Em 15.09.2005, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2797/DF, declarou inconstitucionais os §§ 1º e 2º do art. 84, do CPP, que estendiam o foro por prerrogativa de função do crime para as ações de improbidade administrativa. A Corte entendeu, na oportunidade, que somente a Constituição pode definir as competências originárias dos Tribunais.
No julgamento do AI 556727 AgR/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, DJe 26/04/2012, o STF confirmou o entendimento da ADI 2797/DF, reafirmando que “inexiste foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa.”
A prerrogativa de foro dos prefeitos foi expressamente rechaçada no julgamento do AI 678927 AgR/SP (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010, DJe 1º/02/2011), uma vez que “a prerrogativa de função para prefeitos em processo de improbidade administrativa foi declarada inconstitucional pela ADI 2.797/DF.”
Entretanto, meus caros, o cenário começou a mudar na questão de ordem suscitada na Pet 3211/DF, oportunidade em que uma ação de improbidade havia sido proposta contra Ministro do Supremo Tribunal Federal em primeiro grau.
Nesse caso, o STF fez uma autêntica relativização do entendimento consagrado na ADI 2797/DF. Vale a pena ler a ementa do julgado:
EMENTA Questão de ordem. Ação civil pública. Ato de improbidade administrativa.Ministro do Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade. Competência da Corte para processar e julgar seus membros apenas nas infrações penais comuns. 1.Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros. 2. Arquivamento da ação quanto ao Ministro da Suprema Corte e remessa dos autos ao Juízo de 1º grau de jurisdição no tocante aos demais. (Pet 3211 QO/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 13/03/2008, DJe 27/06/2008).
Relevante mencionar, desse julgado, a fundamentação do Ministro Cesar Peluso, que disse: “seria absurdo ou o máximo do contra-senso conceber que ordem jurídica permita que Ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, mas entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isto seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência”.
A partir desse julgado, o Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o entendimento de que o foro privilegiado nas ação de improbidade seguiriam sim aquilo que estaria previsto na Constituição para os crimes comuns.
Nesse ponto, vale a leitura do seguinte trecho da ementa do acórdão proferido na Reclamação 2790, julgada pela Corte Especial do STJ, a qual acabou por definir que o Governador tem sim prerrogativa de foro nas ações de improbidade:
“3. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática [adotados pelo STF na QO na Pet 3211] autorizam a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação da pena de perda do cargo, contra Governador do Estado, que, a exemplo dos Ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função, tanto em crimes comuns (perante o STJ), quanto em crimes de responsabilidade (perante a respectiva Assembléia Legislativa).É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 105, I, a), há, em casos tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reclamação procedente, em parte. (Rcl 2790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 02/12/2009, DJe 04/03/2010).
Como se vê, o entendimento do STJ, de certa forma, aderiu ao teor do julgamento, pelo Pleno do STF, da Questão de Ordem na Petição 3.211-0-DF.
Hoje, pode-se dizer que o STJ tem entendimento mais liberal sobre o tema, negando expressamente o foro privilegiado nas ações de improbidade apenas ao prefeito. Veja:
“3. Esta Corte segue a jurisprudência do STF na mesma questão, qual seja, prefeito não tem foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa, devendo ser julgado pelo juiz de primeiro grau.
Precedentes.”
(AgRg no AREsp 322.262/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 28/06/2013)
Interessante notar que o STJ tem julgado assegurando o foro privilegiado para o deputado estadual se assim houver previsão na Constituição do Estado. Veja:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DEPUTADO ESTADUAL. PROCESSO E JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O foro especial por prerrogativa de função é uma garantia que compõe o devido processo legal e tutela as pessoas indicadas na Constituição Federal e nas Constituições dos Estados, estabelecendo a privatividade das Cortes Julgadoras, para o processo e o julgamento de ações sancionatórias contra elas assestadas.
