HC do Lula: conheça os detalhes do julgamento
O plenário do Supremo Tribunal Federal negou, por maioria de votos, o Habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
A defesa do ex-presidente visava impedir a execução provisória da pena após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) ter confirmado sua condenação pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Também foi negado, por maioria, o pedido para extensão do salvo-conduto concedido ao ex-presidente na sessão de 22 de março de 2018 (vencidos, neste caso, os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski).
Confira os argumentos centrais utilizados por cada ministro no julgamento do HC 152752/PR:
Edson Fachin (relator)
Ausência de ilegalidade, abusividade ou anormalidade na decisão do Superior Tribunal de Justiça que aplicou ao caso a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que permite o início do cumprimento da pena após a confirmação da condenação em segunda instância.
No caso da execução provisória da pena, não ocorreu, até o momento, revisão da jurisprudência em sede de controle abstrato de constitucionalidade:
“Não houve, ao menos até o momento, revisão plenária em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Seria possível dizer que haveria ilegalidade ou abuso de poder num ato imputado como coator no qual é seguida a jurisprudência majoritariamente dominante no STF?”]
“Nessa perspectiva, não depreendo que ato coator colida com a lei, tampouco que represente abusividade. Ao contrário, o Superior Tribunal de Justiça, ao chancelar a determinação emanada do TRF-4ª, limitou-se a proferir decisão compatível com a jurisprudência desta Suprema Corte e que, por expressa imposição legal, deve manter-se íntegra, estável e coerente“
A eventual alteração do entendimento, firmado desde 2016 com o julgamento do HC 84078/MG, só poderia ocorrer após o julgamento do mérito das ADCs 43 e 44. Até lá, não se pode falar em ilegalidade na decisão do STJ.
O ministro também argumentou que o Brasil tem sido sistematicamente questionado em organismos internacionais quanto à tutela dos Direitos Humanos em virtude da morosidade de seu sistema de justiça.
Para exemplificar, o relator citou três julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos que exemplificam isso: o caso de Maria da Penha Fernandes (que dá nome à Lei 11.340/2012), Danilo Ximenes Lopes e o Caso da Favela Nova de Brasília.
A defesa argumentou que as decisões proferidas pelo STF no sentido de autorizar a execução provisória da pena não teriam força vinculante.
O relator frisou que este argumento não se aplicaria ao caso, pois o fundamento da decisão do TRF 4 se baseia em uma súmula editada pela própria corte e não em precedentes do STF:
“De toda sorte, é certo que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não utilizou a eficácia vinculante de tais precedentes como razões de decidir. Ao contrário, firmou posição própria, inclusive materializada em verbete sumular local (Súmula 122/TRF4), lançando mão das manifestações do Plenário apenas a título de corroboração de sua convicção, forte na eficácia persuasiva que, em geral, integra os pronunciamentos da Suprema Corte.“
Alexandre de Moraes (acompanhou o relator)
Apenas entre 2009 e 2016, durante os 30 anos de vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal teve entendimento contrário à execução provisória da pena.
“Da mesma maneira, durante esses quase 30 anos de vigência da Constituição Federal, dos 34 ministros que atuaram na Corte, somente 9 ministros se posicionaram contrariamente à possibilidade de execução provisória da pena após a condenação em segunda instância.”
O ministro também salientou que neste período, as alterações de posicionamento do STF não produziram nenhum impacto no sistema penitenciário, ao passo que os últimos dois anos representam uma grande evolução no combate a corrupção.
Sobre a presunção de inocência, o ministro reconheceu sua natureza relativa e que “não pode ser interpretada de maneira isolada e prioritária, sendo necessária análise em confronto com outros princípios constitucionais“.
“As exigências decorrentes da previsão constitucional do princípio da presunção de inocência não são desrespeitadas mediante a possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade, quando a decisão condenatória observar todos os demais princípios constitucionais interligados, ou seja, quando o juízo de culpabilidade do acusado tiver sido firmado com absoluta independência do juízo natural, a partir da valoração de provas obtidas mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa em dupla instância, e a condenação criminal tiver sido imposta, em decis~~ao colegiada, devidamente motivada, de Tribunal de 2º grau, com o consequente esgotamento legal da possibilidade recursal de cognição plena e de análise fática, probatória e jurídica integral em respeito ao princípio da tutela penal efetiva.”
