Informativo STJ 673 Comentado
Informativo 673 do STJ Comentadíssimo saindo do forno quentinho.
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1. Possibilidade de execução de honorários advocatícios nos próprios autos por defensor dativo.. 3
2. Competência para alienação judicial eletrônica de bem situado em comarca diversa. 5
3. Extinção de processo sem resolução de mérito na recusa de terceiros em realizar exame de DNA.. 7
4. Competência para execução de honorários arbitrados pelo Juízo da Infância e Juventude. 9
5. Flexibilização do percentual de honorários do art. 523 § 1º do CPC/15. 11
6. Intimação do réu revel para o cumprimento de sentença. 13
7. Natureza do prazo de pagamento do mútuo após execução da liminar. 16
8. Honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 18
9. Julgamento antecipado ou improcedência liminar em ACP. 20
10. Prisão dos devedores de alimentos no período de pandemia (covid-19) 22
11. Prazo prescricional para reembolso de despesas médicas. 24
12. Renúncia de alimentos pretéritos. 26
13. Ação de prestação de contas pelo alimentante contra o genitor guardião.. 28
14. Cobertura do plano de saúde em medida preventiva a infertilidade. 30
15. Responsabilidade da transportadora e fato de terceiro.. 32
16. Danos morais por extravio de bagagem e Convenção de Montreal 34
17. Retroação de norma mais benéfica prevista lei 11.101/2005 ao sócio falido.. 36
18. Tipicidade do transporte internacional de folhas de coca. 38
20. Competência para julgamento de crimes relacionados a pirâmides financeiras com criptomoedas. 43
21. Suspensão do trabalho externo de preso no período de pandemia. 44
22. Substituição do regime semiaberto por domiciliar durante a pandemia. 46
23. Recomendação n. 62/CNJ e réu que não cumpre pena no Brasil 48
24. Legitimidade passiva em MS para evitar o lançamento fiscal 49
25. (IR)Retroatividade da lei e cômputo da APP no cálculo da reserva legal 52
PARA TESTAR SEU CONHECIMENTO… 55
26.1. Questões objetivas: CERTO ou ERRADO. 55
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
1. Possibilidade de execução de honorários advocatícios nos próprios autos por defensor dativo
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL
Havendo convênio entre a Defensoria Pública e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os honorários advocatícios podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento.
EREsp 1.698.526-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. Acd. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, por maioria, julgado em 05/02/2020, DJe 22/05/2020
1.1. Situação FÁTICA.
Após a procedência de ação de alimentos, Dr. Justino, defensor dativo, tentou executar, nos próprios autos da ação original, os honorários advocatícios arbitrados em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, ainda que o Estado não tenha sido parte na fase de conhecimento.
FIQUE ATENT@: ao sentenciar, o magistrado arbitrou a verba honorária conforme disposto na tabela do convênio (defensoria dativa). Porém, o Estado pagou só uma parte e não foi permitida a execução do restante nos autos da própria ação de alimentos.
A questão chegou até a Quarta Turma do STJ, que negou provimento à pretensão do nobre causídico por entender que caberia a ele, credor do título executivo, ajuizar a ação competente em face do Estado. Dr. Justino, então, opôs Embargos de Divergência instruído com entendimento em sentido oposto adotado pela Segunda Turma do STJ.
A questão controvertida cinge-se a saber se é, ou não, possível a execução, nos próprios autos de ação de alimentos, de honorários advocatícios a serem suportados pelo Estado, porque arbitrados em favor de advogado atuante na ação como defensor dativo da pessoa menor de idade promovente, ainda que o Estado, na condição de responsável pelo pagamento, não tenha participado da lide na fase de conhecimento.
1.2. Análise ESTRATÉGICA.
1.2.1. Defensor dativo pode promover execução dos honorários advocatícios nos próprios autos?
R: SIM, pode.
O advogado, quando atua como defensor dativo, o faz porque na localidade não há Defensoria Pública. Vale dizer, nessas hipóteses, existe um convênio entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, que possibilita a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, mediante remuneração previamente estipulada em tabela.
Se o advogado atuou como defensor dativo, fazendo as vezes da Defensoria Pública, tem o direito de receber e executar o valor que lhe foi fixado pelo juiz na sentença proferida na causa. Caso contrário, se houver a necessidade de ajuizamento de ação ordinária para recebimento dos honorários, não vai ter advogado para assumir esse papel da defensoria.
Com efeito, se tiver de promover uma ação específica contra a Fazenda Pública, os advogados serão muito resistentes em aceitar a função de advogado dativo, porque terão de trabalhar não só na ação para a qual foram designados, mas também numa outra ação que terão de propor contra a Fazenda Pública.
Assim, o fato de o Estado não ter participado da lide na ação de conhecimento NÃO impede que ele seja intimado a pagar os honorários, que são de sua responsabilidade em razão de convênio celebrado entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, em cumprimento de sentença.
1.2.2. Resultado final.
Havendo convênio entre a Defensoria Pública e a OAB possibilitando a atuação dos causídicos quando não houver defensor público para a causa, os honorários advocatícios podem ser executados nos próprios autos, mesmo se o Estado não tiver participado da ação de conhecimento.
2. Competência para alienação judicial eletrônica de bem situado em comarca diversa
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica, ainda que o bem esteja situado em comarca diversa.
CC 147.746-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 27/05/2020, DJe 04/06/2020
2.1. Situação FÁTICA.
Dr. Smith, juiz de Direito de Feitos Tributários no Estado A expediu carta precatória para a realização de leilão eletrônico de bem imóvel localizado no Estado B. O juízo deprecado, Dr. Marcinho, devolveu a carta sem cumprimento, por entender que a alienação eletrônica dispensa a hasta pública no local em que o bem penhorado está situado.
2.2. Análise ESTRATÉGICA.
2.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 13.105/2015, art. 882. Não sendo possível a sua realização por meio eletrônico, o leilão será presencial.
§ 1º A alienação judicial por meio eletrônico será realizada, observando-se as garantias processuais das partes, de acordo com regulamentação específica do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º A alienação judicial por meio eletrônico deverá atender aos requisitos de ampla publicidade, autenticidade e segurança, com observância das regras estabelecidas na legislação sobre certificação digital.
§ 3º O leilão presencial será realizado no local designado pelo juiz.
2.2.2. A quem compete realizar alienação judiciária eletrônica de bem situado em comarca diversa?
R: Ao juízo da execução, DISPENSANDO-SE carta precatória.
Os procedimentos relativos à alienação judicial por meio eletrônico, na forma preconizada pelo art. 882, § 1º, do Código Fux (CPC/2015), têm por finalidade facilitar a participação dos licitantes, reduzir custos e agilizar processos de execução, primando pelo atendimento dos princípios da publicidade, da celeridade e da segurança.
O leilão eletrônico revela maior EFICÁCIA diante da inexistência de fronteiras no ambiente virtual, permitindo que o leilão judicial alcance um número incontável de participantes em qualquer lugar do País, além de propiciar maior divulgação, baratear o processo licitatório e ser infinitamente mais célere em relação ao leilão presencial, rompendo trâmites burocráticos e agilizando o processo de venda do bem objeto de execução.
Logo, cabe ao magistrado atentar para essa relevante alteração trazida pelo novel estatuto processual, utilizando-se desse poderoso instrumento de alienação judicial do bem penhorado em processo executivo, que tornou inútil e obsoleto deprecar os atos de alienação dos bens para satisfação do crédito, já que a alienação pela rede mundial dispensa o comparecimento dos interessados no local da hasta pública.
Considerando que a alienação ELETRÔNICA permite ao interessado participar do procedimento mediante um acesso simples à internet, sem necessidade de sua presença no local da hasta, tem-se por justificada a recusa do cumprimento da carta precatória pelo Juízo deprecado, visto que NÃO há motivos para que a realização do ato de alienação judicial eletrônica seja praticada em comarca diversa daquela do Juízo da Execução.
2.2.3. Resultado final.
Compete ao juízo da execução realizar a alienação judicial eletrônica, ainda que o bem esteja situado em comarca diversa.
3. Extinção de processo sem resolução de mérito na recusa de terceiros em realizar exame de DNA
RECURSO ESPECIAL
O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia.
REsp 1.756.283-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 03/06/2020
3.1. Situação FÁTICA.
Creosvaldo ajuizou ação de investigação de paternidade “post mortem” contra seu suposto irmão. A primeira ação foi julgada improcedente e transitou em julgado. Creosvaldo ajuizou nova ação com o mesmo intento alegando que houve fraude no exame de DNA essencial ao embasamento da decisão anterior. Pediu a flexibilização da coisa julgada, novo exame de DNA e a procedência do pedido.
Após amplo debate acerca da possibilidade da flexibilização da coisa julgada, a Terceira Turma do STJ deu provimento ao recurso especial do autor para que fosse afastado o óbice da coisa julgada e apurados os indícios de fraude no exame de DNA, bem como realizado novo exame genético. No entanto, os familiares do genitor pré morto não compareceram à perícia técnica designada.
O juízo de primeiro grau, sem empreender todas as possibilidades previstas no art. 139 do CPC/15, entendeu que não seria cabível a aplicação da presunção de paternidade da súmula 301 do STJ e extinguiu o processo sem resolução de mérito em virtude da coisa julgada formada na ação de investigação de paternidade anterior.
3.2. Análise ESTRATÉGICA.
3.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei 13.105/2015, Art.139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Súmula 301 STJ, “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
3.2.2. Pode o juízo extinguir ação de investigação de paternidade antes de empreender todas as providências previstas em lei para a elucidação do caso?
R: NÃO pode.