2. Inicialmente instituído para ter aplicação no âmbito do Processo Penal, o foro especial por prerrogativa de função foi assegurado, também, às pessoas que, detentoras dessa prerrogativa no crime, sejam processadas por ato de improbidade, conforme diretriz superiormente afirmada pela Corte Especial do STJ (RCL 2.790/SC).
3. Como consignado no voto do Relator da RCL 2.790/SC (Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI), o precedente da QO na PET 3.211-0, do STF (Rel. Min. MENEZES DIREITO), serve como elemento de definição implícita da competência do STJ, por imposição lógica e coerência interpretativa.
4. Neste caso, a Constituição Potiguar (art. 71, I, alínea c) prevê o foro especial do Deputado Estadual no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.
5. Agravo Regimental a que se nega provimento, mantendo-se a tutela liminar, até o julgamento da Medida Cautelar pela Turma.
(AgRg na MC 18.692/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 20/03/2012)
Também há o entendimento do STJ de que se a ação de improbidade buscar a perda do mandato do deputado federal, deve haver o foro privilegiado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
AGENTE POLÍTICO ELEITO PARA O CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO QUE PODE ENSEJAR A PERDA DO MANDATO. FORO PRIVILEGIADO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DA CORTE ESPECIAL DO STJ. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU EQUÍVOCOS.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante dispõe o art. 535, I e II, do CPC, bem como para sanar a ocorrência de erro material.
2. No caso, não se verificam omissão ou equivoco a serem sanados, porquanto o acórdão ora embargado, de forma fundamentada, clara e coerente, externou o entendimento de que o foro privilegiado também deve ser aplicado à ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, quando houver a possibilidade de a autoridade investigada perder o cargo ou o mandato.
3. Conforme fundamentação externada, em voto vista, pelo Ministro Teori Albino Zavascki, “por imposição lógica de coerência interpretativa, a prerrogativa de foro em ação penal perante o STF, assegurada aos parlamentares federais, se estende, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 53, § 1º e art. 102, I, c), à ação de improbidade, da qual pode resultar, entre outras sanções, a suspensão de seus direitos políticos e a própria perda do cargo. Considerando que o fato superveniente, que determinou a modificação da competência, se deu após a interposição do recurso especial e do próprio agravo de instrumento ora em exame (protocolizado em 27/09/2010), é de se considerar, também por analogia com a ação penal, que são legítimos os atos processuais até então praticados, cabendo a remessa dos autos ao STF para apreciar os recursos interpostos”.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no AgRg no Ag 1404254/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 09/03/2012)
Aqui, o entendimento do STJ guarda dissonância com o manifestado pelo STF, que negou foro privilegiado para o Deputado Federal no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 556.727, julgado em 20.03.2012, pela 1ª Turma.
Com relação aos juízes, na visão do STJ (e do STF no julgamento da QO na Pet 3211), há o foro privilegiado, ressalvando apenas aqueles que já se aposentaram, os quais perderiam o privilégio. Veja:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
DESEMBARGADOR APOSENTADO. INEXISTÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que há foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa. Precedente: Rcl 2.790/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 2.12.2009, DJe 4.3.2010.
2. No caso de magistrados, o objetivo do foro por prerrogativa de função é resguardar a função pública, protegendo o julgador de interferências no desempenho de sua atividade. Trata-se, em última análise, de um privilégio instituído em benefício dos jurisdicionados, e não do agente que ocupa o cargo.
3. Assim, deve-se entender que, encerrada a função pública em decorrência da aposentadoria, não há mais razão para se manter o foro privilegiado. Este entendimento deve prevalecer ainda que o cargo seja vitalício, de modo que o foro, por prerrogativa de função, não se estende a magistrados aposentados. Precedente do STF: RE 549560/CE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22.3.2012, acórdão pendente de publicação.
4. Portanto, em razão da aposentadoria do reclamante, que ocupou o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, não há falar em foro por prerrogativa de função para o julgamento da ação de improbidade administrativa no Superior Tribunal de Justiça.
