Artigo

Informativo 654/STJ Comentado

Olá, pessoal, tudo bom?

Meu nome é Lucas Evangelinos, professor aqui no Estratégia Carreiras Jurídicas, e abaixo segue o Informativo nº 654/STJ COMENTADO, com um pouco de informalidade para ajudar na memorização…

Aliás, vejam alguns questionamentos interessantes a serem respondidos pelo informativo:

(a) Osni estava fazendo tratamento de câncer na Clínica OCC, que pediu descredenciamento do seu plano de saúde…ocorre que sua operadora de plano de saúde não o avisou, nem substituiu a entidade hospital, agiu certo?

(b) Herdeiro X Companheira. Por testamento, pai transfere 4 (quatro) apartamentos, que estavam gravados com cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, à sua companheira. Herdeiro descobre e – como sempre – judicializa.

(c) Dr. Albert Einstein (1879-1955)…posso usar seu nome na minha marca?

(d) Dia de maldade: judiciário pode suspender CNH e passaporte em execução fiscal?

(e) Impossibilidade jurídica do pedido: questão de mérito ou condição da ação? Cabe ou não agravo de instrumento de decisão que a rejeita?

DOWNLOAD AQUI!

Se quiser, também pode ler por aqui, só antecipo minhas desculpas em razão de a formatação do WordPress não cooperar com a do Word, além de não permitir fluxogramas e imagens.

Observação: ainda estou tentando descobrir como inserir hiperlink no sumário do WordPress. Foi mal!

Sumário

Sumário. 1

DIREITO DO CONSUMIDOR. 3

1.   Havendo descredenciamento voluntário de clínica médica vinculada, até então, a certo plano de saúde, qual deve ser a conduta da operadora de plano de saúde?. 3

DIREITO CIVIL. 7

2.   As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade subsistem à morte do beneficiário/recebedor do bem gravado com elas?. 7

3.   Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador, qual o termo inicial dos juros moratórios?. 12

DIREITO EMPRESARIAL. 18

4.   O prévio consentimento para utilização de determinado nome civil em marca dispensa nova autorização para sua utilização (nome civil) em qualquer outra marca que vier a ser registrada pelo favorecido pelo anterior consentimento?. 18

5.   Créditos titularizados por credor, concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio, estão ou não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, considerando a ausência de registro da avença em cartório?. 21

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. 27

6.   É cabível AR contra decisão transitada em julgado proferida em suspensão de liminar?  27

7.   Cabem medidas executórias atípicas pessoais em execução fiscal?. 33

8.   O aluguel provisório, fixado em tutela de urgência em demanda revisional, pode ser incluído em execução já ajuizada?. 38

9.   Deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação?  42

10.     Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido?. 45

11.     A genitora do alimentando pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado?. 50

12.     Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio?  55

13.     A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento?. 61

DIREITO PROCESSUAL PENAL. 66

14.     Companheira tem legitimidade para ajuizar queixa-crime por conta de calúnia praticada contra sua falecida companheira?. 66

DIREITO TRIBUTÁRIO. 71

15.     Os brindes podem ser considerados material de embalagem para fins de creditamento de IPI?  71

DIREITO DO CONSUMIDOR

1.   Havendo descredenciamento voluntário de clínica médica vinculada, até então, a certo plano de saúde, qual deve ser a conduta da operadora de plano de saúde?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido de clínica médica, subsiste a obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à ANS com 30 (trinta) dias de antecedência bem como de substituir a entidade conveniada por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente (STJ, REsp 1561445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019)

Tribunal de Origem: TJSP.

1.1.            Situação fática.

OSNI ajuizou ação de obrigação de fazer contra UNIMED para que fosse garantido seu tratamento médico na Clínica OCC, onde, faz meses, realizava sua quimioterapia.

Em contestação, UNIMED informou que a Clínica OCC, voluntariamente, descredenciou-se do plano de saúde, ou seja, não faz mais parte da rede de atendimento/rede conveniada.

Na réplica, OSNI informou que jamais foi informado a respeito do descredenciamento da Clínica OCC.

Instância Desfecho
1º Grau Julgou procedente a demanda, garantindo a OSNI o tratamento médico na Clínica OCC.
Instância Desfecho
2º Grau Negou provimento ao recurso da UNIMED.

Em recurso especial, UNIMED pugnou pela reforma do Acórdão.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Negou provimento ao recurso.

1.2.            Análise Estratégica.

1.2.1.              Questão em debate.

Você aí que tem plano de saúde, preste atenção: havendo descredenciamento voluntário de clínica médica vinculada, até então, a certo plano de saúde, qual deve ser a conduta da operadora de plano de saúde?

1.2.2.              Para começar, o que são operadoras de planos de saúde?

R: Segundo disposição legal, operadora de planos de saúde é:

Art. 1º, inciso II, da Lei nº 9.656/98. (…) pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo [Plano Privado de Assistência à Saúde];”

1.2.3.              Quais diplomas regem os planos privados de assistência à saúde?

R: Como registrado pelo Min. RICARDO VILAS BÔAS CUEVA, os planos privados de assistência à saúde são regidos pela Lei nº 9.656/98 e pelo CDC:

“[Trecho do corpo do acórdão:] De início, impende asseverar que, apesar de os planos e seguros privados de assistência à saúde serem regidos pela Lei nº 9.656/1998, as operadoras da área que prestarem serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo, devendo ser aplicadas também, nesses tipos contratuais, as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com efeito, ambos os instrumentos normativos incidem conjuntamente, sobretudo porque esses contratos, de longa duração, lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida, ou seja, visam ajudar o usuário a suportar riscos futuros envolvendo a sua higidez física e mental, assegurando o devido tratamento médico.” (STJ, REsp 1561445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019)

Logo, são essenciais, tanto na formação quanto na execução da avença, a boa-fé entre as partes e o cumprimento dos deveres de informação, de cooperação e de lealdade:

Art. 6º CDC. São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”

Art. 46 CDC. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

1.2.4.              As operadoras de planos de saúde devem informar o consumidor a respeito de descredenciamento de entidades hospitalares do plano de saúde?

R: Sim, as operadoras de planos de saúde devem informar o consumidor a respeito de descredenciamento de entidades hospitalares do plano de saúde:

Art. 17 da Lei nº 9.656/98. A inclusão de qualquer prestador de serviço de saúde como contratado, referenciado ou credenciado dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º [Plano Privado de Assistência à Saúde] desta Lei implica compromisso com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos, permitindo-se sua substituição, DESDE QUE SEJA POR OUTRO PRESTADOR EQUIVALENTE e mediante comunicação aos consumidores com 30 (trinta) dias de antecedência.

§ 1º É facultada a substituição de ENTIDADE HOSPITALAR, a que se refere o caput deste artigo, DESDE QUE POR OUTRO EQUIVALENTE e mediante comunicação aos consumidores e à ANS com trinta dias de antecedência, ressalvados desse prazo mínimo os casos decorrentes de rescisão por fraude ou infração das normas sanitárias e fiscais em vigor.”

Vejam que a comunicação deve ser individual e a operadora DEVE substituir a entidade hospital por outra equivalente:

“(…) 4. Tendo em vista a importância que a rede conveniada assume para a continuidade do contrato, a operadora somente cumprirá o dever de informação se comunicar individualmente cada associado sobre o descredenciamento de médicos e hospitais. (…)” (STJ, REsp 1144840/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 11/04/2012)

“[Trecho do corpo do acórdão:] Como visto, a operadora de plano de saúde poderá incorrer em abusividade se promover a alteração da lista de conveniados, ou seja, o descredenciamento de estabelecimentos hospitalares, clínicas médicas, laboratórios, médicos e outros serviços, sem a observância dos requisitos legais, que são: i) substituição da entidade conveniada por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente E ii) comunicação aos consumidores e à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com 30 (trinta) dias de antecedência.” (STJ, REsp 1561445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019)

“Mas clínica é entidade hospitalar?” Exato! E, sim, é:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Todavia, cumpre ressaltar que a despeito de no dispositivo legal supratranscrito constar apenas entidade hospitalar, esse termo, à luz dos princípios consumeristas, deve ser entendido como gênero, a englobar também clínicas médicas, laboratórios, médicos e demais serviços conveniados. De fato, o usuário de plano de saúde tem o direito de ser informado acerca da modificação da rede conveniada, ou seja, do rol de credenciados, pois somente com a transparência poderá buscar o atendimento e o tratamento que melhor lhe satisfaz, segundo as possibilidades oferecidas.” (STJ, REsp 1561445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019)

Desse modo, subsiste o dever de comunicar aos consumidores e à ANS acerca do descredenciamento de clínica médica, pois esta é espécie do gênero entidade hospitalar.

1.2.5.              Mas se o descredenciamento ocorreu por iniciativa da própria entidade hospitalar, a obrigação de comunicação permanece?

R: Opa, com certeza! Vejam que a Lei nº 9.656/98 não prevê exceção para esse caso e, mais, o CDC exige informação plena ao consumidor.

“Tá, mas nesse caso, além da informação, também precisa substituir a descredenciada por equivalente?” SIM!

“[Trecho do corpo do acórdão:] Portanto, ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido da clínica médica, espécie do gênero entidade hospitalar, subsiste a obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à ANS com 30 (trinta) dias de antecedência, consoante o disposto no § 1º do art. 17 da Lei nº 9.656/1998, bem como de substituir a entidade conveniada por outra equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente.” (STJ, REsp 1561445/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019)

1.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido de clínica médica, subsiste a obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à ANS com 30 (trinta) dias de antecedência, dispensada a substituição da entidade conveniada por outra equivalente.

1.4.            Gabarito.

Q1º. FALSA.

DIREITO CIVIL

2.   As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade subsistem à morte do beneficiário/recebedor do bem gravado com elas?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que dispõe sobre transmissão causa mortis do bem gravado com elas (STJ, REsp 1641549/RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 20/08/2019)

Tribunal de Origem: TJRJ.

2.1.            Situação fática.

Em 1980, SEBASTIÃO NERO faleceu, deixando para seu filho RICARDO NERO, por meio de testamento, 4 (quatro) apartamentos gravados com cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade.

RICARDO NERO, por sua vez, faleceu em 1995, mas, em 1992, fez um testamento, deixando os mesmos 4 (quatro) apartamentos para sua companheira HELENA CINTRA, sem desrespeitar a legítima (art. 1.846[1] CC).

Descoberto o testamento de RICARDO NERO, seus HERDEIROS ajuizaram ação anulatória, afirmando que os apartamentos não poderiam ser deixados para HELENA CINTRA, já que gravados com cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade pelo seu avó, SEBASTIÃO NERO.

Instância Desfecho
1º Grau Julgou procedente a ação, com base no art. 1.676 do CC/16 (correspondência parcial ao art. 1.911 CC/02).
Instância Desfecho
2º Grau Negou provimento ao recurso de HELENA CINTRA.

Em recurso especial, HELENA CINTRA pugnou pela reforma do Acórdão.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Deu provimento ao recurso para reconhecer a validade do testamento de RICARDO NERO.

2.2.            Análise Estratégica.

2.2.1.              Questão em debate.

Quanto ao mérito, cinge-se a controvérsia à validade de testamento que dispôs sobre bens gravados com cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade.

CC/1916 CC/2002
Art. 1.676 CC/16. A clausula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade publica, e de execução por dividas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade.” Art. 1.911, caput, CC. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.”

2.2.2.              Quais as limitações impostas pelas cláusulas?

R: Vejamos a tabela:

Inalienabilidade Incomunicabilidade Impenhorabilidade
Restrição, temporária ou vitalícia, imposta ao beneficiário/recebedor do bem de dispor da coisa, impedindo a sua transferência a terceiros, seja a título gratuito ou oneroso. Restrição à transferência de fração ideal do bem ao cônjuge (companheiro) quando da formação de um núcleo familiar. Proibição de constrição judicial do bem gravado para pagamento de débitos do herdeiro/beneficiário da coisa.