Determinado pelo STJ que fosse realizado novo exame de DNA para apuração da existência de vínculo biológico entre as partes, NÃO pode a sentença, somente com base na ausência das pessoas que deveriam fornecer o material biológico, concluir pelo restabelecimento da coisa julgada que se formou na primeira ação investigatória (e que foi afastada por esta Corte), tampouco concluir pela inaplicabilidade da presunção contida na Súmula 301/STJ, sem que sejam empreendidas todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática.
A impossibilidade de condução do investigado “debaixo de vara” para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica a impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do CPC/2015, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ, ou quando se observar postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa.
Com efeito, aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum).
Terceiros são legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum).
Observa-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos arts. 401 a 404, do CPC/2015, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida.
3.2.3. Resultado final.
O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia.
4. Competência para execução de honorários arbitrados pelo Juízo da Infância e Juventude
RECURSO ESPECIAL
O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado.
REsp 1.859.295-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 29/05/2020
4.1. Situação FÁTICA.
A Defensoria Pública requereu o cumprimento de sentença, com o fim de receber a verba sucumbencial devida pelo município sucumbente fixada em processo que tramitou na Vara de Infância e Juventude local. O pedido foi indeferido sob o argumento de que tal pedido de natureza patrimonial em nada era relacionado ao interesse de criança ou adolescente e que o mesmo deveria ser processado pelo Juízo da Fazenda Pública.
O Tribunal de Justiça local manteve a decisão denegatória sob o argumento da competência taxativa prevista no ECA, no que foi questionada em recurso especial.
Cinge-se a controvérsia a definir de quem é a competência para executar a verba honorária sucumbencial arbitrada pelo Juízo da Infância e da Juventude.
4.2. Análise ESTRATÉGICA.
4.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 13.105/2015, Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: […] II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;
ECA, Art, 152, “Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente”,
4.2.2. A quem compete a execução de honorários sucumbenciais arbitrada pelo Juízo da Infância e Juventude?
R: Ao próprio juízo que arbitrou os honorários.
Da combinada leitura dos arts. 148 e 152 do ECA, 24, § 1º, do Estatuto da Advocacia e 516, II, do CPC/2015, depreende-se que, como regra, o cumprimento da sentença, aí abarcada a imposição sucumbencial, deveocorrer nos mesmos autos em que se formou o correspondente título exequendo e, por conseguinte, perante o juízo prolator do título.
Tal solução longe está de inquinar ou contrariar as estritas hipóteses de competência da Vara da Infância e Juventude (art. 148 do ECA), porquanto a postulada verba honorária decorreu de discussão travada em causa cível que tramitou no próprio juízo menorista, razão pela qual NÃO há falar, no caso, em desvirtuamento de sua competência executória.
Impende realçar que a Lei n. 8.069/1990 (ECA), por seu art. 152, assinala que “aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente”, autorizando, no ponto, a supletiva aplicação do referido art. 516, II, do vigente CPC, segundo o qual “o cumprimento da sentença efetuar-se-á perante […] o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição“.
4.2.3. Resultado final.
O juízo especializado da Justiça da Infância e da Juventude é competente para o cumprimento e a efetivação do montante sucumbencial por ele arbitrado.
5. Flexibilização do percentual de honorários do art. 523 § 1º do CPC/15
RECURSO ESPECIAL
O acréscimo de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015, quando não ocorrer o pagamento voluntário no cumprimento de sentença, não admite relativização.
REsp 1.701.824-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 12/06/2020
5.1. Situação FÁTICA.
Em cumprimento de sentença, Falindus S/A foi intimada para pagar o débito no prazo de quinze dias. Adivinha? Ela não pagou! Em resposta, o Banco da China, credor, juntou planilha de cálculos da dívida já com o acréscimo de 10% da multa e ainda os 10% de honorários advocatícios previstos no art. 523 do CPC/2015.
Por se tratar de um valor significativo (R$ 3.051.427,47), Falindus S/A recorreu sustentando que, em razão do alto valor envolvido, devem ser aplicados os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Defendeu também que o percentual previsto não seria absoluto e comportaria flexibilização a critério do julgador.
5.2. Análise ESTRATÉGICA.
5.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 13.105/2015
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput , o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.
5.2.2. O percentual de 10% pode ser flexibilizado pelo julgador?
R: NÃO pode.
As alterações realizadas pelo CPC/2015 na disciplina da fixação dos honorários advocatícios já foram objeto de debate na Segunda Seção desta Corte Superior, que concluiu que, dentre as alterações, o novo Código REDUZIU, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade.
No CPC/2015 tais hipóteses (julgamento por equidade) são restritas, havendo ou não condenação, às causas em que o proveito econômico foi inestimável, ou irrisório, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).
HONORÁRIOS por EQUIDADE: (a) proveito econômico inestimável ou irrisório; (b) quando o valor da causa for muito baixo; (c) o valor da causa ou não se observe proveito econômico com a extinção sem resoluçãodo mérito (REsp 1.776.512-SP).
No cumprimente de sentença, nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015, não ocorrendo o pagamento voluntário do débito no prazo de 15 (quinze) dias, o débito será acrescido de multa de 10% (dez por cento) e de honorários de advogado no percentual de 10% (dez por cento). NÃO há liberalidade aqui.
Assim, vencido o prazo sem pagamento do valor devido, haverá acréscimo, por força de lei, da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito atualizado, mais honorários advocatícios que o julgador deverá fixar, nos termos da lei, também em 10% (dez por cento) sobre o valor devido.
A lei NÃO deixou dúvidas quanto ao percentual de honorários advocatícios a ser acrescido ao débito nas hipóteses de ausência de pagamento voluntário. Diz-se: o percentual foi expressamente TARIFADO em lei.
5.2.3. Resultado final.
O acréscimo de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015, quando não ocorrer o pagamento voluntário no cumprimento de sentença, não admite relativização.
6. Intimação do réu revel para o cumprimento de sentença
RECURSO ESPECIAL
Ainda que citado pessoalmente na fase de conhecimento, é devida a intimação por carta do réu revel, sem procurador constituído, para o cumprimento de sentença.
REsp 1.760.914-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020
6.1. Situação FÁTICA.
Em ação de cobrança, Joãozinho foi pessoalmente citado por via postal, com aviso de recebimento, porém permaneceu silente (não contestou – revel) — sequer constituiu procurador na fase de conhecimento.
Para a execução, tanto o juízo de origem como o Tribunal de Justiça local, reconheceram a necessidade de intimação por carta do executado, o que foi combatido pelos credores sob os argumentos de que seria desnecessária a intimação uma vez que Joãozinho teve ciência da demanda contra ele ajuizada e optou por permanecer inerte, assumindo para si o ônus processual decorrente.
Cinge-se a controvérsia sobre a necessidade de intimação pessoal dos devedores no momento do cumprimento de sentença prolatada em processo em que os réus, citados pessoalmente na fase de conhecimento, permaneceram revéis.
6.2. Análise ESTRATÉGICA.
6.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei 13.105/2015, Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
II – por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV;
IV – por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento.
6.2.2. A lei exige a intimação pessoal do réu revel sem procurador constituído para o cumprimento de sentença?
R: SIM, exige.
O STJ, sob a égide do CPC/1973, havia concluído que para o início do cumprimento de sentença era desnecessária qualquer intimação do executado para os fins do art. 475-J do CPC/1973, se revel fosse na fase de conhecimento.
“Após a edição da Lei nº 11.232/2005, a execução por quantia fundada em título judicial desenvolve-se no mesmo processo em que o direito subjetivo foi certificado, de forma que a revelia decretada na fase anterior, ante a inércia do réu que fora citado pessoalmente, dispensará a intimação pessoal do devedor para dar cumprimento à sentença.” (REsp 1.241.749/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 27/09/2011, DJe 13/10/2011)
O CPC de 2015, ENTRETANTO, alterou este cenário, em parte, em relação ao efeito processual da revelia consubstanciado na ciência do revel acerca dos atos processuais (art. 346 do CPC) e fortemente em relação à sua cientificação para o cumprimento de sentença (art. 513 do CPC).
Com relação à citação ficta do revel, o inciso IV do §2º do art. 513 do novo Código deu tratamento diverso daquele dado pelo STJ, sob a vigência do CPC de 1973. Atualmente, o revel citado por edital ou por hora certa deverá ser intimado na fase executiva também por edital.
Perceba-se queNÃO será suficiente, segundo a lei, a intimação pessoal da Defensoria Pública, quando atuar como curador especial do réu revel citado na forma do art. 256 do CPC, sendo necessário, nova intimação editalícia do executado, para cumprir a sentença em que restou condenado.
Em se tratando de revel que NÃO tenha sido citado por edital e que não possua advogado constituído, o inciso II do §2º do art. 513 do CPC/2015 foi claro ao reconhecer que a intimação do devedor para cumprir a sentença ocorrerá “por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV”.
Pouco espaço a lei atual deixou para outra interpretação, pois ressalvou, apenas, a hipótese em que o revel fora citado fictamente, exigindo, ainda assim, nova intimação para o cumprimento da sentença, em que pese exigi-la na via do edital.
Em conclusão, na lei processual vigente, há expressa previsão de que o réu sem procurador nos autos, incluindo-se aí o revel, mesmo quando citado pessoalmente na fase cognitiva, deve ser INTIMADO por carta, NÃO se mostrando aplicável, neste especial momento de instauração da fase executiva, o quanto prescreve o art. 346 do CPC.
6.2.3. Resultado final.
Ainda que citado pessoalmente na fase de conhecimento, é devida a intimação por carta do réu revel, sem procurador constituído, para o cumprimento de sentença.
