneamente, a partir da quantificação acordada pelas partes, extinguindo-se a obrigação.
Disso decorre que a existência do crédito NÃO depende de declaração judicial. Na verdade, confunde-se o conceito de obrigação e de responsabilidade. A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e credor, o liame entre as partes, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de crédito). Assim, a prestação do trabalho, na relação trabalhista, faz surgir o direito ao crédito; na relação de prestação de serviços, a realização do serviço.
Na responsabilidade civil contratual, o vínculo jurídico precede a ocorrência do ilícito que faz surgir o dever de indenizar. Na responsabilidade jurídica extracontratual, o liame entre as partes se estabelece concomitantemente com a ocorrência do evento danoso. De todo modo, ocorrido o ato lesivo, surge o direito ao crédito relativo à reparação dos danos causados.
Ou seja, os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de recuperação, isto é, de fatos praticados ou de negócios celebrados pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, excetuados aqueles expressamente apontados na lei de regência. Nessa linha, foi editado o Enunciado n. 100 da III Jornada de Direito Comercial, que tem o seguinte teor: “Consideram-se sujeitos à recuperação judicial, na forma do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, os créditos decorrentes de fatos geradores anteriores ao pedido de recuperação, independentemente da data de eventual acordo, sentença ou trânsito em julgado.”
Ocorrido o fato gerador, surge o direito de crédito, sendo o adimplemento e a responsabilidade elementos subsequentes, não interferindo na sua constituição.
Diante disso, conclui-se que a submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial não depende de sentença que o declare ou o quantifique, menos ainda de seu trânsito em julgado, bastando a ocorrência do fato gerador, conforme defende a segunda corrente interpretativa mencionada e o entendimento adotado pela iterativa jurisprudência desta Corte.
Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.
HABEAS CORPUS
O deslocamento da majorante sobejante para outra fase da dosimetria, além de não contrariar o sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.
HC 463.434-MT, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/11/2020, DJe 18/12/2020
Geraldão impetrou Habeas Corpus com o intuito de rever a pena a que foi condenado. Sua defesa alega que a existência de 3 causas especiais de aumento de pena não justifica o aumento da pena-base, aumento na pena intermediária e ainda aumento exasperado na terceira fase, sob pena de se incorrer em bis in idem.
Sustentou ainda que faria jus ao reconhecimento da minorante da participação de menor importância, bem como a regime inicial diverso do fechado, de acordo com o art. 33, § 2.º, do Código Penal.
Código Penal:
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;(
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
Parágrafo único – No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua
R: SIM.
A questão jurídica diz respeito, em síntese, à valoração de majorantes sobejantes na primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena, a depender se a causa de aumento traz patamar fixo ou variável.
De início, ressalta-se que não é possível dar tratamento diferenciado à causa de aumento que traz patamar fixo e à que traz patamar variável, porquanto, além de não se verificar utilidade na referida distinção, o mesmo instituto jurídico teria tratamento distinto a depender de critério que não integra sua natureza jurídica.
Quanto à possibilidade propriamente dita de deslocar a majorante sobejante para outra fase da dosimetria, considero que se trata de providência que, além de não contrariar o sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.
Com efeito, o sistema trifásico, trazido no art. 68 do Código Penal, disciplina que a fixação da pena observará três fases: a fixação da pena-base, por meio da valoração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal; a fixação da pena intermediária, com a valoração das atenuantes e das agravantes; e a pena definitiva, após a incidência das causas de diminuição e de aumento da pena.
O Código Penal não atribui um patamar fixo às circunstâncias judiciais nem às agravantes e atenuantes, as quais devem ser sopesadas de acordo com o livre convencimento motivado do Magistrado, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As causas de aumento e de diminuição, por seu turno, já apresentam os patamares que devem ser utilizados, de forma fixa ou variável. Segundo a doutrina, as causas de aumento também são chamadas de qualificadoras em sentido amplo e, “por integrarem a estrutura típica do delito, permitem a fixação da pena acima do máximo em abstrato previsto pelo legislador”.
Nessa linha de raciocínio, nos mesmos moldes em que ocorre com o crime qualificado, já existindo uma circunstância que qualifique ou majore o crime, autorizando, assim, a alteração do preceito secundário, ou a incidência de fração de aumento, considera-se correta a jurisprudência que prevalece no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que as qualificadoras e majorantes sobressalentes podem ser valoradas na primeira ou na segunda fase da dosimetria da pena.
