Fala galerinha (senhores e senhoras, para os mais formais) da Defensoria Pública do Distrito Federal.
A prova de filosofia e sociologia veio lascando! Fiquei feliz que, apesar da dificuldade e aprofundamento, várias questões, smj, estavam no material e outras poderiam ser deduzidas a partir da leitura do material. Espero que concordem comigo…
De toda forma, seguem minhas considerações sobre as questões e minha análise preliminar (aposta de gabarito).
181 – Para Herbert Hart, a principal característica da regra de reconhecimento é que ela seja referenciada pelo grupo social.
CORRETO: a existência da regra de reconhecimento se encontra vinculada ao fato de que ela é aceita pela maioria dos cidadãos, isto é, é referenciado pelo grupo social.
182 – Para Hans Kelsen, ao justificar o seu modelo de direito positivo, os fatos são o fundamento de validade das normas jurídicas.
ERRADO: as normas encontram seu fundamento em uma norma superior, regressando até a norma hipotética fundamental. O ordenamento como um todo, por sua vez, encontra validade na eficácia social. Os fatos, de forma alguma, fundamentam as normas.
183 – Segundo a teoria da estrutura dual das normas jurídicas, as normas são divididas em regras e princípios.
ERRADO: a estrutura dual significa preceito primário (regulação) e preceito secundário (sanção).
184 – Por autofundamentação constituição do direito não se deve compreender a hierarquização do sistema jurídico.
CORRETO: não necessariamente. Mas o que é autofundamentação? “Só quando o direito passa a ser posto basicamente por decisões, ou seja, com a sua positivação na sociedade moderna, ele se torna permanentemente alterável. À decidibilidade e à mutabilidade do direito associa-se o problema de sua diferenciação funcional e autonomia na sociedade moderna. Diferenciado o direito da moral, superado, institucionalmente, o seu apoio nas noções jusnaturalistas, surge a questão de sua fundamentação como sistema operativamente autônomo” (NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 113-114). Autundamentação é a fundamentação em si próprio, descolando-se da necessidade de elementos externos.
185 – Na concepção de direito como integridade, segundo Ronald Dworkin, a interpretação deve ser guiada pelas melhores regras o futuro.
ERRADO: nem só para o futuro, nem só para o passado. A integridade nega que as manifestações do Direito sejam meros relatos factuais voltados para o passado, como quer o convencionalismo; ou programas instrumentais voltados para o futuro, como pretende o pragmatismo. Para o Direito como integridade, as afirmações jurídicas são, ao mesmo tempo, posições interpretativas voltadas tanto para o passado quanto para o futuro.
186 – De acordo com John Rawls, o consenso sobreposto da democracia constituição baseia-se nas ideias do pluralismo razoável da justiça pública, independentemente de doutrinas morais, religiosas ou filosóficas.
CORRETO: Adotar o consenso sobreposto significa aprovar de maneira generalizada as doutrinas abrangentes razoáveis que convivem na sociedade, de modo que os princípios de justiça se tornem, justamente, o ponto de convergência das diferenças existentes entre elas. É sim é possível a existência de uma sociedade estável e justa, de cidadãos livres e iguais, ainda que profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais (razoáveis, embora incompatíveis).
187 – De acordo com Herbert Hart, é aceitável a concepção de que a maioria tem o direito moral de impor a todos a maneira de se viver, pois esse fato é compatível com os princípios democráticos.
ERRADO: além de liberal, Hart era um convicto defensor da democracia, tanto que ligava sua concepção de direito à defesa do Estado democrático e, sobretudo, aos valores de tolerância e liberdade.
188 – A defesa de grupos sociais minoritários definidos por características específicas, defesa esta que marca o paradigma da justiça etnocultural, não é incompatível com a indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos.
CORRETO: Pela indivisibilidade, interdependência ou complementaridade, os direitos formam um todo orgânico, não se sucedem em gerações, acumulando-se, não podendo ser cindidos ou implementados apenas em parte; sua eficácia depende do conjunto (costuma-se afirmar que os direitos individuais dependem dos direitos sociais e econômicos: para se ter liberdade é preciso ter educação e cultura), não podendo ser tomados isoladamente – um direito depende intrinsicamente do outro, não sobrevivendo sem os demais. Pela universalidade, a vinculação dos direitos fundamentais à dignidade, liberdade e igualdade conduz à sua aplicação a todas as pessoas, independentemente da cultura. Deve haver um núcleo mínimo de direitos a ser respeito em qualquer sociedade. É certo que há severa polêmica envolvendo o multiculturalismo e questões intranacionais (exemplo: regras internas dos grupos indígenas que levam neonatos gêmeos à morte; mutilação genital feminina; punições de pessoas em especial mulheres, em praça pública; obrigação do uso da burca e do hijad – véu). De toda forma, não há incompatibilidade absoluta entre a defesa de grupos minoritários e os direitos humanos. Como acabamos de ver com a relação a John Rawls: o caso é de buscar o consenso sobreposto!
189 – Haja vista a tipificação criminal da apologia ao uso de drogas, infere-se da situação hipotética que o delegado não fez uso ideológico do direito.
