Homens ganham mais que mulheres. Por quê?
Os dados não me deixam mentir: homens ganham, em média, mais do que mulheres.
Seguem, abaixo, 3 gráficos referentes ao 1 trimestre de 2019 e retirados da PNAD Contínua[1]:
É possível verificar que o fato ocorre em todo o Brasil, ou em regiões como o Sudeste e o Nordeste.
Pergunto: isso ocorre apenas no Brasil?
Respondo: não!
No mundo todo acontece o mesmo. O próximo gráfico nos apresenta a diferença entre o salário/hora médio entre homens e mulheres. Por exemplo, na Suécia, em 2014, homens ganhavam por hora, em média, 13,85% mais que mulheres[2]:
Interessante notar que este fato também está presente em países desenvolvidos, como Suíça, Finlândia, Noruega e outros. Ou seja, não se trata de um fato restrito a países pobres ou em desenvolvimento.
A pergunta que nos ronda no momento é tão somente uma: por quê?!
Seria preconceito contra as mulheres? Seriam os mercados de trabalho machistas? Seriam os empregadores de quase todos os países misóginos?
Bem, para respondermos a essas perguntas é preciso “falsear” estas hipóteses. Resumindo, é preciso encontrar fatos econômicos que fundamentam essa diferença média entre salários. Se eles existirem, a hipótese de “preconceito/machismo/misoginia” perde força. Se eles não existirem, bem…talvez possa ser isso mesmo.
Felizmente, vários cientistas sociais e de dados já fizeram essas perguntas antes de nós e encontraram resultados robustos no sentido de que a diferença não pode ser totalmente explicada pela discriminação: há motivos econômicos que corroboram a diferença salarial entre homens e mulheres.
O texto segue apresentando alguns destes fatos.
Capital humano
O primeiro motivo deve-se à histórica diferença de “capital humano” entre homens e mulheres. Historicamente, homens apresentaram maior tempo de estudo do que mulheres e, por isso, tiveram, em média, maiores salários nesses períodos.
O gráfico abaixo salienta esse fato para algumas regiões[3]:
Nos países da América Latina, por exemplo, mulheres estudavam o equivalente a 40% do tempo de estudo dos homens em 1900. Atualmente essa razão passa de 100%, isto é, mulheres estudam mais tempo que homens.
À medida que as mulheres estudam mais, o salário delas relativo ao dos homens aumenta, de modo que podemos concluir que este fato tem sido responsável por reduzir parte da diferença de salário entre os gêneros no decorrer do tempo.
Ocupação profissional e trabalho doméstico
Aqui temos outro importante fato relativo ao gender gap: mulheres trabalham mais em casa do que homens e, por isso, acabam ocupando trabalhos com características mais flexíveis (como carga horária) e menores salários para cumprir com essas obrigações domésticas.
Aqui temos um fato que vai além da “esfera econômica”. Em geral, mulheres possuem maiores obrigações domésticas por conta da maternidade (fato melhor explicado adiante) e outros cuidados familiares. Não se pretende, nesse texto, julgar se isso é bom ou ruim; mas, sim, que esse fato acontece e implica na diferença salarial entre homens e mulheres.
Importante notarmos também que a tecnologia tem pesado a favor das mulheres nesse caso. Muitas das ocupações com maior flexibilidade de horário e menores salários têm se tornado, com a tecnologia e ganhos de produtividade, mais bem remuneradas e com maior flexibilidade, colocando as mulheres em posição de vantagem nesse sentido.
Destacam-se, nesses casos, profissões ligadas a serviços na área da saúde, cuidados pessoais e estética, com alto predomínio feminino e, em muitos casos, elevada remuneração.
Maternidade
Esse é um ponto muito importante e com grande contribuição para as diferenças salariais entre homens e mulheres.
