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RECURSO ESPECIAL
A pena de suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da condenação.
REsp 1.813.255-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 04/09/2020
Creisson, vereador de certo município, interpôs mandado de segurança contra o ato da Câmara de Vereadores que cassou seu mandato após notícia do trânsito em julgado de Ação de Improbidade Administrativa que impôs ao aludido parlamentar a pena de suspensão dos direitos políticos por três anos.
O Juízo de primeiro grau negou a segurança pleiteada. A Apelação do impetrante foi provida sob o fundamento de que a decisão que cominou a pena de suspensão dos direitos políticos refere-se ao ato de improbidade administrativa cometido em mandato anterior, razão pela qual não poderia atingir o mandato atual.
Cinge-se a controvérsia a definir o alcance da pena de perda de suspensão dos direitos políticos decorrente da condenação por ato de improbidade administrativa com trânsito em julgado
R: NÃO.
No tribunal de origem, entendeu-se que a decisão que cominou a pena de suspensão dos direitos políticos refere-se ao ato de improbidade administrativa cometido em mandato anterior, razão pela qual não poderia atingir o mandato atual (jesuis!!!)
Assim, somente seria admitida a cassação da perda do cargo eletivo ocupado à época em que o ato ímprobo foi praticado, não podendo atingir o mandato exercido ao tempo do trânsito em julgado da sentença prolatada na ação de improbidade.
Esse entendimento CONTRARIA expressamente a Lei n. 8.429/1992, subvertendo sua finalidade de afastar da Administração Pública aqueles que afrontem os princípios constitucionais de probidade, legalidade e moralidade.
No caso, a perda do mandato eletivo de vereador decorre AUTOMATICAMENTE da condenação judicial de suspensão dos direitos políticos na ação de improbidade administrativa já transitada em julgado, sendo o ato da Câmara Municipal vinculado e declaratório.
Além disso, considerando que o pleno exercício dos direitos políticos é pressuposto para o exercício da atividade parlamentar, determinada a suspensão de tais direitos, é evidente que essa suspensão alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da sentença condenatória.
É descabido, portanto, restringir a aludida suspensão ao mandato que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita. Nessa linha já decidiu o Supremo Tribunal Federal (AP 396 QO, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 04/10/2013).
A pena de suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa alcança qualquer mandato eletivo que esteja sendo ocupado à época do trânsito em julgado da condenação.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.
RMS 61.302-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 26/08/2020, DJe 04/09/2020
Moogle Brasil Internet Ltda impetrou mandado de segurança contra ato do Juízo Criminal que autorizou a identificação dos usuários de aplicativos de um conjunto não identificado de pessoas, tão somente pela circunstância aleatória de haverem transitado, em certo lapso de tempo, por determinadas coordenadas geográficas no Município do Rio de Janeiro – RJ. A autorização judicial foi realizada a pedido do Ministério Público Estadual em investigação de homicídio.
Conforme o impetrante, a ordem jurídica brasileira não admite quebras de sigilo e interceptações genéricas, desprovidas de individualização razoável dos indivíduos afetados e das respectivas fundamentações. Aduziu também que houve a inobservância ao princípio da proporcionalidade, porquanto a quebra de sigilo pretendida seria inadequada, ao não oferecer mínima garantia de que levará ao autor ou aos autores dos delitos investigados, e que não há garantia de confiabilidade nos dados de geolocalização a serem pesquisados; seria também desnecessária, uma vez que há medidas e diligências alternativas que podem ser e foram tomadas pelas autoridades policiais; e ainda desproporcional em sentido estrito, pois a determinação aceita o dano colateral de quebrar o sigilo de inocentes, assumindo que a medida extrema seria justificável pela possibilidade, apenas eventual, de se obter alguma pista sobre aqueles que teriam envolvimento nos crimes investigados.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em contrarrazões, aduziu que a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), em seu artigo 3°, prevê a possibilidade da ponderação e/ou afastamento da proteção do direito à privacidade diante de direitos e interesses de igual relevância, sublinhando a coexistência dos princípios que anuncia com outras normas previstas no ordenamento jurídico brasileiro ou em tratados internacionais do qual a República faça parte.
Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Lei n. 9.296/1996:
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Lei n. 12.965/2014:
Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.
Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade:
I – fundados indícios da ocorrência do ilícito;
II – justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; e
III – período ao qual se referem os registros.
Art. 23. Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda de registro.
R: SIM.
Os direitos à vida privada e à intimidade fazem parte do núcleo de direitos relacionados às liberdades individuais, sendo, portanto, protegidos em diversos países e em praticamente todos os documentos importantes de tutela dos direitos humanos.
No Brasil, a Constituição Federal, no art. 5º, X, estabelece que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Nesse contexto, a ideia de SIGILO expressa verdadeiro direito da personalidade, notadamente porque se traduz em garantia constitucional de inviolabilidade dos dados e informações inerentes a pessoa, advindas também de suas relações no âmbito digital.
Em uma sociedade onde a informação é compartilhada cada vez com maior velocidade, nada mais natural que a preocupação do indivíduo em assegurar que fatos inerentes a sua vida pessoal sejam protegidos, sobretudo diante do desvirtuamento ou abuso de interesses de terceiros.
Entretanto, mesmo reconhecendo que o sigilo é expressão de um direito fundamental de alta relevância ligado à personalidade, a doutrina e a jurisprudência compreendem que não se trata de um direito absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível ao interesse público.
De fato, embora deva ser preservado na sua essência, o Superior Tribunal de Justiça, assim como a Suprema Corte, entende que é possível afastar a proteção ao sigilo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública.
Importante ressaltar que a determinação de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, as quais dão acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário. Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações.
Decerto que o art. 5º, X, da CF/88 garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados ou de arquivos virtuais mais sensíveis. Entretanto, o acesso a esses dados registrados ou arquivos virtuais não se confunde com a interceptação das comunicações e, por isso mesmo, a amplitude de proteção não pode ser a mesma.
Dados informáticos ESTÁTICOS | Interceptações das COMUNICAÇÕES |
Arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados | Acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário |
Lei n. 12.965/2014 | Lei n. 9.296/1996 |
Com efeito, o procedimento de que trata o art. 2º da Lei n. 9.296/1996, cujas rotinas estão previstas na Resolução n. 59/2008 (com alterações ocorridas em 2016) do CNJ, os quais regulamentam o art. 5º, XII, da CF, não se aplicam a procedimento que visa a obter dados pessoais estáticos armazenados em seus servidores e sistemas informatizados de um provedor de serviços de internet. A quebra do sigilo desses dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados.
Ademais, NÃO há como pretender dar uma interpretação extensiva aos referidos dispositivos, de modo a abranger a requisição feita em primeiro grau, porque a ordem é dirigida a um provedor de serviço de conexão ou aplicações de internet, cuja relação é devidamente prevista no Marco Civil da Internet, o qual não impõe, entre os requisitos para a quebra do sigilo, que a ordem judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada por outros meios.
Nota-se que os arts. 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) não exigem a indicação ou qualquer elemento de individualização pessoal na decisão judicial. Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros.
NÃO é necessário, portanto, que o magistrado fundamente a requisição com indicação da PESSOA ALVO da investigação, tampouco que justifique a indispensabilidade da medida, ou seja, que a prova da infração não pode ser realizada por outros meios.
Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, (espaço a mais) de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas, até porque o objetivo precípuo dessa medida, na expressiva maioria dos casos, é justamente de proporcionar a identificação do usuário do serviço ou do terminal utilizado.
Quanto à proporcionalidade da quebra de dados informáticos, se a determinação judicial atende aos seguintes critérios:
a) adequação ou idoneidade (dos meios empregados para se atingir o resultado);
b) necessidade ou proibição de excesso (para avaliar a existência ou não de outra solução menos gravosa ao direito fundamental em foco);
c) proporcionalidade em sentido estrito (para aferir a proporcionalidade dos meios empregados para o atingimento dos fins almejados).
Logo, a ordem judicial para quebra do sigilo dos registros, delimitada por parâmetros de pesquisa em determinada região e por período de tempo, não se mostra medida desproporcional, porquanto, tendo como norte a apuração de gravíssimos crimes, não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários possivelmente atingidos por tal diligência.
A determinação judicial de quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários que operaram em determinada área geográfica, suficientemente fundamentada, não ofende a proteção constitucional à privacidade e à intimidade.
RECURSO ESPECIAL
É juridicamente possível obrigar os provedores de aplicação ao fornecimento de IPs e de dados cadastrais de usuários que acessaram perfil de rede social em um determinado período de tempo.
REsp 1.738.651-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 28/08/2020
Maurício e Roberta, casal moderno e ousado, ajuizou ação de “Requerimento de Produção Antecipada de Prova” em face de Esapiens Internet S.A., na qual os autores asseveraram que são usuários do site adulto Sexlogg, o qual foi descrito pelos próprios autores como uma “rede social exclusiva para maiores de 18 (dezoito) anos, formada por pessoas interessadas em sexo, swing, encontros, fetiches, fantasias”. Afirmaram ainda que, de livre e espontânea vontade, criaram uma conta/perfil no site Sexlogg, com a finalidade de publicar “vídeos e imagens de conteúdo adulto” do casal e que efetivamente utilizaram a conta/perfil cadastrada para, de livre e espontânea vontade, divulgar as imagens de conteúdo adulto.
Ocorre que as fotografias postadas na conta/perfil foram reconhecidas como do casal e circulado entre pessoas da cidade de residência deste, através do aplicativo de troca de mensagens “Whatsapp”. O intuito da ação era justamente ter conhecimento de quem teria acessado o perfil do casal no período compreendido entre 01.01.2017 a 01.04.2017, para tentar descobrir os responsáveis pela disseminação das imagens.
O Juízo de 1º grau de jurisdição deferiu tutela de urgência para que a recorrente, no prazo de dez dias, apresentasse uma série de informações, sob multa diária. A provedora combateu a decisão e interpôs recurso especial no qual sustenta a violação aos arts. 3º, 5º, VII, 8º, 15 e 22, I e II, da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Requereu, por fim, a reforma da decisão recorrida para afastar a obrigação de fornecer as informações discriminadas na decisão do Juízo de 1º grau de jurisdição.
Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Lei n. 12.965/2014:
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
VIII – registros de acesso a aplicações de internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP.
Código Civil de 2002:
Art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.
R: SIM.
O propósito consiste em determinar a possibilidade jurídica de obrigação ao fornecimento de IPs e dados cadastrais solicitados, referentes aos usuários que acessaram dado perfil de rede social num período de tempo determinado.
Para tanto, é necessário considerar o que se encontra disposto no Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014 ou MCI) sobre o tema. Tal legislação define como provedor de aplicação de internet todo aquele que oferece um conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet.