7. Natureza do prazo de pagamento do mútuo após execução da liminar
RECURSO ESPECIAL
O prazo de cinco dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/2015.
REsp 1.770.863-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 15/06/2020
7.1. Situação FÁTICA.
Creosvaldo realizou um financiamento para adquirir um veículo (um Fiat/Tipo 1996 sem freios, mas com alienação fiduciária), no entanto não honrou as prestações em dia. A financeira ajuizou ação de busca e apreensão que foi julgada procedente.
Creosvaldo, no entanto, efetuou o pagamento da integralidade da dívida no prazo de cinco dias úteis da execução da liminar de busca e apreensão. Porém, seu amado Tipo já havia sido apreendido e alienado a terceiros sob o fundamento que o pagamento teria ocorrido de forma intempestiva, uma vez que o prazo para pagamento teria iniciado em 10/06/2016 e o depósito somente foi realizado em 16/06/2016.
Em segunda instância, o acórdão deu provimento ao apelo de Creosvaldo e determinou à financeira que restituísse o valor do bem por entender que o prazo deve ser contabilizado em dias úteis. Dessa decisão, a financiadora apresentou recurso especial por entender que o prazo para pagamento deve ser contabilizado em dias corridos.
7.2. Análise ESTRATÉGICA.
7.2.1. Questão JURÍDICA.
Decreto-Lei n.911/1969:
Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.
§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus
7.2.2. O prazo para pagamento do devedor de mútuo com alienação judicial deve ser contado em dias ÚTEIS?
R: NÃO.
A natureza processual de um determinado prazo é determinada pela ocorrência de consequências endoprocessuais do ato a ser praticado nos marcos temporais definidos, modificando a posição da parte na relação jurídica processual e impulsionando o procedimento à fase seguinte.
A partir da entrada em vigor da Lei n. 10.931/2004, que deu nova redação aos parágrafos do artigo 3º do Decreto-Lei n. 911/1969, prevê-se a possibilidade de, em cinco dias, contados da execução da liminar deferida na ação de busca e apreensão, o devedor de mútuo com garantia de alienação fiduciária pagar integralmente a dívida. A definição da natureza do referido prazo de cinco dias depende da aferição das consequências da prática, ou não, do ato a ele relacionado, isto é, ao pagamento, ou não, da integralidade da dívida.
E no pedido da ação de busca e apreensão é, primordialmente, reipersecutório, haja vista tratar-se do exercício do direito de sequela inerente ao direito real de propriedade incidente sobre o bem gravado com alienação fiduciária; e, por essa razão, ela NÃO se confunde com a ação de cobrança, por meio da qual o credor fiduciário requer a satisfação da dívida.
Justamente por ser o autor o proprietário do bem e, como consequência, possuir o direito de sequela — de poder buscá-lo na (ou “retirá-lo da”) mão de terceiros —, a ação de busca e apreensão tem como causa de pedir próxima a relação de direito real, cujo implemento da condição resolutiva não se operou, em virtude da mora.
Assim, a sentença de procedência proferida na ação de busca e apreensão tem natureza meramente declaratória, porquanto, de acordo com a doutrina, NÃO tem efeito constitutivo relativamente à consolidação da propriedade; esta resulta, de pleno direito, da condição, que corresponde à não purgação da mora.
Como consequência, o pagamento da dívida no prazo do art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, acarretaria, no máximo — na hipótese de não se discutir a ocorrência de mora ou a regularidade de sua comprovação —, a declaração da perda do objeto da ação de busca e apreensão, haja vista ter ocorrido, supervenientemente, no plano material, a condição que extingue a propriedade resolúvel do credor.
7.2.3. Resultado final.
O prazo de cinco dias para pagamento da integralidade da dívida, previsto no art. 3º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, deve ser considerado de direito material, não se sujeitando, assim, à contagem em dias úteis, prevista no art. 219, caput, do CPC/2015.
8. Honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica
RECURSO ESPECIAL
Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
REsp 1.845.536-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020
8.1. Situação FÁTICA.
Em ação de cobrança, Mário buscou diversas formas de satisfação do crédito contra Inadimplentis Ltda, sem sucesso, razão pela qual seu advogado requereu ao juízo a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para atingir seus sócios Genivaldo e Gertrudes. O juízo de origem indeferiu o pedido, mas deixou de fixar honorários advocatícios em favor do patrono da devedora.
A questão foi objeto de recurso e o Tribunal de Justiça local entendeu cabível a fixação de honorários no incidente processual e assim o fez, arbitrando em 12% sobre o valor atribuído à causa. A credora apresentou recurso especial para se desincumbir da obrigação, alegando que por se tratar de decisão interlocutória, não caberia a condenação em honorários.
8.2. Análise ESTRATÉGICA.
8.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei 13.105/2015, Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno
8.2.2. É cabível a condenação em honorários no incidente de desconsideração da PJ?
R: NÃO.
Nos termos do novo regramento emprestado aos honorários advocatícios pelo atual Código de Processo Civil, em regra, a condenação nos ônus de sucumbência é atrelada às decisões que tenham natureza jurídica de SENTENÇA.
EXCEPCIONALMENTE, estende-se a condenação às decisões previstas na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente, conforme disposição expressa do § 1º do art. 85.
Diante de uma decisão que indeferiu o pedido incidente de desconsideração da personalidade jurídica, à qual o legislador atribuiu de forma expressa a natureza de decisão interlocutória, nos termos do art. 136 do CPC/2015, descabe a condenação nos ônus sucumbenciais, diante daausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente.
8.2.3. Resultado final.
Não há condenação em honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
9. Julgamento antecipado ou improcedência liminar em ACP
RECURSO ESPECIAL
Em ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima daquele fixado em lei, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando, a despeito da repetitividade da matéria, não há tese jurídica fixada em precedente vinculante.
REsp 1.854.882-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 02/06/2020, DJe 04/06/2020
9.1. Situação FÁTICA.
Ministério Público Estadual ajuizou ação para inclusão de menor em programa de acolhimento familiar e condenação em danos morais pelo acolhimento institucional por período acima do período máximo legal. A sentença e o acórdão recorrido concluíram ser possível o julgamento de improcedência liminar do pedido sob fundamento de que existiam causas repetitivas naquele mesmo juízo sobre a matéria, o que autorizaria a extinção prematura do processo com resolução de mérito.
9.2. Análise ESTRATÉGICA.
9.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n.13105/2015, Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: […] III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência
9.2.2. É admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido em ação civil pública que verse sobre recolhimento de menor por período superior ao fixado em lei?
R: NÃO.
Diferentemente do tratamento dado à matéria no revogado CPC/1973, NÃO mais se admite, no novo CPC, o julgamento de improcedência liminar do pedido com base no entendimento firmado pelo juízo em que tramita o processo sobre a questão repetitiva, exigindo-se, diferentemente , que tenha havido a prévia pacificação da questão jurídica controvertida no âmbito dos Tribunais, materializada em determinadas espécies de precedentes vinculantes.
PRECEDENTES VINCULANTES: súmula do STF ou do STJ; súmula do TJ sobre direito local; tese firmada em recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) ou em incidente de assunção de competência (IAC).
Por limitar o pleno exercício de direitos fundamentais de índole processual, em especial o do contraditório e o da ampla defesa, essa regra deve ser interpretada de modo RESTRITIVO, não se podendo dar a ela amplitude maior do que aquela textualmente indicada pelo legislador, razão pela qual se conclui que o acórdão recorrido violou o art. 332, III, do novo CPC, sobretudo porque é fato incontroverso que, no que tange ao tema, não há súmula ou tese firmadas em nenhuma das modalidades de precedentes anteriormente mencionadas.
De igual modo, para que possa o juiz resolver o mérito liminarmente e em favor do réu, ou até mesmo para que haja o julgamento antecipado do mérito imediatamente após a citação do réu, é indispensável que a causa não demande ampla dilação probatória, o que NÃO se coaduna com a ação civil pública em que se pretende discutir a ilegalidade de acolhimento institucional de menores por período acima do máximo legal e os eventuais danos morais que do acolhimento por longo período possam decorrer, pois são questões litigiosas de natureza estrutural.
Conclui-se que também sob esse enfoque houve violação ao art. 332, caput e III, do novo CPC, na medida em que o julgamento de improcedência liminar do pedido (ou de julgamento antecipado do mérito) é, em regra, incompatível com os processos estruturais, ressalvada a possibilidade de já ter havido a prévia formação de precedente qualificado sobre o tema que inviabilize nova discussão da questão controvertida no âmbito do Poder Judiciário.
9.2.3. Resultado final.
Em ação civil pública que versa sobre acolhimento institucional de menor por período acima daquele fixado em lei, não é admissível o julgamento de improcedência liminar ou o julgamento antecipado do pedido, especialmente quando, a despeito da repetitividade da matéria, não há tese jurídica fixada em precedente vinculante.
10. Prisão dos devedores de alimentos no período de pandemia (covid-19)
HABEAS CORPUS
Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado.
HC 574.495-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 01/06/2020
10.1. Situação FÁTICA.
Em execução de alimentos houve decisão interlocutória determinando a prisão de Carlinho, o devedor de pensão.
A ordem de prisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça local. A defesa de Carlinho impetrou Habeas Corpus, alegando que ele é vítima potencial do COVID-19 (ao cabo, todos somos, não é?), razão pela qual requereu a substituição da prisão em regime fechado pela prisão domiciliar. Requereu também que a prisão em regime fechado tenha seus efeitos suspensos até que não haja nenhum risco de contaminação pelo COVID-19.