2.2.3.              Essas cláusulas podem ser fixadas de forma autônoma?

R: Sim, mas a cláusula da inalienabilidade arrasta as outras duas (incomunicabilidade e impenhorabilidade):

“O art. 1.911 do Código Civil estabelece que a cláusula de inalienabilidade gravada sobre bens que compõem a herança implica, automaticamente, nas cláusulas de ‘impenhorabilidade e incomunicabilidade’. Ou seja, basta gravar o patrimônio transmitido com a cláusula de inalienabilidade para que as demais decorram de pleno direito. A recíproca, entretanto, não é verdadeira. Por isso, as cláusulas de impenhorabilidade e de incomunicabilidade podem ser impostas isoladamente, produzindo efeitos únicos. A cláusula de inalienabilidade, porém, se apresenta mais larga e profunda, trazendo consigo, a reboque, as demais.” (Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald)

2.2.4.              Por qual razão a cláusula da inalienabilidade atrai as demais?

R: Segundo o Min. MARCO BUZZI:

“[Trecho do corpo do acórdão:] (…) sendo a inalienabilidade de maior amplitude, é decorrência natural que implique na proibição de penhorar e comunicar, tudo isso seguindo a lógica da antiga máxima de que ‘in eo quod plus est semper inest et minus’ (quem pode o mais, pode o menos).

Porém, o contrário não se verifica. A impenhorabilidade e a incomunicabilidade possuem objetos mais limitados, específicos. A primeira se volta tão somente para os credores e a segunda impõe-se ao cônjuge do beneficiário (donatário ou herdeiro). Nessa seara, é consectário lógico que a previsão de cláusula mais restritiva não possa abranger objeto mais extenso. Esse é o sentido jurídico pelo qual o legislador do Código Civil de 2002 limitou-se a estabelecer, no caput do art. 1.911, uma única direção para a norma proibitiva, isto é, que a inalienabilidade implica automaticamente na impenhorabilidade e na incomunicabilidade, restrigindo a tanto a vedação.” (STJ, REsp 1155547/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 09/11/2018)

2.2.5.              Quando vitalícia, a cláusula de inalienabilidade subsiste à morte do beneficiário/recebedor do bem gravado?

R: Não, ou seja, morreu o beneficiário/recebedor do bem, a cláusula perde sua eficácia:

“[Trecho do corpo do acórdão:] (…) a cláusula de inalienabilidade vitalícia tem vigência enquanto viver o beneficiário, passando livres e desembaraçados aos seus herdeiros os bens objeto da restrição (…).” (STJ, REsp 1101702/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2009, DJe 09/10/2009)

“[Trecho do corpo do acórdão:] Como visto, o testador impôs a cláusula de incomunicabilidade. Como consequência, é possível concluir que os bens deixados à filha não se comunicavam ao cônjuge, ou seja, não havia meação e, relação a eles. Essa disposição não afasta a conclusão de que, falecida a filha, o cônjuge sobrevivente, assim como quaisquer outros herdeiros necessários, tem direito à sua herança, nela incluídos aqueles bens. (…). A existência de cláusula de incomunicabilidade gravando o bem no primitivo ato jurídico que ensejara a transferência da propriedade à falecida esposa do recorrente (testamento de seus pais) não tem o efeito de, no futuro, excluir o genro da herança da beneficiária, nem mesmo se assim fosse expressa a disposição, porque isso significaria negar vigência ao Código Civil. Poderia, isso sim, ter sido acrescentada outra cláusula dispondo sobre a destinação do bem em caso da morte da beneficiária do testamento e, para tanto, bastaria instituir um fideicomisso. Conclui-se, então, que a posição defendida nesse voto em nada prejudica a autonomia da vontade, pois há mecanismos jurídicos para que o testador dê o encaminhamento que bem entender ao seu patrimônio material. O que não se pode fazer é dar à cláusula de incomunicabilidade alcance que ela não tem.” (STJ, REsp 1552553/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 11/02/2016)

E, pessoal, vejam a sacada do Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA: vitaliciedade da cláusula não se confunde com perpetuidade:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Assim, por força do princípio da livre circulação dos bens, não é possível a inalienabilidade perpétua, razão pela qual a cláusula em questão se extingue com a morte do titular do bem clausulado, podendo a propriedade ser livremente transferida a seus sucessores.” (STJ, REsp 1641549/RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 20/08/2019)

“Ah, Lucas, blz….mas a conclusão do ministro tem uma falha. Concordo que a cláusula perde a eficácia depois da morte do beneficiário/recebedor, mas quando RICARDO NERO fez o testamento, desrespeitando as cláusulas, ele, obviamente, ainda estava vivo!”

Excelente questionamento! Que foi rebatido pelo Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA com a seguinte ótica: o testamento é um negócio jurídico que só produz efeitos após a morte do testador, de modo que sua simples elaboração não representa nenhum ato de alienação e, portanto, não há desrespeito às cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Logo, trata-se de um negócio jurídico que somente produz efeito após a morte do testador, quando, de fato, ocorre a transferência do bem. Assim, a elaboração do testamento não acarreta nenhum ato de alienação da propriedade em vida, senão evidencia a declaração de vontade do testador, revogável a qualquer tempo.” (STJ, REsp 1641549/RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 20/08/2019)

2.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento, que dispõe sobre transmissão causa mortis do bem gravado com elas.

Q2º. Estratégia Carreiras Jurídicas. A cláusula de inalienabilidade pode ser perpétua ou temporária.

2.4.            Gabarito.

Q1º. VERDADEIRA.

Q2º. FALSA.

2.5.            Bibliografia.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: sucessões. 3. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017. vol. 7.

3.   Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador, qual o termo inicial dos juros moratórios?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão (STJ, REsp 1740911/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/08/2019, DJe 22/08/2019 – Tema 1002)

Tribunal de Origem: TJDFT.

3.1.            Situação fática.

ANDRÉ ajuizou ação contra LIT ENGENHARIA LTDA para rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, com restituição das parcelas que já havia pagado.

Instância Desfecho
1º Grau Julgou procedente a pretensão para declarar rescindido o contrato e determinar a restituição de 90% dos valores pagos pelo consumidor, montante acrescido de juros moratórios de 1% ao mês desde a citação.

Em recurso de apelação, LIT ENGENHARIA LTDA contestou o termo inicial dos juros moratórios, defendendo sua incidência apenas a partir do trânsito em julgado.

Instância Desfecho
2º Grau Negou provimento ao recurso.

Em recurso especial, LIT ENGENHARIA LTDA pugnou pela reforma do Acórdão.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Deu provimento ao recurso para fixar o trânsito em julgado como termo inicial de incidência dos juros moratórios.

3.2.            Análise Estratégica.

3.2.1.              Questão em debate.

Definir o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre os valores a serem restituídos pelo promitente vendedor de imóvel, em caso de extinção do contrato, anterior à Lei nº 13.876/18, por iniciativa do promitente comprador.

Cuidado, pois a análise se refere a contrato anterior à Lei nº 13.786/18, que alterou a Lei nº 4.591/64. Desde seu advento, a partir de interpretação dos arts. 35-A, inciso VI, e 67, da Lei nº 4.591/64, que agora, expressamente, disciplinam a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária, o STJ entendeu que, sobre o montante a ser restituído ao consumidor, incidem juros moratórios desde a citação (arts. 397[2] e 405[3] CC):

“[Trecho do corpo do acórdão:] Observo que a Lei n. 13.786/2018, suprindo a lacuna do direito positivo, e incorporando diversos entendimentos e parâmetros já consagrados pelo STJ, previu a possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento com a adoção do percentual de 25% da quantia paga como limite para a pena convencional em caso de distrato, podendo chegar a 50% quando a incorporação estiver sujeita ao regime de patrimônio de afetação (arts. 67-A, inciso I e § 5º). Anoto que, com a normatização, os contratos regidos pela nova lei não estarão submetidos ao entendimento aqui defendido, pois na hipótese de não serem observadas as diretrizes legais não se cuidará de sentença constitutiva, mas de sentença declaratória de nulidade de cláusula contratual e condenatória ao pagamento de valor. A esses casos deverá ser aplicada a regra geral para obrigação de origem contratual, de acordo com a tese defendida pelo eminente relator, com a fluência dos juros de mora a partir da citação, nos termos dos artigos 397 e 405 do Código Civil.” (STJ, REsp 1740911/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/08/2019, DJe 22/08/2019 – Tema 1002)

3.2.2.              No caso de inadimplemento do consumidor, rescindido o compromisso de compra e venda de unidade imobiliária, o devedor tem direito à restituição das parcelas que já pagou?

R: Antes da Lei nº 13.786/18, por ausência de previsão legal, a questão foi definida pela STJ, como lembrou a Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, sendo estabelecido o direito do consumidor de restituição de percentual do valor já pago:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Recordo que os contratos de compra e venda, promessa de venda ou cessão de unidades autônomas foram concebidos, pelo art. 32, § 2º, da Lei 4.591/64, como irretratáveis, o que deveria conferir segurança tanto ao empreendedor quanto ao adquirente da futura unidade. (…) Como é sabido, todavia, nos anos que precederam a edição do Código do Consumidor e também nos subsequentes, até a implantação do Plano Real, o surto inflacionário impactou fortemente o crédito imobiliário, com consequências deletérias para o fornecedor e para o consumidor. Diante da insuportabilidade do pagamento das prestações, dada a conjuntura econômica superveniente à data da contratação, era comum a rescisão do contrato, impondo, para tanto, o incorporador a perda total das prestações pagas. Nesse cenário, o art. 53 do Código do Consumidor veio a afirmar a nulidade das cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. Foi, contudo, vetado o § 1º do mesmo artigo, que assegurava ao comprador o direito de requerer o desfazimento do contrato e a devolução das prestações pagas. Diante da controvérsia a respeito da possibilidade de o comprador desistir do contrato – por lei, irretratável – e requerer a devolução dos valores pagos, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento da prevalência do princípio imanente ao art. 53 do CDC, coibindo a cláusula padrão inserida nas promessas de compra e venda, que previa a perda das parcelas pagas pelo promissário inadimplente. Foi reconhecido, inclusive, o direito do consumidor inadimplente de promover ação a fim de receber, de forma imediata e em pagamento único, a restituição dos valores pagos, assegurado ao vendedor, de outro lado, o direito de reter parcela do montante. (…) Como se vê, apesar de irretratável, segundo a Lei 4.591/64, a jurisprudência reconheceu excepcionalmente ao promissário comprador o direito (potestativo) de exigir a rescisão do contrato com devolução das parcelas pagas de forma imediata e em parcela única. Em razão de tal orientação jurisprudencial, as incorporadoras passaram a inserir cláusulas nos contratos de compra e venda de unidades imobiliárias permitindo a desistência do promissário comprador e, comumente, fixando percentual de retenção sobre os valores a serem devolvidos como penalidade.” (STJ, REsp 1740911/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/08/2019, DJe 22/08/2019 – Tema 1002)

3.2.3.              Reconhecido o direito de restituição, qual o termo inicial de incidência dos juros moratórios sobre o montante a ser restituído?

R: O termo inicial de incidência dos juros moratórios sobre o montante a ser restituído é a data do trânsito em julgado.

“Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão.” (STJ, REsp 1740911/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/08/2019, DJe 22/08/2019 – Tema 1002)

Vejam! Aqui está o brilhantismo do entendimento do STJ.

TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS SOBRE O MONTANTE A SER RESTITUÍDO AO CONSUMIDOR
Antes da Lei nº 13.786/18 Depois da Lei nº 13.876/18
Não há previsão legal do direito à restituição. Há previsão legal do direito à restituição.
Logo, o que reconhece esse direito, em definitivo, é a decisão judicial transitada em julgado. Desse modo, não é a decisão judicial que reconhece o direito, mas sim a próprio lei.
Ou seja, antes do trânsito em julgado não havia obrigação de restituição de nenhum valor. Ou seja, antes do trânsito em julgado já existe a obrigação de restituição.
Em consequência, não há que se falar em mora antes do trânsito e julgado e, por isso, os juros moratórios só correm do trânsito em julgado. Portanto, ainda que determinada a restituição em decisão judicial, os juros moratórios correm da citação.

