Informativo STF 984 Comentado
De volta aos infos de 2020 (passado o recesso), bora analisar o Informativo nº 984 do STF COMENTADO. Mas isso, claro, só para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
Sumário
1. Ato jurídico perfeito e retroatividade de índices de atualização de preços. 2
3. Reclamação: Tema 253 da repercussão geral, Metrô-DF. 5
4. Compra de óleo básico e incidência de ICMS. 7
5. Cabimento de habeas corpus e liberdade de ir e vir. 10
DIREITO CONSTITUCIONAL
Ato jurídico perfeito e retroatividade de índices de atualização de preços
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
É inconstitucional, por ferimento a ato jurídico perfeito, o art. 26 da Lei 8.177/1991, que determina que as operações de crédito rural, contratadas junto a instituições financeiras, com recursos oriundos de depósitos à vista e com cláusula de atualização pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), sejam atualizadas pela Taxa Referencial de Juros (TR).
ADI 3005/DF, Plenário, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 1.7.2020
Situação FÁTICA.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 26 da Lei 8.177/1991, que determina que as operações de crédito rural, contratadas junto às instituições financeiras, com recursos oriundos de depósitos à vista e com cláusula de atualização pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), passem a ser atualizadas pela Taxa Referencial de Juros (TR).
O autor da ADI sustenta que o preceito legal impugnado, ao atingir operações de crédito rural contratadas anteriormente à sua vigência, vulnera o ato jurídico perfeito, a configurar, portanto, ofensa à vedação constitucional da retroatividade das leis (CF, art. 5º, XXXVI).
Análise ESTRATÉGICA.
Questão JURÍDICA.
CF: “Art. 5º (…): XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
Houve lesão a ato jurídico perfeito?
R: SIM
O Tribunal entendeu que o dispositivo impugnado, ao permitir a incidência da TR em substituição ao IPC nos contratos celebrados antes do início de sua vigência, se afigura incompatível com a garantia fundamental de proteção ao ato jurídico perfeito, previsto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.
Divergência.
Vencido o ministro Roberto Barroso, que considerou que a revisão judicial de índices de correção monetária editados pelo legislador requer uma postura de autocontenção judicial, seja em respeito à investidura popular que caracteriza o Poder Legislativo, seja em respeito à complexidade técnica inerente ao tema. Isso porque o Poder Judiciário não tem capacidade institucional para avaliar os efeitos de eventuais mudanças dos índices de correção monetária na economia.
O ministro ponderou, ainda, que, ao utilizar a TR como critério de correção, o legislador curvou-se à dinâmica do mercado, o que constitui uma escolha que a ele cabe e que se mostra legítima.
Como decidido na ADI 493, a TR reflete, com propriedade, a dinâmica presente no mercado do dinheiro e as suas peculiaridades, sendo muito mais apropriada para a operação de crédito rural do que qualquer índice de preços que mensure o fenômeno inflacionário. É razoável que se exija do Estado a correção de suas dívidas por índice oficial de preços, uma vez que o sistema de pagamento por precatórios é obrigatório e regulamenta a forma de pagamento dos débitos da Fazenda com seus cidadãos. No entanto, a situação é distinta em operações de crédito rural, nas quais as partes, voluntariamente, aderem às condições de financiamento impostas pela lei e demais regulações dos órgãos administrativos, como o BCB.
Resultado final.
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ajuizada em face do art. 26 da Lei 8.177/1991, que determina que as operações de crédito rural, contratadas junto a instituições financeiras, com recursos oriundos de depósitos à vista e com cláusula de atualização pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), sejam atualizadas pela Taxa Referencial de Juros (TR) (Informativo 934).
DIREITO ADMINISTRATIVO
Precatório: juros de mora e período compreendido entre a data da expedição e o efetivo pagamento
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.
RE 594892 AgR-ED-EDv/RS, Plenário, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 1.7.2020.
Situação FÁTICA.
José apresentou precatório para pagamento em 15 de junho de 2019. O precatório só foi pago em meados do ano seguinte (2020). Ele então disse que ao valor deveriam ser acrescidos juros de mora.
Análise ESTRATÉGICA.
Questão JURÍDICA.
Súmula Vinculante nº 17: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.”
Há juros incidentes na espécie?
R: NÃO.
O colegiado afirmou, mais uma vez, que NÃO incidem juros de mora no período compreendido entre a data da expedição do precatório e seu efetivo pagamento, desde que realizado no prazo estipulado constitucionalmente. Esclareceu, ademais, que a tese foi enunciada no Verbete 17 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.
CF, Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
Divergência.
Vencidos os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Rosa Weber que negaram provimento aos embargos de divergência.