10.2. Análise ESTRATÉGICA.
10.2.1. Questão JURÍDICA.
Súmula 309/STJ “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
10.2.2. Cabe a suspensão da prisão em regime fechado dos devedores de alimentos em virtude de pandemia?
R: SIM, “excepcionalmente”.
A pandemia de covid-19 foi declarada publicamente pela Organização Mundial da Saúde – OMS – em 11 de março de 2020. Com base nessa realidade, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação CNJ n. 62/2020, que no seu artigo 6º RECOMENDA “aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus”.
10.2.3. Mas aí substitui o regime fechado por domiciliar?
R: NEGATIVO!
Assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que NÃO cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando.
Ora, não há falar na relativização da regra do art. 528, §§ 4º e 7º, do Código de Processo Civil de 2015, que autoriza a PRISÃO civil do alimentante em regime fechado quando devidas até 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
NÃO é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social, o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada em prol do bem-estar de toda a coletividade.
Nesse sentido, diferentemente do que assentado em recentes precedentes desta Corte (HC 566.897/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19/3/2020, e HC 568.021/CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 25/03/2020), que aplicaram a Recomendação n. 62 do CNJ (cuja competência é administrativa, não jurisdicional), AFASTA-SE a possibilidade de prisão domiciliar dos devedores de dívidas alimentares para apenas suspender a execução da medida enquanto pendente o contexto pandêmico mundial.
Portanto, a excepcionalidade da situação emergencial de saúde pública permite o DIFERIMENTO provisório da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia. Em outras palavras, a prisão civil fica suspensa, mas terá seu CUMPRIMENTO no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra, e não se olvida que, afinal, também está em jogo a dignidade do alimentando, em regra, vulnerável.
10.2.4. Resultado final.
Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado, mas não há falar em substituição por prisão domiciliar.
DIREITO CIVIL
11. Prazo prescricional para reembolso de despesas médicas
RECURSO ESPECIAL
É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora.
REsp 1.756.283-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 03/06/2020
11.1. Situação FÁTICA.
Josefina foi diagnosticada em 2015 com uma doença ocular muito grave. Ao iniciar o tratamento indicado pelo médico responsável, foi surpreendida pela negativa da operadora do plano de saúde sob a alegação de falta de previsão do tratamento no rol da Agência Nacional de Saúde, ainda que fosse o único disponível para evitar “cegueira crônica acelerada”.
Em 09/08/2016, Josefina ajuizou ação contra a operadora do plano de saúde com quem mantinha contrato regular desde 20/01/2009, postulando a condenação ao custeio do seu tratamento, danos morais e ressarcimento das despesas já realizadas em razão da doença. A tutela antecipada foi deferida e posteriormente confirmada em sentença. Houve apelação da operadora ao Tribunal de Justiça local alegando que a prescrição no caso em concreto seria anual, o que foi rechaçado.
11.2. Análise ESTRATÉGICA.
11.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Civil 2002, Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
11.2.2. Qual o prazo prescricional aplicado para o reembolso de despesas médicas hospitalares não adimplidas pela operadora?
R: 10 ANOS.
Inicialmente, ressalta-se que, consoante a jurisprudência do STJ, NÃO incide a prescrição ânua própria das relações securitárias nas demandas em que se discutem direitos oriundos de planos de saúde ou de seguros saúde, dada a natureza sui generis desses contratos.
A presente pretensão reparatória também NÃO se confunde com aquela voltada à repetição do indébito decorrente da declaração de nulidade de cláusula contratual (estipuladora de reajuste por faixa etária), que foi debatida pela Segunda Seção, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais 1.361.182/RS e 1.360.969/RS, que observaram o rito dos repetitivos (presrição em TRÊS anos).
Destaca-se que a ratio decidendi dos recursos especiais citados teve como parâmetros: (a) a revisão de cláusula contratual de plano ou de seguro de assistência à saúde tida por abusiva, com a repetição do indébito dos valores pagos (fatos relevantes da causa); e (b) a consequência lógica do reconhecimento do caráter ilegal ou abusivo do contrato é a perda da causa que legitimava o seu pagamento, dando ensejo ao enriquecimento sem causa e direito à restituição dos valores pagos indevidamente, e, como resultado, atrai a incidência do prazo prescricional TRIENAL previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002 (motivos jurídicos determinantes que conduziram à conclusão).
Assim, em havendo pontos de fato e de direito que diferenciam o presente caso da hipótese de incidência delineada nos recursos piloto, não há falar em tipificação do comando normativo posto, devendo-se afastar, por conseguinte, o prazo trienal com fundamento no enriquecimento sem causa.
A hipótese do reembolso no plano de saúde encontra-se mesmo compreendida pela exegese adotada pela Segunda Seção e na Corte Especial, quando dos julgamentos dos EREsp 1.280.825/RJ e EResp 1.281.594/SP respectivamente, no sentido de que, nas controvérsias relacionadas à RESPONSABILIDADE CONTRATUAL, aplica-se a regra geral (art. 205 do Código Civil de 2002) que prevê dez anos de prazo prescricional.
Assim, diante da inexistência de norma prescricional específica que abranja o exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares supostamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (que não se confunde com a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa), deve incidir a regra da prescrição decenal estabelecida no art. 205 do Código Civil de 2002.
11.2.3. Resultado final.
É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora.
12. Renúncia de alimentos pretéritos
RECURSO ESPECIAL
É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos.
REsp 1.529.532-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020
12.1. Situação FÁTICA.
Em uma execução de alimentos, os genitores (João e Maria) realizaram acordo em que convencionaram o valor a ser pago nas parcelas alimentares, condicionada à renúncia ao crédito alimentício pretérito compreendido entre os meses de janeiro de 2010 e março de 2011. O acordo foi homologado e a ação foi julgada extinta.
Só que aí o Ministério Público se meteu na parada (como fiscal do ordenamento jurídico) e alegou em apelação a irrenunciabilidade da obrigação alimentar bem como o caráter personalíssimo da prestação. Essa tese colou. Não? O Tribunal de Justiça local rechaçou a alegação. O MP levou a matéria ao STJ.
12.2. Análise ESTRATÉGICA.
12.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Civil/2002, Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
12.2.2. É possível o acordo para exoneração de dívida de alimentos devidos e não pagos?
R: SIM, é possível.
Extrai-se do art. 1.707 do Código Civil que o direito aos alimentos presentes e futuros é IRRENUNCIÁVEL, não se aplicando às prestações vencidas, nas quais o credor pode deixar de exercer a cobrança até mesmo na fase executiva.
A vedação legal à renúncia ao direito aos alimentos decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos. Contudo, a irrenunciabilidade atinge tão somente o direito, e não o seu EXERCÍCIO.
Airrenunciabilidade e a vedação à transação estão LIMITADAS aos alimentos presentes e futuros, NÃO havendo os mesmos obstáculos para os alimentos pretéritos.
O caso em apreço é ilustrativo.
A extinção da execução por acordo (em que o débito foi exonerado) não resultou em prejuízo, pois NÃO houve renúncia aos alimentos vincendos, indispensáveis ao sustento dos alimentandos. As partes, isso sim, transacionaram sobre o crédito de parcelas específicas dos alimentos executados, em relação aos quais inexiste óbice legal.
Nesse contexto, os alimentos pretéritos perdem relevância, não havendo motivo para impor às partes integrantes da relação alimentar empecilho à sua transação, tendo em vista que, como assinalado, não decorreram prejuízos.
Ademais, destaca-se que, especialmente no âmbito do Direito de Família, é salutar o estímulo à autonomia das partes para a realização de acordo, de autocomposição, como instrumento para se alcançar o equilíbrio e a manutenção dos vínculos afetivos.
12.2.3. Resultado final.
É possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos.
13. Ação de prestação de contas pelo alimentante contra o genitor guardião
RECURSO ESPECIAL
É cabível ação de exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito.
REsp 1.814.639-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020
13.1. Situação FÁTICA.
Creosvaldo ajuizou ação de prestação de contas contra Josefina, genitora e guardiã do filho em comum. O juízo de primeira instância indeferiu o pedido e o Tribunal de Justiça local manteve a decisão sob os argumentos de que a ação de prestação de contas somente é cabível em situação excepcional.
Foi utilizado ainda o argumento de que a previsão contida no art. 1.583 do CC/02 não permitiria a “auditoria” das contas da guardiã e que chamá-la em juízo para prestar contas de todas as pequenas despesas seria irrazoável.
13.2. Análise ESTRATÉGICA.
13.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Civil/2002, Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. […] § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
13.2.2. Cabe ação de prestação de contas contra o genitor guardião?
R: SIM (no Brasil é preciso dizer o óbvio… e após várias instâncias o negarem).
O ingresso no ordenamento jurídico da Lei n. 13.058/2014 incluiu a polêmica norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/2002, versando sobre a LEGITIMIDADE do genitor não guardião para exigir informações e/ou prestação de contas contra(o) a(o) guardiã(ão) unilateral, devendo a questão ser analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem constitucional vigente.
Como os alimentos prestados são imprescindíveis para a própria sobrevivência do alimentado, devem, ao menos, assegurar uma existência digna a quem os recebe.
A função SUPERVISORA, por quaisquer dos detentores do poder familiar, em relação ao modo pelo qual a verba alimentar fornecida é empregada, além de ser um dever imposto pelo legislador, é um mecanismo que dá concretude ao princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente.
Dessa forma, não há apenas interesse jurídico, mas também o DEVER legal do genitor alimentante de acompanhar os gastos com o filho alimentado que não se encontra sob a sua guarda, FISCALIZANDO o atendimento integral de suas necessidades, materiais e imateriais, essenciais ao seu desenvolvimento físico e psicológico, aferindo o real destino do emprego da verba alimentar que paga mensalmente, pois ela é voltada para esse fim.
