Artigo

Deu na Globo! (IPVA, embarcações, aeronaves e princípios constitucionais)

Olá, amigas e amigos concurseiros!

Acredito que depois do Bonner e o seu imposto sobre o cheque (e Evaristo Costa, no Jornal Hoje de hoje, adotou a nomenclatura), esse post fará com que alguns pensem que tenho algo contra a mídia brasileira. Mas não é, digo de antemão. :)  Meu intuito é apenas utilizar o dia-a-dia para informar e, principalmente, levar mais conhecimento para você, concurseiro.

Agora a pouco estava assistindo o NETV, o jornal local da Rede Globo aqui em Recife, e, dentre outras apresentadas, uma matéria me chamou a atenção. Ela dizia respeito às medidas apresentadas pelo Governo de Pernambuco à Assembleia Legislativa do Estado para tentar contornar a atual crise econômica.

O pacote de medidas contém, entre outros temas, o aumento, além das relativas ao ICMS, das alíquotas do IPVA incidente sobre veículos de passeio, caminhões, motocicletas, “cinquentinhas”, aeronaves e embarcações. Foi dito ainda que o Governo tinha urgência na aprovação dessas medidas. Nesses dois pontos farei nosso post de hoje. Comentarei primeiramente sobre o IPVA. Depois, o porquê dessa urgência.

Primeiramente, o IPVA é um imposto previsto na competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, conforme o artigo 155, III, da CF/88. Sua sigla significa imposto sobre a propriedade de veículos automotores, tendo, por consequência, como sua base de incidência, a propriedade desses veículos.

Uma vez que é um tributo criado somente após a edição do CTN, esse código não estabelece qualquer normativo de ordem geral relativo ao tributo. Assim, diante do que consta no artigo 24, §1º a §4º da CF/88, os Estados e o Distrito Federal, dentro dos limites impostos nessa Carta, são livres para bem dispor sobre o tributo, já que a União, até o momento, não editou qualquer lei relativa ao tributo. E assim entende o STF. Observe o AI 167.777 AgR/SP, de 04 de março de 1997, dessa Corte:

“Mostra-se constitucional a disciplina do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores mediante norma local. Deixando a União de editar normas gerais, exerce a unidade da federação a competência legislativa plena – § 3º do artigo 24, do corpo permanente da Carta de 1988 -, sendo que, com a entrada em vigor do sistema tributário nacional, abriu-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a via da edição de leis necessárias à respectiva aplicação – § 3º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988.”

Nesse mister, contudo, os Estados e o Distrito Federal não são livres para tributar tudo aquilo que entendem ser veículos automotores, sem que verdadeiramente o sejam, extrapolando assim a competência tributária conferida pelo legislador constituinte ao outorga o poder legiferante tributário àqueles entes políticos.

Nessa linha, o que vem a ser um veículo automotor? Para o STF, o conceito presente no binômio não abrange nem embarcações e nem veículos aéreos, e sim apenas aqueles classificados como veículos terrestres (automóveis de passeio, ônibus, caminhões, motocicletas, entre outros). Claro: e desde que se movam com a utilização de motores ou assemelhados, não se utilizando da tração humana ou animal.

O STF possui várias decisões sobre o tema, entre elas podemos colher a constante no RE 134.509/AM, de 29 de maio de 2002, que excluiu os veículos aéreos e aquáticos do campo de incidência do IPVA, dispondo o seguinte:

“EMENTA: IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (CF, art. 155, III; CF 69, art. 23, III e § 13, cf. EC 27/85): campo de incidência que não inclui embarcações e aeronaves.”

“Professor, mas eu vi a reportagem e quem disse isso foi o Secretário da Fazenda de Pernambuco!”