Tais fornecedores estão OBRIGADOS a manterem consigo, por um determinado período, um conjunto de informações, normalmente denominadas de obrigações de guarda de registro. No Marco Civil da Internet, há duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão e os registros de acesso à aplicação.
A previsão legal para guarda desses dados objetiva facilitar a identificação de usuários da internet pelas autoridades competentes e mediante ordem judicial, porque a responsabilização dos usuários é um dos princípios do uso da internet no Brasil, conforme o art. 3º, VI, da mencionada lei.
Os registros de conexão são definidos como “o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados”.
Por sua vez, os provedores de aplicação constituídos “na forma de pessoa jurídica e que exerçam essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos”, tem a obrigação de armazenar, por seis meses o “conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP”, conforme o art. 5º, VIII, do Marco Civil da Internet.
Quanto ao tema, é de amplo conhecimento que esta Corte Superior firmou entendimento de que as prestadoras de serviço de internet, como as demais empresas, estariam sujeitas a um dever legal de escrituração e registro de suas atividades durante o prazo prescricional de eventual ação de reparação civil, dever que tem origem no art. 10 do Código Comercial de 1850, e atualmente encontra-se previsto no art. 1.194 do Código Civil.
Conjugando esse dever de escrituração e registro com a vedação constitucional ao anonimato, nos termos do art. 5º, IV, da CF/1988, os provedores de acesso à internet devem armazenar dados suficientes para a identificação do usuário.
Assim, diante da obrigação legal de guarda de registros de acesso a aplicações de internet e o dever de escrituração reconhecido por este STJ, NÃO há como afastar a possibilidade jurídica de obrigar os provedores de aplicação ao fornecimento da informação em discussão – quais usuários acessaram um perfil na rede social num período – por se tratar de mero desdobramento dessas obrigações.
É juridicamente possível obrigar os provedores de aplicação ao fornecimento de IPs e de dados cadastrais de usuários que acessaram perfil de rede social em um determinado período de tempo.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
Em ação revisional de contrato de locação comercial, o reajuste do aluguel deve refletir o valor patrimonial do imóvel locado, inclusive considerando em seu cálculo benfeitorias e acessões realizadas pelo locatário com autorização do locador.
EREsp 1.411.420-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria, julgado em 03/06/2020, DJe 27/08/2020
Hospital Oftalmológico ajuizou revisional de contrato de locação, em face de Imobiliária Cobrotudo devido ao aumento do valor dos aluguéis exigido pelo locador.
A imobiliária notificou extrajudicialmente o Hospital acerca do valor do novo aluguel do imóvel, que passaria de R$ 63.945,60 para R$ 336.932,80, mensais. O incremento da prestação locatícia teria por fundamento a inclusão no cálculo dos aluguéis da valorização do imóvel decorrente das obras realizadas pelo Hospital, com autorização expressa da imobiliária.
Sustenta o Hospital que, enquanto não for indenizado pela construção realizada no imóvel, a imobiliária não teria o direito de receber os frutos dela decorrentes, nos termos do art. 1214 e 1219, do CC/02. A sentença julgou procedente o pedido do Hospital e fixou o valor da locação em R$ 70.855,20, na forma do art. 269, I, do CPC/73.
Inconformada, a imobiliária interpôs apelação, a qual foi parcialmente provida pelo Tribunal de Justiça local para fixar o valor do aluguel mensal em R$ 72.765,20, mantendo os demais termos da sentença. A locadora então interpôs recurso especial no qual sustentou que o ajuste do valor do aluguel, em sede de ação revisional de contrato de locação, deve ser realizado considerando as construções realizadas no imóvel.
Cinge-se a controvérsia em definir se a ação revisional de contrato de locação autoriza o ajuste do valor do aluguel, considerando em seu cálculo eventual acessão realizada pelo locatário, com autorização do locador.
Lei n. 8.245/1991:
Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.
R: SIM.
Quanto à controvérsia, existem duas soluções divergentes no Superior Tribunal de Justiça para esta crise de direito material:
Terceira Seção, Quinta e Sexta Turmas | Quarta Turma |
Licitude de inclusão do valor da benfeitoria ou acessão no cálculo do aluguel do imóvel objeto de locação comercial, na ação revisional e renovatória | impossibilidade de considerar a benfeitoria ou acessão no referido cálculo, apenas na ação revisional |
PAGA AGORA!!! | DEIXA PRA DEPOIS… |
Analisando o tema, o acórdão embargado inovou a ordem jurídica ao registrar que a ação revisional limita-se ao imóvel com suas características originárias à época da contratação. Em verdade, o art. 19 da Lei n. 8.245/1991 dispõe que locador ou locatário poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.
A interpretação desse dispositivo NÃO se limita aos elementos externos do contrato, tais como o desenvolvimento da região em que se localiza o imóvel ou os fatos da natureza que venham a atingir a localidade com maior frequência. Para a preservação do equilíbrio contratual por intervenção judicial, é imprescindível levar em conta TODAS as circunstâncias capazes de afetar o preço de mercado imobiliário, inclusive, socorrendo-se de auxílio pericial quando necessário.
É importante ressaltar que a ação revisional é resguardada para as hipóteses em que não há acordo entre locador e locatário sobre o valor do aluguel. Isso quer dizer que por exercício da autonomia privada das partes contratantes, nada impede que: i) os gastos relativos à acessão sejam descontados do valor do aluguel por determinado tempo; ii) a acessão seja realizada por investimento exclusivo de uma das partes com a correspondente indenização ao final do contrato, seja pelo locador, seja pelo locatário; iii) a acessão seja custeada por apenas uma parte, renunciando-se à indenização correspondente ao investimento.
Aliás, não é outro o sentido da Súmula 335 do STJ, ou seja, no campo das relações privadas, locador e locatário estão autorizados a negociar livremente sobre o bem-da-vida. A ausência de consenso, entretanto, requer a intervenção judicial justamente por meio da ação revisional. Dito isso, ao contrário do decidido no acórdão embargado, existe razão para majoração do aluguel decorrente da valorização do imóvel implementada por nova edificação.
Deve ser ressaltado que o ajustamento do aluguel ao preço de mercado está diretamente relacionado às acessões operadas na vigência do contrato. Se o investimento para a edificação no imóvel ocorreu por conta do locatário, com o consentimento do locador, significa dizer que por sua livre manifestação de vontade aceitou realizar as obras no terreno alheio. A hipótese de que apenas quando o investimento é realizado por conta e risco do locador estaria autorizada a majoração do aluguel, em verdade, limita sobremaneira as relações privadas de locação e acaba por deslocar a lógica que subjaz esses contratos no que diz respeito à vinculação do valor do imóvel ao correspondente preço do aluguel.
Note-se que a acessão se incorpora ao imóvel, cuja propriedade sempre pertenceu ao locador. Os investimentos necessários à acessão podem correr por conta do locador ou do locatário, justamente para preservar a boa-fé nas relações contratuais (ehin?????). Caso o locatário assuma o investimento isso não o torna isento, automaticamente, do correspondente incremento no valor de mercado do imóvel.
Em ação revisional de contrato de locação comercial, o reajuste do aluguel deve refletir o valor patrimonial do imóvel locado, inclusive considerando em seu cálculo benfeitorias e acessões realizadas pelo locatário com autorização do locador.
RECURSO ESPECIAL
É possível a inclusão de valor relativo a honorários advocatícios contratuais previamente ajustados pelas partes na execução de contrato de locação de espaço em shopping center.
REsp 1.644.890-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/08/2020, DJe 26/08/2020
Moda de Segredo Ltda, loja de vestuário, firmou Contrato Atípico de Locação de Loja de Uso Comercial do Londrina Norte Shopping, desistindo do negócio antes da inauguração do shopping. Diante disso, locadora exigiu o pagamento da cláusula penal e dos honorários previamente arbitrados (20%).
Em execução, tal valor foi excluído dos cálculos apresentados sob o fundamento de que tal verba honorária, sem previsão legal e à ausência de elementos eficazes para demonstrar os gastos com a referida remuneração, caracterizariam um excesso, sujeito a exclusão. Em apelação, o Tribunal de Justiça local manteve a exclusão dos honorários advocatícios contratuais da execução, mas por outros fundamentos.
Inconformada, a locadora interpôs recurso especial no qual sustentou que o contrato de locação em shopping center seria regido pelas normas de direito empresarial, não havendo abusividade na exigência de verba que foi inserida livremente pelas partes no ajuste.
Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a inclusão de valor relativo a honorários advocatícios contratuais previamente ajustados pelas partes na execução de contrato de locação de espaço em shopping center
Lei n. 8.906/1994:
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
Lei n. 8.245/1991:
Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center , prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
§ 1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center :
a) as despesas referidas nas alíneas a , b e d do parágrafo único do art. 22; e
b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite – se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.
§ 2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.
R: SIM.
É oportuno esclarecer, de início, que os honorários contratuais (ou convencionais) não se confundem com os sucumbenciais, sendo que os primeiros decorrem da contratação do advogado para atuar na lide e, os segundos, remuneram o causídico que alcançou êxito no processo. O art. 22, caput, da Lei n. 8.906/1994 assegura aos advogados o direito a honorários convencionais e aos de sucumbência.
Em regra, os honorários contratuais são devidos por aquele que contrata o advogado para atuar em seu favor, respondendo cada uma das partes pelos honorários contratuais de seu advogado. A parte vencida, além dos honorários contratuais do seu advogado, também arcará com o pagamento dos honorários sucumbenciais devidos ao patrono da parte vencedora.
No caso, o contrato firmado entre as partes prevê que o locatário deverá pagar os honorários contratuais de seu advogado, assim como os do advogado do locador, o que não configura bis in idem, pois não se trata do pagamento da mesma verba, mas do repasse de custo do locador para o locatário.
Importante registrar que o artigo 54 da Lei n. 8.245/1991 estabelece que: “Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”.
Ademais, ainda que se considere que o empreendedor do shopping é quem organiza a atividade e muitas vezes os lojistas menores não têm ingerência sobre determinadas cláusulas do ajuste, especialmente as normas gerais que regem as locações do estabelecimento, a assimetria do contrato faz parte da decisão negocial tomada pelo locatário.
A atividade empresarial é caracterizada pelo risco e regulada pela lógica da livre-concorrência, devendo prevalecer nesses ajustes, salvo situação excepcional, a autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda. Por sua vez, não há como afastar a incidência de cláusula de contrato de locação de espaço em shopping center com base em alegação genérica de afronta à boa-fé objetiva, devendo ficar demonstrada a situação excepcional que autoriza a intervenção do Poder Judiciário.
A onerosidade excessiva pressupõe a superveniência de uma circunstância extraordinária e imprevista de ordem geral, que torne a prestação excessivamente onerosa para uma das partes.