Por fim, o que justifica o legítimo interesse processual em ação dessa natureza é exclusivamente a finalidade protetiva da criança ou do adolescente beneficiário dos alimentos, diante da sua possível malversação, e não o eventual acertamento de contas, perseguições ou picuinhas com a(o) guardiã(ao), devendo ela ser dosada, ficando VEDADA a possibilidade de apuração de créditos ou preparação de revisional, pois os alimentos são irrepetíveis.
13.2.3. Resultado final.
É cabível ação de exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito.
14. Cobertura do plano de saúde em medida preventiva a infertilidade
RECURSO ESPECIAL
É devida a cobertura, pela operadora de plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade.
REsp 1.815.796-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020
14.1. Situação FÁTICA.
Gertrudes, mulher jovem, bonita e fértil foi diagnosticada com câncer mamário cujo tratamento poderia resultar em infertilidade. Diante dessa situação, ela pleiteou ao plano de saúde a cobertura no procedimento de congelamento de óvulos como forma de preservar sua capacidade reprodutiva após o tratamento quimioterápico.
A operadora recusou a cobertura sob a justificativa de que o procedimento não seria de cobertura obrigatória, a teor da Resolução Normativa 387/2016 da Agência Nacional de Saúde, fato que deu origem à demanda, a qual foi julgada procedente no primeiro grau e mantida pelo Tribunal de Justiça local. Inconformada, a operadora do plano de saúde interpôs recurso especial reiterando a tese da ausência de obrigatoriedade na cobertura.
Logo, cinge-se a controvérsia sobre a obrigação de a operadora de plano de saúde custear o procedimento de criopreservação de óvulos de paciente oncológica jovem sujeita a quimioterapia, com prognóstico de falência ovariana, como medida preventiva à infertilidade.
14.2. Análise ESTRATÉGICA.
14.2.1. O plano de saúde é obrigado a cobrir o tratamento de criopreservação dos óvulos de paciente que será submetida a tratamento quimioterápico que pode levar à infertilidade?
R: SIM.
Nos termos do art. 10, inciso III, da Lei n. 9.656/1998, NÃO se inclui entre os procedimentos de cobertura obrigatória a “inseminação artificial“, compreendida nesta a manipulação laboratorial de óvulos, dentre outras técnicas de reprodução assistida (cf. RN ANS 387/2016).
Nessa linha, segundo a jurisprudência do STJ, não caberia a condenação da operadora de plano de saúde a custear criopreservação como procedimento inserido num contexto de mera reprodução assistida.
O caso concreto, porém, revela a necessidade de atenuação dos efeitos colaterais, previsíveis e evitáveis, da quimioterapia, dentre os quais a falência ovariana, em atenção ao princípio médico “primum, non nocere” e à norma que emana do art. 35-F da Lei n. 9.656/1998, segundo aqual a cobertura dos planos de saúde abrange também a PREVENÇÃO de doenças, no caso, a infertilidade.
Ressalte-se a DISTINÇÃO entre o caso em que a paciente é fértil e busca a criopreservação como forma de prevenir a infertilidade, daqueles em que a paciente já é infértil, e pleiteia a criopreservação como meio para a reprodução assistida, casos para os quais NÃO há obrigatoriedade de cobertura.
Em resumo, na hipótese em concreto, é possível a manutenção da condenação da operadora à cobertura de parte do procedimento pleiteado, como medida de prevenção para a possível infertilidadeda paciente, cabendo à beneficiária arcar com os eventuais custos do procedimento a partir da alta do tratamento quimioterápico.
14.2.2. Resultado final.
É devida a cobertura, pela operadora de plano de saúde, do procedimento de criopreservação de óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade.
15. Responsabilidade da transportadora e fato de terceiro
RECURSO ESPECIAL
O ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui a responsabilidade da concessionária/transportadora, pois cabe a ela cumprir protocolos de atuação para evitar tumulto, pânico e submissão dos passageiros a mais situações de perigo.
REsp 1.786.722-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 12/06/2020
15.1. Situação FÁTICA.
Tibúrcio estava voltando para casa de trem após mais um dia de laboro, quando em um ato criminoso de vandalismo, um objeto (cabo de aço com madeira nas pontas) foi arremessado sobre o trem. O resultado dessa “brilhante” conduta foi o rompimento do cabo de energia, curtos circuitos e pânico generalizado entre os passageiros.
A explosão acarretou ferimentos nas pessoas que se encontravam no vagão. Em desespero, alguns passageiros passaram a quebrar os vidros do trem para que este parasse. Após a parada, Tibúrcio e outros passageiros ainda foram arremessados para fora do vagão de uma altura de aproximadamente dois metros e pisoteados em meio ao tumulto.
Tibúrcio ajuizou ação de compensação de danos morais, a qual foi julgada improcedente no primeiro grau em razão de entender o juízo que se tratava de fortuito externo. Em apelação, o Tribunal de Justiça local reformou a decisão condenando a prestadora do serviço a indenizar Tibúrcio em R$ 20.000,00, assentando que houve falta de ingerência da empresa em sua atividade e que era sua obrigação proporcionar segurança aos passageiros mesmo diante de atos de vandalismo.
15.2. Análise ESTRATÉGICA.
15.2.1. Questão JURÍDICA.
Código Civil 2002, Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
15.2.2. Aplica-se a responsabilização objetiva do transportador em caso de vandalismo por terceiros?
R: SIM.
O CC/2002 determinou que a natureza jurídica da responsabilidade civil do transportador é OBJETIVA, nos termos do art. 734, de modo que, sobrevindo dano ao passageiro ou à sua bagagem durante a execução do contrato, fica aquele obrigado a indenizar, independentemente de culpa, SALVO se demonstrada a ocorrência de certas excludentes de responsabilidade.
Para a responsabilidade objetiva da teoria do risco criado, adotada pelo art. 927, parágrafo único, do CC/2002, o dever de reparar exsurge da materialização do risco — da inerente e inexorável potencialidade de qualquer atividade lesionar interesses alheios — em um dano; da conversão do perigo genérico e abstrato em um prejuízo concreto e individual.
O exercício de uma atividade obriga a reparar um dano, NÃO na medida em que tenha sido culposa (ou dolosa), porém na medida em que tenha sido causal.
Anota-se que a EXONERAÇÃO da responsabilidade objetiva ocorre com o rompimento do nexo causal, sendo que, no FATO DE TERCEIRO, pouco importa que o ato tenha sido doloso ou culposo, sendo unicamente indispensável que ele tenha sido a única e exclusiva causa do evento lesivo, isto é, que se configure como causa absolutamente independente da relação causal estabelecida entre o dano e o risco do serviço.
Ademais, na teoria do risco criado, somente o fortuito EXTERNO, a impossibilidade ABSOLUTA — em qualquer contexto abstrato, e não unicamente em uma situação fática específica — de que o risco inerente à atividade tenha se concretizado no dano, é capaz de romper o nexo de causalidade, isentando, com isso, aquele que exerce a atividade da obrigação de indenizar.
Assim, se a conduta do terceiro, mesmo causadora do evento danoso, coloca-se nos lindes do risco do transportador, mostrando-se LIGADA à sua atividade, então NÃO configura fortuito interno, não se excluindo a responsabilidade.
O contrato de transporte de passageiros envolve a chamada cláusula de incolumidade, segundo a qual o transportador deve empregar todos os expedientes que são próprios da atividade para preservar a integridade física do passageiro contra os riscos inerentes ao negócio, durante todo o trajeto, até o destino final da viagem.
15.2.3. Resultado final.
O ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui a responsabilidade da concessionária, pois cabe a ela cumprir protocolos de atuação para evitar tumulto, pânico e submissão dos passageiros a mais situações de perigo.
DIREITO DO CONSUMIDOR
16. Danos morais por extravio de bagagem e Convenção de Montreal
RECURSO ESPECIAL
As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC.
REsp 1.842.066-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 15/06/2020
16.1. Situação FÁTICA.
O casal Leandra e Leonardo foi passar a lua de mel na França. Ao chegar a Paris foram surpreendidos com a notícia de que sua bagagem havia sido extraviada, o que resultou em ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa de transporte aéreo.
Em primeira instância, o juízo julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou a empresa a ressarcir os valores constantes nas notas fiscais, além de R$ 8.000,00 (oito mil reais) de danos morais para cada autor. A empresa interpôs recurso especial sob a tese de que os valores da condenação eram excessivos e ultrapassariam os parâmetros máximos previstos na Convenção de Montreal.
16.2. Análise ESTRATÉGICA.
16.2.1. Aos danos morais decorrentes de extravio de bagagem por companhia aérea, deve ser aplicado o CDC ou a Convenção de Montreal ?
R: . Deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor.
Em 1999, após a ampla privatização das empresas do setor e o advento de normas consumeristas em todo o mundo, foi celebrada em Montreal, sede da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), uma nova convenção, ampliando a proteção dos usuários do transporte aéreo internacional.O art. 1º da Convenção de Montreal, inserida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 5.910, de 27/9/2006, esclarece que essa norma tem aplicação para todos os casos de transporte de pessoas, bagagem ou carga efetuado em aeronaves, mediante remuneração ou a título gratuito, por uma empresa de transporte aéreo.