De fato, da mesma forma que a existência de mais de uma qualificadora não modifica nem o tipo penal nem o preceito secundário, tem-se que a existência de mais de uma majorante também não autoriza a retirada da fração de aumento do mínimo, uma vez que se “exige fundamentação concreta, não sendo suficiente a mera indicação do número de majorantes”, nos termos do entendimento sumulado no verbete n. 443 da Súmula desta Corte.
Nesse contexto, a desconsideração tanto da qualificadora quanto da majorante sobressalentes acaba por violar o princípio da individualização da pena, o qual preconiza a necessidade de a pena ser aplicada em observância ao caso concreto, com a valoração de todas as circunstâncias objetivas e subjetivas do crime.
Ademais, referida desconsideração vai de encontro ao sistema trifásico, pois as causas de aumento (3ª fase), assim como algumas das agravantes, são, em regra, circunstâncias do crime (1ª fase) valoradas de forma mais gravosa pelo legislador.
Não sendo valoradas na terceira fase, nada impede sua valoração de forma residual na primeira ou na segunda fases.
A desconsideração das majorantes sobressalentes na dosimetria acabaria por subverter a própria individualização da pena realizada pelo legislador, uma vez que as circunstâncias consideradas mais gravosas, a ponto de serem tratadas como causas de aumento, acabariam sendo desprezadas. Lado outro, se não tivessem sido previstas como majorantes, poderiam ser integralmente valoradas na primeira e na segunda fases da dosimetria.
Por fim, não há se falar que o deslocamento da causa de aumento para a primeira fase permite o “agravamento do regime prisional por via transversa”, porquanto o que não se admite é a fixação de regime prisional mais gravoso sem a devida fundamentação. Assim, ainda que a pena-base seja fixada no mínimo legal, é possível a imposição de regime mais gravoso que o estabelecido em lei, desde que seja declinada motivação concreta.
O deslocamento da majorante sobejante para outra fase da dosimetria, além de não contrariar o sistema trifásico, é a que melhor se coaduna com o princípio da individualização da pena.
HABEAS CORPUS
O crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado não integra o rol dos crimes hediondos.
HC 525.249-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020
Daniel foi condenado a 6 anos de reclusão, em regime semiaberto, pela prática dos delitos de receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida.
O Ministério Público pleiteou a exclusão da anotação de hediondez na guia de execução de Daniel. O pedido foi indeferido pela Magistrada das Execuções Penais, tendo em vista que o art. 16, § único da Lei 10.826 passou a ser hediondo em razão da alteração pela Lei. 13.497/2017. Inconformado, o Apenado interpôs recurso de agravo em execução, que foi desprovido pela Corte local.
Irresignada, a Defensoria Pública Estadual impetrou Habeas Corpus no qual sustenta que a decisão que reconheceu o caráter hediondo do delito previsto no art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.º 10.826/2003, afrontaria o princípio da legalidade, o qual determina que não há pena sem prévia cominação, já que a previsão da lei dos Crimes Hediondos não inclui o parágrafo único do art. 16, da Lei n.º 10.826/03, bem como o Decreto que regulamente esta lei não classifica a arma de fogo apreendida com o paciente como de uso restrito.
Lei n. 10.826/2003:
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Art. 1o O Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional.
R: NÃO.
Os Legisladores, ao elaborarem a Lei n. 13.497/2017 – que alterou a Lei de Crimes Hediondos – quiseram conferir tratamento mais gravoso apenas ao crime de posse ou porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso proibido ou restrito, não abrangendo o crime de posse ou porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso permitido.
Ao pleitear a exclusão do projeto de lei dos crimes de comércio ilegal e de tráfico internacional de armas de fogo, o Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal propôs “que apenas os crimes que envolvam a utilização de armas de fogo de uso restrito, ou seja, aquelas de uso reservado pelos agentes de segurança pública e Forças Armadas, sejam incluídos no rol dos crimes hediondos”.
O Relator na Câmara dos Deputados destacou que “aquele que adquire ou possui, clandestinamente, um fuzil, que pode chegar a custar R$ 50.000, (cinquenta mil reais), o equivalente a uns dez quilos de cocaína, tem perfil diferenciado daquele que, nas mesmas condições, tem arma de comércio permitido”. Importante ainda esclarecer que a Lei n. 13.964/2019 alterou a redação da Lei de Crimes Hediondos.
Antes da vigência de tal norma, o dispositivo legal considerava equiparado à hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003. Atualmente, considera-se equiparado à hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei n.º 10.826/2003. Cabe destacar que a alteração na redação da Lei de Crimes Hediondos apenas reforça o entendimento ora afirmado, no sentido da natureza não hedionda do porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado.
