Informativo nº 1005 do STF COMENTADO pintando na telinha para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!
Sumário
1. Direito ao esquecimento.. 2
2. Covid-19: Republicação de veto e lei já publicada. 4
3. Reclamação e ilegitimidade recursal 7
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.
RE 1010606/RJ, Plenário, relator Min. Dias Toffoli, julgamento finalizado em 11.2.2021 (Info 1005)
Familiares da vítima de um crime de grande repercussão nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua autorização. Após uma tentativa de estupro, a vítima foi arremessada de um edifício em Copacabana.
A família sustenta que a reconstituição da história em programa televisivo de grande audiência é uma verdadeira pena perpétua para a família da vítima, que revive o crime 50 anos depois do ocorrido, o que é incompatível com o sistema constitucional brasileiro. Segundo a aguerrida defesa, toda liberdade, inclusive a de imprensa, tem um limite. Logo, o direito ao esquecimento deve ser invocado por anônimos atingidos por uma tragédia como um instrumento capaz de fazer uma pessoa retornar ao anonimato.
R: Negativo!
O “direito ao esquecimento” caracteriza restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de manifestação de pensamento e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a respeito de fatos relevantes da história social, bem como equivale a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição.
O ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões constitucionais e legais voltadas à proteção da personalidade, com repertório jurídico suficiente a que esta norma fundamental se efetive em consagração à dignidade humana. Em todas essas situações legalmente definidas, é cabível a restrição, em alguma medida, à liberdade de expressão, sempre que afetados outros direitos fundamentais, mas não como decorrência de um pretenso e prévio direito de ver dissociados fatos ou dados por alegada descontextualização das informações em que inseridos, por força da passagem do tempo.
A existência de um comando jurídico que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados nela inseridos, precisaria estar prevista, de modo pontual, em lei.
Ademais, a ordem constitucional ampara a honra, a privacidade e os direitos da personalidade, bem como, oferece, pela via da responsabilização, proteção contra informações inverídicas, ilicitamente obtidas ou decorrentes do abuso no exercício da liberdade de expressão, com reflexos no âmbito penal e cível.
O ordenamento jurídico brasileiro NÃO consagra o denominado “direito ao esquecimento”, entendido como a pretensão apta a impedir a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante.
A previsão ou aplicação de um “direito ao esquecimento” afrontaria a liberdade de expressão.
ADENDO: Além dos advogados das partes, manifestaram-se, na sessão, representantes de partes interessadas admitidas no processo (amici curiae). José Eduardo Cardozo, em nome do Instituto de Direito Partidário e Político, afirmou que o direito ao esquecimento é inerente e fundamental aos Estados democráticos. Comentário do editor: Por que será que políticos estão interessados em direito ao esquecimento???
O Plenário, ao apreciar o Tema 786 da repercussão geral, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e indeferiu o pedido de reparação de danos formulado contra a recorrida.
Vencidos, parcialmente, os ministros Nunes Marques, Edson Fachin e Gilmar Mendes.
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Não se admite “novo veto” em lei já promulgada e publicada. Manifestada a aquiescência do Poder Executivo com projeto de lei, pela aposição de sanção, evidencia-se a ocorrência de preclusão entre as etapas do processo legislativo, sendo incabível eventual retratação.
ADPF 714/DF, ADPF 715/DF, ADPF 718/DF, Plenário, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 13.2.2021 (Info 1005)
O PL 1.562/2020 (convertido na Lei 14.019/2020) alterou a Lei 13.979/2020 para dispor sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, vias e transportes públicos durante a vigência das medidas para enfrentamento da pandemia da Covid-19. Alguns dispositivos foram vetados pelo presidente da República, entre eles o inciso III do novo artigo 3º-A, que exigia o uso de máscara em estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas. O veto baseou-se no direito à inviolabilidade domiciliar.
Em 3/7/2020, foram publicadas a Lei 14.019/2020 e a mensagem que informava o veto ao PL 1.562/2020. Mas a edição do Diário Oficial da União (DOU) de 6/7/2020 trouxe novos vetos, dessa vez derrubando a exigência de uso de máscaras aos trabalhadores dos estabelecimentos prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas. Na mesma edição do DOU, a Lei 14.019/2020 foi publicada sem a parte relativa aos estabelecimentos prisionais, mencionadas na republicação do veto.
Partidos de oposição (PDT, Rede Sustentabilidade e PT) contestam os vetos do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao projeto de lei que exige o uso de máscara de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público.
(1) CF: “Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. § 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. § 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. § 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção. § 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. § 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República. § 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. § 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.”
(2) CF: “Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (…)§ 3º Além de outros casos previstos nesta Constituição, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se-ão em sessão conjunta para: (…) IV – conhecer do veto e sobre ele deliberar.”
R: Nãooo!
A Constituição Federal dedicou razoável atenção ao modo pelo qual se desenvolvem as relações entre Poder Legislativo e Poder Executivo quando da passagem da etapa da deliberação legislativa para a etapa da deliberação executiva. O art. 66 da CF (1) enuncia modalidades de sanção e veto, demarca elementos e formalidades essenciais, assinala prazos e estatui consequências jurídicas na hipótese de seu descumprimento.