Como vimos, as mulheres têm estudado mais relativamente aos homens, assim como os trabalhos por elas ocupados têm se tornado altamente produtivos e, consequentemente, pago elevadas remunerações. Esses fatos têm, em conjunto, contribuído na redução das diferenças salariais entre os sexos, embora ainda ocorram diferenças.
E, ao que novos estudos indicam[4], a responsabilidade por trás desse fato é a maternidade.
Em resumo, mulheres sofrem uma redução na remuneração após terem o primeiro filho, devido à necessidade de cuidados maternos que as afastam das atividades laborais.
Ocorre que elas não conseguem recuperar a remuneração quando comparadas às mulheres que não tiveram filhos e aos homens, provavelmente por conta de certa abdicação da carreira em prol dos filhos: mulheres com filhos tendem a se ocupar também com a criação/educação de seus filhos, trabalhando menor numero de horas e aceitando empregos mais próximos de seus filhos, mesmo que isso signifique ganhar menos.
Os gráficos[5] abaixo deixam isso bem claro:
Mulheres que tiveram o primeiro filho passaram a ganhar menos do que outras mulheres sem filhos e do que homens. Importante notar que mulheres sem filhos continuam a ter ganhos de remuneração com o passar do tempo em linha com os ganhos dos homens.
Discriminação
Chegamos ao nosso último e mais polêmico ponto.
Como vimos, grande parte da diferença entre salários deve-se à questão da maternidade e restrições profissionais que as mulheres possuem por conta desse fato.
Mas, ainda assim, há espaço para uma parcela não explicada na diferença entre salários. E, provavelmente, essa parcela deve-se à discriminação ou normais sociais baseadas nesse ponto.
Como sabemos, uma norma foi muito presente em nossa sociedade (e ainda é presente em determinadas situações): lugar de mulher é na cozinha.
E esse fato, assim como outros similares, ainda gera efeitos alguns no mercado de trabalho.
Blau e Kahn (2017)[6] fornecem uma lista de exemplos em que ocorre discriminação no mercado de trabalho, desfavorecendo a contratação de mulheres.
Goldin and Rouse (2000)[7] apresentam um conhecido caso de discriminação, em que o emprego de mulheres em orquestras é maior quando a seleção é “cega”, ou seja, quando elas não são identificadas como mulheres.
Conclusão
Como vimos, homens ganham mais do que mulheres. E essa diferença salarial vem se reduzindo com o passar do tempo, principalmente por conta (i) do aumento dos anos de estudo das mulheres, e (ii) do aumento de produtividade verificado em ocupações mais ocupadas pelas mulheres.
Mas, a diferença ainda persiste e grande parte desse fato deve-se à maternidade e à penalização profissional derivada desse fato. Após o nascimento do primeiro filho, o tempo de trabalho das mulheres é reduzido e elas passam a escolher trabalhos com mais flexibilidade, menor carga horário e mais próximo de suas residências, o que deixa os rendimentos em segundo plano.
A discriminação, por sua vez, é provavelmente uma questão menor como causa do gender gap, mas ela ainda existe e provoca efeitos no emprego e remuneração das mulheres.
É isso pessoal.
Até a próxima.
[1] Disponíveis em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?edicao=24478&t=destaques
[2] Disponível em https://ourworldindata.org/grapher/gender-gap-in-average-wages-ilo
[3] Em https://ourworldindata.org/what-drives-the-gender-pay-gap
[4] Lundborg, P., Plug, E., & Rasmussen, A. W. (2017). Can Women Have Children and a Career? IV Evidence from IVF Treatments. American Economic Review, 107(6), 1611-1637.
[5] Retirados de Henrik Kleven, Camille Landais, Jakob Egholt Søgaard (2018)
[6] Blau, Francine D., and Lawrence M. Kahn. 2017. “The Gender Wage Gap: Extent, Trends, and Explanations.” Journal of Economic Literature, 55(3): 789-865.
[7] Goldin, C., & Rouse, C. (2000). Orchestrating impartiality: The impact of” blind” auditions on female musicians. American Economic Review, 90(4), 715-741.