Por oportuno, ressalta-se que no Relatório apresentado pelo Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater as mudanças promovidas na Legislação Penal e Processual Penal pelos Projetos de Lei n. 10.372/2018, n. 10.373/2018, e n. 882/2019 – GTPENAL, da Câmara dos Deputados foi afirmada a especial gravidade da conduta de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido, de modo que se deve “coibir mais severamente os criminosos que adquirem ou “alugam” armamento pesado […], ampliando consideravelmente o mercado do tráfico de armas”. Outrossim, ao alterar a redação do art. 16 da Lei n. 10.826/2003, com a imposição de penas diferenciadas para o posse ou porte de arma de fogo de uso restrito e de uso proibido, a Lei n. 13.964/2019 atribuiu reprovação criminal diversa a depender da classificação do armamento como de uso permitido, restrito ou proibido.
Acerca do assunto, esta Corte Superior, até o momento, afirmava que os Legisladores atribuíram reprovação criminal equivalente às condutas descritas no caput do art. 16 da Lei n. 10.826/2003 e ao porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida, equiparando a gravidade da ação e do resultado. Todavia, diante dos fundamentos ora apresentados, tal entendimento deve ser SUPERADO (overruling).
Corrobora a necessidade de superação a constatação de que, diante de texto legal obscuro – como é o parágrafo único do art. 1.º da Lei de Crimes Hediondos, na parte em que dispõe sobre a hediondez do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo – e de tema com repercussões relevantes, na execução penal, cabe ao Julgador adotar postura redutora de danos, em consonância com o princípio da humanidade.
O crime de posse ou porte de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado não integra o rol dos crimes hediondos.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
É ilegal a aplicação de astreintes, por descumprimento de decisão judicial de quebra de sigilo de dados, em virtude da impossibilidade técnica pelo emprego de criptografia de ponta a ponta.
RMS 60.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por maioria, julgado em 09/12/2020, DJe 17/12/2020
O Juízo da Vara de Delitos de Tóxicos de certa comarca determinou a quebra de sigilo de dados no âmbito de um inquérito, sob pena de aplicação de multa diária no importe de R$ 300.000,00, limitada ao valor de R$ 15.000.000,00 e de responsabilização criminal por descumprimento das ordens, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/2013.
Whatsapp Inc, a empresa que deveria fornecer tais informações, alegou a impossibilidade de fornecê-las em razão da criptografia que protege tais dados. Ainda assim, o Juízo optou pela aplicação da multa diária. Inconformada, Whatsapp Inc impetrou mandado de segurança contra a aplicação das multas, porém, o Tribunal de Justiça local entendeu que não subsistiria o argumento de impossibilidade técnica quando existentes informações técnicas de que é possível o cumprimento da ordem judicial pela modalidade de desvio.
Da decisão, a empresa optou por apresentar recurso no qual sustenta que a inexistência de qualquer obrigação no Marco Civil ou na Lei de Interceptações que imponha ao recorrente o dever de interceptar seus usuários, tampouco para que altere ou enfraqueça seu serviço em detrimento a todos os seus usuários. Aduz também a incapacidade técnica da empresa de interceptar as informações do seu sistema de criptografia ponta a ponta e ainda a ilegalidade da imposição ou ameaça de imposição de multas pelo descumprimento de uma obrigação impossível, o que caracteriza violação dos arts. 536 e 537 do CPC.
R: NÃO.
A possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória foi reconhecida, por maioria, na Terceira Seção (REsp 1.568.445/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Rel. p/ Acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 24/06/2020, DJe 20/08/2020).
No caso, porém, há de se fazer uma DISTINÇÃO ou um distinguishing entre o precedente citado e a situação em análise cuja controvérsia é a alegação, pela empresa que descumpriu a ordem judicial, da impossibilidade técnica de obedecer à determinação do Juízo, haja vista o emprego da criptografia de ponta a ponta.
Criptografia de ponta a ponta é a proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no outro polo do destinatário. Nela, há “dois tipos de chaves são usados para cada ponta da comunicação, uma chave pública e uma chave privada. As chaves públicas estão disponíveis para as ambas as partes e para qualquer outra pessoa, na verdade, porque todos compartilham suas chaves públicas antes da comunicação. Cada pessoa possui um par de chaves, que são complementares. […] O conteúdo só poderá ser descriptografado usando essa chave pública (…) junto à chave privada (…). Essa chave privada é o único elemento que torna IMPOSSÍVEL para qualquer outro agente descriptografar a mensagem, já que ela não precisa ser compartilhada”.Ao buscar mecanismos de proteção à liberdade de expressão e comunicação privada, por meio da criptografia de ponta a ponta, as empresas estão protegendo direito fundamental, reconhecido expressamente na Carta Magna.