Luís Roberto Barroso (acompanhou o relator)
Utilizou um argumento de política judiciária: a jurisprudência firmada entre 2009 e 2016 trouxe efeitos negativos ao sistema de justiça penal.
Durante o período em que vigeu o entendimento de que não era possível a execução provisória da pena, incentivou-se a interposição de recursos de caráter protelatórios para gerar a prescrição.
Este entendimento, agora superado, também aprofundou o processo de seletividade no sistema de justiça, uma vez que dificultou a condenação de réus mais ricos, com maior acesso à defesa técnica e recursos para custear o trâmite dos processos, o que gerou um sentimento de descrédito na sociedade quanto ao sistema de justiça penal no país.
O ministro citou uma pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça: no período analisado, de dois anos, 830 ações penais desaguaram na extinção da punibilidade por prescrição.
Um levantamento feito pelo gabinete do ministro, “apurou pelo menos 116 casos de reconhecimento de prescrição, no julgamento de recursos extraordinários e agravos em recurso extraordinário“.
Segundo Barroso, cerca de dois mil casos prescreveram no STF após terem movimentado por muitos anos o sistema de justiça. Para o ministro, isso é um sinal de que a prescrição beneficia quem tem recursos para a impetração de recursos procrastinatórios.
Confira excertos de fala do ministro:
Sobre os pressupostos da decretação de prisão:
“O pressuposto para a decretação da prisão no direito brasileiro não é o esgotamento de qualquer possibilidade de recurso em face da decisão condenatória, mas a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. A regra, portanto, é a reserva de jurisdição para decretação da prisão, e não o trânsito em julgado. Tanto assim é que o sistema admite as prisões processuais – preventiva e temporária –, bem como prisões para fins de extradição, expulsão e deportação. Todas elas sem que se exija trânsito em julgado.”
Sobre a presunção de inocência:
“A presunção de inocência é um princípio, e não uma regra absoluta, que se aplique na modalidade tudo ou nada. Por ser um princípio, ela precisa ser ponderada com outros princípios e valores constitucionais“.
Sobre a execução provisória da pena:
“Depois da condenação em 2º grau, quando já não há mais dúvida acerca da autoria e da materialidade do crime, a execução da pena é uma exigência de ordem pública, para preservação da credibilidade da justiça.”
“A prisão após a condenação em 2º grau é decorrência natural e imperativa da condenação. Permitir discricionariedade judicial aqui é reeditar a seletividade do sistema. Poderosos e bem assistidos conseguirão aguardar soltos até a prescrição. Os comuns irão presos.”
Rosa Weber (acompanhou o relator)
“Prevalece no STF o entendimento de que a execução provisória de acórdão de apelação não compromete a presunção de inocência”.
Previsibilidade das decisões judiciais e o local e momento adequado para a revisão dos posicionamentos: a mudança na composição do Supremo ou fatores conjunturais não são suficientes para justificar a mudança na jurisprudência da corte.
“Não há como reputar ilegal, abusiva ou teratológica a decisão que rejeita habeas corpus”.
“Independentemente da minha posição pessoal quanto ao ponto e ressalvado meu ponto de vista a respeito, ainda que o Plenário seja o local apropriado para revisitar tais temas“.
Luiz Fux (acompanhou o relator)
O artigo 5º, LVII da Constituição Federal não impede a execução provisória da pena. A necessidade de trânsito em julgado para a efetivação da prisão não está contemplada pela Constituição.
“A análise sistemática da Constituição,autoriza concluir que a previsão de que ‘ninguém será considerado culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ não impede a decretação da prisão do condenado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, tampouco condiciona a prisão antes do trânsito em julgado da condenação às hipóteses do art. 302 (flagrante delito) ou 312 (prisão preventiva) do Código de Processo Penal.”
Carmen Lúcia (acompanhou o relator)
Manteve a posição que adotou em 2009 (HC 84078/MG), quando restou vencida no julgamento que firmou o entendimento da necessidade de trânsito em julgado para a admissão da execução da pena.
Para ela, o que está em discussão é a antecipação da execução da pena quando esgotados os recursos ordinários.
Argumento de política judiciária: o início da execução da pena após o duplo grau de jurisdição não ofenderia o princípio da não-culpabilidade, já que impede a criação de um déficit judicial sem prejudicar as garantias de ampla defesa.
“Admitir que a não culpabilidade impossibilita qualquer atuação do Estado pode levar à impunidade“.