Assim, como o repasse de custos do locador ao locatário não ultrapassa o que usualmente se espera nos contratos de locação de espaço em shopping center e não há outras circunstâncias excepcionais que autorizem a intromissão do Judiciário no negócio firmado, deve ser permitida a inclusão dos honorários na execução.
É possível a inclusão de valor relativo a honorários advocatícios contratuais previamente ajustados pelas partes na execução de contrato de locação de espaço em shopping center.
RECURSO ESPECIAL
O teto cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) se aplica ao montante total do fundo instituído por concessionárias, não à quota-parte devida a cada associado.
REsp 1.758.951-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/08/2020, DJe 20/08/2020
A Associação Brasileira dos Distribuidores de Veículos- Abradv-, é administradora dos recursos do Fundo de Propaganda dos Distribuidores de Veículos. Este fundo era composto por valores depositados pelos 269 associados da Abradv em uma conta-corrente aberta no BMD S/A, tendo esta instituição financeira entrado em liquidação extrajudicial em maio de 1998.
No curso da liquidação extrajudicial, o FGC prestou cobertura de apenas R$ 20.000,00 (vinte mil reais) à associação impetrante, valor que era o teto de cobertura vigente na época.
A associação, contudo, requereu a cobertura sobre todo o valor depositado, no total de R$ 3.860.191,13, sob o argumento de que esse montante pertenceria, na verdade, a seus 269 associados, de modo que a quantia titularizada por cada um deles estaria abaixo do teto de cobertura do fundo. O FGC se negou a estender a cobertura para cada associado da Abradiv, razão pela qual essa associação impetrou mandado de segurança contra o presidente do FGC.
A segurança foi concedida pelo Juízo de primeiro grau, sendo mantida pelo Tribunal a quo em reexame necessário. Segundo a compreensão do Tribunal Regional Federal local, a Abradv teria agido apenas na condição de representante dos interesses de seus associados, hipótese em que a legislação permitiria a aplicação do teto de cobertura ao valor titularizado pelos representados individualmente, não ao valor total depositado na conta-corrente.
Controvérsia acerca da aplicação do teto cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) na hipótese em que se busca cobertura para valores vinculados a um fundo instituído por concessionárias de veículos e administrado pela associação representativa dessas concessionárias.
R: Ao fundo.
Nos termos do art. 2º, § 3º, inciso III, da Resolução n. 2.211/1995 – CMN: “os créditos em nome de mandatário, representante legal ou gestor de negócios devem ser computados como pertencentes ao representado ou ao dono do negócio, desde que tal condição esteja documentada na instituição”.
No caso, contudo, embora os valores depositados na conta corrente não integrassem o patrimônio da associação, eles também não integravam o patrimônio individual dos associados, mas o patrimônio do fundo. Desse modo, a associação não agiu diretamente como mandatária ou representante dos associados, mas como ADMINISTRADORA do fundo instituído pelas concessionárias associadas.
Assim, não se aplica a referida norma do art. 2º, § 3º, do Anexo II, da Resolução n. 2.211/1995 – CMN, pois se estenderia a cobertura para uma hipótese não abarcada pela norma. A associação deve ser considerada uma única investidora, para fins de cobertura, fazendo jus somente ao teto então vigente.
O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a controvérsia acerca da aplicação do teto de cobertura do FGC na hipótese de fundos de previdência, tendo também concluído que o teto de cobertura se aplica para o montante do fundo, não à parcela devida para cada beneficiário do fundo de previdência (REsp 1.453.957/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 26/06/2015).
O Fundo exerce uma função social de proteção do pequeno investidor, que tem condições limitadas de avaliação de risco, estimulando, assim, a participação do cidadão comum no mercado financeiro.
Verifica-se, pois, que a pretendida garantia de valores de vulto, aplicados por investidores qualificados, como é o caso de uma instituição de previdência complementar, não se insere nos objetivos da garantia ordinária do FGC, podendo prejudicar a finalidade para a qual foi criado o Fundo, criando risco moral, na medida em que incentivaria o investimento em instituições financeiras de conduta arrojada e arriscada, em detrimento de bancos que efetuam aplicações mais responsáveis e, por esse motivo, em geral, menos lucrativas” (REsp 1.454.238/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti).
O teto cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) se aplica ao montante total do fundo instituído por concessionárias, não à quota-parte devida a cada associado.
RECURSO ESPECIAL
Há julgamento extra petita na hipótese em que, julgado procedente o pedido de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, o juiz, sem o requerimento expresso do autor, extingue o contrato firmado entre o devedor fiduciante e o credor fiduciário.
REsp 1.779.751-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/06/2020, DJe 19/06/2020
BW Financeira S.A. ajuizou ação de busca e apreensão contra Celso em razão do inadimplemento do contrato mútuo garantido por veículo automotor em regime de alienação fiduciária. O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para “declarar rescindido o contrato firmado entre as partes e consolidar nas mãos da parte autora a posse e o domínio do bem alienado fiduciariamente objeto do contrato que instrui a petição inicial”.
Ocorre que a BW não havia pedido a rescisão contratual por entender que, por se tratar de Ação de Busca e Apreensão de bem alienado fiduciariamente, a rescisão do contrato impossibilitaria a autora de ajuizar ação própria caso houver algum débito remanescente a ser recebido. Inconformada, a financeira interpôs apelação, a qual não foi provida pelo Tribunal de Justiça local que entendeu a rescisão contratual como consequência lógica do pedido de busca e apreensão.
BW então interpôs recurso especial no qual sustentou que o juiz deve resolver a demanda de acordo com os limites propostos pelas partes, sendo vedado proferir decisão de natureza diversa da pedida. Defendeu ainda que, segundo a legislação civil, “não há permissão expressa para que o juiz rescinda o contrato e, pelo contrário, reafirma que em contrato de alienação fiduciária é possível, após a venda da coisa, cobrar saldo remanescente”.
Cinge-se a controvérsia a definir se há julgamento extra petita na hipótese em que, julgado procedente o pedido de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, o juiz, sem o requerimento expresso do autor, extingue o contrato firmado entre o devedor fiduciante e o credor fiduciário.
Decreto-Lei n. 911/1969:
Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.
§ 3º A mora e o inadimplemento de obrigações contratuais garantidas por alienação fiduciária, ou a ocorrência legal ou convencional de algum dos casos de antecipação de vencimento da dívida facultarão ao credor considerar, de pleno direito, vencidas tôdas as obrigações contratuais, independentemente de aviso ou notificação judicial ou extrajudicial.
R: SIM.
O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que, “na ação de busca e apreensão amparada no Decreto-Lei n. 911/1969, o provimento jurisdicional pleiteado tem natureza executiva, fundado em título a que a lei atribui força comprobatória do direito do autor” (REsp 1.591.851/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 09/08/2016, DJe 19/08/2016).
O credor não pretende, por meio da busca e apreensão, a resolução do contrato, persegue apenas o direito de ver cumprida a obrigação por parte do devedor. Assim, conforme a doutrina a “sentença na ação de busca e apreensão não visa à desconstituição do contrato, mas apenas à sua execução, com a consolidação da propriedade e posse plena nas mãos do proprietário fiduciário”.
Ao julgar procedente o pedido apresentado na ação de busca e apreensão, o magistrado apenas consolida a propriedade do bem com vistas a garantir que o credor se utilize dos meios legais (alienação do bem) para obter os valores a que faz jus decorrente do contrato (art. 2º, § 3º, do Decreto-Lei n. 911/1969).
Nesses termos, a reversão da propriedade plena (consolidação) em favor do credor fiduciário constitui apenas uma etapa da execução do contrato, não pondo fim a ele. Conforme o princípio da CONGRUÊNCIA ou da ADSTRIÇÃO, o juiz deve decidir a lide dentro dos limites formulados pelas partes, não podendo proferir sentença de forma extra, ultra ou citra petita. Em conformidade com o art. 322, § 2º, do CPC/2015, a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.
No caso, o autor não postulou a resolução do contrato de alienação fiduciária na petição inicial, sendo tal fato expressamente reconhecido pelas instâncias ordinárias, caracterizando, assim, o julgamento extra petita. Portanto, à míngua de requerimento da parte nesse sentido, não poderia o julgador declarar a extinção do vínculo contratual.
Há julgamento extra petita na hipótese em que, julgado procedente o pedido de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, o juiz, sem o requerimento expresso do autor, extingue o contrato firmado entre o devedor fiduciante e o credor fiduciário.
RECURSO ESPECIAL
Na ausência de herdeiros necessários, é indispensável a inclusão dos herdeiros colaterais no polo passivo de demanda de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem.
REsp 1.759.652-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2020, DJe 18/08/2020
João ajuizou ação de reconhecimento de união estável post mortem em face do espólio de Bruna, já falecida. Ocorre que Bruna não deixou herdeiros necessários. O Juízo de primeiro grau determinou a emenda da petição inicial para a inclusão de litisconsortes necessários – parentes colaterais da falecida.
Inconformado, João interpôs agravo de instrumento no qual alegou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil. O Tribunal de Justiça local negou provimento ao recurso e manteve a decisão de primeiro grau para determinar ao autor a emenda da inicial.
João então interpôs recurso especial no qual sustentou desnecessidade de inclusão dos herdeiros colaterais na demanda de reconhecimento e dissolução de união estável sob os seguintes fundamentos: a) os herdeiros colaterais não concorrem na herança em razão da flagrante inconstitucionalidade do art. 1.790, do Código Civil; b) os herdeiros colaterais não possuem interesse direto na formação do convencimento do juízo quanto à existência da união estável invocada; c) a legitimidade dos herdeiros colaterais deve ser discutida nos autos do inventário.
Cinge-se a controvérsia em torno da necessidade, ou não, da inclusão dos herdeiros colaterais no polo passivo de demanda de reconhecimento e dissolução de união estável “post mortem” cumulada com pedido de concessão da totalidade de bens da companheira.
Código Civil de 2002:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
IV – aos colaterais.
Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.
R: SIM.
A questão processual discutida é relativa à necessidade de inclusão dos herdeiros colaterais de falecido em ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem movida por seu alegado ex-companheiro e a possibilidade de concessão a ele da totalidade dos bens da falecida.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Recursos Extraordinários n. 646.721/RS e 878.694/MG, ambos com repercussão geral, fixou a tese de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.”
A Terceira Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 1.357.117/MG, após afirmar ser inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, entendeu que os parentes colaterais, tais como irmãos, tios e sobrinhos, são herdeiros de quarta e última classe na ordem de vocação hereditária, herdando apenas na ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro, em virtude da ordem legal de vocação hereditária.
Dessa forma, não resta qualquer dúvida de que, na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, RESSALVADA eventual disposição de última vontade.
Entretanto, a questão PROCESSUAL posta, como já aludido, situa-se em torno da necessidade de inclusão, no polo passivo da demanda de reconhecimento e dissolução de união estável, dos parentes colaterais da falecida como seus possíveis herdeiros para a hipótese de não reconhecimento da união estável alegada.