ERRADO: Adota a base marxista ou não, é evidente que o direito é um instrumento para a manutenção de certos padrões de comportamentos. Pela teoria interacionista do controle social: a problemática do desviante está na leitura feita por algumas pessoas ou grupos, que é diferente daquela endossada pelo consenso da maioria. É premissa dessa linha de pensamento que a manifestação do comportamento humano é determinada por sentimentos, preferências, gostos pessoais… em última instância, pelos diferentes “eus”. Como consequência, não há comportamento desviante em si, mas uma acusação de desvio, o que representa, em miúdos, que foram extrapolados os limites impostos, os padrões definidos por certo segmento social. Ou seja: uso ideológico do direito, como fez o delegado.
190 – Do ponto de vista sociológico, a incerteza quanto à correção da decisão sobre a criminalização do uso da cannabis sativa é o que possibilita aos procedimentos jurídicos a mudança do direito acerta desse tema.
CORRETO: Como já referiu o Min. Celso de Mello no bojo da ADPF 187: “O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”. Esse tipo de ação oriunda da sociedade pode, sem dúvidas, determinar os rumos do direito.
191 – No caso em apreço a dogmática jurídica o direito positivo mostraram-se insuficientes como formas de institucionalização do conflito social.
CORRETO: institucionalização de um conflito social é o termo usado para descrever o processo de aplicação de sistemas de controle sociais por instituições públicas. Aqui, a institucionalização do conflito envolvendo as drogas (em especial a maconha) vem demonstrando a insuficiência do direito positivo para resolver a celeuma.
192 – O conjunto de pessoas que colaborou com a organização e divulgação da manifestação nas redes sociais classifica-se como grupo social primário.
ERRADO: Não!!! Os grupos sociais podem ser classificados como primários, secundários e intermediários. Grupos primários são aqueles em que os membros possuem contatos pessoais diretos (mais íntimos), a exemplo da família.
193 – O fato de determinada regra vincular-se ao caráter universal das normas jurídicas implica que essa regra tenha eficácia própria derivada da forma simbólica do direito.
CORRETO: o caráter universal, de aplicação a todos, implica que a eficácia (capacidade de se impor) derive de sua própria forma simbólica (não faça ou faça algo se não o bicho pega!). O reconhecimento que é conferido à regra faz com que o respeito a ela derive da eficácia própria a norma jurídica, que reside em sua força enquanto forma simbólica.
194 – De acordo com a corrente positivista denominada jurisprudência dos interesses, na ponderação dos interesses em conflito, o magistrado deve considerar, em primeiro lugar, os fins sociais do direito na perspectiva do procedente.
CORRETO: a jurisprudência alemã tentou encontrar um equilíbrio razoável entre as tendências formalistas tradicionais e as ideias sociológicas mais renovadoras (de cunho teleológico), o que levou à Jurisprudência dos interesses (em contraposição à tradicional jurisprudência dos conceitos). Seu principal expoente, Philipp Heck, inspirado pelo finalismo s de Jhering, sustentou que “o escopo da Jurisprudência e, em particular, da decisão judicial dos casos concretos, é a satisfação de necessidades da vida, de desejos e aspirações, tanto de ordem material como ideal, existentes na sociedade. São esses desejos e aspirações que chamamos interesses e a Jurisprudência dos interesses caracteriza-se pela preocupação de nunca perder e vista esse escopo nas várias operações a que tem de proceder e na elaboração dos conceitos”.
195 – Apesar de evidenciarem um baixo grau de conhecimento sobre o direito por parte dos entrevistados, as pesquisas de opinião pública sobre o sistema jurídico indicam, em geral, um alto grau de estabilidade na confiança no funcionamento desse sistema.
ERRADO: Primeiro que a opinião pública é muito volátil, em parte em razão das informações, influências, formação e conformação providas por canais como a MÍDIA (olha ela aqui novamente), a educação, a arte (os artistas pagam um dedinho para influenciar a população, sempre entendendo que a sua opinião deveria ser a opinião de TODOS, ora bolas)… Essa volatilidade (ligada à influenciabilidade) é tal que alguns sociólogos defendem que a opinião pública só pode ser considerada quando os indivíduos tiverem acesso a informação adequada e suficiente, de modo que possam, conscientemente, ter suas próprias opiniões. Segundo que os índices de confiança do sistema jurídica andam em baixa: entre 25% e 70% a depender da pesquisa.
196 – É correto afirmar que o símbolo do “dever ser” como obrigação positivada na norma jurídica, é uma expectativa de comportamento estabilizada ne modo contrafático.
CORRETO: as normas jurídicas são independentemente e, muitas vezes, contrárias aos fatos reais. Elas exprimem um dever ser que resulta em uma consequência jurídica (normalmente uma sanção). De toda forma, elas geram uma expectativa de comportamento, que pode se confirmar ou não. Dizer, por fim, que as normas jurídicas são contrafáticas é verificar que sua validade independente dos fatos (do cumprimento efetivo da norma).
Aguardemos o gabarito oficial e estamos juntos nessa!!!
Abraços.
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