Nesse sentido:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Desse modo, ante a discordância do autor com os termos do contrato vigente, cuja modificação é um dos pedidos deduzidos na ação, e ausente previsão legal a propósito do distrato e, consequentemente, da cláusula penal pertinente, não há objeto certo na obrigação a ser constituída por força de decisão judicial. Não há, portanto, como reconhecer como preexistente o dever de restituir valores em desconformidade com o que fora pactuado. (…) Somente a partir do trânsito em julgado da decisão, portanto, é que poderiam incidir os juros de mora. Antes disso, não há que se falar em mora da vendedora se a rescisão do contrato se deu por culpa dos compradores com pedido de restituição de valores em desconformidade do que fora pactuado.” (STJ, REsp 1740911/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por maioria, julgado em 14/08/2019, DJe 22/08/2019 – Tema 1002)

Por fim, lembre-se que a correção monetária, por sua vez, incide a cada desembolso feito pelo consumidor, e não só do trânsito em julgado:

“(…) No particular, a jurisprudência desta Corte é assente em afirmar que, em caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, a correção monetária das parcelas pagas, para efeitos de restituição, incide a partir de cada desembolso. (…).” (STJ, REsp 1305780/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 17/04/2013)

3.2.4.              Placar final.

Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo Moura Ribeiro
Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão. Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir da citação.
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3.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/18, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir da citação.

3.4.            Gabarito.

Q1º. FALSA.

DIREITO EMPRESARIAL

4.   O prévio consentimento para utilização de determinado nome civil em marca dispensa nova autorização para sua utilização (nome civil) em qualquer outra marca que vier a ser registrada pelo favorecido pelo anterior consentimento?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Cada novo registro de signo distintivo como marca, ainda que de mesma titularidade, deve atender todos os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto à autorização do titular do nome civil eventualmente utilizado (STJ, REsp 1715806/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria[4], julgado em 20/08/2019, DJe 28/08/2019)

Tribunal de Origem: TRF 2ª Região.

4.1.            Situação fática.

A SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA HOSPITAL ALBERT EINSTEIN (HOSPITAL ALBERT EINSTEIN) ajuizou, na Justiça Federal, ação declaratória de nulidade de ato administrativo contra o INPI e THE HEBREW UNIVERSITY OF JERUSALEM, em virtude da anulação da marca mista “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins”, de sua titularidade, devidamente registrada pelo próprio INPI em 2007.

Segundo o INPI, o cancelamento teria sido requerido por THE HEBREW UNIVERSITY OF JERUSLALEM, detentora dos direitos autorais e de imagem legados por Albert Einstein, ao argumento de que não haveria consentimento para sua utilização.

Nesse contexto, THE HEBREW UNIVERSITY OF JERUSALEM afirmou deter os direitos sobre todo o legado imaterial deixado pelo notório e consagrado Dr. Albert Einstein e jamais ter consentido com o registro.

A SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA HOSPITAL ALBERT EINSTEIN, em réplica, afirmou que, quando do registro de sua marca “Albert Eisenstein” em 1989, teve o consentimento do herdeiro do cientista, Hans Albert Eisenstein, sendo desnecessária nova autorização para registro da marca “Unidade Diagnóstica Einstein Jardins”.

Instância Desfecho
1º Grau Julgou improcedente a pretensão.
Instância Desfecho
2º Grau Negou provimento ao recurso da SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA HOSPITAL ALBERT EINSTEIN.

Em recurso especial SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA HOSPITAL ALBERT EINSTEIN, pugnou pela reforma do Acórdão.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Negou provimento ao recurso.

4.2.            Análise Estratégica.

4.2.1.              Questão em debate.

Vejam só que caso emblemático! Pergunta-se: o prévio consentimento para utilização de determinado nome civil em marca dispensa nova autorização para sua utilização (do nome civil) em qualquer outra marca que vier a ser registrada pelo favorecido pelo anterior consentimento?

4.2.2.              É possível registrar uma marca utilizando um nome civil?

R: Em regra, não, salvo se o requerente do registro for autorizado pelo titular do nome civil, seus herdeiros ou sucessores:

Art. 124 da Lei nº 9.279/96. Não são registráveis como marca:

(…) XV – nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, SALVO COM CONSENTIMENTO DO TITULAR, HERDEIROS OU SUCESSORES;

4.2.3.              Caso o titular, herdeiros ou sucessores tenham fornecido autorização para utilização do nome civil em determinada marca, o requerente desse primeiro registro de marca pode registrar quaisquer outras marcas com utilização do mesmo nome civil, independentemente de nova autorização?

R: NÃO! Ainda que as marcas posteriores à primeira, cujo registro gozou de consentimento de titular, herdeiros ou sucessor, sejam requeridas pelo mesmo indivíduo, cada novo registro de marca exige novo consentimento EXPRESSO do titular do nome civil, seus herdeiros ou sucessores:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Ainda assim, diante da incontestável relevância do nome civil no sistema jurídico nacional, a utilização de uma faceta relativa ao instituto deve, necessariamente, ser consentida, de forma expressa e delimitada. (…) Insiste-se que cada marca, cada signo distintivo submetido a registro, por constituir objeto autônomo do direito marcário, deve preencher os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto ao consentimento para nova utilização do nome civil.” (STJ, REsp 1715806/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 20/08/2019, DJe 28/08/2019)

Aliás, em outro julgado, o Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE manifestou-se da mesma forma:

“(…) 2. Conquanto o nome civil se consista em direito de personalidade – absoluto, obrigatório, indisponível, exclusivo, imprescritível, inalienável, incessível, inexpropriável, irrenunciável e intransmissível -, a legislação nacional admite o destaque de parcela desse direito para fins de transação e disposição, tal qual se dá na sua registrabilidade enquanto marca, desde que autorizada de forma EXPRESSA E DELIMITADA. 3. A autorização de uso de nome civil ou assinatura mantém latente, na esfera jurídica do titular do direito de personalidade, o direito de defesa contra utilização que desborde os LIMITES DA AUTORIZAÇÃO ou ofenda a imagem ou a honra do indivíduo representado. 4. Autorizada a utilização APENAS na forma de assinatura – marca mista – não pode o autorizatário utilizá-la por qualquer outra forma – marca nominativa. (…).” (STJ, REsp 1532206/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 13/10/2015)

4.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Cada novo registro de signo distintivo como marca, ainda que de mesma titularidade, deve atender todos os requisitos de registrabilidade, inclusive quanto à autorização, expressa ou tácita, do titular do nome civil eventualmente utilizado.

4.4.            Gabarito.

Q1º. FALSO.

5.   Créditos titularizados por credor, concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio, estão ou não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, considerando a ausência de registro da avença em cartório?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial da compradora, independentemente de registro da avença em cartório (STJ, REsp 1725609/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

Tribunal de Origem: TJRS.

5.1.            Situação fática.

Apresentada lista de credores pelo administrador judicial da recuperanda DOCES SATURNO LTDA, a credora FITO TRANSPORTE LTDA apresentou impugnação à lista, afirmando que seu crédito oriundo de compra e venda com reserva de domínio não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial.

Instância Desfecho
1º Grau Rejeitou a impugnação de FITO TRANSPORTE LTDA à lista de credores, pois a cláusula com reserva de domínio não foi registrada.
Instância Desfecho
2º Grau Negou provimento ao agravo de instrumento interposto por FITO TRANSPORTE LTDA.

Em recurso especial, credora FITO TRANSPORTE LTDA pugnou pela reforma do Acórdão, defendendo existir violação ao art. 49, § 3º[5], da Lei nº 11.101/05.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Deu provimento ao recurso especial.

5.2.            Análise Estratégica.

5.2.1.              Questão em debate.

A questão em debate é definir se os créditos titularizados por credor, concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio, estão ou não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, considerando a ausência de registro da avença em cartório.

5.2.2.              O que é compra e venda com cláusula de reserva de domínio?

R: O contrato de compra e venda com cláusula de reserva de domínio é aquele em que o vendedor preserva a propriedade da coisa alienada consigo até que ocorra o pagamento integral do preço estipulado (arts. 521/528 CC).

Tal mecanismo funciona para o alienante (vendedor) como garantia do adimplemento total, pois a propriedade do bem somente é transferida para o comprador quando da ocorrência da quitação.

Por fim, ressalto que, apesar da inexistência de previsão legal, a venda com reserva de domínio pode ter como objeto bem imóvel também.

“Malgrado o campo de maior incidência da venda com reserva de do- mínio seja o de bens móveis infungíveis, inexiste qualquer norma que proíba a sua aplicação à venda de imóveis.” (Carlos Roberto Gonçalves)

5.2.3.              A cláusula de reserva de domínio deve ser registrada?

R: Sim, para valer contra terceiros, a cláusula de reserva de domínio deve ser registrada:

Art. 522 CC. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.”

“E onde eu registro isso?” Por meio de escritura pública em Cartório de Títulos e Documentos (art. 129, 5º, da Lei nº 6.015/73). Tratando-se de veículos, caberá a anotação do gravame (cláusula de reserva de domínio) no Certificado de Registro do Veículo (CRV).

5.2.4.              Os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial?

R: De acordo com o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/05, não:

Art. 49 da Lei nº 11.101/05. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(…) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”

Ou seja, os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio NÃO estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, mas há uma exceção para essa exceção, como se vê da parte final do dispositivo: “não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

CRÉDITOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – REGRA –
Art. 49, caput, da Lei nº 11.101/05. Estão sujeitos à recuperação judicial TODOS os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.”
CRÉDITOS CONCERNENTES A CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – EXCEÇÃO –
Tratando-se de credor titular da posição de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva (art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/05)
CRÉDITOS CONCERNENTES A CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO –
Não se permite, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º da Lei nº 11.101/05 (180 dias do deferimento da recuperação judicial), a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor-recuperando dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Nesse sentido:

“(…) 1. O credor titular da posição de proprietário fiduciário ou detentor de reserva de domínio de bens móveis ou imóveis não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 49, § 3º), ressalvados os casos em que os bens gravados por garantia de alienação fiduciária cumprem função essencial à atividade produtiva da sociedade recuperanda. Precedentes. 2. Agravo interno não provido.” (STJ, AgInt no AgInt no AgInt no CC 149.561/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/08/2018, DJe 24/08/2018)

E quem decide quais são esses bens essenciais? O Juízo da recuperação judicial:

“(…) 2. Ainda que se trate de créditos garantidos por alienação fiduciária, compete ao juízo da recuperação judicial decidir acerca da essencialidade de determinado bem para fins de aplicação da ressalva prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, na parte que não admite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial (CC 121.207/BA, Segunda Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 13.3.2017). (…).” (STJ, AgInt no CC 159.480/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 30/09/2019)

5.2.5.              Retornando ao precedente, questiono: se a cláusula de reserva de domínio não estiver registrada, aplica-se a exceção do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/05?

R: A princípio a Min. NANCY ANDRIGHI lembrou que não há no STJ precedente específico sobre a cláusula de reserva de domínio; porém, há um julgado anterior que dispensou o registro para exclusão de créditos cedidos fiduciariamente dos efeitos da recuperação judicial do devedor (STJ, REsp 1412529/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 02/03/2016), na linha do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/05.

Nesse contexto, observando o mesmo norte do precedente citado, a Min. NANCY ANDRIGHI reconheceu a desnecessidade de registro para garantir a exclusão dos créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio dos efeitos da recuperação judicial:

“[Trecho do corpo do acórdão:] De se ressaltar que, tanto no que concerne à cessão fiduciária de créditos como quanto à venda com reserva de domínio, o registro do contrato não é requisito constitutivo do negócio jurídico respectivo. Vale dizer, o registro tem mera função declaratória, conferindo ao pacto eficácia contra terceiros, conforme dispõem os arts. 129 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) e o art. 522, parte final, do Código Civil. Para os fins da norma do § 3º do art. 49 da LFRE, portanto, não se pode exigir que o contrato que contenha a cláusula de reserva de domínio seja registrado no cartório competente para, só então, ter seu objeto preservado dos efeitos da recuperação judicial da devedora. (…).” (STJ, REsp 1725609/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

5.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Os créditos concernentes a contrato de compra e venda com reserva de domínio estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial da compradora, salvo se registrada a avença em cartório.

5.4.            Gabarito.

Q1º. FALSO.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

6.   É cabível AR contra decisão transitada em julgado proferida em suspensão de liminar?