Assim, caracterizado o litisconsórcio necessário, indispensável a inclusão no polo passivo da demanda de reconhecimento e dissolução de união estável dos possíveis herdeiros do de cujus em face de seu evidente interesse jurídico no desenlace da lide. Pois, na hipótese de não reconhecimento da união estável, os parentes colaterais serão os herdeiros legítimos do de cujus (art. 1829, IV, c/c o art. 1.839 do CC/2002).
Na ausência de herdeiros necessários, é indispensável a inclusão dos herdeiros colaterais no polo passivo de demanda de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem.
RECURSO ESPECIAL
A técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC aplica-se aos aclaratórios opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente para alterar o resultado inicial do julgamento, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo).
REsp 1.786.158-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 25/08/2020, DJe 01/09/2020
Janice ajuizou ação de indenização por danos materiais e compensação de dano moral em face de Clínica Milagre, em virtude das sequelas decorrentes de procedimento médico.
O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 18.299,11 (dezoito mil, duzentos e noventa e nove reais e onze centavos), a título de danos materiais, mais R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), atinentes ao dano moral, bem como condenar as denunciadas Nobre Seguradora do Brasil S/A e IRB – Brasil Resseguros, também de forma solidária, ao pagamento, mas limitado ao valor da apólice.
O Tribunal de Justiça local deu provimento à apelação da clínica para julgar improcedentes os pedidos e julgou prejudicadas as apelações interpostas pelas seguradoras. Janice então opôs embargos de declaração, os quais foram, por maioria, acolhidos em parte, sem efeitos modificativos, em rejulgamento determinado pelo STJ. A autora ainda opôs novos embargos declaratórios, requerendo a aplicação do art. 942 do CPC/15, porém estes foram rejeitados, à unanimidade.
Inconformada, Janice interpôs recurso especial no qual sustentou que a técnica da ampliação do colegiado teria incidência no julgamento da apelação não unânime e assim também no julgamento dos embargos de declaração não unânimes que lhe sucedem, uma vez que estes têm conteúdo integrativo.
Cinge-se a controvérsia em decidir sobre a necessidade de aplicação da técnica de ampliação do colegiado, quando os embargos de declaração na apelação foram acolhidos, por maioria, sem efeitos infringentes, havendo voto vencido de acolhimento dos embargos de declaração com efeitos infringentes.
CPC/2015:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III – corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º .
R: SIM.
Inicialmente, salienta-se que o extinto recurso de embargos infringentes (previsto nos arts. 530 e seguintes do CPC/1973) e a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015 assemelham-se no ponto em que possuem como escopo precípuo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, com a formação de uma maioria qualificada – de forma a melhor debater a matéria que, a priori, tenha sido decidida de forma não unânime nos tribunais -, com a ressalva das diferenças ontológicas que sobre eles recaem.
A alteração legislativa perpetrada transmudou o extinto recurso, que tinha como pressuposto a reforma da sentença de mérito, em técnica processual, que, por sua vez, consoante o disposto no caput, pressupõe tão somente o julgamento não unânime da apelação e a possibilidade de inversão do resultado inicial, independentemente de ter sido reformada ou não a sentença. Enfatiza-se, também, que essa técnica processual não caracteriza novo julgamento, mas sim CONTINUIDADE daquele no qual não houve unanimidade, sendo que a aplicação desse regramento é um poder-dever do órgão julgador oriundo do voto vencido.
Dessume-se, ainda, da leitura do caput do citado dispositivo legal, que a aplicação desse regramento se dá quando a divergência instaurada no voto vencido for suficiente a alterar o resultado inicial do julgamento. Por outro lado, convém registrar que, se o julgamento recair sobre ação rescisória ou agravo de instrumento, a ampliação do quórum de julgamento prevista no caput do art. 942 do CPC/2015 impor-se-á APENAS se a maioria formada a princípio tiver o condão de, respectivamente, rescindir a sentença ou reformar a decisão interlocutória de mérito, segundo o disposto no § 3º, o que constitui exceção à regra.
Quanto à aplicação dessa técnica processual especificamente nos embargos de declaração, registra-se, ab initio, a jurisprudência pacífica deste Tribunal, no sentido de que os aclaratórios são cabíveis com o intuito de esclarecer suposta obscuridade, contradição, omissão ou erro material porventura existentes na decisão embargada (nos termos do art. 1.022 do CPC/2015), somente podendo ser-lhes atribuído efeito modificativo, se decorrente do reconhecimento, pelo julgador, de algum dos vícios elencados na lei, por não ser este o escopo precípuo do recurso.
Outrossim, impende anotar que os aclaratórios são dotados de efeito integrativo, o qual visa complementar a decisão embargada, a ela se aderindo a fundamentação constante do julgamento dos embargos, constituindo um julgado uno. Acerca dessa característica peculiar dos embargos, destaca-se o entendimento já proferido no voto dos EREsp 1.290.283/GO, seguido pela maioria dos membros da Segunda Seção (DJe 22/5/2018), no qual ficou consignado serem “cabíveis embargos infringentes quando a divergência qualificada desponta nos embargos de declaração opostos ao acórdão unânime da apelação que reformou a sentença”.
Não obstante aquela questão debatida seja atinente ao cabimento dos extintos embargos infringentes, a lógica jurídica lá utilizada amolda-se, também, à hipótese em análise, que trata da técnica de julgamento ampliado. Isso porque, como visto inicialmente, ambos os institutos processuais possuem, igualmente, o propósito de formação, após a prolação de voto dissidente, de uma maioria qualificada, além de remanescer inalterado o caráter integrativo dos embargos.
Desse modo, amparado em tais premissas e mantendo a mesma linha de raciocínio, conclui-se que a técnica de julgamento ampliado, positivada no art. 942 do códex processual em vigor, deve ser observada nos embargos de declaração não unânimes decorrentes de acórdão de apelação, quando a divergência for suficiente à alteração do resultado inicial, pois o julgamento dos embargos constitui extensão da própria apelação, mostrando-se irrelevante o resultado majoritário dos embargos (se de rejeição ou se de acolhimento, com ou sem efeito modificativo).
A técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC aplica-se aos aclaratórios opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente para alterar o resultado inicial do julgamento, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo).
RECURSO ESPECIAL
A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco.
REsp 1.848.993-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/08/2020, DJe 09/09/2020 (Tema 1049)
Ó Município de São Paulo ajuizou execução fiscal na data de 05/05/2015 em desfavor da empresa Vespa, em que se cobra a Taxa de Fiscalização de Estabelecimento do exercício de 2009.
No curso do processo, a empresa Clarence S.A, informou que a empresa originalmente apontada como devedora, Vespa, foi inicialmente incorporada pela EMBRATEL S.A., no ano de 2003, e, posteriormente pela própria Clarence, no ano de 2014.
Em razão disso, opôs exceção de pré-executividade, com base nas seguintes alegações: (i) extinção do crédito em face da decadência; (ii) existência de coisa julgada em favor da Clarence S.A. que impediria a inscrição do referido crédito em dívida ativa; (iii) impossibilidade de ajuizamento de execução fiscal em desfavor de empresa já incorporada, com registro dos atos negociais na Junta Comercial do Estado de São Paulo, e de substituição da CDA para a inclusão, a posteriori, da empresa incorporadora no polo passivo.
O Juízo de primeiro grau, salientando a existência de cerca de duzentas demandas semelhantes a esta, ajuizadas em desfavor da empresa Vespa, extinguiu a execução fiscal ao fundamento de que o lançamento se deu irregularmente contra pessoa jurídica extinta por incorporação empresarial, não sendo possível reconhecer a responsabilidade da empresa incorporadora pelo pagamento do crédito cobrado, porquanto este não teria sido validamente constituído.
O Tribunal de Justiça local manteve a sentença por entender, dentre outros motivos, que a falta de atualização dos dados cadastrais pelo contribuinte, ou por quem o suceda, pode ensejar, se o caso, a imposição de multa, mas não autoriza a alteração do polo passivo na forma pretendida pela Municipalidade.
A Fazenda Pública Municipal então interpôs recurso especial no qual defendeu a possibilidade de prosseguir na cobrança do crédito tributário contra a empresa incorporadora, notadamente quando essa operação de incorporação não foi oportunamente informada ao fisco.
Código Civil de 2002:
Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.
Lei n. 6.404/1976:
Art. 219. Extingue-se a companhia:
II – pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades.
Código Tributário Nacional:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Súmula 392 do STJ:
A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução
R: SIM.
De acordo com o que dispõem os arts. 1.118 do Código Civil e 219, II, da Lei n. 6.404/1976, a incorporação empresarial é causa de extinção da pessoa jurídica incorporada. Todavia, a produção de seus efeitos, na esfera tributária, há de se compatibilizar com a norma geral de natureza de lei complementar (art. 146, III, “a”, da Constituição Federal) contida no art. 123 do Código Tributário Nacional – CTN, segundo o qual “salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.
Assim, para que a extinção da pessoa jurídica resultante de incorporação surta seus efeitos também no âmbito tributário, faz-se necessário que essa operação seja oportunamente COMUNICADA ao fisco, pois somente a partir da ciência da realização desse negócio inter partes é que a Administração Tributária saberá oficialmente da modificação do sujeito passivo e poderá realizar os novos lançamentos em nome da empresa incorporadora (art. 121 do CTN) e cobrar dela, sucessora, os créditos já constituídos (art. 132 do CTN).
Se a incorporação não foi oportunamente informada, é de se considerar válido o lançamento realizado contra a contribuinte original que veio a ser incorporada, não havendo a necessidade de modificação desse ato administrativo para fazer constar o nome da empresa incorporadora, sob pena de permitir que esta última se beneficie de sua própria omissão.
O simples registro na Junta Comercial não alcança essa finalidade em relação à administração tributária, visto que não há na Lei n. 8.934/1994 previsão expressa de que esta (a administração tributária) seja pessoalmente cientificada desses assentamentos. Por outro prisma, não se mostra RAZOÁVEL exigir dos fiscos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a prévia consulta do registro dos atos constitutivos das empresas contribuintes sempre que realizarem um lançamento.
Por outro lado, se ocorrer a comunicação da sucessão empresarial ao fisco antes do surgimento do fato gerador, é de se reconhecer a nulidade do lançamento equivocadamente realizado em nome da pessoa incorporada e, por conseguinte, a impossibilidade de modificação do sujeito passivo diretamente no âmbito da execução fiscal, sendo vedada a substituição da CDA para esse propósito, consoante posição já sedimentada na Súmula 392 do STJ (“A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”)
Conforme já explanado, é com a efetiva comunicação do negócio jurídico que o fisco toma conhecimento do novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento, razão pela qual esse momento deve ser entendido, para fins de responsabilização da empresa sucessora, como a data do ato da incorporação de que trata o caput do art. 132 do CTN. E por se tratar de imposição automática – expressamente determinada na lei – do dever de pagar os créditos tributários validamente lançados em nome da sucedida, a sucessora pode ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte da Fazenda credora, visto que a sua responsabilidade não está relacionada com o surgimento da obrigação tributária (art. 121 do CTN), mas com o seu inadimplemento (art. 132 do CTN).