Convém ressaltar que o Ministro Edson Fachin, na ADPF 403, e a Ministra Rosa Weber, na ADI 5527, chegam à mesma conclusão: o ordenamento jurídico brasileiro NÃO autoriza, em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta, em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação.
Assim, em ponderação de valores os benefícios advindos da criptografia de ponta a ponta se sobrepõem às eventuais perdas pela impossibilidade de se coletar os dados das conversas dos usuários da tecnologia.
É ilegal a aplicação de astreintes, por descumprimento de decisão judicial de quebra de sigilo de dados, em virtude da impossibilidade técnica pelo emprego de criptografia de ponta a ponta.
HABEAS CORPUS
O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020
João e Juarez foram condenados, cada um, à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais multa, pelo crime de roubo.
Porém, a defesa sustenta que Juarez o foi condenado, exclusivamente, com base em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas, o que não foi corroborado por outros elementos probatórios. Destaca-se que as vítimas relataram que teriam indicado o autor do assalto com altura de 1,70 m, sendo que Juarez possui 1,95 m de altura, ou seja, 25 centímetros a mais do que o afirmado pelas vítimas.
Código de Processo Penal:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
R: SIM.
O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis.
O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de “mera recomendação” do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório.
O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato.
O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
RECURSO ESPECIAL
O direito ao crédito presumido de IPI só surge na data de exportação e não na data de aquisição dos insumos.
REsp 1.168.001-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por maioria, julgado em 17/11/2020, DJe 17/12/2020
Acco do Brasil Ltda. ajuizou ação na qual questiona a interpretação a conferida ao art. 12 da MP 1.807-2/1999, que restringiu a fruição do benefício fiscal instituído pela Lei 9.363/1996, no período compreendido entre abril e dezembro de 1999.
A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça por meio de recurso especial em uma situação específica, uma vez que a vedação imposta pela MP 1.807-2/1999 atingiu somente as receitas auferidas após a sua entrada em vigor, de modo que a autora manteria o seu direito adquirido à fruição do benefício fiscal instituído pela Lei 9.363/1996 com relação às receitas auferidas até 31.03.1999, mesmo que as mercadorias a elas referentes tenham sido embarcadas em momento posterior, já não podendo, pois, ser atingido pela lei nova – artigo 12, da MP 1.807-2/99 – seja pelo que nela própria disposto, seja em função do princípio da irretroatividade das leis em detrimento a direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos.
Lei n. 9.363/1996:
Art. 1º A empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais fará jus a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados, como ressarcimento das contribuições de que tratam as Leis Complementares nos 7, de 7 de setembro de 1970, 8, de 3 de dezembro de 1970, e 70, de 30 de dezembro de 1991, incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, nos casos de venda a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação para o exterior.
R: A data da EXPORTAÇÃO.
A Lei n. 9.363/1996 instituiu o benefício fiscal de crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI para ressarcimento do valor de PIS/PASEP e COFINS incidente sobre as respectivas aquisições no mercado interno de insumos utilizados no processo produtivo (art. 1º). O objetivo do benefício foi o de desonerar as exportações; a tal propósito, o elemento temporal eleito pelo legislador para o gozo dessa benesse foi a data da exportação (e não a da aquisição dos insumos). Já a MP n. 1.807-2/1.999 promoveu a suspensão da fruição desse mesmo benefício, no período compreendido entre 1º de abril e 31 de dezembro de 1999 (art. 12). Tal suspensão ocorreu nas exportações realizadas no lapso previsto na MP n. 1.807/1999, considerando-se que o direito ao crédito surge quando da realização da exportação (data de registro junto ao SISCOMEX).
Com efeito, “apenas as exportações efetuadas dentro do primeiro trimestre de 1999 geraram crédito presumido de IPI. Isso porque, muito embora se possa dizer que o direito ao crédito tenha por causa desonerar as aquisições no mercado interno, a sua utilização somente pode ocorrer quando da realização da exportação (data de registro junto ao SISCOMEX e embarque da mercadoria), já que o objetivo do benefício é desonerar as exportações” (REsp 1.340.086/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2/5/2017).
O direito ao crédito presumido de IPI só surge na data de exportação e não na data de aquisição dos insumos.
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