Se os países signatários da Convenção de Montreal tinham a intenção de impor limites à indenização por danos morais, nos casos de atraso de voo e de extravio de bagagem/carga, deveriam tê-lo feito de modo expresso. Registra-se, também, que, se a própria Convenção de Montreal admitiu o afastamento do limite indenizatório legal quando feita declaração especial do valor da bagagem transportada, é possível concluir que ela não incluiu os danos morais. Por sua vez, o STF, no julgamento do RE n. 636.331/RJ, com repercussão geral reconhecida (Tema 210), fixou a seguinte tese jurídica: nos termos do artigo 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. No entanto, referido entendimento tem aplicação apenas aos pedidos de reparação por danos materiais.
Com efeito, apesar de não estar em pauta a questão da indenização por danos morais, o STF no RE 636.331/RJ, afirmou, a título de obiter dictum, que os limites indenizatórios da Convenção de Montreal não se aplicavam às hipóteses de indenização por danos extrapatrimoniais. Muito embora se trate de norma posterior ao CDC e constitua lex specialis em relação aos contratos de transporte aéreo internacional, não pode ser aplicada para limitar a indenização devida aos passageiros em caso de danos morais decorrentes de atraso de voo ou extravio de bagagem. Assim, é de se reconhecer que a tarifação prevista na Convenção de Montreal tem aplicação restrita aos danos patrimoniais, mantendo-se incólume, em relação aos danos morais por extravio de bagagem e atraso de voo, o primado da efetiva reparação do consumidor insculpido nos arts. 5º, V, da CF, e 6º, VI, do CDC.
16.2.2. Resultado final.
As indenizações por danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional não estão submetidas à tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do consumidor preceituada pelo CDC.
DIREITO EMPRESARIAL
17. Retroação de norma mais benéfica prevista lei 11.101/2005 ao sócio falido
RECURSO EM HABEAS CORPUS
A norma mais benéfica do art. 104, III, da Lei n. 11.101/2005, que não exige mais autorização judicial, mas apenas a comunicação justificada sobre mudança de residência do sócio, inclusive para o exterior, pode ser aplicada às quebras anteriores à sua vigência.
RHC 80.124-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 03/06/2020
17.1. Situação FÁTICA.
Na sentença que decretou a falência da empresa Jaera Ltda, proferida em 11/11/2004, houve a imposição de restrição de viagens internacionais aos sócios, conforme era previsto no Decreto-Lei 7.661/1945, art. 34, inciso III.
Crementina, sócia minoritária com 8,14% das cotas sociais requereu autorização para se mudar com o marido para os Estados Unidos, em razão de oferta de emprego naquele país.
O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de Crementina em razão da restrição imposta na sentença. Ela impetrou Habeas Corpus para buscar o levantamento da restrição sob o argumento da proteção à família e liberdade de locomoção, garantidas pela constituição.
O Tribunal de Justiça local denegou a ordem, sob o fundamento de inexistir ato judicial abusivo violador do direito de ir e vir da paciente, bem como na ausência de razão para o afastamento da norma que previu a combatida restrição.
17.2. Análise ESTRATÉGICA.
17.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei 11.101/2005, Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres: […] III – não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei;
17.2.2. Aplica-se a lei de falência mais BENÉFICA para afastar o dever de permanência imposto ao sócio falido?
R: SIM.
Apesar de a falência da Jaera Ltda estar submetida ao rito do Decreto-Lei n. 7.661/1945, em razão da data de sua decretação no ano de 2004, e a despeito da previsão contida na Lei n. 11.101/2005, cujo art. 192 impede expressamente a retroação dos seus efeitos às falências decretadas antes de sua vigência, NÃO se cuida de atos processuais que importem ao andamento do processo de falência, os quais continuam regidos pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945, mas do estatuto pessoal de sócio minoritário, sem poder de administração da falida, devendo prevalecer o regime jurídico atual, mais benéfico.
Na hipótese de apuração de crimes falimentares, a interpretação do STJ admite a retroação da norma mais benéfica.
Além disso, a restrição de ir e vir apenas se justificaria se houvesse indício de cometimento de ilícito criminal, o que não ocorreu no caso. Nem mesmo há referência a inquérito instaurado (após mais de uma década da quebra), não se olvidando os efeitos de eventual prescrição.
Deve incidir o art. 104, inciso III, da Lei n. 11.101/2005, o qual NÃO mais exige a autorização judicial, mas apenas a comunicação, devidamente justificada, ao juiz da mudança de residência.
Destaque-se, por fim, que o “interesse social” de que a falência transcorra dentro da normalidade (para satisfação dos credores da massa) carece de concretude, se não há indicação precisa de qual seria a ameaça representada pela mudança de domicílio, enquanto o processo não alcança a fase final, nem há o que possa colocar em risco a solução da lide falimentar
17.2.3. Resultado final.
A norma mais benéfica do art. 104, III, da Lei n. 11.101/2005, que não exige mais autorização judicial, mas apenas a comunicação justificada sobre mudança de residência do sócio, inclusive para o exterior, pode ser aplicada às quebras anteriores à sua vigência.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
18. Tipicidade do transporte internacional de folhas de coca
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas, atraindo a competência da Justiça Federal.
CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020
18.1. Situação FÁTICA.
Em uma blitz de rotina a Polícia Rodoviária Federal realizou prisão em flagrante de Cleidson, por estar na posse de 4,4 kg de folhas de coca, adquiridas na Bolívia. A substância foi localizada escondidinha no estepe do veículo e seria transportada até Uberlândia/MG para rituais de mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo, rituais esses associados à prática religiosa indígena de Instituto ao qual Cleidson faz parte.
O juízo federal entendeu que o delito se enquadra no crime de uso de entorpecente para consumo, o que suscitaria a competência da Justiça Estadual. O juízo estadual, por sua vez, entendeu que a conduta não se amoldaria ao uso de drogas, uma vez que o elemento subjetivo do tipo exigiria que a droga fosse para uso do agente e não de terceiros em rituais indígenas.
O que é o quê?
18.2. Análise ESTRATÉGICA.
18.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 11.343/2006, Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas
18.2.2. É tráfico de drogas (ou matéria-prima) ou é porte para consumo… E de quem é a competência para julgamento?
R: Se For alguma coisa, é TRÁFICO, de competência da Justiça Federal.
A definição da competência (pano de fundo da questão) depende da TIPIFICAÇÃO da conduta como tráfico ou como posse de droga para consumo próprio.
O crime de USO de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do Juizado Especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional, e o art. 70 da Lei n. 11.343/2006 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela Justiça Federal.
Já o TRÁFICO de drogas é delito de tipo misto alternativo de conteúdo variado, que pune, também, a conduta de quem importa ou adquire substância entorpecente ou matéria-prima destinada à sua fabricação.
O tipo do art. 28 da Lei de Drogas, em seu caput, prevê vários núcleos, dentre os quais o verbo “transportar”, que corresponde à conduta do investigado. Contudo, ele também vincula o transporte a “drogas”, ou seja, a substância entorpecente de uso proibido no país.
Ocorre que a folha de coca (“erythroxylum coca lam”) é classificada no Anexo I – Lista E – da Portaria/SVS n. 344, de 12/5/1988 – que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial como uma das plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas.
A folha de coca NÃO é, em si, considerada droga.
Com isso em mente, a conduta do investigado NÃO se enquadra no caput do art. 28 da Lei n. 11.343/2006. Tampouco se amoldaria ao delito equiparado descrito no parágrafo 1º do art. 28, uma vez que o investigado não semeou, nem cultivou, nem colheu as folhas de coca que transportava, já que admitiu tê-las comprado de uma índia do Acre. Assim sendo, por mais que sua intenção confessada fosse a de consumir as folhas de coca, mascando-as, fazendo chás ou preparando bolos em rituais indígenas de sua crença religiosa, NÃO se trataria de consumo de drogas e a conduta não se amolda ao tipo do art. 28 da Lei n. 11.3434/2006.
Por sua vez, o caput do art. 33 criminaliza, entre outras condutas, a de transportar drogas. Mas, como se viu anteriormente, a folha de coca não é droga. Porém pode ser classificada como matéria-prima ou insumo para sua fabricação.
Nesse sentido, a conduta se amoldaria ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 se, e apenas se, ficar demonstrado, ao final do inquérito ou da ação penal que o intuito do investigado era o de, com as folhas de coca, preparar drogas.
Desse modo, a conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de a competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.
Se o transporte é internacional para fins de tráfico, a competência nesse caso é da Justiça Federal.
18.2.3. Resultado final.
A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas, atraindo a competência da Justiça Federal (tráfico internacional de drogas).
19. Competência para julgar HC preventivo de uso, porte e cultivo de Cannabis para fins medicinais
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
Compete à Justiça Estadual o pedido de habeas corpus preventivo para viabilizar, para fins medicinais, o cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis (maconha), bem como porte em outra unidade da federação, quando não demonstrada a internacionalidade da conduta.
CC 171.206-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020
19.1. Situação FÁTICA.
Em habeas corpus preventivo, Joãozinho objetivava salvo conduto para viabilizar o plantio de maconha para fins medicinais e impedir possível constrangimento de autoridades estaduais, quais sejam, o Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante Geral da Polícia Militar.
O juiz estadual declinou da competência por entender que a matéria-prima para tanto deve ser importada, conduta que, em tese, caracterizaria crime de tráfico internacional de drogas, inserido na competência da Justiça Federal.
O Juízo Federal, por sua vez, suscitou o conflito de competência sob o fundamento que no caso em análise, as autoridades coatoras apontadas (Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante Geral da Polícia Militar) afastariam sua competência e que eventual cultivo de maconha configuraria, em tese, tráfico doméstico de competência da Justiça Estadual.
A controvérsia consiste, em suma, em definir a competência para prestar jurisdição na hipótese de habeas corpus preventivo para viabilizar o plantio de maconha para fins medicinais.