Para esses casos, então, não há necessidade de substituição ou emenda da CDA, de modo que é inaplicável o entendimento consolidado na Súmula 392 do STJ, sendo o caso de apenas permitir o imediato redirecionamento.
A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco.
RECURSO ESPECIAL
O redirecionamento da execução fiscal contra os sócios prescinde do trânsito em julgado da sentença penal condenatória em crime falimentar.
REsp 1.792.310-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 04/09/2020
A Fazenda Estadual do Rio Grande do Sul ajuizou execução fiscal contra o Supermercado Vendopouco Ltda. Em determinado momento da execução, o órgão fazendário pleiteou o redirecionamento da execução contra os sócios em razão de denúncia oferecida pelo Ministério Público pela prática de crime falimentar.
O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido. Já em grau recursal, o Tribunal de Justiça local manteve a decisão inicial por entender que não evidenciada a dissolução irregular da executada, haveria que se indeferir o redirecionamento da execução e a inclusão do sócio no polo passivo.
Inconformada, a Fazenda Estadual interpôs recurso especial no qual sustentou que haveria evidências de que houve infração à lei, o que atrairia então a possibilidade de responsabilização do sócio-gerente, de acordo com o art. 135, III, do CTN.
Cinge-se a controvérsia a definir se a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente da pessoa jurídica originalmente executada pela suposta prática de crime falimentar pressupõe o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Lei de Execução Fiscal:
Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:
§ 2º – À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.
Código Tributário Nacional:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
R: SIM.
A falência, segundo a jurisprudência do STJ, não constitui dissolução irregular. Não obstante, a decretação da falência, isoladamente, não veda peremptoriamente o redirecionamento, pois o pressuposto do redirecionamento é a prática de atos de infração à lei ou ao contrato social. E essa infração à lei pode ocorrer tanto no âmbito da existência de crimes falimentares como de infração à legislação civil ou comercial (art. 4º, § 2º, da LEF) – ou seja, a simples decretação da falência NÃO constitui “atestado” de que inexistiram infrações à lei (civil, comercial, tributária e penal).
O redirecionamento, à luz do recebimento da denúncia pela prática de crimes falimentares, deverá ser feito no Juízo das Execuções Fiscais. O recebimento da denúncia contém juízo inicial de comprovação da materialidade do ilícito e de, no mínimo, indícios de autoria do tipo penal. Assim, se há indícios e/ou provas de prática de ato de infração à lei (penal), a hipótese se subsume ao art. 135 do CTN.
Importante acrescentar que mesmo a eventual absolvição em ação penal não conduz necessariamente à revogação do redirecionamento, pois o ato pode não constituir ilícito penal, e, mesmo assim, continuar a representar infração à lei civil, comercial, administrativa, etc. (independência das esferas civil, lato sensu, e penal).
É por essa razão que caberá ao juiz natural, competente para processar e julgar a execução fiscal, analisar, caso a caso, o conteúdo da denúncia pela prática de crime falimentar e decidir se cabe ou não o redirecionamento. Não é necessário, portanto, aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para que o Juízo da Execução Fiscal analise o pleito de redirecionamento da execução contra o sócio.
O redirecionamento da execução fiscal contra os sócios prescinde do trânsito em julgado da sentença penal condenatória em crime falimentar.
RECURSO ESPECIAL
O momento do fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF a ser recolhido pela sociedade empresária brasileira, em razão de pagamento feito a pessoa jurídica domiciliada no exterior, se dá no vencimento ou pagamento da dívida, o que ocorrer primeiro.
REsp 1.864.227-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/08/2020, DJe 25/08/2020
Bya Sistems Ltda ajuizou Ação Anulatória de Débito Fiscal em face da Fazenda Nacional, na qual postula a desconstituição de lançamento de ofício de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e respectivas multas, referente a pagamento feito a pessoa jurídica domiciliada no exterior – qual seja, Bya Systems Inc.
O auto de infração foi lavrado pela RFB ao fundamento de que a parte autora não recolheu o IRRF no momento correto, que seria, em sua ótica, o do registro contábil do débito na rubrica de contas a pagar. A petição inicial, por sua vez, argumenta que o IRRF foi recolhido oportunamente, quando do efetivo pagamento das parcelas da dívida (ou do vencimento das faturas), ocorrido em ocasião posterior.
A sentença decidiu pela procedência da ação, na qual o magistrado entendeu que a disponibilidade econômica a que se refere o art. 43 do CTN somente se verifica com a remessa do dinheiro ao exterior, não bastando para tanto a escrituração contábil da dívida. Por conseguinte, o Juízo de primeiro grau declarou nula a inscrição em dívida ativa e condenou a Fazenda Pública ao pagamento de honorários, no valor de R$ 5.000,00.
Em apelação, o Tribunal Regional Federal local entendeu que o fato gerador tributário ocorre no pagamento (regime de caixa) ou no creditamento (regime de competência); o que se produzir primeiro. Logo, reformou a sentença para julgar improcedente o pedido da autora.
Inconformada, a empresa interpôs recurso especial no qual sustentou que a disponibilidade jurídica ou econômica do montante pago não ocorreria com o seu mero lançamento contábil, feito previamente, mas sim com a efetiva remessa do dinheiro ao exterior ou vencimento das parcelas da dívida. Defendeu ainda que como o recolhimento do IRRF foi realizado nestes marcos temporais, seria indevida a incidência dos encargos moratórios e punitivos do lançamento de ofício.
Cinge-se a controvérsia a definir o momento do fato gerador do IRRF a ser recolhido pela sociedade empresária brasileira, em razão de pagamento feito a pessoa jurídica domiciliada no exterior – se na data do registro contábil da dívida em contas a pagar ou se apenas com a remessa do dinheiro ao exterior (ou vencimento do débito, o que ocorrer primeiro).
Código Tributário Nacional:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001).
Código Civil de 2002:
Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.
R: SIM.
Segundo o art. 43 do CTN, o fato gerador do tributo é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda. A respeito da diferenciação entre as duas expressões, a doutrina destaca que “disponibilidade econômica é o recebimento efetivo da renda, ou seja, do valor que é acrescentado ao patrimônio do qual o contribuinte é titular (…). De outro lado, a disponibilidade jurídica decorre do crédito de valores dos quais o contribuinte possa dispor como titular através de um título jurídico, embora estes valores não estejam efetivamente incorporados ao seu patrimônio.”
A escrituração contábil do débito futuro, nos registros da pessoa jurídica devedora, não equivale à disponibilidade econômica, pois o dinheiro ainda não está, neste momento, sob a posse direta da pessoa jurídica credora. Tampouco pode ser entendida como disponibilidade jurídica, tendo em vista que, com o lançamento contábil, anterior ao vencimento da dívida, nenhum direito ou título surge para a sociedade empresária credora, pois nem lhe é possível exigir o pagamento do montante, na forma do art. 315 do CC/2002.
O art. 685 do Decreto n. 3.000/1999 determinava a incidência do IRRF sobre os rendimentos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos ao exterior. A escrituração contábil do débito não corresponde a qualquer dos núcleos verbais referentes à disponibilização econômica (pagamento, entrega, emprego, remessa) ou jurídica (crédito) do dinheiro à sociedade empresária estrangeira. Portanto, NÃO se pode considerá-la como o momento da ocorrência do fato gerador do IRRF, o que somente acontece com o vencimento ou o pagamento antecipado da dívida.
Na data do vencimento, a obrigação de pagar quantia certa se torna exigível, conforme o sobredito art. 315 do CC/2002, e a sociedade credora pode exercer com plenitude todos os direitos referentes ao seu crédito, inclusive o de persegui-lo judicialmente, o que evidencia tratar-se da disponibilidade jurídica a que se refere o art. 43 do CTN.
Com o pagamento, por sua vez, o dinheiro passa a estar sob a posse e controle imediatos da pessoa jurídica estrangeira, plenamente integrado ao seu patrimônio, o que se enquadra no conceito de disponibilidade econômica.
Assim, acontecendo qualquer destes dois marcos – VENCIMENTO ou PAGAMENTO, o que ocorrer primeiro -, considera-se realizado o fato gerador do IRRF, tendo em vista estarem satisfeitos os critérios material e temporal de sua incidência.
Ressalte-se que esta solução foi adotada até pelo Fisco Federal, na solução da consulta COSIT 153/2017, aprovada em 02/03/2017, que reconhece expressamente que o mero registro contábil do crédito, como simples provisionamento ou reconhecimento antecipado de despesa, em obediência ao regime de competência, não caracteriza fato gerador do IRRF se não houver disponibilidade econômica ou jurídica dos rendimentos, o que somente se verifica quando se tornar exigível a contraprestação (pagamento) pelos serviços contratados.
O momento do fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF a ser recolhido pela sociedade empresária brasileira, em razão de pagamento feito a pessoa jurídica domiciliada no exterior, se dá no vencimento ou pagamento da dívida, o que ocorrer primeiro.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
É vedada a captação de água subterrânea para uso de núcleos residenciais, sem que haja prévia outorga e autorização ambiental do Poder Público.
EREsp 1.335.535-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/09/2018, DJe 03/09/2020
Condomínio Residencial Ipiranga ajuizou ação de obrigação de fazer em face do Instituto Ambiental Estadual, na qual narrou que, diante da insuficiência do abastecimento público de água, realizou perfuração de poço artesiano para uso de seus condôminos, sem autorização do órgão competente, requerendo a concessão de tutela provisória para utilização plena da água do poço artesiano perfurado nos seus limites.
A sentença julgou procedentes os pedidos “para conceder tal autorização de modo definitivo para utilização da água de poço, determinando à ré a retirada do lacre que impede o uso de água, captada daquela fonte alternativa”, considerou ter havido exorbitância do poder regulamentar do Decreto 40.156/2006 em relação à Lei estadual 3.239/1999 e à Lei federal 9.433/1997 quanto à captação de água em poços artesianos.
Em apelação, o Tribunal local negou provimento ao recurso por entender que inexiste na legislação federal ou estadual a obrigação de outorga ou de autorização do órgão público competente para uso de água extraída de poços artesianos.
O Instituto Ambiental Estadual interpôs Recurso Especial alegando violação do art. 45, § 2º, da Lei federal 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico), que veda a quem possui instalação hidráulica predial ligada à rede pública de água alimentar-se de outras fontes alternativas.