O ministro Marco Aurélio pontuou que a Constituição é explícita ao revelar que, muito embora se tenha o prazo dilatado de 18 meses para a liquidação do débito, esse débito deve ser satisfeito tal como se contém, ou seja, atualizado, para não ser diminuído pelos efeitos da inflação, e também acrescido dos juros da mora.
Resultado final.
O Plenário, por maioria, deu provimento a embargos de divergência para, reformando o acórdão embargado, dar provimento ao recurso extraordinário.
Reclamação: Tema 253 da repercussão geral, Metrô-DF
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
O Metrô-DF é empresa pública, regida pelo direito privado. Como concessionária de serviço público, responde pelos débitos trabalhistas e pelos débitos comuns, de modo que seu orçamento não é alcançado pelo art. 100 da Constituição Federal (precatórios).
Rcl 29637 AgR/DF, 1ª Turma, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 30.6.2020.
Situação FÁTICA.
O Metrô-DF tinha umas dívidas a pagar, e ele insistia que de acordo com o pronunciamento do STF, proferido em sede de repercussão geral no RE 599.628 (Tema 253), bem como em outros julgados similares, deveria haver a aplicação do rito da Fazenda Pública a empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos essenciais e em regime de monopólio (que seria o seu caso). Logo, suas dívidas seriam pagos por meio de PRECATÓRIOS.
Análise ESTRATÉGICA.
Questão JURÍDICA.
Tema 253 da repercussão geral: “Sociedades de economia mista que desenvolvem atividade econômica em regime concorrencial não se beneficiam do regime de precatórios, previsto no art. 100 da Constituição da República.”
CF: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.”
O Metro pode pagar por PRECATÓRIOS?
R: NADA!
O Metrô-DF é empresa pública, regida pelo direito privado. Embora preste serviço de utilidade pública, a empresa NÃO presta serviço público essencial em sentido típico ou de caráter monopolístico.
O Metrô-DF tem contabilidade própria e seu orçamento não é alcançado pelo art. 100 da Constituição Federal. A empresa é concessionária de serviço público e, como as concessionárias em geral, responde pelos débitos trabalhistas e pelos débitos comuns.
Ademais, o Distrito Federal está em atraso com seus precatórios desde 2004. Logo, a determinação de que seja paga a dívida por precatório significa pura e simplesmente que o credor sofrerá calote inequívoco ou, no mínimo, se essa ordem continuar, que irá aguardar pouco mais de dezesseis anos para receber seu crédito. Isso é negar justiça.
Divergência.
Vencidos os ministros Luiz Fux (relator) e Alexandre de Moraes. Para eles, o Metrô-DF deve ser submetido ao regime de execução pela via dos precatórios, pois presta serviço público de natureza essencial, atua de maneira deficitária e é custeado pela Fazenda Pública, dentre outros motivos. O ministro Alexandre de Moraes avaliou que o Metrô não tem concorrência, porque os sistemas modais se complementam e não concorrem entre si.
Resultado final.
Em conclusão de julgamento, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para julgar improcedente reclamação deduzida pela Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF), entendendo legítima a cobrança de dívida mediante fórmula que se fixa no pagamento devido por qualquer entidade.
DIREITO TRIBUTÁRIO
Compra de óleo básico e incidência de ICMS
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Ausente a comprovação de eventual remessa interestadual de óleo básico adquirido no mercado interno e objeto da autuação, nem de recolhimento do ICMS no estado de destino, não há falar em incidência da imunidade prevista no art. 155, § 2º, X, b, da Constituição Federal.
RE 642564 AgR/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 30.6.2020
Situação FÁTICA.
A empresa “Só óleo Ltda” realizou a aquisição de óleo para produzir lubrificante e revender a outros Estados da federação. Por isso ela alegou a não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operação interestadual com combustíveis, com base na imunidade prevista no art. 155, § 2º, X, b, da Constituição Federal.
Só que a Justiça local concluiu, com base no acervo probatório dos autos, que havia sim fato gerador de imposto, uma vez que teria havido a aquisição interna da mercadoria “óleo básico”, ou seja, a aquisição desse óleo dentro do estado, e não a operação interestadual de venda de lubrificantes (Resolução SEF 2900/1998).
A “Só óleo” impetrou mandado de segurança no qual justificou que o óleo básico, pelo qual autuada, foi efetivamente utilizado na produção do lubrificante vendido a outro estado.
Análise ESTRATÉGICA.
Questão JURÍDICA.
CF: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…) X – não incidirá: (…) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;”
Tributa ou não?
R: TRIBUTA (mais imposto, mais, maissssss)!
A Turma entendeu pela inexistência, nos autos, de qualquer comprovação de eventual remessa interestadual desse óleo básico adquirido no mercado interno e objeto da autuação, nem de recolhimento do ICMS no estado de destino.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator na conclusão, mas NÃO na fundamentação.