AÇÃO RESCISÓRIA (AR)

Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do STJ proferida em suspensão de liminar e de sentença, mesmo que transitada em julgado (STJ, AR 5857/MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 15/08/2019)

Tribunal de Origem: STJ.

6.1.            Situação fática.

ALFIE, delegado de polícia civil do ESTADO DO MARANHÃO, foi demitido após conclusão de um processo administrativo disciplinar (PAD). Inconformado, ajuizou demanda para anulação do procedimento, cuja liminar foi deferida com a recondução ao cargo.

O ESTADO DO MARANHÃO, por sua vez, deixou de agravar da decisão concessiva da tutela de urgência, mas apresentou pedido de suspensão de liminar no TJMA:

Instância Desfecho
2º Grau Rejeitou o pedido de suspensão de segurança.

O ESTADO DO MARANHÃO, então, apresentou novo pedido de suspensão de liminar no STJ, dirigido ao presidente do tribunal:

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Acolheu o pedido de suspensão de liminar, suspendendo os efeitos da decisão interlocutória concessiva da tutela de urgência.

Desnorteado, após o trânsito em julgado da decisão da suspensão de liminar, ALFIE propõe ação rescisória por entender que a decisium do presidente do STJ violou norma jurídica (art. 966, V, NCPC).

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Não conheceu a ação rescisória.

6.2.            Análise Estratégica.

6.2.1.              Questão em debate.

Pergunta: é cabível ação rescisória contra decisão transitada em julgado em pedido de suspensão de segurança?

“Mas eu nem sei o que é isso?” Vamos resolver esse problema!

6.2.2.              O que é o pedido de suspensão de liminar?

R: De acordo com LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA o pedido de suspensão de liminar, também conhecido como pedido de suspensão de segurança:

“(…) é conferido às pessoas jurídicas de direito público por leis extravagantes [art. 12, § 1º, da Lei nº 7.347/85, art. 4º da Lei nº 8.437/92, art. 16 da Lei nº 9.407/97, art. 15 da Lei nº 12.016/09] sempre que houver lesão a um dos interesses públicos relevantes. Assim, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, permite-se o ajuizamento de requerimento dirigido ao presidente do respectivo tribunal, a fim de que seja suspensa a execução ou o cumprimento da liminar. Objetiva-se, com o pedido de suspensão, sobrestar o cumprimento da liminar ou da ordem concedida, subtraindo seus efeitos, com o que se deso­ briga a Fazenda Pública do cumprimento da medida.” (Leonardo Carneiro da Cunha)

Há, inclusive, previsão expressa no RISTJ:

Art. 271 RISTJ. Poderá o Presidente do Tribunal, a requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada ou do Procurador-Geral da República, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. Igualmente, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, poderá o Presidente do Tribunal suspender, em despacho fundamentado, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes que for concedida ou mantida pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal, inclusive em tutela antecipada, bem como suspender a execução de sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, em processo de ação popular e em ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.”

6.2.3.              Quais hipóteses autorizam ajuizamento de ação rescisória?

R: As hipóteses que autorizam o manejo de ação rescisória estão previstas no art. 966 do NCPC:

Art. 966 NCPC. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I – se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II – for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;

III – resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV – ofender a coisa julgada;

V – violar manifestamente norma jurídica;

VI – for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;

VII – obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

VIII – for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.

§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça:

I – nova propositura da demanda; ou

II – admissibilidade do recurso correspondente.

§ 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.

§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.”

“Ah, mas a decisão do presidente do STJ no pedido de suspensão de segurança não foi meritória, visto que se limitou a analisar uma decisão concedida em tutela de urgência.”

6.2.4.              A ação rescisória pode ser ajuizada contra decisão que não analisa mérito?

R: Sim, conforme expressamente previsto no § 2º do art. 966 do NCPC, vide grifo acima. Aliás, quanto a isso, destacou o Min. MAURO CAMPBELL MARQUES:

“[Trecho do corpo do acórdão:] É verdade que os ajustes promovidos pelo novo conjunto de princípios processuais constitucionais possibilitaram a utilização da ação rescisória em hipóteses que não houve exame do mérito do processo em si considerado. São as hipóteses previstas no art. 966, § 2º, do CPC/2015. Isso não quer dizer mudança radical do sistema processual, mas sim que se destacou, de forma normativa, o norte da rescisória, qual seja: a indiscutibilidade das questões apresentadas.” (STJ, AR 5857/MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 15/08/2019)

Logo:

“(…) o que interessa para a rescindibilidade, portanto, é que por força da decisão rescindenda não se possa mais voltar a debater determinada questão.” (Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero)

“Opa, então ALFIE tinha razão!” Não!

6.2.5.              A decisão de suspensão de segurança torna indiscutível a questão nela analisada?

R: Não!

“[Trecho do corpo do acórdão:] Sem espaço para dúvidas, a decisão do Min. Presidente do STJ não tornou indiscutível o objeto meritório da própria ação ordinária, apesar de ter, como fim, evitar lesão à ordem pública e à ordem financeira (…). (…) De fato, os efeitos da decisão interlocutória do juízo de 1º grau estão suspensos, mas não necessariamente de forma permanente. (…) Isso porque o objeto na ação principal continua controvertido e não há decisão que tornou indiscutível e imutável alguma questão inerente à lide. De fato, com base no art. 4º, § 9º, da Lei n. 8.437/1992, a decisão rescindenda irá valer até o trânsito em julgado da ação principal. Apenas os efeitos da decisão interlocutória, de natureza provisória e satisfativa, estão suspensos. Nada impede que outros elementos surjam ou fatos venham ocorrer de modo a justificar medidas de natureza cautelar no processo principal.” (STJ, AR 5857/MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 15/08/2019)

Vejam o que dispõe o artigo referido pelo Min. MAURO CAMPBELL MARQUES:

Art. 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/92. A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.”

Portanto, não se trata de uma decisão indiscutível.

6.2.6.              Mas a decisão da suspensão de liminar transitou em julgado, né?

R: Sim, mas fez apensa coisa julgada formal, por não ter analisado o mérito da causa:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Logo, a controvérsia principal permanece eis que a sua extinção não foi determinada e porque o juízo exercido pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Assim, a decisão rescindenda não está fundamentada no art. 487 do CPC/2015. Apesar de ter transitado em julgado, não formou coisa julgada material nos termos dos arts. 502 e 503, ambos do CPC/2015, eis que não teve natureza exauriente.” (STJ, AR 5857/MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 15/08/2019)

Dessa forma, a decisão do Presidente do STJ que determina a suspensão dos efeitos da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, mesmo quando transitada em julgado, não se sujeita à ação rescisória, por: (I) não induzir coisa julgada material e (II) nem impedir a rediscussão do objeto controvertido na ação principal.

Na mesma linha, o Voto-Vista Min. BENEDITO GONÇALVES:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Como se denota, a decisão rescindenda, apesar de ter transitado em julgado, não formou coisa julgada material (arts. 502 e 503 do CPC/2015), ou seja, não teve natureza exauriente, haja vista que ‘não ultrapassou os limites normativos para a suspensão de liminar, isto é, circunscreveu-se à análise dos pressupostos do pedido, quais sejam, juízo mínimo de delibação sobre a natureza constitucional da matéria de fundo e existência de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde, à segurança e à economia públicas, nos termos do disposto no art. 297 do RISTF’ (AgRg na SL n. 846/PR, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe: 6/10/2015).” (STJ, AR 5857/MA, Voto-Vista, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 15/08/2019)

6.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Não é cabível ação rescisória contra decisão do Presidente do STJ proferida em Suspensão de Liminar e de Sentença, mesmo que transitada em julgado.

6.4.            Gabarito.

Q1º. VERDADEIRA.

6.5.            Bibliografia.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação Rescisória: Do Juízo Rescindente ao Juízo Rescisório. 1ª Ed. em E-Book, baseada na 1ª Ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

7.   Cabem medidas executórias atípicas pessoais em execução fiscal?

HABEAS CORPUS (HC)

Em execução fiscal não cabem medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir (STJ, HC 453870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019)

Tribunal de Origem: TJPR.

7.1.            Situação fática.

Em execução fiscal ajuizada pelo MUNICÍPIO DE FOZ DE IGUAÇU/PR contra JORGE, a municipalidade requereu, com base no art. 139, inciso IV[6], do NCPC, a aplicação das medidas executórias atípicas de suspensão da CNH e apreensão do passaporte do executado.

Instância Desfecho
1º Grau Rejeitou o pedido.

Em agravo de instrumento, o MUNICÍPIO DE FOZ DE IGUAÇU/PR requereu a aplicação das medidas executórias atípicas.

Instância Desfecho
2º Grau Deu provimento ao recurso para determinar a suspensão da CNH e apreensão do passaporte do executado.

Diante da decisão do TJPR, JORGE impetrou habeas corpus por entender violado seu direito de ir e vir.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Concedeu a ordem de habeas corpus para afastar as medidas executivas atípicas.

7.2.            Análise Estratégica.

7.2.1.              Questão em debate.

Pergunta-se: as medidas executórias atípicas previstas no inciso IV do art. 139 do NCPC aplicam-se às execuções fiscais?

Art. 139 NCPC. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”

R: De acordo com o STJ, a base legal das medidas executórias atípicas é o inciso IV do art. 139 do NCPC:

“(…) O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). (…).” (STJ, REsp 1788950/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019)

7.2.3.              Quais os fundamentos para determinação das medidas executórias atípicas?

R: De acordo com o Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA, os fundamentos das medidas executórias atípicas são:

(a) garantia da satisfação do crédito;

(b) “salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal”;

(c) frágil proteção no mercado de disponibilização de crédito.

7.2.4.              Por que as medidas executórias atípicas não têm espaço nas execuções fiscais?

R: Essas medidas constritivas situam-se na esfera do mercado de crédito, onde, em regra, a disponibilização de capital tem parca proteção:

“[Trecho do corpo do acórdão:] 8. De fato, essas medidas constrictivas situam-se na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. (…) 14. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando se contrasta com as medidas aflitivas pessoais atípicas. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito.” (STJ, HC 453870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019)

O crédito fiscal, por sua vez, já possui diversos “privilégios”, de modo que não se pode admitir, em execuções fiscais, a incidência de medidas executórias atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir; do contrário, haveria evidente excesso:

“[Trecho do corpo do acórdão:] 15. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui ex ante, a execução só é embargável mediante a garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 16. Não se esqueça, ademais, que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais – 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). 17. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos.” (STJ, HC 453870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019)

7.2.5.              O Pacto de São José da Costa Rica impede a medida executória atípica de suspensão da CNH?

R: De acordo com o Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA, sim, pois a CADH (Convenção Americana de Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica) garante ao cidadão o deslocamento em todo território nacional da forma que melhor lhe aprouver:

“[Trecho do corpo do acórdão:] 22. Registre-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 23. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir.” (STJ, HC 453870/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, por maioria, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019)

Logo, para o Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA (a maioria vencedora), a suspensão/apreensão da CNH representa risco à liberdade de ir e vir, o que permite a impetração de habeas corpus.

7.2.6.              Cabe habeas corpus para discutir decisão que determina apreensão de passaporte como medida executória atípica?

R: Sim, quanto à apreensão/retenção de passaporte, não há divergência, pois a Primeira Seção do STJ reconhece tal medida como restritiva ao direito de ir e vir (STJ, HC 453.870/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 15/08/2019; STJ, HC 478.963/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019), assim como a Segunda Seção do STJ (STJ, RHC 97.876/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018; STJ, RHC 97.876/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018).

7.2.7.              Placar final.

Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa Gurgel de Faria e Sérgio Kukina
A suspensão/apreensão da CNH representa risco à liberdade de locomoção do paciente. Logo, pode ser combatida por meio de impetração de habeas corpus. A suspensão/apreensão da CNH não representa risco potencial à liberdade de locomoção do paciente. Logo, não pode ser combatida por meio de impetração de habeas corpus.
03 02

Se analisarmos julgados também da Segunda Seção do STJ (STJ, RHC 99.606/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 20/11/2018; STJ, RHC 97.876/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018), temos outro placar:

Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa Gurgel de Faria, Sérgio Kukina, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro, Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Lázaro Guimarães
A suspensão/apreensão da CNH representa risco à liberdade de locomoção do paciente. Logo, pode ser combatida por meio de impetração de habeas corpus. A suspensão/apreensão da CNH não representa risco potencial à liberdade de locomoção do paciente. Logo, não pode ser combatida por meio de impetração de habeas corpus.
03 11

CUIDADO! Isso não significa que todos os ministros da 2ª coluna entendem adequada a medida de restrição/apreensão de CNH, apenas que reputam inadequado o manejo de habeas corpus para sua análise.

