Artigo

Democracia dos Concursos e um causu

Olá, amigos concurseiros!

Conto hoje um “causu” trazido por uma amiga minha, Alessandra Bárbara, lá de Recife. Achei interessante trazê-lo, pois tenho certeza que um dia, como todo bom concurseiro, você já deve ter ouvido ou conhecido coisa parecida, caro leitor.

Certa dia, ao ligar para ela, já morando no fim do Brasil, literalmente falando, proseamos um bom tempo, sobre os mais diversos assuntos e temas.

Como não poderia deixar de ser, uma deles eram sobre concursos. Claro, esse era meu assunto preferido, e ainda é, como você mesmo pode ver. Sempre digo que concurso virou minha droga. Sou dependente psíquico deles.

Contou-me ela que há pouco tempo prestara concurso para algum caro da Petrobras, não me recordo qual. Mas esse detalhe é irrelevante. Porém, entre uma e outra conversa, em meio a uma roda de amigos e conhecidos (aquelas boas rodas do “colocasse o que na questão 19?”, “marcasse qual na 23?”, “será que errei a 38?”, que todo concurseiro de longa estrada já está acostumado sabe), uma deles lançou na “mesa” de debates o seguinte comentário:

“Fiscal da Receita Federal só quem passa é filhinho de papai. Quero ver alguém que trabalha oito horas passar em algo assim”.

Isso tudo se passou lá em Recife, minha querida Veneza brasileira. Sendo assim, adapte essa frase acima ao bom e inconfundível sotaque pernambucanês. Ê saudade da minha terra amada. Breve retornarei.

Se me permite dizer minha opinião, caro leitor, tenho pena de alguém como essa pessoa que falou tamanha barbaridade. Não só no da Receita, mas como em todos os demais, concurso é o melhor dos exemplos de democracia que existe no nosso país. O mérito é coroado com esforço e dedicação. Seja lá de onde vem ou nasceu o guerreiro.

Mas voltemos à conversa lá em Recife.

Como justa defensora da verdade que é, Alessandra não deixou por menos e retrucou, na mesma hora, negando o comentário do colega. Citou meu caso, rebatendo cada novo “ataque”.

“Isso não é verdade, tenho um amigo que nem cursinho fez e passou no concurso da Receita Federal”, disse Alessandra.

“Mas isso deve ter sido há muito tempo, quando concurso era moleza de passar”, retrucou a outra parte.

Nada disso. Foi nesse último que houve, em 2009. Ele morava aqui em Recife e estudou engenharia comigo lá na Poli. Falo porque conheço e sei que é verdade.”, defendeu-me Alessandra.

“Então ele não trabalhava 8 horas, como eu. Se é que trabalhava”, retrucou mais uma vez o colega amargurado.

“Trabalhou 8 horas, e trabalhou lá em Brasília. Ele é Analista de Comercio Exterior. Antes disso, ele trabalhou no Ministério Público daqui (Pernambuco)”, rebateu Alessandra.

“Nunca fez cursinho? Duvido. É impossível alguém passar em um concurso desse sem ter feito vários cursinhos.”, rebateu o colega já sem argumentos.

“Acabei de dizer que ele nunca fez cursinho, hômi de Deus”, falou a brava Alessandra.

“Então no mínimo ele já deve tentado várias vezes e só agora veio passar. Pegou experiência”, tentou o colega a última cartada.

“Ele é concurseiro de carteirinha. Mas foi o primeiro da Receita Federal que ele fez”, disse Alessandra, desferindo o golpe mortal silencioso.

E os argumentos acabaram. E Alessandra sagrou-se campeã da batalha. Faltaram argumentos ao seu colega para explicar o próprio sentimento de “é impossível”. Mais do que comum entre muitas pessoas.

É uma pena que ele não foi tão persistente em tentar começar a estudar e passar como foi ao querer generalizar uma situação que, com conhecimento de causa que tenho, é exceção.

Ao passar em 2009 no concurso de Auditor-Fiscal da Receita Federal, tive o prazer de poder participar do tão famoso CF (Curso de Formação) da ESAF, que, diferentemente do que muitos pensam, não é tão “molinho” assim.

Não encontrei palavra mais adequada ao título desse post do que “democracia”. Esse é o nome que deve ser usado para os que passaram no concurso. Filhinhos de papai? Gente que não trabalhava e tinha uma vida ótima para poder estudar? Certamente existiam, não negarei. Mas confirmo que são as exceções, ou, pelo menos, a minoria.