É constitucional a análise do ciclo econômico, ou seja, a verificação se a compra de óleo básico compõe, ou não, o ciclo econômico da produção de lubrificantes, para venda para outro estado.
Tal análise é jurídica, porque senão não seria possível examinar se incide, ou não, durante o ciclo de produção econômica, a imunidade constitucional.
Considerou, entretanto, que, no caso, como salientado pelo relator, não houve comprovação, nos autos do mandado de segurança impetrado pela empresa recorrente, de que o óleo básico, pelo qual autuada, foi efetivamente utilizado na produção do lubrificante vendido a outro estado.
Divergência.
Vencidos os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio em diferentes extensões.
O ministro Luiz Fux proveu o agravo interno para conhecer do recurso extraordinário e reconhecer a repercussão geral da questão nele discutida. Para ele, o que está em pauta é o debate acerca da incidência de ICMS na atividade de comercialização de óleos lubrificantes, a partir da aquisição do óleo básico como insumo para o produto final.
Sob o aspecto jurídico, cabe à Corte delimitar o alcance da regra imunizante do art. 155, § 2º, X, b, da CF. Quanto aos aspectos políticos e sociais, a imunidade constitucional do ICMS incidente nas operações que destinem a outros estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica assenta-se em uma premissa de justiça entre os entes federados, de modo a evitar um favorecimento desproporcional dos estados-membros detentores desses recursos naturais em detrimento de outros, que seriam, naturalmente, consumidores desses recursos. Em relação ao aspecto econômico, tem-se discussão acerca da existência de limite para o exercício da competência tributária pelos entes da Federação.
Por sua vez, o ministro Marco Aurélio proveu o agravo para, julgando de imediato o recurso extraordinário, reformar o acórdão proferido pelo tribunal de origem e assentar que NÃO se tem como dividir, considerado o preço final do produto, partes componentes desse produto para dizer-se da incidência, relativamente a este ou aquele insumo, do ICMS. A seu ver, há incidência da projeção no tempo da cobrança do produto, presente o princípio alusivo ao destino da mercadoria, como previsto a alínea b do inciso X do parágrafo 2º do art. 155 da CF.
Resultado final.
A Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo interno em recurso extraordinário em que se alegava a não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em operações interestaduais com combustíveis, diante da imunidade prevista no art. 155, § 2º, X, b, da Constituição Federal.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Cabimento de habeas corpus e liberdade de ir e vir
HABEAS CORPUS
Cabe HC para discutir medida diversa da prisão, uma vez que descumprida a medida alternativa, é possível o estabelecimento da custódia, alcançando-se o direito de ir e vir.
HC 170735/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 30.6.2020
Situação FÁTICA.
Josefina, vereadora municipal, no exercício do cargo público teria aprontado das suas (cometido crime) e por isso o Ministério Público solicitou sua prisão preventiva.
O tribunal de justiça indeferiu o pedido de prisão, mas determinou as seguintes medidas alternativas: a) AFASTAMENTO do cargo de vereadora e da função de presidente da Câmara dos vereadores; b) comparecimento bimestral em juízo; c) proibição de acesso e frequência à câmara municipal; d) proibição de manter contato com testemunhas; e) proibição de ausentar-se do estado e do País, com a entrega de passaporte; e f) obrigação de manter atualizado, no tribunal, o endereço.
Indignada, Josefina impetrou HC, no qual alegou a desproporcionalidade das medidas. Sublinhou inobservados os princípios da não culpabilidade e do devido processo legal. Aduziu o excesso de prazo das cautelares.
Análise ESTRATÉGICA.
Cabe HC quando não há prisão a ser discutida no caso?
R: Sim (segundo a 1ª Turma do STF)
A Turma, por maioria, conheceu do writ. Reputou-se que, descumprida a medida alternativa, é possível o estabelecimento da custódia, alcançando-se o direito de ir e vir.
Vencidos, no ponto, os ministros Luiz Fux e Rosa Weber, que não conheceram da impetração por entenderem que o cabimento de habeas corpus diz respeito exclusivamente à liberdade de ir e vir, que NÃO se confunde com a liberdade de exercício de uma atividade profissional.
Mas então RETORNA Josefina ao Cargo?
R: Que nada!!
Quanto ao mérito, a Turma NÃO vislumbrou ilegalidade nas medidas alternativas decretadas pelo tribunal de justiça.
Vencido o ministro Marco Aurélio, que deferiu a ordem para viabilizar o exercício do cargo de vereadora pela paciente, com o consequente acesso às dependências da casa legislativa. O ministro salientou que, sem a formação da culpa, a constrição perdura por mais de um ano.
Resultado final.
A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem de habeas corpus impetrado em favor de vereadora, denunciada pela prática do delito de peculato, em razão de, na qualidade de presidente da Câmara Municipal, ter contratado servidora pública para realização de serviço de faxina, prestado na casa de seu irmão.