A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que garante direitos fundamentais, também assegura a efetividade do direito penal e da aplicação da pena de prisão.
”O processo penal possui fases, e o que se admite no caso é que haja também uma gradação na forma de execução“.
Gilmar Mendes (divergência parcial)
Manifestação no sentido de conceder a ordem a fim de que o eventual cumprimento da pena apenas ocorra após o julgamento da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça.
A pendência do julgamento das ADCs 43 e 44 não importa para o julgamento do caso (divergência em relação ao relator). Para Gilmar Mendes, é necessário pacificar a matéria.
Segundo o ministro, a decisão do STF no julgamento do Habeas Corpus (HC) HC 126292 está sendo aplicada pelas instâncias inferiores automaticamente. De acordo com ele, a possibilidade de execução provisória da pena após o duplo grau de jurisdição se tornou uma “obrigação”.
Citou exemplos de execuções provisórias de penas que ocorreram indevidamente, pois as condenações acabaram sendo revertidas no Superior Tribunal de Justiça.
Para Gilmar Mendes, a execução provisória da pena é cabível em casos restritos, como em casos de condenações por crimes graves, confirmadas em segunda instância, a fim de garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal.
Dias Toffoli (divergência parcial)
O ministro reiterou os argumentos que fundamentaram seu voto no julgamento da Medida Cautelar na ADC 44/DF, segundo o qual a execução da pena seria possível após o julgamento de Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para o ministro, a execução da pena poderia ser iniciada após o julgamento de Recurso Especial pelo STJ, onde já haveria certeza na formação de culpa.
Para Toffoli, aguardar o julgamento pelo STJ não cria a possibilidade de prescrição. “O sistema processual penal, endossado pela jurisprudência do STF, dispõe de mecanismos hábeis para obstar o uso abusivo ou protelatório dos recursos criminais”.
ADC 44: excertos do voto de Dias Toffoli
“De toda sorte, em meu sentir, é possível interpretar-se o requisito do trânsito em julgado, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, como exigência de certeza na formação da culpa, para, ato contínuo, precisar o momento em que se atinge essa certeza
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Dessa feita, como o recurso extraordinário não se presta à correção de ilegalidades de cunho meramente individual, não há razão para se impedir a execução da condenação na pendência de seu julgamento, ou de agravo em recurso extraordinário.
Já o recurso especial, embora precipuamente voltado à tutela do direito federal, efetivamente se presta à correção de ilegalidades de cunho individual, desde que a decisão condenatória contrarie tratado ou lei federal, negue vigência a eles ou “[dê à] lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro tribunal” (art. 105, III, a e c, CF).”
Ricardo Lewandowski (voto vencido)
Votou pela concessão do habeas corpus a fim de que o ex-presidente permaneça em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Considerou as decisões do TRF 4 e do STJ que admitem a execução antecipada da pena após o duplo grau de jurisdição ilegais, pois faltaria nelas a fundamentação adequada e motivação.
Segundo o ministro, haveria afronta ao artigo 288 do CPP, pois a prisão foi determinada automaticamente, carecendo da fundamentação exigida pelo texto legal.
O ministro frisou que em caso de reforma de uma sentença penal condenatória, não seria possível a restituição da liberdade.
Ricardo Lewandowski afirmou que a presunção de inocência “representa a mais importante salvaguarda dos cidadãos, considerado o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário brasileiro”.
Marco Aurélio Mello (voto vencido)
O ministro Mello acompanhou a integralmente a divergência proposta no voto do ministro Lewandowski. Para ele, o trânsito em julgado é requisito à execução da pena.
“É necessário que a culpa esteja extreme de dúvidas”.
A execução antecipada da pena seria, assim, uma medida precoce, que tornaria a presunção de inocência letra morta. “Meu dever maior não é atender a maioria indignada, mas tornar prevalecente”.
Celso de Mello (voto vencido)
Frisou que tem julgado, há 29 anos, que sanções penais somente podem ser aplicadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Disse que no julgamento o que está em discussão é a presunção de inocência, que considera ser garantia fundamental prevista na Constituição,
O ministro também asseverou que a presunção de inocência não é um princípio absoluto, que encontra seu limite no trânsito em julgado. Trata-se de uma limitação constitucional ao poder do Estado de investigar, processar e julgar.
“Ninguém pode ser tratado pelo Poder Público como se culpado fosse sem que haja como fundamento uma sentença condenatória transitada em julgado”.