Reclamação improcedente.
(Rcl 4.213/ES, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 15/08/2012)
RECLAMAÇÃO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FORO. JUIZ DE TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PEDIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
I – Segundo a orientação do e. Pretório Excelso e desta c. Corte Especial, compete ao Superior Tribunal de Justiça o processo e o julgamento de ação de improbidade administrativa proposta contra juiz de Tribunal Regional do Trabalho, em que se possa resultar a perda do cargo (Precedentes: STF, Tribunal Pleno, Questão de Ordem na Pet 3211/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min.
Menezes Direito, DJe de 26/6/2008; STJ, Corte Especial, AgRg na Rcl 2115/AM, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 16/12/2009).
II – Todavia, a competência desta e. Corte Superior não deve se estender à Ação Anulatória n.º 2004.34.00.030025-3, porque, naqueles autos, são demandantes os próprios integrantes do e. TRT, a questionar decisão do e. Tribunal de Contas da União que lhes aplicou multa, de modo que, lá, não há risco de perda do cargo público.
Pedido julgado parcialmente procedente.
(Rcl 4.927/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/06/2011, DJe 29/06/2011)
Na visão do STJ, também o membro do Ministério Público Federal goza dessa prerrogativa de foro, veja o julgado da Corte Especial do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL – PROCESSUAL CIVIL – RECLAMAÇÃO – AÇÃO CÍVEL DE PERDA DE CARGO – PREVENÇÃO – LACUNA DO RISTJ – APLICAÇÃO DA ANALOGIA – ART. 4° DA LICC.
1. O STJ decidiu em reclamação ser competente para processar e julgar ação de perda de cargo movida pelo MPF contra Procurador-Regional da República da 2ª Região pela prática de atos de improbidade e infrações funcionais, aplicando para tanto o princípio da simetria com as ações de improbidade contra os agentes detentores de foro especial (Rcl n° 8.473/RJ, DJ 04/12/2012).
2. Firmada a competência do STJ na reclamação (art. 187 RISTJ), foi a ação encaminhada a esta Corte para julgamento, com distribuição por prevenção, aplicando-se por analogia o disposto no art. 71 RISTJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg na PET na Pet 9.669/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/06/2013, DJe 25/06/2013)
Por fim, vale mencionar que o STJ, no julgamento da Reclamação nº 8.055, proferido pela Corte Especial, chegou a afirmar que o membro do tribunal de contas do Estado possui prerrogativa de foro em ação de improbidade perante o Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, recentemente, no informativo nº 527 do STJ, o Tribunal alterou esse entendimento para dizer que “os Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados não possuem foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa”. Confira as razões de decidir no AgRg na Rcl 12.514-MT:
Os Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados não possuem foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa. Isso porque, ainda que o agente político tenha prerrogativa de foro previsto na CF quanto às ações penais ou decorrentes da prática de crime de responsabilidade, essa prerrogativa não se estende às ações de improbidade administrativa. AgRg na Rcl 12.514-MT, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 16/9/2013.
Diante do exposto, destaca-se que, de uma situação para a vedação integral da prerrogativa de foro estabelecida pelo STF no julgamento da ADI 2797/DF, passou-se a abrir campo para se admitir essa prerrogativa após o julgamento da questão de ordem suscitada na Pet 3211/DF, pelo mesmo Supremo Tribunal Federal.
Hoje, especialmente no STJ, as decisões que vedam prerrogativa de foro em ação de improbidade para aqueles que detêm essa prerrogativa nos processos criminais são exceções (vide, como exemplo raro, AgRg no REsp 1331229/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/11/2012).
Assim, pode-se afirmar, com tranqüilidade, que os Ministros do STF gozam da prerrogativa de foro (e o STJ alargou para os demais juízes) e que o Governador também goza dessa prerrogativa (segundo a RCL 2790, do STJ).
Por outro lado, os prefeitos não gozam de foro privilegiado em ação de improbidade.
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