Lei n. 9.433/1997:
Art. 12. Estão sujeitos a outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:
II – extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo;
Lei n. 11.445/2007:
Art. 45. As edificações permanentes urbanas serão conectadas às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeitas ao pagamento de taxas, tarifas e outros preços públicos decorrentes da disponibilização e da manutenção da infraestrutura e do uso desses serviços.
§ 2o A instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes.
R: NÃO.
A disciplina normativa, pela União, das águas subterrâneas – reputadas ora federais, ora estaduais -, é justificada por constituírem recurso natural, público, limitado, não visível a olho nu (ao contrário das águas de superfície), e indispensável à concretização dos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Na disciplina dos recursos hídricos, dois diplomas federais são de observância obrigatória para Estados, Distrito Federal e Municípios: a Lei n. 9.433/1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos) e a Lei n. 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico). A primeira condiciona a extração de água subterrânea – quer para “consumo final”, quer como “insumo de processo produtivo” – à prévia e válida outorga pelo Poder Público, o que se explica pela notória escassez desse precioso bem, literalmente vital, de enorme e crescente valor econômico, mormente diante das mudanças climáticas (art. 12, II).
Já o art. 45, § 2º, da Lei n. 11.445/2007 prevê categoricamente que “a instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes”. Assim, patente a existência de disciplina normativa expressa, categórica e inafastável de lei geral federal, que VEDA captação de água subterrânea para uso de núcleos residenciais, sem que haja prévia outorga e autorização ambiental do Poder Público.
As normas locais devem seguir as premissas básicas definidas pela legislação federal. Estatuto editado por Estado, Distrito Federal ou Município que contrarie as diretrizes gerais fixadas nacionalmente padece da mácula de inconstitucionalidade e ilegalidade, por afrontar a distribuição de competência feita pelo constituinte de 1988: “Compete privativamente à União legislar sobre … águas” (art. 22, IV, da Constituição Federal).
É vedada a captação de água subterrânea para uso de núcleos residenciais, sem que haja prévia outorga e autorização ambiental do Poder Público.
RECURSO ESPECIAL
A exploração de jogo de azar ilegal configura, em si mesma, dano moral coletivo.
REsp 1.567.123-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2016, DJe 28/08/2020
O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em face de Ronaldo na qual postula indenização por dano moral coletivo em razão da exploração de jogos de azar (bingo) pelo réu.
O Juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido por entender que para a caracterização do dano moral é preciso que haja uma ação ou omissão e um dano ocorrido necessariamente em razão dessa atividade ou inatividade, ou seja, nexo causal. Tal nexo não teria restado evidente no caso.
Em recurso, o Tribunal Regional Federal local manteve a sentença em seus termos por entender que ainda que se trate de atividade lesiva à coletividade pela sua natureza ilícita, a exploração de jogos de bingo, por si só, não gera um dano moral coletivo que enseje pagamento de indenização quando não há indícios de que essa prática tenha provocado qualquer espécie de abalo de natureza não patrimonial à coletividade como um todo.
Inconformado, o MPF interpôs recurso especial no qual sustentou que que a prática ilícita de explorar jogos de bingo configura hipótese geradora de dano moral coletivo indenizável.
Lei das Contravenções Penais:
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessivel ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:
Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
R: SIM.
A exploração de casas de bingo (espécie de “jogos de azar”) chegou a ser permitida pela Lei n. 9.615/1998 (arts. 59 a 81), mas tais dispositivos legais foram revogados pela Lei n. 9.981/2000, a partir de 31/12/2001, “respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração” (art. 2º).
Hoje, trata-se de conduta vedada pelo art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Por seu turno, consigna-se o art. 6º do CDC traz como direitos básicos do consumidor: “(…) I – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (inciso I) e a “prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados” (inciso VII).
Dessa forma, patente a necessidade de correção de lesão supraindividual às relações de consumo, no que resulta transcender o dano em questão aos interesses individuais dos frequentadores de bingo ilegal. Exploração comercial de atividade ilícita configura, em si mesma, dano moral coletivo.
No Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil é objetiva e solidária. O dano moral coletivo não depende de prova da dor, do sofrimento ou do abalo psicológico. Demonstrá-los, embora possível, em tese, na esfera individual, é completamente inviável no campo dos interesses difusos e coletivos, razão pela qual dispensado, principalmente quando incontestável a ilegalidade da atividade econômica ou da prática comercial em questão. Trata-se, portanto, de dano in re ipsa.
A exploração de jogo de azar ilegal configura, em si mesma, dano moral coletivo.
RECURSO ESPECIAL
O comerciante tem a obrigação de intermediar a reparação ou a substituição de produtos nele adquiridos e que apresentem defeitos de fabricação (vício oculto de inadequação), com a coleta em suas lojas e remessa ao fabricante e posterior devolução.
REsp 1.568.938-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 25/08/2020, DJe 03/09/2020
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP/RS) promoveu ação coletiva de consumo contra Globex S.A. fundada na abusividade de sua conduta consistente em fazer troca de produtos comercializados que apresentem defeitos apenas nas 72 (setenta e duas) horas posteriores a aquisição. Alegou que a prática adotada pela comerciante é a de que após tal termo, o consumidor fica obrigado a procurar diretamente a assistência técnica específica.
Em primeira instância, os pedidos foram julgados procedentes para condenar a empresa a efetuar a substituição do produto danificado por outro da mesma espécie, a restituir a quantia paga ou a efetuar o abatimento do valor do produto, conforme a vontade manifestada pelo consumidor, independente do prazo de 72 horas após a compra, observando, apenas, o prazo estipulado no CDC para aqueles produtos que não se enquadrem como essencial e ainda, sem transferência de responsabilidade à assistência técnica, a sanar vícios de qualidade ou quantidade dos produtos comercializados, independentemente da existência ou não de assistência técnica dentro do raio de 50 km do local da compra ou qualquer outra medida.
A empresa ainda foi condenada ao pagamento dos danos patrimoniais suportados pelos consumidores, mediante comprovação, devidamente corrigidos e acrescidos de juros de mora; ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) e a publicar, às suas expensas, em 30 dias da data em que não couber mais recursos dotado de efeito suspensivo, o inteiro teor da parte dispositiva da sentença, em jornal de grande circulação dentro da circunscrição estadual, em cinco dias intercalados.
Inconformada, Globex interpôs apelação, a qual não foi provida pelo Tribunal de Justiça local por entender irreparável a decisão de primeiro grau.
Globex então interpôs recurso especial no qual sustentou que não haveria obrigação legal de que troque as mercadorias que apresentem defeito no prazo de 72 (setenta e duas) horas e também que a responsabilidade solidária prevista no CDC não obriga o comerciante a coletar e prestar assistência técnica aos produtos danificados no lugar de seu fabricante, pois este é quem possui a expertise técnica para realizar o necessário conserto.
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
R: SIM.
O STJ possui firme posicionamento no sentido da responsabilidade solidária de toda a cadeia de fornecimento pela garantia de qualidade e adequação do produto perante o consumidor.
Importante apontar que a conduta liberal do COMERCIANTE em efetuar a troca das mercadorias que apresentarem defeitos dentro do prazo de 72 horas de sua compra (conduta essa que se mostra coerente com o ordenamento consumerista e com o princípio da boa-fé), não elide sua responsabilidade em receber os produtos adquiridos com vício de inadequação pelos consumidores, sejam eles duráveis ou não duráveis, dentro dos respectivos prazos decadenciais para reclamação, com fundamento nos arts. 18 e 26, ambos do CDC.
Sobre o tema, ensina a doutrina que o consumidor poderá optar por levar o aparelho à loja, à assistência técnica ou diretamente ao fabricante (os fornecedores do caput do art. 18), sendo que qualquer deles terá até 30 dias para efetuar o conserto. Percebe-se que todos os integrantes da cadeia de fornecimento respondem solidariamente pelos produtos defeituosos, lembrando que, nos termos do art. 3º do CDC, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Vale registrar, conforme consta da petição inicial da presente ação civil pública, que o que se pretende na demanda, na verdade, é que o comerciante seja compelido a INTERMEDIAR a reparação ou a substituição do equipamento, e não que ela, por seus próprios meios, o repare ou o substitua. Não deve prosperar o argumento de que a intermediação dos produtos submetidos a reparo, com a coleta em suas lojas e remessa ao fabricante e posterior devolução, corresponde a medida mais gravosa ao fornecedor, se comparada a possibilidade de o consumidor encaminhar o produto diretamente ao fabricante, nas hipóteses em que assim a loja orientar.
Do mesmo modo que o comerciante recebeu o produto do fabricante para o comercializar no mercado, em sobrevindo defeito nele, o comerciante deve devolvê-lo ao respectivo produtor, para que seja sanado o vício oculto. Impedir que o consumidor retorne ao vendedor para que ele encaminhe o produto defeituoso para o fabricante reparar o defeito representa imposição de DIFICULDADES ao exercício de seu direito de possuir um bem que sirva aos fins a que se destina.
Ademais, é até intuitivo que o comerciante tenha muito mais acesso ao fabricante do bem viciado por ela comercializado do que o consumidor, sendo que, em assim se decidindo, até os custos (de tempo e de transporte) inerentes à busca da solução do defeito serão menores para o comerciante do que para o consumidor.
Desse modo, por estar incluído na cadeia de fornecimento do produto, quem o comercializa, ainda que não seja seu fabricante, fica responsável, perante o consumidor, por receber o item que apresentar defeito e o encaminha-lo à assistência técnica, independente do prazo de 72 horas da compra, sempre observado o prazo decadencial do art. 26 do CDC.
O comerciante tem a obrigação de intermediar a reparação ou a substituição de produtos nele adquiridos e que apresentem defeitos de fabricação (vício oculto de inadequação), com a coleta em suas lojas e remessa ao fabricante e posterior devolução.
RECURSO ESPECIAL
Não incide imposto de renda sobre o valor recebido a título de ajuda compensatória mensal prevista no art. 476-A da CLT (lay-off).
REsp 1.854.404-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 02/06/2020, DJe 21/08/2020
Os empregados de uma montadora de veículos foram submetidos ao regime de suspensão do contrato de trabalho, conhecido como “lay-off’, em decorrência do qual passaram a receber “ajuda compensatória mensal”, nos termos do artigo 476-A, da Consolidação das Leis do Trabalho.
O Sindicado dos Trabalhadores Metalúrgicos da localidade ajuizou ação visando afastar a incidência de imposto de renda sobre o pagamento da verba recebida.
Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente. A apelação do Sindicato foi provida por entender o Tribunal Regional Federal que a ajuda compensatória não tem natureza salarial, mas sim indeniza a supressão do direito à irredutibilidade do salário. Tratar-se-ia de danos emergentes, pois visaria reconstituir a perda patrimonial do trabalhador. Consequentemente, seria regular o afastamento do imposto de renda sobre a ajuda compensatória, porquanto esta não se traduz em renda ou acréscimo patrimonial.
