A primeira das súmulas discutidas, a 599, aborda o tema da inaplicabilidade do princípio da insignificância ou da bagatela aos crimes contra a Administração Pública.
Por sua vez, a súmula 600 fixou um entendimento importante: a falta de necessidade de coabitação entre agressor e vítima nos crimes de violência doméstica, abarcados pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
Confira abaixo a discussão completa das novas súmulas de Direito Penal do STJ.
Tema: Princípio da insignificância X Administração Pública
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. Corte Especial, aprovada em 20/11/2017, DJe 27/11/2017.
O princípio da insignificância, também chamado de bagatela, preconiza que Direito Penal não deve se preocupar com bagatelas, isto é, a configuração de uma infração penal exige que haja uma ofensa de alguma gravidade ao bem jurídico protegido.
Tem sua origem apontada no Direito Romano, em que se falava que de minima non curat praetor. Nos termos atuais, seria como dizer que o Poder Judiciário não deve se ocupar de coisas mínimas. No campo do Direito Penal, credita-se a Claus Roxin, jurista alemão, sua introdução, o que teria ocorrido em 1964.
A insignificância afasta a tipicidade da conduta, que passa a ser vista sob o âmbito formal e material. Na tipicidade formal, analisa-se se o fato ocorrido se amolda à norma penal, que funciona como uma forma-padrão para que se analise se o fato é típico ou não.
Essa é uma análise de encaixe, como se fossem a norma e o fato duas peças do brinquedo Lego. Já a tipicidade material exige, além de que a conduta se encaixe na norma, que haja relevância da lesão ou da ameaça de lesão ao bem jurídico.
Se a lesão ou ameaça de lesão forem ínfimas, não haverá tipicidade material, por incidência do princípio da insignificância.
Podemos exemplificar com a subtração de um clipe ordinário. Se analisarmos sob o âmbito da tipicidade formal, haverá a adequação do fato à norma que tipifica o crime de furto.
Mas, no campo da tipicidade material, perceberemos que a mera subtração de um clipe, por ser insignificante, não enseja lesão de alguma relevância ao patrimônio da vítima.
Conclui-se, portanto, que tal fato não é típico, por não passar pela barreira da tipicidade material. Portanto, a insignificância afasta a tipicidade material.
Tipicidade formal: subsunção do fato à norma.
Tipicidade material: relevância da lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 116.242 (17/09/2013), no âmbito de sua Primeira Turma, estabeleceu requisitos que vêm sendo, desde então, adotados para se aferir a incidência ou não do princípio da insignificância.
Esses requisitos, para o fim de memorização, podem ser relembrados pelo acróstico “MARI”, conforme destaque das primeiras letras:
Mínima ofensividade da conduta do agente;
Ausência de periculosidade social da ação;
Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
Inexpressividade da lesão jurídica causada.
Assim, analisando-se os requisitos do STF, surge a controvérsia sobre a possibilidade de aplicação do princípio aos crimes praticados contra a Administração Pública.
Com a edição dessa nova súmula, entende-se que, sempre que o delito for praticado contra a Administração Pública, não haverá incidência do princípio da insignificância. Podemos pensar, de imediato, em delitos envolvendo o patrimônio público, em período histórico em que o combate à corrupção é tema em pauta.
Ocorre que, sobre o tema, mostra-se importante analisar se o Supremo Tribunal Federal tem decidido neste mesmo sentido. Há um precedente da Segunda Turma da Corte Suprema que reconheceu a bagatela de um delito praticado contra a Administração Pública:
“AÇÃO PENAL. Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.”
HC 112.388/SP, Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, Julgamento: 21/08/2012.
Verifica-se, portanto, que ainda que não demonstre uma jurisprudência consolidada, referido precedente demonstra não haver, de início, concordância entre as Cortes Superiores sobre o tema.
O que deve também ser refletido, aqui, é que o próprio STJ já possuía jurisprudência consolidada acerca da possibilidade de se aplicar o princípio em estudo ao crime de descaminho.
Esta infração penal está localizada, no Código Penal, no Título XI, denominado “Dos Crimes contra a Administração Pública”, mais precisamente no Capítulo II, “Dos Crimes Praticados pelo Particular contra a Administração em Geral”. Quanto ao crime de descaminho, o STF também tem admitido o reconhecimento do chamado delito de bagatela.
Vejamos um julgado de cada um dos tribunais, os quais representam esse entendimento:
“EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. DESCAMINHO. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INADMISSIBILIDADE DO WRIT. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. Há óbice ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisdição não se esgotou. Precedentes. 2. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 3. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 4. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em quantia pouco superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância. 5. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito. Ordem concedida de ofício para reconhecer a atipicidade da conduta imputada à paciente, com o consequente trancamento da ação penal na origem.”
HC 121717/PR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Julgamento: 03/06/2014.
“RECURSO ESPECIAL. PROPOSTA DE AFETAÇÃO PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF – R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). AFETADO O RECURSO PARA FINS DE ADEQUAÇÃO DO ENTENDIMENTO. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos do art. 927, § 4º, do Código de Processo Civil, afetou-se recurso especial para fins de revisão da tese fixada no REsp n. 1.112.748/TO (representativo da controvérsia) – Tema 157 (Relator Ministro Felix Fischer, DJe 13/10/2009), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho.”