7.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Em execução fiscal cabem medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir.

7.4.            Gabarito.

Q1º. FALSA.

8.   O aluguel provisório, fixado em tutela de urgência em demanda revisional, pode ser incluído em execução já ajuizada?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Na execução de contrato locatício, é possível a inclusão dos aluguéis vencidos no curso do processo com base em valor fixado provisoriamente em anterior ação revisional (STJ, REsp 1714393/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

Tribunal de Origem: TJSP.

8.1.            Situação fática.

CLOTILDE, com seus 88 anos, fez um contrato de locação com PETROBRAS S/A, cujo termo inicial foi 1996 e o valor mensal era de R$500,00. Por volta de janeiro de 2000, a PETROBRAS S/A parou pagar os aluguéis e CLOTILDE ajuizou duas ações: (a) ação de execução do débito locatício e; (b) ação revisional.

A princípio, a execução compreendida 10 (dez) aluguéis, do período de janeiro a outubro de 2000, totalizando R$5.000,00. Ocorre que, no curso dessa execução, CLOTILDE obteve sua tutela de urgência na ação revisional, sendo o valor mensal reajustado, em caráter liminar, para R$10.000,00 (aluguel provisório).

CLOTILDE, então, requereu que o valor dos aluguéis vencidos e não pagos no curso da execução, ou seja, posteriores a outubro de 2000, fossem nela incluídos com o novo valor: R$10.000,00.

A PETROBRAS S/A embargou à execução, afirmando que a inclusão não seria permitida por retirar a liquidez do título executivo extrajudicial, notadamente por se tratar de valor fixado em caráter provisório (falta de certeza) e por já ter sido citada (art. 329, II[7], NCPC).

Instância Desfecho
1º Grau Acolheu os embargos à execução de PETROBRAS S/A.

Em recurso de apelação, CLOTILDE requereu a reforma da sentença com base no art. 323[8] do NCPC.

Instância Desfecho
2º Grau Deu provimento ao recurso para incluir o valor dos aluguéis vencidos no curso da execução, observando o patamar fixado na ação revisional.

Em recurso especial, PETROBRAS S/A pugnou pela reforma do Acórdão.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Negou provimento ao recurso.

8.2.            Análise Estratégica.

8.2.1.              Questão em debate.

O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de inclusão, na execução de débito locatício, dos aluguéis vencidos no curso do processo (e não pagos), com base no valor da locação provisoriamente (aluguel provisório) fixado em ação revisional.

8.2.2.              O aluguel provisório fixado na ação revisional é devido desde quando?

R: De acordo com os arts. 68, inciso II, e 69, da Lei nº 8.245/91, tanto o aluguel provisório quanto o definitivo são devidos desde a citação:

Art. 68 da Lei nº 8.245/91. Na ação revisional de aluguel, que terá o rito sumário, observar-se-á o seguinte:

II – ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: (…).”

Art. 69 da Lei nº 8.245/91. O aluguel fixado na sentença retroage à citação, e as diferenças devidas durante a ação de revisão, descontados os alugueres provisórios satisfeitos, serão pagas corrigidas, exigíveis a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel.”

Nessa linha, segundo a Min. NANCY ANDRIGHI:

“[Trecho do corpo do acórdão:] É dizer, uma vez arbitrado o valor do aluguel – seja o provisório e/ou o definitivo – revela-se o crédito do locador certo quanto à sua existência, líquido quanto ao seu valor, bem como exigível, desde a citação na ação revisional.” (STJ, REsp 1714393/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

8.2.3.              O aluguel provisório, fixado em tutela de urgência em demanda revisional, pode ser incluído em execução já ajuizada?

R: SIM! Isso porque o aluguel provisório, fixado em tutela de urgência, é devido desde a citação na ação revisional e não há que se falar em risco, pois, ao final, caso o aluguel definitivo seja arbitrado em valor inferior ao provisório, o próprio locatório poderá cobrar a diferença nos próprios autos.

“[Trecho do corpo do acórdão:] Com efeito, a interpretação dada ao art. 69 da Lei 8.245/91 não pode se tal que prejudique o direito do locador de receber, desde logo, os aluguéis que lhe são devidos, condicionando o seu exercício ao trânsito em julgado da ação revisional. Em primeiro lugar, porque, nos termos do art. 58 da Lei 8.245/91, o recurso de apelação interposto contra a sentença proferida na ação revisional de aluguel deve ser recebido apenas no efeito devolutivo. Em segundo lugar, porque as diferenças às quais alude o art. 69 da mesma lei dizem respeito ao quanto o valor do aluguel provisório, cobrado antecipadamente, é maior ou menor que o valor do aluguel definitivamente arbitrado, resultando essa operação matemática de subtração em um crédito para o locador, se este for maior que aquele, ou para o locatário, na hipótese contrária. Logo, é esse crédito – resultado da diferença entre o que foi efetivamente pago pelo locatário e o que realmente era devido por ele – que a lei diz ser exigível a partir do trânsito em julgado da ação revisional.” (STJ, REsp 1714393/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

8.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. O aluguel provisório, fixado em tutela de urgência em demanda revisional, pode ser incluído em execução já ajuizada.

8.4.            Gabarito.

Q1º. VERDADEIRA.

9.   Deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação (STJ, REsp 1750079/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

Tribunal de Origem: TJSP.

9.1.            Situação fática.

No trâmite de ação anulatória ajuizada por SINDICATO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS e OUTROS foi proferida decisão interlocutória limitando o polo ativo. Inconformada, SINDICATO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS interpôs agravo de instrumento contra a referida decisão interlocutória.

Instância Desfecho
2º Grau Não conheceu do recurso de agravo de instrumento.

Em recurso especial, SINDICATO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS pugnou pela anulação do acórdão e conhecimento do recurso de agravo de instrumento.

Ocorre que, no trâmite do recurso especial, a ação anulatória ajuizada por SINDICATO DOS TRANSPORTADORES AUTÔNOMOS foi extinta sem resolução de mérito, NÃO tendo sido interposto recurso de apelação contra essa sentença de extinção, que, por conseguinte, transitou em julgado.

Instância Desfecho
1º Grau Julgo extinta a ação sem resolução de mérito.

Ato contínuo, ciente da informação de extinção da demanda anulatória, o STJ:

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Não conheceu do recurso especial.

9.2.            Análise Estratégica.

9.2.1.              Questão em debate.

O propósito recursal consiste em definir se deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação.

Ou seja, há perda superveniente do objeto em virtude de, após a interposição do agravo de instrumento na origem, ter sobrevindo sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação?

9.2.2.              Deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação?

R: NÃO! Não deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação.

De acordo com a Min. NANCY ANDRIGHI, a ausência de impugnação à sentença proferida e, consequentemente, a formação da coisa julgada, ainda que meramente formal, é óbice intransponível ao conhecimento do agravo de instrumento e de seu subsequente recurso especial:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Respeitados os eventuais posicionamentos em sentido contrário, a ausência de impugnação à sentença proferida e, consequentemente, a formação da coisa julgada, ainda que meramente formal, é óbice intransponível ao conhecimento do agravo de instrumento e de seu subsequente recurso especial. Com efeito, a ausência de interposição do recurso de apelação, ainda que versando sobre matéria bastante próxima àquela inserida em anterior decisão interlocutória, era condição sine qua non para que se pudesse proceder ao exame do agravo de instrumento e do sucessivo recurso especial, na medida em que é imprescindível que o processo ainda esteja em curso para que os recursos dele originados venham a ser examinados. (…).” (STJ, REsp 1750079/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

Cuidado! Não se trata de posição pacífica, tendo a Min. NANCY ANDRIGHI, como sempre, feito aprofundado trabalho para apresentar as correntes sobre o tema:

POSIÇÃO ANTIGA DO STJ, NELSON NERY JR. e FREDIE DIDIER POSIÇÃO RECENTE DO STJ e JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA
Uma vez interposto agravo de instrumento, a sentença a ser proferida na demanda fica condicionada ao desprovimento desse recurso no concernente às questões jurídicas nele ventiladas. Nada obstante a interposição de agravo de instrumento, a sentença a ser proferida na demanda não fica condicionada ao desprovimento do recurso. Ademais, há perda superveniente do objeto em virtude de, após a interposição do agravo de instrumento na origem, ter sobrevindo sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação.
STJ, REsp 182.562/RJ, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/04/1999, DJ 01/07/1999, p. 127; STJ, REsp 141.165/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/04/2000, DJ 01/08/2000, p. 258. STJ, REsp 1.750.079/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019.

9.3.            Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Deve ser conhecido o recurso especial tirado de agravo de instrumento ainda quando sobrevém sentença de extinção do processo sem resolução de mérito que não foi objeto de apelação.

9.4.            Gabarito.

Q1º. FALSA.

10.      Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido (STJ, REsp 1757123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

Tribunal de Origem: TJSP.

10.1.        Situação fática.

TITE ajuizou ação de exigir contas contra KEVIN. EM contestação, KEVIN, preliminarmente, arguiu a impossibilidade jurídica do pedido.

Instância Desfecho
1º Grau Rejeitou a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

Em agravo de instrumento, KEVIN voltou a sustentar a impossibilidade jurídica do pedido.

Instância Desfecho
2º Grau Não conheceu do recurso de agravo de instrumento por não existir, no rol do art. 1.015 do NCPC, previsão de interposição desse recurso contra decisão que rejeita preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

Em recurso especial, KEVIN pugnou pela anulação do acórdão com o conhecimento do recurso de agravo de instrumento.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Deu provimento ao recurso para anular o acórdão e determinar o conhecimento do agravo de instrumento.

10.2.        Análise Estratégica.

10.2.1.           Questão em debate.

O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, inciso II, do NCPC, contra a decisão interlocutória que afasta (ou acolhe) a arguição de impossibilidade jurídica do pedido.

Art. 1.015 NCPC. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

II – mérito do processo;”

Pessoal, cuidado! Não se discute aqui o cabimento do recurso de agravo de instrumento a partir do entendimento da taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do NCPC, firmado no REsp nº 1704520/MT (julgado em 05/12/2018), mas sim a abrangência e o exato conteúdo do art. 1.015, inciso II, do NCPC.

10.2.2.           Quando se pode falar em impossibilidade jurídica do pedido?

R: Há impossibilidade jurídica do pedido quando há expressa proibição legal do pedido formulado:

“(…) Segundo entendimento jurisprudencial e doutrinário, a impossibilidade jurídica do pedido é de ser reconhecida apenas quando há expressa proibição do pedido no ordenamento jurídico.” (STJ, AgRg no REsp 853.234/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 19/12/2008)

10.2.3.           Galera, impossibilidade jurídica do pedido é condição da ação ou questão de mérito?

R: “Ah, Lucas, decorei na facu! É condição da ação junto a interesse processual e legitimidade!” Então, não. Trata-se de questão de mérito…”Quê!?” Vamos lá.