Inconformada, a Fazenda Nacional interpôs recurso especial no qual sustentou que para que se exclua uma verba do campo de incidência do imposto de renda, disposto no art. 43 do CTN, é necessária previsão expressa em lei, o que não seria o caso da ajuda compensatória recebida.
Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.
§ 7o O prazo limite fixado no caput poderá ser prorrogado mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, desde que o empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de qualificação profissional, no respectivo período.
Código Tributário Nacional:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
R: NÃO.
A suspensão do contrato de trabalho regulada pelo art. 476-A da CLT preconiza que o contrato de trabalho do empregado, após celebração de acordo ou de convenção coletiva com o sindicato da categoria, e anuência formal do empregado, fica suspenso pelo período de duração do curso de requalificação de no mínimo 2 (dois) e no máximo, 5 (cinco) meses.
Nessa modalidade, o empregado recebe bolsa de qualificação profissional, custeada pelo FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, nos termos do art. 2º-A da Lei n. 7.998/1990, durante o curso de aprimoramento profissional, desde que a suspensão tenha duração máxima de cinco meses, após o que o encargo passa a ser de responsabilidade do empregador, conforme o art. 476-A, § 7º, da CLT.
Como o contrato de trabalho é suspenso, ficam SOBRESTADAS as obrigações principais do empregado e do empregador: respectivamente, a prestação de serviços e o pagamento de salários. Além disso, ficam paralisados os efeitos do contrato como contagem de tempo de serviço para férias e 13º salário proporcionais, depósito na conta vinculada do FGTS, recolhimento da previdência social e, por conseguinte, o cômputo do período como tempo de serviço para a aposentadoria.
A empresa empregadora, a seu turno, deve oferecer cursos de qualificação profissional, arcando com todas as despesas decorrentes, além de benefícios como vale-refeição, e a denominada “ajuda compensatória mensal”, com valor definido na convenção ou acordo coletivo.
No caso, a ajuda compensatória corresponde à diferença devida entre a bolsa recebida para qualificação e o salário líquido percebido, com evidente redução salarial, até porque a bolsa de qualificação não tem natureza de salário, assim como a ajuda compensatória, que indeniza o trabalhador por dispensar a garantia da irredutibilidade.
O art. 43 do CTN descreve o fato gerador do imposto de renda nos seguintes termos: O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
Como há suspensão do contrato de trabalho, tal ajuda compensatória NÃO se enquadra no inciso I do art. 43 do CTN. Além disso, ela não configura proventos, entendidos como acréscimos patrimoniais descritos no inciso II do mesmo dispositivo. Ademais, se a ajuda compensatória é calculada com base no salário líquido evidente que cada substituído receberá menos que efetivamente receberia se estivesse trabalhando, recebendo o salário bruto.
O montante pago a título de ajuda compensatória, portanto, tem natureza jurídica de indenização, destinando-se a reconstituir a perda patrimonial do trabalhador e os próprios prejuízos advindos da suspensão do contrato de trabalho, e não um acréscimo patrimonial tido como fato gerador do imposto, motivo pelo qual não se sujeita à tributação pelo imposto de renda.
Não incide imposto de renda sobre o valor recebido a título de ajuda compensatória mensal prevista no art. 476-A da CLT (lay-off).
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Empresa incorporadora e administradora de negócios imobiliários que adquire todos os lotes do loteamento e se sub-roga nos direitos do loteador possui legitimidade para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento, vedada a pretensão nos casos de comprovado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou quando realizado algum melhoramento na área loteada e adjacências.
RMS 60.343-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/08/2020, DJe 26/08/2020
Em 1982 foi postulado o registro do loteamento de certo imóvel matriculado no Cartório de Imóveis de São Paulo. Diante disso, a municipalidade de São Paulo pediu a averbação de área de passagem particular, uma praça e faixa sanitária.
Por escritura de venda e compra, a Campeiro Empreendimentos Ltda adquiriu a gleba, que foi desmembrada em 14 áreas de 129,50 m², uma de 146,85 m² e outra de 378,05 m², que passaram a ter matrículas próprias.
Diante do desinteresse em manter o empreendimento, a Campeiro solicitou perante o Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo o cancelamento do procedimento de registro do loteamento, o que não foi acolhido.
Contra essa rejeição do Cartório de Registro de Imóveis, a Campeiro apresentou pedido de providência perante a Vara de Registro Público pretendendo o cancelamento do registro do loteamento existente na matrícula. O pedido foi julgado procedente, determinando o cancelamento do loteamento.
Em recurso administrativo do Município de São Paulo, o Corregedor Geral de Justiça deu provimento a irresignação para impedir o cancelamento do loteamento. Contra o ato, Campeiro impetrou mandado de segurança alegando que a decisão proferida no pedido de providência viola direito líquido e certo previsto nos artigos 23 e 29, ambos da Lei nº 6.766/79, que expressamente permitem ao loteador, ou àquele sub-rogado a essa condição, requerer o cancelamento do registro do loteamento enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato, só podendo o Poder Público se opor ao cancelamento se demonstrado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou se já tiver realizado melhoramento na área loteada ou adjacências, circunstancias que não estariam presentes no caso concreto.
O Tribunal de Justiça local denegou a ordem por entender ausente direito líquido e certo quanto à pretensão de Campeiro. Inconformada, a empresa interpôs recurso da decisão reiterando o que entendeu ser direito líquido e certo de pleitear o cancelamento do registro de loteamento.
Lei n. 6.766/1979:
Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do art. 23 desta Lei.
Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu domínio.
R: SIM.
O pedido de cancelamento do procedimento de registro do loteamento pode ser requerido pelo loteador, ou quem por ele se sub-rogou, vedada a pretensão nos casos de comprovado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou quando realizado algum melhoramento na área loteada e adjacências.
O art. 22 da Lei n. 6.766/1979 estabelece que desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. No caso, contudo, não houve o registro do loteamento, que se encontra na fase de aprovação dos projetos perante a municipalidade, razão pela qual não se operou a tradição, a transmissão da propriedade.
Na fase em que se encontra o procedimento administrativo, é aplicável o art. 17 da referida legislação, pelo qual a destinação dos espaços públicos descritos no projeto do loteamento poderá ser alterada em caso de cancelamento do registro do loteamento.
Ademais, não houve nenhum tipo de obra ou melhoramento no imóvel objeto do loteamento ou nos seus arredores, tampouco ação do Poder do Público, ou seja, o terreno encontra-se da mesma forma tal como na época do início do procedimento, razão pela qual a municipalidade não teria motivo para obstar o pedido de cancelamento.
Destaca-se que cancelar o procedimento do pedido de registro de loteamento é DIFERENTE de pedir o cancelamento do registro do loteamento, hipótese em que a tradição para a Municipalidade já se operou; naquela outra não. Sendo assim, a empresa incorporadora e administradora de negócios imobiliários, que adquiriu todos os lotes do loteamento e se sub-rogou nos direitos do loteador, possui legitimidade para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento.
Empresa incorporadora e administradora de negócios imobiliários que adquire todos os lotes do loteamento e se sub-roga nos direitos do loteador possui legitimidade para requerer o cancelamento do procedimento do registro do loteamento, vedada a pretensão nos casos de comprovado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou quando realizado algum melhoramento na área loteada e adjacências.
RECURSO ESPECIAL
É possível a mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA, de modo a se autorizar a adoção avoenga em situações excepcionais.
REsp 1.587.477-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 27/08/2020
Em 26.11.2012, os conviventes Nair e Geraldo ajuizaram ação em face de Valeska, postulando a concessão da guarda definitiva do menor Pedro, a regulamentação das visitas da genitora ao filho e a fixação de alimentos em 10% (dez por cento) do salário-mínimo, a serem pagos pela ré diretamente aos guardiões, mediante recibo.
Na inicial, os autores narraram que o infante nasceu em 17.3.2012 e que, alguns dias após o parto, a genitora entregou-o aos cuidados de Nair (avó paterna) e de seu companheiro Geraldo (avô por afinidade). Em 14.1.2014, os autores apresentaram emenda à inicial, requerendo a adoção do infante, apontando, como justificativa, a necessidade de preservação de sua integridade física, ante o assassinato, em 2013, de seu irmão por parte de mãe – que contava com apenas nove anos de idade – por grupos de traficantes.
O Juízo de primeiro grau julgou procedente a pretensão deduzida na inicial após expressa concordância dos genitores em audiência. Da decisão, o Ministério Público Estadual interpôs apelação na qual sustentou a impossibilidade jurídica da adoção avoenga, pois vedada expressamente pela lei. No entanto, a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça local que entendeu que a solução estaria de acordo com o princípio do melhor interesse da criança.
Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
R: SIM.
O princípio da proteção integral, segundo abalizada doutrina, significa que “as pessoas em desenvolvimento, isto é, crianças e adolescentes, devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico”.
Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como VETOR HERMENÊUTICO para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
No caso vertente, cumpre, de início, observar que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós (a chamada adoção avoenga). Sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da adoção de descendente por ascendente, constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.
Por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.448.969/SC, a Terceira Turma, com base nos princípios da dignidade humana e do melhor interesse do menor, considerou legal a adoção de neto por avós que, desde o nascimento, exerciam a parentalidade socioafetiva e haviam adotado a mãe biológica aos oitos anos de idade e grávida do adotando. Em 27/02/2018, tal exegese foi confirmada pelos integrantes da Terceira Turma, em caso similar.
Ademais, vislumbra-se que a unanimidade dos integrantes da Terceira Turma não controvertem sobre a possibilidade de mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA – de modo a se autorizar a adoção avoenga – em situações EXCEPCIONAIS em que: (i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.
Tal exegese deve ser encampada por esta Quarta Turma, por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei n. 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento especial destinado a colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência ou opressão.
É possível a mitigação da norma geral impeditiva contida no § 1º do artigo 42 do ECA, de modo a se autorizar a adoção avoenga em situações excepcionais.
RECURSO ESPECIAL
A concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata e teve sua falência decretada não tem direito à conversão em recuperação judicial.
REsp 1.267.282-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 23/06/2020, DJe 18/08/2020
Lojas Arapuca S/A, após o inadimplemento de parcelas anuais e a inviabilidade de cumprir com os demais compromissos assumidos no plano de reestruturação aprovado pela maioria dos credores, teve decretada sua falência pelo Juízo da 6ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, declarando ineficaz a transferência de ativos da concordatária à sua subsidiária, Arapuca Comercial S/A.
Inconformada, a concordatária interpôs agravo de instrumento contra a decisão, mas antes mesmo da publicação do acórdão, apresentou ainda pedido de conversão da concordata em recuperação judicial, nos termos do § 2º da Lei n. 11.101/2005, perante o juízo de Recuperações Judicias e Falências da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, que indeferiu a inicial e extinguiu o processo sem julgamento de mérito.