19.2. Análise ESTRATÉGICA.
19.2.1. A quem cabe julgar o pedido de habeas corpus preventivo de uso, porte e cultivo de Cannabis para fins medicinais?
R: JUSTIÇA ESTADUAL.
Se não há pedido expresso de IMPORTAÇÃO a justificar a competência da justiça federal, NÃO há motivo para supor que o juízo estadual pretenda se adiantar e se pronunciar acerca de autorização para a importação da planta, invadindo competência da justiça federal.
Ademais, o uso medicinal da Cannabis no território pátrio, em razão de salvos-condutos concedidos pelo Poder Judiciário, demonstra a possibilidade de aquisição da planta dentro do território nacional, sem necessidade de recorrer à importação.
E como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto à necessidade de demonstração de INTERNACIONALIDADE da conduta do agente para reconhecimento da competência da justiça federal, o suposto tráfico interestadual NÃO tem o condão de deslocar a competência para a justiça federal.
19.2.2. Resultado final.
Compete à Justiça Estadual o pedido de habeas corpus preventivo para viabilizar, para fins medicinais, o cultivo, uso, porte e produção artesanal da Cannabis (maconha), bem como porte em outra unidade da federação, quando não demonstrada a internacionalidade da conduta.
20. Competência para julgamento de crimes relacionados a pirâmides financeiras com criptomoedas
CONFLITO DE COMPETÊNCIAS
Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda.
CC 170.392-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020
20.1. Situação FÁTICA.
Jeremias, um “investidor”, foi convencido a aportar seus recursos em criptomoedas de uma empresa com promessa de lucro mensal de 55%. Após realizar o primeiro aporte, foi convidado a aportar ainda mais e incentivar outras pessoas de seu grupo social a fazer o mesmo. Dois meses e alguns aportes depois já não era mais possível entrar em contato com a empresa que administrava os valores. Temos a famosa pirâmide… É GORPE!!!
O juízo estadual declinou da competência para julgamento do crime para a Justiça Federal, entendendo que se trataria de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, uma vez que se investiga grupo de investimentos em criptomoedas (‘bitcoin’). O juízo federal especializado suscitou conflito de competência entendendo que se trata de mera pirâmide financeira.
20.2. Análise ESTRATÉGICA.
20.2.1. Questão JURÍDICA.
Súmula n. 498/STF, “Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular.”
20.2.2. De quem é a competência para o processamento de crimes envolvendo criptomoedas??
R: DEPENDE.
A Terceira Seção do STJ já se pronunciou no sentido de que a captação de recursos decorrente de “pirâmide financeira” não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União.
Esse entendimento se harmoniza com julgados da Quinta e da Sexta Turmas do STJ, que tipificaram condutas análogas às descritas no presente conflito como crime contra a economia popular.
E a apuração dos crimes contra a economia popular compete à Justiça Estadual, nos termos da Súmula n. 498/STF. Ademais, não havendo demonstração de especificidades que revelassem conduta típica praticada em prejuízo a bens, serviços ou interesse da União, a competência não pode ser deslocada para a Justiça Federal.
Assim, ausentes elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, os autos devem permanecer na JUSTIÇA ESTADUAL.
20.2.3. Resultado final.
Ausentes os elementos que revelem ter havido evasão de divisas ou lavagem de dinheiro em detrimento de interesses da União, compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes relacionados a pirâmide financeira em investimento de grupo em criptomoeda.
21. Suspensão do trabalho externo de preso no período de pandemia
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS
A suspensão temporária do trabalho externo no regime semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução n. 62 do CNJ, cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da sentença condenatória pela domiciliar.
AgRg no HC 580.495-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 17/06/2020
21.1. Situação FÁTICA.
Genivaldo atualmente cumprindo pena no regime semiaberto. Ele teve seu benefício de trabalho externo suspenso em razão da pandemia do Coronavírus. Inconformado, impetrou habeas corpus em que requereu a concessão de prisão domiciliar com direito a trabalho externo, uma vez que já fora confirmada a presença de infectados pelo covid-19 na penitenciária em que se encontra.
21.2. Análise ESTRATÉGICA.
21.2.1. É possível a suspensão do trabalho externo do reeducando devido a pandemia do covid-19?
R: Segundo a Quinta Turma do STJ, SIM.
NÃO há constrangimento ilegal na suspensão temporária do trabalho externo, pois, embora este constitua meio importante para a ressocialização do apenado, diante do cenário de crise em que o Brasil se encontra em razão da pandemia, tem-se que a suspensão do benefício encontra justificativa na proteção de um BEM MAIOR, qual seja, a saúde do próprio reeducando e da coletividade.
Aliás, a vedação do ingresso de pessoas nas unidades prisionais devido à pandemia visa a proteger, de modo eficiente, a integridade física dos apenados.
Seria incongruente permitir que os executados deixassem o presídio para realizar trabalho externo e a ele retornassem diariamente, enquanto o restante da população é solicitada (obrigada) a permanecer em isolamento em suas residências.
Ademais, a recomendação contida na Resolução n. 62, de 18 de março de 2020, do CNJ não implica AUTOMÁTICA substituição da prisão decorrente da sentença condenatória pela domiciliar.
É necessário que o eventual beneficiário do instituto demonstre: (a) sua inequívoca adequação ao chamado grupo de vulneráveis da covid-19; (b) a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra; e (c) risco real de que o estabelecimento em que se encontra, e que o segrega do convívio social, cause mais risco do que o ambiente em que a sociedade está inserida.
Assim, a suspensão temporária do benefício vem ao encontro das ações adotadas pelo Poder Público, as quais, visando à proteção da saúde da população carcerária, têm ADMITIDO a restrição ao direito de visitas ao preso, a prorrogação ou antecipação de outras benesses da execução penal.
21.2.2. Resultado final.
A suspensão temporária do trabalho externo no regime semiaberto em razão da pandemia atende à Resolução n. 62 do CNJ, cuja recomendação não implica automática substituição da prisão decorrente da sentença condenatória pela domiciliar.
EM SENTIDO CONTRÁRIO
22. Substituição do regime semiaberto por domiciliar durante a pandemia
HABEAS CORPUS
É cabível a concessão de prisão domiciliar aos reeducandos que cumprem pena em regime semiaberto e aberto que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, como medida preventiva de combate à pandemia, desde que não ostentem procedimento de apuração de falta grave.
HC 575.495-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020
22.1. Situação FÁTICA.
A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais impetrou Habeas Corpus Coletivo, com pedido de liminar, em favor dos pacientes reeducandos que estavam em trabalho externo e saída temporária, sem falta disciplinar, mas que tiveram os benefícios suspensos em razão da Covid-19 e voltaram ao estabelecimento prisional.
Sustenta a nobre defensoria que os pacientes naquela situação foram trancafiados como se em regime fechado estivessem (suspensão do trabalho externo) e que as famílias necessitam dos valores decorrentes do trabalho externo dos reeducandos. Requereu em liminar a concessão de prisão domiciliar ou a possibilidade de monitoramento eletrônico para os pacientes elencados.
22.2. Análise ESTRATÉGICA.
22.2.1. Pode suspender o trabalho externo do preso?
R: Segundo a Sexta Turma do STJ, NÃO.
A revogação dos benefícios concedidos aos reeducandos configura FLAGRANTE ILEGALIDADE, sobretudo diante do recrudescimento da situação em que estavam na execução da pena, todos em regime semiaberto, evoluídos à condição menos rigorosa, trabalhando e já em contato com a sociedade.
A adoção de medidas preventivas de combate à pandemia da covid-19 extremamente restritivas NÃO levou em conta os princípios norteadores da execução penal (legalidade, individualização da pena e dignidade da pessoa humana), nem a finalidade da sanção penal de reinserção dos condenados no convívio social.
A suspensão do exercício do trabalho externo daqueles em regime semiaberto traz degradação à situação vivida pelos custodiados que diariamente saem do estabelecimento prisional para laborar, readaptando-se à sociedade; portanto, a obrigação de voltar a permanecer em tempo integral na prisão representa alteração na situação carcerária de cada um dos atingidos pela medida de extrema restrição.
É preciso ter em mente que o recrudescimento da situação prisional somente é admitido em nosso ordenamento jurídico como forma de penalidade em razão de cometimento de falta disciplinar, cuja imposição definitiva exige prévio procedimento disciplinar, com observância dos princípios constitucionais, sobretudo da ampla defesa e do contraditório.
Assim, é preciso dar imediato cumprimento à Resolução n. 62/CNJ, como medida de contenção da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), notadamente ao disposto no inc. III do art. 5º, que dispõe sobre a concessão de prisão domiciliar para todas as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo juízo da execução.
22.2.2. Resultado final.
É cabível a concessão de prisão domiciliar aos reeducandos que cumprem pena em regime semiaberto e aberto que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, como medida preventiva de combate à pandemia, desde que não ostentem procedimento de apuração de falta grave.
QUINTA Turma | SEXTA Turma |
A suspensão temporária do benefício vem ao encontro das ações adotadas pelo Poder Público, as quais, visam à proteção da saúde da população carcerária. | A revogação dos benefícios concedidos aos reeducandos configura flagrante ilegalidade, sobretudo diante do recrudescimento da situação em que estavam na execução da pena. |
MANTÉM PRESO | SOLTA TODO O MUNDO |
23. Recomendação n. 62/CNJ e réu que não cumpre pena no Brasil
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS
A Recomendação n. 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado que não está privado de liberdade no sistema penal brasileiro.