CPC/73 NCPC
Art. 267 CPC/73. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (…) Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;” Art. 485 NCPC. O juiz não resolverá o mérito quando: (…) VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;”

Então, cadê a “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação? Caro(a), como destacado pela Min. NANCY ANDRIGHI, a inclusão da “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação decorre da adoção por ALFREDO BUZAID, um dos elaboradores do CPC/73, da teoria eclética de LIEBMAN, que a previa como tal. Contudo, o próprio LIEBMAN superou esse entendimento, excluindo a “possibilidade jurídica do pedido” do rol das condições da ação:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Como é cediço, a inserção, no CPC/73, da possibilidade jurídica do pedido na categoria das condições da ação decorre da adoção, por Alfredo Buzaid, da teoria eclética da ação desenvolvida por Enrico Tullio Liebman e que se fundava, essencialmente, em apenas uma situação exemplificativa: o ajuizamento da ação de divórcio, ao tempo proibido na Itália. Ocorre que, como detalhadamente noticia a doutrina, Liebman, já na terceira edição de seu clássico Manual de Direito Processual Civil (publicado no ano em que foi aprovado o CPC/73), abandonou a possibilidade jurídica do pedido como uma terceira condição da ação, o que se deve, justamente, ao fato de ter sido aprovada a Lei nº 898 de 1970, que passou a permitir o divórcio na Itália, fazendo com que, na doutrina de Liebman, a possibilidade jurídica do pedido passasse a ser classificada, a partir daquele momento, conjuntamente com o interesse de agir. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 11ª edição. Bahia: JusPodivm, 2009. p. 201). Conclui-se, assim, que a possibilidade jurídica do pedido como terceira condição da ação foi obra exclusiva do legislador do CPC/73 (que decorria, em especial, do art. 267, VI) e que sofreu, desde a sua entrada em vigor, contundentes críticas da doutrina que, àquela época, já qualificava a possibilidade jurídica do pedido como uma QUESTÃO DE MÉRITO.” (STJ, REsp 1757123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

“Tá, mas qual foi o posicionamento do NCPC?” Embora não esteja expresso nos seus dispositivos, na exposição de motivos do NCPC consta a posição de que a “possibilidade jurídica do pedido” é uma questão de mérito, e não mais condição da ação:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Nesse sentido, anote-se que a requalificação da possibilidade jurídica do pedido, de uma condição da ação para uma questão de mérito, consta expressamente da Exposição de Motivos do CPC/15: ‘Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia’.” (STJ, REsp 1757123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

Aliás, outro não foi o entendimento do STJ em recente precedente:

“(…) No regime do CPC de 2015, em que as condições da ação não mais configuram categoria processual autônoma, diversa dos pressupostos processuais e do mérito, a possibilidade jurídica do pedido deixou de ser questão relativa à admissibilidade e passou a ser mérito. (…).” (STJ, AR 3.667/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 23/05/2016)

10.2.4.           Logo, questiona-se: cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido?

R: Sim, pois o inciso II do art. 1.015 do NCPC afirma que cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre mérito do processo e – como vimos acima – a possibilidade jurídica do pedido é, sim, questão de mérito.

“[Trecho do corpo do acórdão:] A conclusão, pois, é de que a possibilidade jurídica do pedido compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, razão pela qual a decisão interlocutória que versar sobre esse tema, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, em verdade, versará sobre uma parte do mérito que se cristalizará após o julgamento.” (STJ, REsp 1757123/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019)

10.3.        Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Cabe agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que acolhe ou afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido, embora se tratasse de condição da ação no CPC/73.

10.4.        Gabarito.

Q1º. VERDADEIRA.

11.      A genitora do alimentando pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

A genitora do alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado (STJ, REsp 1771258/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019)

Tribunal de Origem: TJSP.

DIVERGÊNCIA ENTRE TURMAS

11.1.        Situação fática.

AUGUSTO, representado por sua genitora FERNANDA (art. 71[9] NCPC), ajuizou em janeiro de 2015, ação de execução de alimentos contra seu pai, RENAN, pelo inadimplemento da pensão mensal no período de julho a dezembro de 2014.

Contudo, no curso da demanda, em março de 2015, RENAN obteve a guarda unilateral de AUGUSTO, que passou a residir consigo.

Por conta desse fato superveniente, RENAN opôs exceção de pré-executividade, afirmando que a genitora, FERNANDA, não tinha legitimidade para continuar a execução em nome próprio.

Instância Desfecho
1º Grau Rejeitou a exceção de pré-executividade.

Em agravo de instrumento, RENAN manteve o pedido de extinção da demanda por falta de legitimidade.

Instância Desfecho
2º Grau Deu provimento ao recurso para extinguir a ação de execução por falta de legitimidade.

Inconformada, FERNANDA interpôs recurso especial, pugnando pelo prosseguimento da execução de alimentos em seu benefício.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Negou provimento ao recurso.

11.2.        Análise Estratégica.

11.2.1.           Questão em debate.

A controvérsia instaurada centra-se em saber se a genitora do alimentando pode prosseguir, em nome próprio, com a ação de execução de alimentos, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, mesmo após a transferência da titularidade da guarda do menor ao genitor-executado.

11.2.2.           Qual a natureza dos alimentos?

R: De acordo com o Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, os alimentos têm natureza personalíssima, integrando o patrimônio moral do alimentando, independentemente de serem classificados como atuais, pretéritos, vencidos ou vincendos:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Com efeito, entendimento diverso, permissa venia, se afastaria, a um só tempo, da natureza jurídica do direito aos alimentos, com destaque para o seu caráter personalíssimo — viés que não se altera, independentemente de os alimentos serem classificados como atuais, pretéritos, vencidos ou vincendos, e do qual decorre a própria intransmissibilidade do direito em questão —, bem como de sua finalidade precípua, consistente em conferir àquele que os recebe a própria subsistência, como corolário do princípio da dignidade humana. (…) Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual e, mesmo, à sua subsistência. Note-se, assim, que os alimentos, concebidos como direito da personalidade, integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. (…) E, por se tratar de um direito da personalidade, o direito aos alimentos assume nítido viés personalíssimo, pois se destina a assegurar a subsistência da pessoa do alimentando, unicamente, em todos os seus aspectos (integridade física, psíquica e intelectual), como corolário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade que deve permear as relações familiares, a partir das específicas particularidades da pessoa do credor de alimentos e do alimentante, conforme as necessidades do primeiro e a possibilidade do segundo.” (STJ, REsp 1771258/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019)

11.2.3.           O direito aos alimentos pode ser transmitido a terceiros?

R: Em razão de seu caráter personalíssimo, o direito aos alimentos não pode ser transmitido a terceiros, óbice previsto no próprio Código Civil (art. 1.707 CC).

“[Trecho do corpo do acórdão:] Por sua vez, do viés personalíssimo do direito aos alimentos, destinado a assegurar a existência do alimentário — e de ninguém mais —, decorre a absoluta inviabilidade de se transmiti-lo a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. (…) A corroborar a compreensão ora adotada, não se pode deixar de reconhecer que a intransmissibilidade do direito aos alimentos, como consectário de seu viés personalíssimo, amplamente difundido na doutrina nacional, tem respaldo no Código Civil que, no art. 1.707, dispõe: ‘pode o credor [de alimentos] não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora’.” (STJ, REsp 1771258/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019)

11.2.4.           Já que os alimentos são personalíssimos e intransmissíveis, pode a genitora dar continuidade à ação de execução após perder a guarda do alimentando?

R: Não! Ora, os alimentos têm destinatário certo, o alimentando. Por conseguinte, ainda que já vencidos, aceita a possibilidade de serem recebidos, em ação de execução, pela genitora que não mais possui a guarda do alimentando representa violação ao seu caráter personalíssimo e intransmissível.

“[Trecho do corpo do acórdão:] Nessa linha de entendimento, é de se concluir que, uma vez extinta a obrigação alimentar pela exoneração do alimentante, como se dá in casu, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução de alimentos (vencidos), em nome próprio, pois não há que se falar em sub-rogação, diante do caráter personalíssimo do direito discutido.” (STJ, REsp 1771258/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019)

E, mais, tratando-se de direito do alimentando, não poderia a genitora dar continuidade à ação de execução de alimentos, pois estaria demandando direito alheio em nome próprio a partir da alteração da guarda:

Art. 18 NCPC. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.”

11.2.5.           Tá, mas aí vamos ficar com esse enriquecimento sem causa do alimentante-executado?

R: Pessoal, certamente, no período de inadimplência, a própria genitora arcou com os valores que deveriam ser pagos pelo genitor-executado. Por conta disso, para evitar enriquecimento sem causa, o STJ destacou que a mãe pode ingressar com ação de cobrança, em nome próprio, com base no art. 871 do CC:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Com efeito, para o propósito perseguido — de evitar que o alimentante, a despeito de inadimplente, se beneficie com a extinção da obrigação alimentar — deve-se reconhecer viável o exercício eventual da pretensão da genitora, em nome próprio, de obter o ressarcimento pelos gastos despendidos no cuidado do alimentando que eram da obrigação do alimentante, a fim de evitar o enriquecimento sem causa deste. (…) Já em relação à garantia de reembolso daquele que arca sozinho com as despesas do alimentando, em razão da inadimplência do devedor de alimentos, o Código Civil estabelece, em seu art. 871, o seguinte: ‘Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato’. Dessa maneira, conclui-se que a via adequada para se buscar o ressarcimento dos valores custeados integralmente pela genitora do menor, tendo em vista a inadimplência do alimentante, é por meio de ação própria, nos termos do referido art. 871 do CC, e não no bojo da execução de alimentos.” (STJ, REsp 1771258/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019)

No mesmo sentido:

“(…) 2- A genitora que, no inadimplemento do pai, custeia as obrigações alimentares a ele atribuídas, tem direito a ser ressarcida pelas despesas efetuadas e que foram revertidas em favor do menor, não se admitindo, todavia, a sub-rogação da genitora nos direitos do alimentado nos autos da execução de alimentos, diante do caráter personalíssimo que é inerente aos alimentos. Inaplicabilidade do art. 346 do Código Civil. 3- A ação própria para buscar o ressarcimento das despesas efetivadas durante o período de inadimplemento do responsável pela prestação dos alimentos se justifica pela inexistência de sub-rogação legal, pela necessidade de apuração, em cognição exauriente, das despesas efetivamente revertidas em favor do menor e, ainda, pela existência de regra jurídica que melhor se amolda à hipótese em exame. Incidência do art. 871 do Código Civil. Precedentes. 4- Recurso especial provido.” (STJ, REsp 1658165/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017)

11.2.6.           Cuidado! Divergência entre Turmas.

Pessoal, cuidado com a divergência dentro do próprio STJ a respeito do tema:

A genitora do alimentando pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado?
TERCEIRA TURMA QUARTA TURMA
NÃO SIM
“A genitora do alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado.” (STJ, REsp 1771258/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019) “(…) A mudança da guarda das alimentandas em favor do genitor no curso da execução de alimentos, não tem o condão de extinguir a ação de execução envolvendo débito alimentar referente ao período em que a guarda judicial era da genitora, vez que tal débito permanece inalterado. (…).” (STJ, REsp 1410815/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 23/09/2016)

11.3.        Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. O direito aos alimentos pode ser transmitido caso ocorra alteração da guarda no curso da ação de execução, para que não ocorra enriquecimento ilícito do alimentante-executado.

11.4.        Gabarito.

Q1º. FALSA.

12.      Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio (STJ, REsp 1789667/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 13/08/2019, DJe 22/08/2019)

Tribunal de Origem: TJRJ.

12.1.        Situação fática.

Em 2001, em demanda de divórcio c/c alimentos, DAVID e SHEILA firmaram acordo em audiência na qual DAVID se comprometeu a pagar à SHEILA, a partir daquela a data, o plano de saúde e alimentos pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, além de R$3.000,00 (três mil reais) mensais.

Ocorre que, expirado o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, DAVID continuou pagando a pensão até maio de 2017.

Inconformada com a cessação dos pagamentos, SHEILA, em agosto de 2017, ingressou com ação de execução de alimentos contra DAVID pelo inadimplemento da pensão de maio a julho de 2017.

Em embargos à execução, DAVID afirmou não existir determinação judicial pelo pagamento, defendendo, ademais, que o pagamento após o término do prazo de 24 (vinte e quatro) meses se deu por liberalidade.

Instância Desfecho
1º Grau Acolheu os embargos e extinguiu a execução.

Em recurso de apelação, SHEILA afirmou que o dever de continuar prestando alimentos estaria calcado no princípio da boa-fé objetiva.

Instância Desfecho
2º Grau Deu provimento ao recurso para prosseguimento da execução dos alimentos.

Em recurso especial, DAVID pugnou pela reforma do Acórdão.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Deu provimento ao recurso para extinguir a execução.