O Presidente da República, ao exercer a prerrogativa do VETO PARCIAL, encaminha a parte não vetada à promulgação, de modo que o projeto se transforma em lei. Já a parte vetada, por seu turno, segue para o Congresso Nacional, que deliberará, em sessão conjunta, pela manutenção ou derrubada do veto (CF, art. 57, § 3º, IV) (2).
Para o ministro Gilmar Mendes, o prazo de 15 dias úteis para que o presidente da República exercesse o direito de veto se encerrou em 2/7/2020. Assim, a publicação de dois novos vetos, no DOU de 6/7/2020, a dispositivos que já integravam a lei viola o preceito fundamental da separação dos Poderes. Para o ministro, não há dúvida de que houve, no caso, um “exercício renovado” do poder de veto, em desconformidade com o artigo 66 da Constituição Federal.
Uma vez manifestada a aquiescência do Poder Executivo com o projeto de lei que lhe é enviado, pela aposição da sanção, ocorre uma PRECLUSÃO, que confere ao veto um caráter terminativo. O veto, após manifestado, é insuscetível de retratação. “A inusitada situação dos autos – o exercício do poder de veto em uma lei já promulgada e publicada – gera forte insegurança jurídica; dificulta até mesmo a identificação de qual é o direito vigente”.
O Plenário conheceu parcialmente das ações e, na parte conhecida, julgou procedentes os pedidos em relação aos “novos vetos” trazidos na “republicação” veiculada no Diário Oficial da União de 6 de julho de 2020, a fim de que seja restabelecida a plena vigência normativa do § 5º do art. 3º-B e do art. 3º-F da Lei 13.979/2020, na redação conferida pela Lei 14.019/2020.
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL
O art. 46 da Lei Complementar 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público) atribui competência exclusiva à Procuradoria-Geral da República para oficiar nos processos em curso perante o STF. A ninguém é dado pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Rcl 43007 AgR/DF, Segunda Turma, relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9.2.2021 (Info 1005)
Essa é aquela famosa ação em que o Min. Ricardo Lewandowski determinou que se assegure ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o compartilhamento das mensagens apuradas pela Operação Spoofing que lhe digam respeito, direta ou indiretamente, e as que tenham relação com investigações e ações penais contra ele movidas em qualquer jurisdição, ainda que estrangeira.
Lembrando que a Operação Spoofing investiga a invasão de dispositivos eletrônicos de autoridades, como o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol. Parte das mensagens, relativas a conversas entre Moro e integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, foi publicada por veículos de imprensa.
Então, procuradores da República requereram, em nome próprio e de terceiros, a reconsideração de decisões que autorizaram esse compartilhamento. Em suma, os procuradores buscaram reverter a decisão no STF. Vale isso?
(1) LC 75/1993: “Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.”
R: Que reconsideração o que!!!
Pedidos de reconsideração carecem de qualquer respaldo no regramento processual vigente.
O art. 46 da Lei Complementar (LC) 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público) (1) atribui competência exclusiva à Procuradoria-Geral da República para oficiar nos processos em curso perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
A reclamação constitucional só pode ser ajuizada perante o STF pelo Ministério Público ou pela parte interessada. Do ponto de vista técnico-jurídico, não há espaço para que os procuradores da República, em cujos nomes foi protocolado o pedido de reconsideração, ingressem nos autos na qualidade de simples particulares.
Este feito e a própria ação penal em tramitação no juízo de piso envolvem o exercício do jus accusationis estatal e a atuação do órgão ministerial na qualidade de dominus litis, na busca da procedência da acusação formulada contra o reclamante. Trata-se de atuação institucional do Parquet.
Portanto, é manifesta a ausência de legitimidade postulatória dos peticionantes, integrantes do Ministério Público Federal (MPF), de primeiro grau, totalmente alheios à lide, a impedir que intervenham nos autos para impugnar decisões tomadas pelo STF, a pretexto de defender direitos próprios e de terceiros.
A ninguém é dado pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
No caso, inexiste qualquer direito transindividual a justificar a atuação do órgão ministerial de piso em legitimação extraordinária, na qualidade de substituto processual. Em todas as decisões nas quais concedido o acesso ao material apreendido em operação policial, houve ressalva de que os conteúdos relativos exclusivamente a terceiros, sem qualquer relação com o reclamante, deveriam ser mantidos sob rigoroso sigilo.
Não há que se falar na figura do “terceiro interessado”, pois o inconformismo veiculado pelos peticionantes não se refere a conversas privadas, mas a diálogos travados por membros do MPF entre si e com magistrado acerca de investigações e ações penais, em pleno exercício das respectivas atribuições e em razão delas.
A questão relativa à autenticidade ou ao valor probatório de elementos colhidos pela defesa é tema a ser resolvido no bojo dos processos nos quais venham a ser juntados, mas não na reclamação, sabidamente de estreitos limites.
Fundado no direito à ampla defesa e ao contraditório, foi concedido ao reclamante o acesso a elementos probatórios coligidos, em poder do Estado, pertinentes a sua defesa. O acesso a tais elementos, aparentemente, teria sido sonegado ao reclamante e a sua defesa há anos, contrariando determinações expressas do colegiado e do ministro Ricardo Lewandowski, relator, proferidas em três reclamações.
A Segunda Turma, por maioria, não conheceu de agravo regimental em reclamação, ante a manifesta ilegitimidade recursal dos peticionantes, nos termos do voto do relator. Vencido o ministro Edson Fachin.
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