ProAfF no REsp 1688878/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Jr., Terceira Seção, DJe 01/12/2017.
Como este entendimento, de aplicação da insignificância ao delito de descaminho, já estava consolidado no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça, é possível que este tribunal reconheça exceções à aplicação da sua nova súmula, como no caso do delito de descaminho.
De todo modo, deve-se acompanhar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça após a elaboração do enunciado para se verificar como o tema será tratado.
(CESPE/STF/Analista Judiciário – Área Judiciária/2008) É cabível a aplicação do princípio da insignificância para fins de trancamento de ação penal em que se imputa ao acusado a prática de crime de descaminho.
( ) Certo ( ) Errado
Resolução: a alternativa está correta, isto porque a jurisprudência do STF e a do STJ têm se orientado quanto à aplicação do princípio da insignificância ao referido delito. Deve-se lembrar que o referido princípio leva à atipicidade material da conta. Sendo atípico o fato, cabível o trancamento do processo penal. Note-se que o delito de descaminho, por sua localização no Código de Processo Penal, é um dos crimes contra a Administração Pública. Por conta disso, o novo enunciado da Súmula do STJ implicaria em se considerar a questão como errada, mas se deve ter em mente que a jurisprudência do próprio STJ tem admitido, de forma copiosa e reiterada, o reconhecimento da bagatela para este crime.
Tema: Inexigibilidade da coabitação para configuração da violência doméstica
Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima. Terceira Seção, aprovada em 22/11/2017, DJe 27/11/2017.
A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que, nos termos do seu preâmbulo, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; dentre outras providências.
Busca a combater a violência pratica contra a mulher, devido a sua maior fragilidade, decorrente de anos de tratamento desigual e de sua própria condição físico-biológica, que muitas vezes a deixa em situação de vulnerabilidade na sociedade. Prova disso é o número de mulheres assassinadas ou agredidas em seus próprios lares, local que deveria ser seu refúgio e local de paz.
Dentre as hipóteses de configuração da violência doméstica e familiar contra a mulher, há a prática de conduta, omissiva ou comissiva, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, desde que ocorra no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou envolva qualquer relação íntima de afeto.
Apesar da abrangência das situações configuradoras da violência doméstica e familiar contra a mulher, surgiu a discussão a respeito da necessidade ou não de coabitação entre agente e vítima para incidência da Lei 11.340/2006.
A Lei 11.340/2006, em seu artigo 5º, traz as circunstâncias que caracterizam a denominada violência doméstica e familiar contra a mulher, o que atrai a incidência de seus regramentos:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Sobre o tema, surgiu a controvérsia sobre a necessidade ou não de coabitação do agente e da vítima para incidência da Lei Maria da Penha. Pacificando o tema em seus órgãos, o Superior Tribunal de Justiça elaborou o seguinte enunciado, de número 600:
“Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima.”
Desta forma, o entendimento hoje consolidado no STJ é de que a coabitação entre o sujeito passivo e o sujeito ativo da violência doméstica e familiar contra a mulher é desnecessária para a sua configuração, incidindo o regramento da Lei 11.340/2006 independentemente de habitarem ou não no mesmo local.
(PUC-PR/TJ-PR/Analista Judiciário – Psicologia/2017) Conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei 11.340/2006 criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sobre o tema, assinale a alternativa CORRETA.
a) Para evitar represálias, em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, a autoridade policial está expressamente proibida de ouvir o agressor e as testemunhas.
b) A violência doméstica prevista na Lei Maria da Penha é unicamente a violência física, na qual o homem faz uso da força para subjugar a esposa.
c) Para preservar a integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica, o juiz poderá assegurar, quando necessário, o afastamento da mulher do local de trabalho, por até seis meses.
d) As relações pessoais que podem configurar atos de violência doméstica são necessariamente aquelas derivadas da relação entre homem e mulher, não se podendo aplicá-las a eventuais relações homoafetivas entre duas mulheres.
e) A configuração de atos de violência doméstica depende necessariamente de haver coabitação entre cônjuges.
Resolução: a autoridade policial não está proibida de ouvir o agressor e as testemunhas. A violência doméstica, como visto, não se limita à violência física, abrangendo também a psicológica e a sexual.
O artigo 9º, em seu parágrafo segundo, inciso II, da Lei 11.340/06, prevê que o juiz assegurará à mulher, na situação de violência tratada por referida lei, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
O parágrafo único do artigo 5º da Lei Maria da Penha dispõe expressamente sobre a aplicação da legislação independentemente de orientação sexual dos envolvidos, não se limitando às relações heterossexuais, ou seja, entre homem e mulher.
Como agora já sumulou o STJ, não há necessidade de coabitação entre agente e vítima para configuração da violência doméstica e familiar contra a mulher. Logo, a alternativa correta é a C.
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Excelente trabalho para apoio aos concurseiros. Nos mantém atualizados. Obrigado.
Boa noite, há o informativo 617 comentado? Obrigada.