12.2.        Análise Estratégica.

12.2.1.           Questão em debate.

Cinge-se a controvérsia a definir se há possibilidade de uma obrigação alimentar já extinta pelo decurso do prazo fixado em acordo homologado em juízo, porém supostamente mantida por mera liberalidade do alimentante, ensejar o dever jurídico de assunção perene da dívida em virtude da boa-fé objetiva e da ideia de confiança que consubstanciaria a surrectio, fenômeno jurídico que admite a perpetuação de um direito decorrente do seu exercício por um longo período de tempo.

12.2.2.           O que se entende por surrectio?

R: Surrectio é o surgimento de uma expectativa ou de um direito, em razão da supressio. “Nossa tão esclarecedor”. Melhor deixar para doutrina então:

SUPPRESSIO e SURRECTIO são faces de uma mesma moeda, consistindo, para um contratante, na inadmissibilidade do exercício (Verwirkung) de certo direito, e para o outro, no surgimento (Erwirkung) de uma expectativa, por vezes de um direito mesmo. SUPPRESSIO é a perda ou supressão de certo direito ou faculdade, pelo seu não exercício no tempo, gerando na parte contrária a expectativa de que não venha a ser exercido. SURRECTIO, inversamente, é o surgimento de uma expectativa ou de um direito, em razão da própria SUPPRESSIO. Em outras palavras, a SUPPRESSIO gera a SURRECTIO. Elemento essencial a ambas é a relação de confiança entre as partes, que leva uma delas a acreditar (confiar) que a outra não mais exercerá seu direito.” (Cezar Fiuza)

“Pois bem, diante dessas considerações, é possível dizer que SUPRESSIO é o fenômeno da perda/supressão de determinada faculdade jurídica pelo decurso do tempo, ao revés da SURRECTIO que se refere ao fenômeno inverso, isto é, o surgimento de uma situação de vantagem para alguém em razão do não exercício por outrem de um determinado direito, cerceada a possibilidade de vir a exercê-lo posteriormente.” (Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald)

Cuidado para não confundir a surrectio com seus outros “amigos”!

SUPRESSIO SURRECTIO NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM DECADÊNCIA
É a perda ou supressão de certo direito ou faculdade, pelo seu não exercício no tempo, gerando na parte contrária a expectativa de que o direito ou faculdade não venha a ser exercido. É o surgimento de uma expectativa ou de um direito, em razão da própria surrectio. “(…) ninguém pode, pura e simplesmente, inverter sua conduta. Se alguém firma certa conduta, não pode, posteriormente, alterá-la ao inverso, sob pena de atentar contra os princípios da confiança e da boa-fé objetiva ou boa-fé conduta. Segundo esses princípios, cada uma das partes contratantes tem mais do que o direito de exigir conduta honesta da outra; cada uma delas tem o direito de esperar, de pressupor conduta honesta da outra. Se um dos contratantes age contrariamente à conduta por que vinha se pautando, atentará contra a confiança que o outro contratante tinha o direito de nele depositar. Em outras palavras, o que se proíbe é o comportamento incoerente, é a mudança inesperada de comportamento.” (Cezar Fiuza) “Dessa noção conceitual, é possível retirar os elementos essenciais (caracterizadores) para a proibição de comportamento contraditório: uma conduta inicial; s legítima confiança despertada por conta dessa conduta inicial; um comportamento contraditório em relação à conduta inicial; um prejuízo, concreto ou potencial, decorrente da contradição.” (Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald) É a perda de um direito potestativo pelo seu não exercício no prazo legal.
BASE Princípio da boa-fé e da confiança BASE Princípio da boa-fé e da confiança BASE Princípio da boa-fé e da confiança BASE Lei

12.2.3.           A surrectio pode ser aplicada ao caso para conferir à ex-cônjuge direito perene ao recebimento de alimentos que, até então, eram pagos a título de liberalidade?

R: De acordo com o Min. RICARDO VILAS BÔAS CUEVA, não, pois: (a) o instituto da surrectio tem como regra aplicação na seara contratual, e não no Direito de Família; (b) a boa intenção/solidariedade do alimentante não pode ser interpretada em seu desfavor; (c) há que prevalecer a autonomia da vontade ante a espontânea solidariedade do alimentante; (d) não há falar em ilicitude na conduta do alimentante por inexistência de previsibilidade de pagamento eterno dos alimentos, especialmente porque ausente relação obrigacional.

“[Trecho do corpo do acórdão:] “Tal instituto costuma balizar a interpretação na esfera contratual, bem como os deveres anexos à obrigação principal, em um contexto normalmente diverso do Direito de Família, que se rege por princípios autônomos àqueles aplicáveis, como regra, aos negócios jurídicos de modo geral. (…) A boa intenção do recorrente perante a ex-mulher não pode ser interpretada a seu desfavor. Há que prevalecer a autonomia da vontade ante a espontânea solidariedade em análise, cujos motivos são de ordem pessoal e íntima, e, portanto, refogem do papel do Judiciário, que deve se imiscuir sempre com cautela, intervindo o mínimo possível na seara familiar. Assim, ausente o mencionado exercício anormal ou irregular de direito. A liberalidade em questão não ensejou direito subjetivo algum, pois a própria beneficiária já tinha ciência de que o direito pleiteado era inexistente. (…) Não há falar em ilicitude na conduta do recorrente por inexistência de previsibilidade de pagamento eterno dos alimentos, especialmente porque ausente relação obrigacional. A boa-fé do recorrente não pode, nesse momento, ser-lhe prejudicial. Portanto, a teoria do abuso de direito não se aplica no caso concreto, em que a assistência foi humanitária e, perceptivelmente, provisória. (…) Entender em sentido diverso, salvo melhor juízo, desencorajaria a solidariedade entre ex-cônjuges, que já não fazem parte do mesmo núcleo familiar, o que não é razoável no âmbito do Direito de Família.” (STJ, REsp 1789667/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 13/08/2019, DJe 22/08/2019)

12.2.4.           Placar final.

RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, MARCO AURÉLIO BELLIZZE e MOURA RIBEIRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO e NANCY ANDRIGHI
Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio. Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio.
3 2

12.2.5.           Trechos relevantes dos votos divergentes publicados.

Ministro(a) Posição
PAULO DE TARSO SANSEVERINO “Ressalto, assim, que a surrectio, em questões como a presente, pode ser fonte de obrigações. O seu reconhecimento não estará fundado apenas na reiteração do comportamento por parte do devedor de alimentos, no caso, a realização do pagamento da pensão após o prazo originalmente acertado, mas, também, na geração de uma expectativa legítima por parte da credora e, especialmente, na especial condição vivida pela necessitada dos alimentos, adentrando-se, especialmente, na seara da solidariedade que decorre da relação por eles compartilhada. A doutrina civilista, tratando da surrectio, de modo muito claro, destaca ser ela fonte de obrigações hauridas na boa-fé, decorrente do modo como se desenvolvera a relação contratual, analisada fática e socialmente. Estas obrigações, que não estariam na base contratual celebrada pela partes, ainda assim, as submete.”

12.3.        Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Obrigação alimentar extinta, mas mantida por longo período de tempo por mera liberalidade do alimentante não pode ser perpetuada com fundamento no instituto da surrectio.

12.4.        Gabarito.

Q1º. VERDADEIRA.

12.5.        Bibliografia.

FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. Salvador: Juspodivm, 2018.

FIUZA, Cesar. Direito Civil – Curso Completo, 2ª ed. em e-book, Cap. IX, Ed. RT, 2016, item 7.2.2.

13.      A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

Tribunal de Origem: TJRJ.

13.1.        Situação fática.

Em 2ª fase de ação de exigir contas, ajuizada por INNOVA COMÉRCIO IMPORTAÇÃO LTDA em face de FRANCISCO, o Juízo de 1º Grau:

Instância Desfecho
1º Grau Deferiu a produção de prova pericial contábil para a apuração do valor devido, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes técnicos.

Inconformado com a decisão interlocutória, FRANCISCO interpôs agravo de instrumento.

Instância Desfecho
2º Grau Não conheceu do recurso de agravo de instrumento.

Em recurso especial, FRANCISCO pugnou pela anulação do acórdão para que seu agravo de instrumento fosse conhecido, afirmando que a 2ª fase da ação de exigir contas se cuida de liquidação ou cumprimento de sentença, sendo qualquer decisão interlocutória sujeita a agravo de instrumento, na linha do art. 1.015, parágrafo único, NCPC.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Negou provimento ao recurso.

13.2.        Análise Estratégica.

13.2.1.           Questão em debate.

O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que, na 2ª fase da ação de exigir contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e defere prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, parágrafo único, do NCPC.

Art. 1.015, parágrafo único, NCPC. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”

Ou seja, em recurso especial, o recorrente defende que a natureza da 2ª fase da ação de exigir contas é de liquidação de sentença ou cumprimento de sentença, de modo que, nos termos do parágrafo único do art. 1.015 do NCPC, qualquer decisão nela proferida seria recorrível por meio de agravo de instrumento.

“[Trecho do corpo do acórdão:] Superada a questão, verifica-se que a tese deduzida no recurso especial é de que, superada a primeira fase da ação de prestação de contas, todas as atividades desenvolvidas subsequentemente possuiriam natureza de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, razão pela qual a decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, seria imediatamente recorrível por agravo de instrumento em razão do art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15.” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

13.2.2.           Como funciona o rito da ação de prestação de contas?

R: Nos termos dos arts. 550/553 do NCPC, o STJ já pontuou que:

“[Trecho do corpo do acórdão:] A ação de prestação de contas é de rito especial e possui estrutura procedimental diferenciada que, a depender das condutas das partes, pode se desdobrar em um procedimento bifásico, em que: (i) a primeira fase visa discutir essencialmente a existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas; (ii) a segunda fase busca a efetiva prestação das contas, levando-se em consideração as receitas, as despesas e o saldo.” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

13.2.3.           Pois bem, qual a natureza jurídica da 2ª fase da ação de exigir contas?

R: A atividade jurisdicional que se desenvolve na 2ª fase da ação de exigir contas não é de liquidação ou de cumprimento de sentença, mas, sim, de cognição própria da fase de conhecimento, em que há o acertamento da relação jurídica de direito material que vincula as partes.

“Será mesmo?” Sim, vejam os argumentos da Min. NANCY ANDRIGHI:

(a) há expressão determinação legal para observância das regras do procedimento comum do processo de conhecimento:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Com efeito, anote-se inicialmente que o art. 550, §2º, afirma que “prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro”. Para melhor referência, relembre-se que o Título I do Livro I trata justamente de procedimento comum no processo de conhecimento e o capítulo X, por sua vez, trata justamente do julgamento conforme o estado do processo na fase de conhecimento do procedimento comum. Daí porque, de igual modo, diz o art. 550, §4º, que “se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355”, que versa sobre o julgamento antecipado de mérito na fase de conhecimento do procedimento comum.” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

(b) assim como a 1ª fase, a 2ª fase encerra-se por sentença.

“[Trecho do corpo do acórdão:] Corrobora a natureza cognitiva da primeira e da segunda fase da ação de exigir contas, ademais, o conteúdo do art. 552, que aprimorando a redação do art. 918 do CPC/73, dispõe que ‘a sentença apurará o saldo e constituirá título executivo judicial’.” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

“Tá, mas não tem fase de cumprimento então?” Opa, tem sim! A fase de cumprimento da sentença na ação de exigir contas apenas se iniciará após a prolação de sentença condenatória que porventura vier a ser proferida na 2ª fase.

“[Trecho do corpo do acórdão:] Conclui-se, portanto, que a fase de cumprimento da sentença na ação de prestação de contas apenas se iniciará após a prolação da sentença condenatória que porventura vier a ser proferida na segunda fase do referido procedimento especial.” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

13.2.4.           A partir dessa premissa, pergunta-se: a decisão interlocutória que, na 2ª fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento?