No entanto, o Tribunal de Justiça local deu provimento ao recurso de apelação interposto contra a decisão do juízo recuperacional para autorizar o processamento da recuperação judicial, extinguindo a concordata. Os credores e o Ministério Público Estadual interpuseram recursos especiais no qual sustentaram a impossibilidade de deferimento do pedido de recuperação judicial à concordatária que não cumpriu com as obrigações assumidas na concordata e ainda que “o pedido de recuperação judicial representa nada mais, nada menos, do que mais um expediente jurídico para que a recorrida arraste (como vem arrastando há doze anos) o pagamento de seus credores”.
Lei n. 11.101/2005:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.
§ 2º A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei.
R: NÃO.
O artigo 48 da Lei n. 11.101/2005 prevê expressamente que o devedor falido não pode requerer recuperação judicial, e que, “se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes”.
O art. 192 da referida lei, de outro lado, orienta que a lei nova não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência.
A interpretação dos referidos textos evidencia que a recuperação judicial não pode ser deferida ao falido, independentemente da legislação de regência, pela previsão expressa, no caso da quebra decretada na vigência da atual legislação, e por sua inaplicabilidade às falências regidas pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945.
Ademais, a exceção prevista no § 2º do art. 192 da Lei n. 11.101/2005 possibilita o pedido de recuperação judicial apenas ao concordatário “que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata”, o que não ocorreu no caso.
Assim, não tem direito ao pedido de recuperação judicial a concordatária descumpridora das obrigações assumidas na concordata e que resultaram na decretação de sua falência, que deve prevalecer.
A concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata e teve sua falência decretada não tem direito à conversão em recuperação judicial.
HABEAS CORPUS
O requisito “não ter integrado organização criminosa” incluso no inciso V do § 3º do art. 112 da LEP, para progressão de regime da mulher gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência, deve ser interpretado de acordo com a definição de organização criminosa da Lei n. 12.850/2013.
HC 522.651-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 04/08/2020, DJe 19/08/2020
Janaína, atualmente cumprindo pena em regime fechado, é mãe de João, criança com 6 anos de idade, e por tal razão pleiteou a progressão para o regime semiaberto, o que foi indeferido pelo Juízo da Execução Penal. Irresignada, a defesa de Janaína interpôs agravo em execução penal, que foi desprovido pelo Tribunal de origem.
A progressão de regime foi negada em razão de que não foi preenchido o requisito contido no inciso V do § 3º do art. 112 da LEP, porquanto a Paciente cumpre pena pela prática do crime de associação para o tráfico ilícito de drogas.
Inconformada, a defesa de Janaína impetrou Habeas Corpus, no qual sustentou que a paciente faz jus ao benefício e que haveria de ser realizada a retificação do cálculo de penas, visando à adoção da fração de 1/8, prevista na nova redação do artigo 112 da LEP.
Lei de Execuções Penais – LEP:
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características
§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros:
I – que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;
§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal.
§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso:
II – mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018)
I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V – não ter integrado organização criminosa.
Lei n. 12.850/2013:
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
R: SIM.
A Lei n. 13.769/2018 incluiu o § 3º no art. 112 da Lei de Execuções Penais – LEP, prevendo progressão de regime especial. A norma exigiu a presença de cinco requisitos cumulativos para a concessão do benefício executório, dentre eles, o de “não ter integrado organização criminosa”.
O argumento de que o termo organização criminosa não se refere ao crime previsto na Lei n 12.850/2013, tratando-se, na verdade, de uma expressão genérica, a qual abrange todas as espécies de sociedades criminosas, NÃO se coaduna com a correta exegese da norma.
Com efeito, a referida regra tem conteúdo material (norma híbrida), porquanto trata de progressão de regime prisional, relacionado com o jus libertatis, o que impõe, ao intérprete, a submissão a todo o conjunto de princípios inerentes às normas penais.
O inciso V do § 3º do art. 112, da LEP, é um exemplo de norma penal em branco com complemento normativo, pois o próprio Legislador, respeitando o princípio da taxatividade (decorrente do princípio da estrita legalidade), desincumbiu-se do ônus de apresentar, expressamente, a definição de organização criminosa ao editar a Lei n. 12.850/2013 (art. 1º e § 1º).
Não é LEGÍTIMO que o julgador, em explícita violação ao princípio da taxatividade da lei penal, interprete extensivamente o significado de organização criminosa a fim de abranger todas as formas de societas sceleris.
Tal proibição fica ainda mais evidente quando se trata de definir requisito que restringe direito executório implementado por lei cuja finalidade é aumentar o âmbito de proteção às crianças ou pessoas com deficiência, reconhecidamente em situação de vulnerabilidade em razão de suas genitoras ou responsáveis encontrarem-se reclusas em estabelecimentos prisionais.
A teleologia da norma e a existência de complemento normativo impõem exegese RESTRITIVA e não EXTENSIVA. O Legislador, quando teve o intuito de referir-se a hipóteses de sociedades criminosas, o fez expressamente, conforme previsão contida no art. 52, § 1º, inciso I, § 3º, § 4º, inciso II, e § 5º, da Lei n. 7.210/1984, que distinguem organização criminosa de associação criminosa e milícia privada.
O requisito “não ter integrado organização criminosa” incluso no inciso V do § 3º do art. 112 da LEP, para progressão de regime da mulher gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência, deve ser interpretado de acordo com a definição de organização criminosa da Lei n. 12.850/2013.
AGRAVO REGIMENTAL NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO
Não há impedimento ou suspeição de integrantes de Colegiado do STJ que apreciaram recurso especial e, posteriormente, venham participar do julgamento de outro apelo raro oriundo de revisão criminal ajuizada na origem.
AgRg na ExSusp 209-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 12/08/2020, DJe 17/08/2020
A defesa de certo acusado interpôs agravo regimental contra decisão que indeferiu a exceção de suspeição anteriormente ajuizada contra os ministros integrantes da Quinta Turma do STJ.
Conforme o excipiente, os exceptos, integrantes da Quinta Turma deste Tribunal, não poderiam participar de julgamento de recurso especial interposto contra acórdão prolatado em revisão criminal, e distribuído ao referido colegiado, pois essa mesma Turma já teria realizado o julgamento de outros recursos (agravo regimental e embargos de declaração) que diriam respeito à ação penal que deu origem ao pedido revisional.
Cinge-se a controvérsia a definir se há impedimento ou suspeição no fato de ter sido distribuído um recurso especial a integrante da Quinta Turma e esse Colegiado venha a ser o competente para apreciar outro recurso especial, desta vez interposto contra acórdão oriundo de revisão criminal originada de ação penal a que dizia respeito o primeiro apelo raro.
Código de Processo Penal:
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
Art. 625. O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo.
R: NÃO.
O art. 252, III, do Código de Processo Penal estabelece: “Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: […] III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão”.
Assim, veda-se a participação do juiz quando já tiver julgado o processo em OUTRA INSTÂNCIA. É o caso, por exemplo, do magistrado que profere a sentença e é promovido ao cargo de desembargador. Nesse caso não poderá participar do julgamento de eventual recurso de apelação, pois estaria, contra o texto legal, apreciando o processo em instâncias diversas.
Por outro lado, NÃO ocorre o impedimento quando o julgamento se realiza na mesma instância. Aliás, cuida-se de regra que, nos termos do regimento interno, inclusive gera a prevenção do órgão julgador. De igual modo, o art. 625 do Código de Processo Penal também não se aplica, já que de revisão criminal não se cuida. Este dispositivo apenas determina que o relator da revisão criminal “não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo”.
Não há impedimento ou suspeição de integrantes de Colegiado do STJ que apreciaram recurso especial e, posteriormente, venham participar do julgamento de outro apelo raro oriundo de revisão criminal ajuizada na origem.
HABEAS CORPUS
Não há nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que o imóvel é utilizado para a prática de crime permanente.
HC 588.445-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020
A polícia civil, com base em denúncia anônima, adentrou em apartamento no qual supostamente estaria ocorrendo o crime de tráfico de drogas. No apartamento, aparentemente sem morador, foram encontrados 7kg de maconha prensada, fracionadas em 34 porções, 2.097,8 kg de cocaína em pó, fracionada em 10 tabletes, bem como 51 gramas de cocaína petrificada, vulgarmente conhecida como crack, uma submetralhadora com carregador, armamento de uso proibido, além de 226 munições calibre .45, 16 munições calibre 12, 102 munições calibre 9mm, 53 munições calibre .22, acompanhados ainda de acessórios (04 carregadores, 01 silenciador, 02 canos de arma curta, 03 coldres. Juntamente aos itens acima, foi realizada a prisão em flagrante de Carlinhos, conhecido traficante da região.
Carlinhos então foi condenado Juízo de Direito às penas de 11 anos e 1 mês de reclusão, em regime fechado, e 772 dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, por infração ao crime de tráfico de drogas em concurso material com os crimes de porte ilegal de munições de uso permitido e restrito, estes em concurso formal próprio. Em apelação, a pena foi diminuída para a 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e ao pagamento de 607 (seiscentos e sete) dias-multa.
Inconformada, a Defensoria Pública Estadual impetrou Habeas Corpus no qual sustentou a ilegalidade da entrada dos policiais no domicílio de Carlinhos, sem prévia autorização judicial, e na nulidade das provas colhidas no flagrante. Conforme a defesa: ““o fato de que os policiais foram até o local para verificar a veracidade; chegando ali, realmente, o apartamento, olhando, ele não tinha cortina e não tinha móvel algum’ não é circunstância suficiente para autorizar o ingresso da Polícia no domicílio do paciente sem mandado judicial”.
R: NÃO.
O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
A proteção constitucional, no tocante à casa, independentemente de seu formato e localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel, pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de HABITAÇÃO, moradia, ainda que de forma transitória, pois tutela-se o bem jurídico da intimidade da vida privada.
O crime de tráfico de drogas, na modalidade guardar ou ter em depósito possui natureza PERMANENTE. Tal fato torna legítima a entrada de policiais em domicílio para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva capazes de demonstrar a ocorrência de situação flagrancial.
No caso, após denúncia anônima detalhada de armazenamento de drogas e de armas, seguida de informações dos vizinhos de que não haveria residente no imóvel, de vistoria externa na qual não foram identificados indícios de ocupação, mas foi visualizada parte do material ilícito, policiais adentraram o local e encontraram grande quantidade de drogas.
Assim, sem desconsiderar a proteção constitucional de que goza a propriedade privada, ainda que desabitada, NÃO se verifica nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual.
Não há nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que o imóvel é utilizado para a prática de crime permanente.
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Faço questão de deixar registrados meus comentários a essa iniciativa altamente louvável de transmissão dos informativos do STF e STJ na pessoa do r. Professor Jean Vilbert. Parabéns!