Essa crise tá feia mesmo… O que sei é que as alíquotas podem até ser aumentadas, uma vez que a lei estadual nº 10.849, de 1992, realmente prevê, em seu artigo 7º, II e IV, uma alíquota de 1,0% e 2,5%, respectivamente, sobre a propriedade de aeronaves e embarcações. Contudo, não poderão ser cobradas dos proprietários, já que o STF expressamente entende pela não incidência do imposto nessas situações, seja quanto a embarcações seja quanto a aeronaves, ambas pretendidas pelo Governo da Terra dos Altos Coqueiros.

Em outro ponto, a matéria cita a urgência do Governo em convencer os deputados estaduais a aprovar tal medida, temendo pela chegada do início do mês de outubro. E qual o porquê dessa urgência? Simples: os princípios constitucionais da anterioridade e, especialmente, da noventena tributária.

Quanto ao princípio da anterioridade, conforme o artigo 150, III, “b”, da CF/88, uma lei publicada no ano X (lei plenamente vigente), e que institua ou majore tributos, somente surtirá efeitos (terá eficácia) no exercício financeiro X + 1. É vedado aos Entes políticos cobrar tributos dentro do mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou majorou.

Já o princípio da anterioridade nonagesimal foi acrescentado à CF/88 pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003, proibindo a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, conforme o artigo 150, II, “c”, da Carta Federal.

Em regra, toda instituição ou aumento de tributo está sujeita aos dois princípios, exceto quanto às exceções presentes no artigo 150, §1º, da CF/88, que, entre outras, inclui a exceção ao princípio da noventena quanto às alterações da base de cálculo do IPVA. Contudo, o aumento citado na reportagem dizia respeito apenas às alíquotas desse imposto, não sendo direcionado à base de cálculo. Se fosse, e apenas quanto a esse ponto, o Governo não estaria com tamanha pressa.

Acontece que, por não ser uma exceção a nenhum princípio tributário, a alteração das alíquotas do IPVA (e de outros tributos estaduais) deve respeito aos dois princípios temporais: da anterioridade e da noventena.

Uma vez que, conforme a lei estadual nº 10.849, de 1992, artigo 2º, §1º, considera-se ocorrido o fato gerador do IPVA no primeiro dia útil do mês de janeiro de cada exercício, que ocorrerá em 04 de janeiro de 2016, para que venha a surtir efeitos dentro do ano-calendário 2016, as alterações das alíquotas devem estar contidas em lei estadual aprovada noventa dias antes, ou seja, ainda no mês de outubro de 2015, sem o qual a alteração pretendida pelo Governo do Estado para aumentar a arrecadação somente surtirá efeitos, quanto às alíquotas do IPVA, em 2017.

Se seus respectivos Estados ou o Distrito Federal pretendem fazer coisas do tipo, fiquem ligados na reportagem. Talvez seja hora de aprender algo e aplicar os estudos na prática.

Esclarecido por hoje? Espero que sim. Qualquer dúvida ou questionamento, bem como críticas e sugestões, é só me falar. Meus contatos são os seguintes:

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Até a próxima! E bons estudos.

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Veja os comentários
  • Não compreendi o trecho do texto a seguir : "Uma vez que, conforme a lei estadual nº 10.849, de 1992, artigo 2º, §1º, considera-se ocorrido o fato gerador do IPVA no primeiro dia útil do mês de janeiro de cada exercício, que ocorrerá em 04 de janeiro de 2016, para que venha a surtir efeitos dentro do ano-calendário 2016, as alterações das alíquotas devem estar contidas em lei estadual aprovada noventa dias antes, ou seja, ainda no mês de outubro de 2015, sem o qual a alteração pretendida pelo Governo do Estado para aumentar a arrecadação somente surtirá efeitos, quanto às alíquotas do IPVA, em 2017." Na parte final do trecho supracitado tem-se o ano 2017, entretanto não seria o certo 2016, já que a noventena só garantiria que imposto fosse cobrado 3 meses depois, isto é, ainda em 2016?
    Tiago em 25/09/15 às 20:38
  • Show professor!
    Daniela Kaiser em 24/09/15 às 20:00
  • Muito legal o esclarecimento!
    Veridiane em 22/09/15 às 19:28