AgRg no HC 575.112-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 02/06/2020, DJe 10/06/2020
23.1. Situação FÁTICA.
Washington está vivendo numa boa nos EUA. Só que ele é cidadão brasileiro e réu no Brasil. Quando ficou sabendo que havia decisão de prisão preventiva contra si, ficou indignado. Aduziu que faz parte do grupo de risco em razão da idade e tabagismo. Requereu a revogação da ordem de prisão e imposição de medidas cautelares diversas, a teor da Recomendação n. 62/2020 do CNJ.
Só que o Tribunal de origem não foi simpático ao seu apelo, ao assentar que está Washington nos istaites em situação regular e não corre o risco de ser extraditado para o Brasil. Com bases nisso, o processamento do seu Habeas Corpus foi indeferido liminarmente.
Como fica o caso de Washington?
23.2. Análise ESTRATÉGICA.
23.2.1. As medidas previstas na Recomendação n. 62/2020 do CNJ são aplicáveis ao acusado que não cumpre pena no sistema penal brasileiro?
R: NÃO.
NÃO são aplicáveis as medidas previstas na Recomendação n. 62/2020 do CNJ à pessoa que não se encontra privada de liberdade no sistema penal pátrio.
Ademais, a idade e histórico de saúde do réu, bem como o fato de seus genitores e irmão se enquadrarem no grupo de risco da covid-19 em nada interferem na solução da lide.
Aliás, a revisão da cautela em face da pandemia tem o escopo específico de reduzir os riscos epidemiológicos em unidades prisionais brasileiras e não de blindar pessoas que residem no exterior e que estão em conflito com a lei de providências processuais.
23.2.2. Resultado final.
A Recomendação n. 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado que não está privado de liberdade no sistema penal brasileiro.
DIREITO ADMINISTRATIVO
24. Legitimidade passiva em MS para evitar o lançamento fiscal
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visam evitar a prática de lançamento fiscal.
RMS 54.823-PB, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 05/06/2020
24.1. Situação FÁTICA.
A Secretaria da Fazenda editou ato normativo prevendo a exigência de algumas obrigações acessórias em determinados produtos. A Associação de Indústrias afetada impetrou mandado de segurança contra o Secretário da Fazenda para evitar a aposição de selos fiscais e possíveis autos de infração.
O pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça local sob a alegação de que as normas questionadas são abstratas e que não haveria ato provável a ser praticado por uma autoridade.
24.2. Análise ESTRATÉGICA.
24.2.1. Pode o Secretário da Fazenda constar como autoridade coatora em Mandado de Segurança relacionado à simples prática de lançamento fiscal?
R: NÃO.
Em se tratando de obrigação acessória (aposição de selos de controle), a autoridade coatora para figurar no mandado de segurança é aquela que tem competência para exigir a observância da norma ou autuar o contribuinte pelo descumprimento.
A Primeira Seção do STJ já decidiu que “a autoridade coatora, no mandado de segurança, é aquela que pratica o ato, não a que genericamente orienta os órgãos subordinados a respeito da aplicação da lei no âmbito administrativo; mal endereçado o writ, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito”.
Ora, no regime do lançamento por homologação, a iminência de sofrer o lançamento fiscal, caso não cumpra a legislação de regência, autoriza o sujeito passivo da obrigação tributária a impetrar mandado de segurança contra a exigência que considera indevida. Nesse caso, porém, autoridade coatora é aquela que tem COMPETÊNCIA para o lançamento ex officio, que, certamente, não é o Secretário de Estado da Receita.
O respectivo Secretário de Estado da Fazenda NÃO está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visam evitar a prática de lançamento fiscal.
A autoridade coatora desempenha DUAS funções no mandado de segurança:
a) uma, INTERNAMENTE, de natureza processual, consistente em defender o ato impugnado pela impetração; trata-se de hipótese excepcional de legitimidade ad processum, em que o órgão da pessoa jurídica, não o representante judicial desta, responde ao pedido inicial;
b) outra, EXTERNAMENTE, de natureza executiva, vinculada à sua competência administrativa; ela é quem cumpre a ordem judicial.
Função INTERNA | Função EXTERNA |
Defesa do ato impugnado (ad processum). | Cumprimento da ordem judicial. |
PROCESSUAL | EXECUTIVA |
A LEGITIMAÇÃO da autoridade coatora deve ser aferida à base das duas funções acima descritas; só o órgão capaz de as cumprir pode ser a autoridade coatora.
A pessoa jurídica sujeita aos efeitos da sentença no mandado de segurança só estará bem presentada no processo se houver correlação material entre as atribuições funcionais da autoridade coatora e o objeto litigioso; essa identificação depende de saber, à luz do direito administrativo, qual o órgão encarregado de defender o ato atacado pela impetração.
24.2.2. Resultado final.
O Secretário de Estado da Fazenda não está legitimado a figurar, como autoridade coatora, em mandados de segurança que visam evitar a prática de lançamento fiscal.
DIREITO AMBIENTAL
25. (IR)Retroatividade da lei e cômputo da APP no cálculo da reserva legal
RECURSO ESPECIAL
O art. 15 da Lei n. 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência.
REsp 1.646.193-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 12/05/2020, DJe 04/06/2020
25.1. Situação FÁTICA.
O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública contra Teófilo em razão de dano ambiental. A ACP foi baseada em inquérito civil instaurado contra os antigos proprietários do imóvel, o qual constatou a ausência de área de preservação permanente. Foi celebrado Compromisso de Ajustamento de Conduta no qual os então proprietários se comprometeram a regularizar o imóvel.
Passado algum tempo, verificou-se que não só os antigos proprietários deixaram de cumprir o TAC, como alienaram o imóvel a Teófilo, o qual não regularizou a área e se recusou a firmar novo Compromisso de Ajustamento de Conduta.
Na sentença o Juízo julgou procedentes os pedidos do Parquet para impor a Teófilo a obrigação de se abster de explorar a reserva legal e proceder à recomposição da referida área no prazo de dois anos. Houve recurso de ambas as partes e o Tribunal deu parcial provimento ao recurso de Teófilo para instituir área de reserva legal com o cômputo da área de preservação permanente, nos moldes do art. 15 da Lei. 12.651/2012.
O Ministério Público então apresentou recurso excepcional no qual se insurgiu contra a compensação de 20% de área de preservação ambiental no cálculo da reserva legal.
25.2. Análise ESTRATÉGICA.
25.2.1. Questão JURÍDICA.
Lei n. 12.651/2012, Art. 15. Será admitido o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que: I – o benefício previsto neste artigo não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; II – a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e III – o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR, nos termos desta Lei.
§ 1º O regime de proteção da Área de Preservação Permanente não se altera na hipótese prevista neste artigo.
§ 2º O proprietário ou possuidor de imóvel com Reserva Legal conservada e inscrita no Cadastro Ambiental Rural – CAR de que trata o art. 29, cuja área ultrapasse o mínimo exigido por esta Lei, poderá utilizar a área excedente para fins de constituição de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental e outros instrumentos congêneres previstos nesta Lei.
§ 3º O cômputo de que trata o caput aplica-se a todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, abrangendo a regeneração, a recomposição e a compensação.
§ 4º É dispensada a aplicação do inciso I do caput deste artigo, quando as Áreas de Preservação Permanente conservadas ou em processo de recuperação, somadas às demais florestas e outras formas de vegetação nativa existentes em imóvel, ultrapassarem: I – 80% (oitenta por cento) do imóvel rural localizado em áreas de floresta na Amazônia Legal;
25.2.2. A previsão de inclusão da área de preservação permanente no cálculo da reserva legal pode ser aplicada retroativamente?
R: NÃO.
O STF já pronunciou a CONSTITUCIONALIDADE do art. 15 da Lei n. 12.651/2012, por entender que “o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB)”.
Tais proposições, contudo, NÃO embaraçam a compreensão de que as novas disposições normativas são irretroativas. Isto porque a Suprema Corte, ao assegurar a adequação da lei com a Carta Constitucional, não inibiu a análise da aplicação temporal do texto legal, no plano infraconstitucional, tarefa conferida ao STJ. O próprio STF considerou que a discussão sobre a retroatividade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 demanda exame de matéria cognoscível no plano infraconstitucional.
Pois bem. Os CONCEITOS de direito adquirido, de ato jurídico perfeito e de coisa julgada NÃO são fixados pela Constituição Federal, mas pela legislação infraconstitucional. Desse modo, a declaração de constitucionalidade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação imediata desse dispositivo aos casos ocorridos antes de sua vigência.
Afastar a aplicação do PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO para prestigiar o princípio democrático, em face das “opções validamente eleitas pelo legislador”, que atuou mediante a “faculdade” conferida pelo art. 225, § 1º, III, da Constituição, como fez o Supremo Tribunal Federal, NÃO inibe a aplicação do princípio tempus regit actum, que “orienta a aplicabilidade da lei no tempo, considerando que o regime jurídico incidente sobre determinada situação deve ser aquele em vigor no momento da materialização do fato” (AgInt no REsp 1726737/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 11/12/2019).
Assim, sob o prisma de que as normas do novo Código Florestal NÃO retroagem para alcançar situações pretéritas, dado o prestígio ao princípio do tempus regit actum e à proibição do retrocesso em matéria ambiental, a instituição da área de reserva legal se impõe à luz da legislação vigente ao tempo da infração ambiental, afastadas as disposições do art. 15 da Lei n. 12.651/2012.
25.2.3. Resultado final.
O art. 15 da Lei n. 12.651/2012, que admite o cômputo da área de preservação permanente no cálculo do percentual de instituição da reserva legal do imóvel, não retroage para alcançar situações consolidadas antes de sua vigência.