Fiquei no pólo de formação em Brasília, uma dos três que possui o programa do curso de formação AFRFB/2009. Os outros dois ficaram no Rio de Janeiro e em Fortaleza. No pólo Brasília ficaram 233 dos 450 aprovados no concurso. Entre eles, eu.

Durante o pouco mais de um mês de curso, pude perceber a grande quantidade de pessoas normais que lá existiam. E que existem em todos os outros concursos, não só os fiscais. Muito diferente da concepção do colega da história
passada lá em Recife, e que deve ter o mesmo pensamento de muitos pelo Brasil afora.

Lá existiam representantes de todas as tribos. Existiam os que estudavam à noite, os que só conseguiam estudar à noite, os que trabalhavam (e essa era a maior tribo), os que não trabalhavam, os que aproveitavam o fim de semana, os que marcavam minutos de estudo no relógio e no papel, os desorganizados, os perfeccionistas, os farreiros, os famílias, os que batiam pelada, os que iam pro shopping (as meninas eram maioria, claro), a turma do primeiro emprego, os veteranos, os milicos, os pilotos de aviões, os Auditores Ficais, os Analistas de Comércio Exterior, os que pediram demissão para estudar, os nordestinos, os nortistas, os gaúchos, os que piratearam centenas de livros tirando Xerox, os alunos do Ponto, os beijoqueiros, a turma do hardcore, do forró, do oxente, do uai, entre tantas outras tribos.

Podemos separar por etnias também. Tínhamos os branquelos, os asiáticos (e eram muitos), os negros, os indecisos, os amarelos, os de cabelo bom, os de cabelo não bom, carecas, cabeludos, narigudos, gostosas, bombados, magros, gordos, feios e bonitos. Só pra citar algumas.

Muitas outras tribos poderiam ser identificadas. Isso tudo para mostrar o quão heterogêneo era o grupo das pessoas que passaram. Só uma coisa era comum a todos: a determinação com que todos, de onde tivessem vindo ou nascido, tinham em passar. Todos, ou uma boa parte, calou a própria boca e colocou a bunda na cadeira para estudar, não procurando motivos para desistir, seja no meio do caminho ou antes de começar. Vencer a temida ESAF era quase um questão pessoal.

Certamente muitos dos que ali estavam trocaram muitas horas de lazer, família, futebol, amigos, amantes, namoradas, barzinhos, viagens e demais maravilhas da vida para colocar na cabeça tudo que “determinavam” Rodrigo Luz, Ricardo Alexandrino, Ricardo Ferreira, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e tantos outros atores do mundo dos concursos fiscais.

Certamente todos os que passaram possuíam um alto número de HBC e muito estresse, falta de ânimo por vezes e vontade de desistir em suas trajetórias. Isso seria apenas mais um tempero na aprovação em um dos concursos mais difíceis, cobiçados e disputados do país. Se fosse fácil? Não teria graça. Muito menos mereceria um post.

Poderia escrever páginas e páginas com histórias de superação de muitos que lá estiveram e venceram. Inclusive com um capítulo dedicado à minha história pessoal, que trarei em doses homeopáticas. Posso resumir dizendo que a maioria esmagadora eram pessoas normais, nem burras, nem CDF’s. Pessoas que se soltaram das amarras da “desculpite” e enfrentaram com coragem essa batalha, dura e cansativa. Pessoas que trabalhavam duro o dia inteiro, davam atenção às suas esposas e filhos, pagavam mais contas do que o dinheiro que tinham no mês, tinha o nascer do sol como imagem normal no dia-a-dia e somente a vontade de fazer melhor. De vencer. De superar.

Concurso é para todos. Minto. É para todos aqueles que desejam passar. Seu maior concorrente é você mesmo. Querer perder a luta e achar desculpas é bem mais cômodo do que tentar vencer a luta.

Ao final da batalha, tudo valerá à pena. Cada segundo ou centavo investido na empreitada. Digo com conhecimento de causa. Própria e de terceiros.

Infelizmente não pude dar ao colega do início desse post a coragem e o incentivo que sempre oferto a todos aqueles que me perguntam ou questionam sobre minha vida de concurseiro fiscal, que se iniciou em 2006 e acabou em 2010. Espero poder fazer isso agora, mostrando a verdadeira verdade (existe também a meia verdade) que muitos temem em saber.

Confie em você mesmo. Estude. Se esforce. Nada é impossível quando se é teimoso e determinado. Só você pode derrotar você mesmo em um concurso. E isso se aplica a todos os concursos, não só os fiscais.

Até o próximo “causu”. Um grande abraço!

Bons estudos e perseverança a todos!!

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