R: A princípio, não, pois a 2ª fase da ação de exigir contas não tem natureza jurídica de liquidação nem de cumprimento de sentença, não sendo aplicável, portanto, o parágrafo único do art. 1.015 do NCPC:

“[Trecho do corpo do acórdão:] (…) a decisão interlocutória que, na segunda fase da referida ação, deferiu a produção de prova pericial contábil, nomeou perito e deferiu prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, não se submete ao regime recursal diferenciado que o legislador estabeleceu para as fases de liquidação e cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/15), mas, ao revés, ao regime recursal aplicável à fase de conhecimento (art. 1.015, caput e incisos, CPC/15).” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

“Lucas, por que o ‘a princípio’ no começo da resposta?” Ah, a Min. NANCY ANDRIGHI foi categórica quanto à impossibilidade de aplicação do parágrafo único do art. 1.015 do NCPC à 2ª fase da ação de exigir contas; contudo, lembrou, ao final, da tese da taxatividade mitigada do caput e incisos do art. 1.015 do NCPC?

“[Trecho do corpo do acórdão:] (…) ademais, não se trata de hipótese em que se possa aplicar a aplicação da tese da taxatividade mitigada, pois a decisão interlocutória impugnada foi publicada em 11/06/2018, ou seja, anteriormente a publicação do acórdão que fixou a tese e modulou os seus efeitos.” (STJ, REsp 1821793/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 22/08/2019)

“Tá, mas o que isso quer dizer?” Não se sabe ainda (rssss). Porém, o STJ deixou em aberto a (im)possibilidade de interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória referida (que defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes), caso fosse analisada a situação frente à tese da taxatividade mitigada do caput e incisos do art. 1.015 do NCPC.

Lembra dela? De acordo com a tese da taxatividade mitigada, admite-se a interposição de agravo de instrumento sempre que verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão em posterior recurso de apelação (STJ, REsp 1704520/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018).

13.3.        Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. A 2ª fase da ação de exigir contas tem natureza jurídica de cumprimento de sentença.

Q2º. Estratégia Carreiras Jurídicas. A decisão interlocutória que, na segunda fase da ação de prestação de contas, defere a produção de prova pericial contábil, nomeia perito e concede prazo para apresentação de documentos, formulação de quesitos e nomeação de assistentes, é imediatamente recorrível por agravo de instrumento, com base no parágrafo único do art. 1.015 do NCPC.

13.4.        Gabarito.

Q1º. FALSA.

Q2º. FALSA.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

14.      Companheira tem legitimidade para ajuizar queixa-crime por conta de calúnia praticada contra sua falecida companheira?

AÇÃO PENAL (Apn)

A companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada (STJ, APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 22/08/2019)

Tribunal de Origem: STJ.

14.1.        Situação fática.

Em queixa-crime de competência originária do STJ, ROBERTA, companheira da falecida SARAH, ofereceu queixa-crime contra CARMEN, desembargadora de Tribunal de Justiça, pela prática do crime de calúnia contra os mortos (art. 138[10], § 2º, CP). De acordo com a peça acusatória, CARMEN, em rede social, atribuiu a SARAH a prática de crime quando em vida.

Na resposta à acusação, CARMEN arguiu as preliminares de ilegitimidade ativa e incompetência do Juízo.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Rejeitou ambas as preliminares e recebeu a queixa-crime.

14.2.        Análise Estratégica.

14.2.1.           Questão em debate.

Pessoal, duas questões:

(a) por que o STJ entendeu ser competente para o processamento?

(b) a companheira da falecida tem legitimidade ativa para ajuizar queixa-crime?

14.2.2.           Por que a desembargadora está sendo processada diretamente no STJ?

R: Na Ação Penal nº 937, o STF reconheceu que tem competência para processamento de detentores de foro por prerrogativa de função somente quando cometidos crimes durante o exercício do cargo E desde que relativos às funções desempenhadas pelo réu.

“Direito Constitucional e Processual Penal. Questão de Ordem em Ação Penal. Limitação do foro por prerrogativa de função aos crimes praticados no cargo e em razão dele. Estabelecimento de marco temporal de fixação de competência. I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa 1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102, I, b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa. 3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo. (…) III. Conclusão 6. Resolução da questão de ordem com a fixação das seguintes teses: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. 7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior. 8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado Federal e tendo em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a 1ª instância.” (STF, AP 937 QO, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2018)

Esquematizando:

“Ora, mas o crime de calúnia praticado por CARMEN foi executado durante o exercício do cargo, mas nada tem a ver com as funções de desembargadora!” De fato, e que o STJ flexibilizou esse entendimento do STF quando se trata de crimes praticados por desembargadores:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Cumpre, de início, deixar consignada a competência do STJ para processar e julgar a queixa-crime em questão, que imputa o crime de calúnia à Desembargadora do TJRJ. A conduta supostamente delituosa teria sido cometida por Desembargadora, mas fora de suas atribuições funcionais, o que, em princípio, está fora das hipóteses levantadas pelo STF, quando do julgamento da QO na AP 937, ocasião em que o Plenário decidiu por limitar a prerrogativa de foro àqueles agentes cujos crimes foram cometidos no exercício do cargo e em razão dele. Contudo, esta Corte Especial, ao examinar a QO na APn 878/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/11/2018, DJe 19/12/2018, entendeu por ‘reconhecer a competência do Superior Tribunal de Justiça nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I, da Constituição), o Desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal’.” (STJ, APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 22/08/2019)

14.2.3.           A companheira da falecida tem legitimidade para ajuizar a queixa-crime?

R: De acordo com o 31 do CPP:

Art. 31 CPP. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao CÔNJUGE, ascendente, descendente ou irmão.”

E aí, como fazemos? Não está prevista a figura da companheira. Não temam! Dá-lhe interpretação extensiva ao dispositivo:

“[Trecho do corpo do acórdão:] Cumpre anotar, desde logo, que a companheira, em união estável reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, podendo figurar como legítima representante da falecida. Vale ressaltar que a interpretação extensiva da norma processual penal tem autorização expressa do art. 3.º do CPP (‘A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito’).” (STJ, APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 22/08/2019)

“Mas aí não seria interpretação extensiva em prejuízo da ré?” Então, os ministros não aprofundaram no tema, mas RENATO BRASILEIRO defende a impossibilidade dessa analogia in malam partem:

“Quando o art. 3º do CPP dispõe que a lei processual penal admite o emprego da analogia, há de se ficar atento à verdadeira natureza da norma, ou seja, se se trata de norma genuinamente processual penal ou se, na verdade, estamos diante de norma processual mista dispondo sobre a pretensão punitiva e produzindo reflexos no direito de liberdade do agente. Afinal, na hipótese de estarmos diante de norma processual mista versando sobre a pretensão punitiva, não se pode admitir o emprego da analogia em prejuízo do acusado, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Bom exemplo disso diz respeito à sucessão processual prevista no art. 31 do CPP. Segundo o referido dispositivo, no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Por força do disposto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal (‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’), grande parte da doutrina insere no rol dos sucessores o companheiro. Logo, a ordem seria cônjuge (ou companheiro), ascendente, descendente ou irmão. A nosso ver, todavia, não se pode incluir o companheiro nesse rol, sob pena de indevida analogia in malam partem. A inclusão do companheiro ou da companheira nesse rol de sucessores produz reflexos no direito de punir do Estado, já que, quanto menos sucessores existirem, maior é a possibilidade de que o não exercício do direito de representação ou de queixa no prazo legal acarrete a extinção da punibilidade pela decadência. Portanto, cuidando-se de regra de direito material, não se pode querer incluir o companheiro, sob pena de indevida analogia in malam partem, malferindo o princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX).” (Renato Brasileiro)

14.3.        Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. A companheira, ainda que em união estável homoafetiva reconhecida, não goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, não possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada.

14.4.        Gabarito.

Q1º. FALSA.

14.5.        Bibliografia.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Juspodivm, 2017.

DIREITO TRIBUTÁRIO

15.      Os brindes podem ser considerados material de embalagem para fins de creditamento de IPI?

RECURSO ESPECIAL (REsp)

Os brindes, produtos perfeitos e acabados em processo industrial próprio, incluídos em outros produtos industrializados, não geram direito ao creditamento de IPI (STJ, REsp 1682920/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 22/08/2019)

Tribunal de Origem: TRF 3ª Região.

15.1.        Situação fática.

NESTLÉ BRASIL LTDA ingressou com ação anulatória de débito fiscal em face da UNIÃO, pugnando pela anulação de débitos de IPI. Em síntese, afirmou que os brindes (“réguas passatempo”) disponibilizados junto aos biscoitos “Passatempo” constituem, na verdade, a própria embalagem das bolachas e, portanto, são isentos de tributação.

Instância Desfecho
1º Grau Julgou improcedente a pretensão anulatória.
Instância Desfecho
2º Grau Negou provimento ao recurso de NESTLÉ BRASIL LTDA.

Em recurso especial, NESTLÉ BRASIL LTDA pugnou pela reforma do Acórdão, sustentando violação ao art. 147, inciso I, do Decreto nº 2.637/98 (atual art. 226 do Decreto nº 7.212/10) e do art. 11 da Lei n. 9.779/99.

Instância Desfecho
Superior Tribunal de Justiça Negou provimento ao recurso.

15.2.        Análise Estratégica.

15.2.1.           Questão em debate.

Vejamos os dispositivos que a NESTLÉ BRASIL LTDA afirmou terem sido violados pelo acórdão do 2º grau:

Art. 147 do Decreto nº 2.637/98. Os estabelecimentos industriais, e os que lhes são equiparados, poderão creditar-se (Lei nº 4.502, de 1964, art. 25): Ido imposto relativo a matérias-primas, produtos intermediários e MATERIAL DE EMBALAGEM, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente.”

Art. 11 da Lei nº 9.779/99. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e MATERIAL DE EMBALAGEM, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.”

Esses 2 (dois) dispositivos permitem o creditamento de IPI na aquisição de matéria-prima, produto intermediário e MATERIAL DE EMBALAGEM aplicados na industrialização do produto final, quer estes (matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem) lhe integrem, quer sejam consumidos no processo (de industrialização).

Questiona-se, então: brindes podem ser incluídos no conceito de material de embalagem para fins de concessão de crédito de IPI?

15.2.2.           Brindes podem ser incluídos no conceito de material de embalagem para fins de concessão de crédito de IPI?

R: No caso dos autos, o brinde oferecido pela NESTLÉ BRASIL LTDA junto ao pacote de biscoito é uma espécie de régua infantil. Será que podemos falar que esse objeto (régua) é material de embalagem? JAMAIS!

“[Trecho do corpo do acórdão:] Os brindes (produtos perfeitos e acabados em processo industrial próprio) incluídos em pacotes de outros produtos industrializados não os compõem nem se confundem com material de embalagem e, por isso, não geram direito ao creditamento do art. 11 da Lei n. 9.779/1999. De fato, não há como entender que uma régua possa integrar um recipiente destinado à armazenagem e à proteção dos biscoitos; é item independente utilizado como estratégia de markenting para estimular o público infanto-juvenil ao consumo, e, por óbvio, não integra do processo de industrialização dos biscoitos, produto final. Essa é a razão pela qual eventual IPI pago por ocasião da aquisição das réguas não gera direito de creditamento pelo produtor do biscoito.” (STJ, REsp 1682920/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 22/08/2019)

15.3.        Questões objetivas.

Q1º. Estratégia Carreiras Jurídicas. Os brindes, produtos perfeitos e acabados em processo industrial próprio, incluídos em outros produtos industrializados, não geram direito ao creditamento de IPI.

15.4.        Gabarito.

Q1º. VERDADEIRA.


[1]Art. 1.846 CC. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”

[2]Art. 397 CC. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.”

[3] Art. 405 CC. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.”

[4] Apesar de muito interessante, o voto-vencido do Min. RICARDO VILAS BÔAS CUEVA apresenta fundamentação divergente a partir de diversas peculiaridades do caso fático, de modo que não é relevante realçá-lo para as provas.

[5]Art. 49 da Lei nº 11.101/05. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. (…) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.”

[6]Art. 139 NCPC. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”

[7]Art. 329 NCPC. O autor poderá: (…) II – até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.”

[8]Art. 323 NCPC. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.”

[9]Art. 71 NCPC. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei.”

[10] “Calúnia. Art. 138, CP. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º – É punível a calúnia contra os mortos.”

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Veja os comentários
  • Excelente
    Fernando em 05/11/19 às 07:55
    • Muito obrigado pelo elogio, Fernando! Boa semana!
      Lucas de Abreu Evangelinos em 05/11/19 às 08:56