Defensoria Pública e Estado de Coisas Inconstitucional
Por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes (Defensor Público do Estado de São Paulo)
A elaboração de políticas públicas é atividade prioritária dos Poderes Legislativo e Executivo. Gerir, legislar, formatar e implementar políticas públicas são atos advindos do poder-dever estatal. Configurada omissão ou inadequação, irá ser atraída a cláusula da inafastabilidade do Poder Judiciário.
A Defensoria Pública, o Ministério Público e a Magistratura irão atuar no restabelecimento da constitucionalidade e na busca da efetividade das normas constitucionais.
A intervenção do Poder Judiciário deve ser pautada em uma visão neoconstitucional, que acarretou no fortalecimento da força normativa da Constituição e na expansão da jurisdição constitucional.
Os argumentos em contrário, em geral, destacam a separação de poderes, o princípio majoritário e a discricionariedade administrativa, sendo certo que tais princípios não são absolutos e devem ser analisados por meio de uma interpretação neoconstitucional.
A ADPF nº 45 é um marco na judicialização de políticas públicas, possibilitando maior controle das ações do Poder Executivo e do Legislativo, notadamente quando estivermos diante do mínimo existencial da dignidade da pessoa humana, concretizando a possibilidade de judicialização de omissão ou inadequação de políticas públicas.
A Emenda Constitucional n. 80/2014 estabeleceu, no art. 98, ADCT, que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população, sendo certo que, no prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.
Entrementes, em que pese alguns avanços estruturais das Defensorias Públicas Estaduais, Federal e da União, ainda estamos longe de concretizar as diretrizes constitucionais incluídas pela EC n. 80, as quais possuem força normativa capaz de conformar a realidade, devendo nortear a atuação dos três Poderes.
Acreditamos que o direito fundamental do acesso à justiça, instrumentalizado pela Defensoria Pública, pode ser considerado um direito multifuncional, podendo ser visualizado como um direito individual (direito de cada pessoa acessar o Poder Judiciário), como um direito social (analisado sob uma perspectiva de um direito prestacional, que poderá ser exigido perante o Poder Público) e também um direito coletivo (direito metaindividual, pertencente a uma coletividade, dotado de maior humanismo e fraternidade).
Seguindo essa linha de raciocínio, acredita-se que estamos no caminho de um estado de coisas inconstitucional no que tange a concretização da Defensoria Pública, ante o texto da emenda constitucional n. 80/2014. Portanto, acreditamos que, caso não seja concretizado um esforço na consolidação da Defensoria Pública, estaremos praticando uma grave e permanente violação de um direito fundamental, em virtude de comprovada omissão do Poder Público, necessitando de soluções plurais para o problema (orçamentária, jurídica, legislativa e política), o que configuraria um estado de coisas inconstitucional.
Nesse sentido, eventualmente, poderemos até mesmo falar em judicialização de políticas públicas ou controle de constitucionalidade, com o escopo de concretizar o comando constitucional previsto no art. 134, da Constituição Federal c/c art. 98, ADCT, implementando e estruturando a Defensoria Pública em todas unidades jurisdicionais.
Por oportuno, ressalta-se que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 02 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, parece que os ministros desconhecem por completo a realidade da Instituição, estando com estrutura precária em diversas áreas e até mesmo ausente em diversas unidades jurisdicionais, sendo certo que o direcionamento orçamentário é irrisório se comparado ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Os avanços legislativos e estruturais obtidos nas últimas duas décadas são insuficientes para a adequada estrutura institucional, o que demonstra a omissão do Poder Público.
Um ponto merece destaque: o momento de julgamento da ação é inoportuno, em especial diante de uma situação de excepcionalidade em virtude da pandemia do Covid19. A ação foi proposta em 2008 e, infelizmente, julgada no meio de um agravamento da crise econômica que assola o país. O que a Suprema Corte deveria ter levado em consideração é o aumento do número de hipossuficientes econômicos e vulneráveis no período da pandemia, enfatizando a importância do incremento da atuação institucional no período pós-pandemia.
Melhor solução seria o reconhecimento da omissão constitucional, caracterizando um estado de coisas inconstitucional, tal como realizado na ADPF n. 347 (referente ao sistema penitenciário), dando ensejo para um tratamento adequado para a estruturação da Instituição e isonômico em relação aos demais Poderes e ao Ministério Público. Somente assim, os direitos dos vulneráveis, em especial o direito fundamental ao acesso à justiça, que compõe o mínimo existencial da dignidade da pessoa humana, poderia ser verdadeiramente tutelado e promovido.
Ponto positivo da referida decisão é o reconhecimento do valoroso e digno de elogio serviço prestado pela Defensoria Pública à população, sendo inclusive reconhecida como a instituição mais importante do país em pesquisa realizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 2017. Espera-se, no entanto, não somente o reconhecimento da experiência bem-sucedida, como também a concreta valorização e estruturação da nobre carreira, que é expressão e instrumento do regime democrático e a responsável por colocar as mãos na frente de quem não consegue defender seus direitos, sendo a última luz para muitas pessoas em situação de vulnerabilidade.
Grande abraço e bons estudos,
Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes
Entusiasta da Defensoria Pública
Professor do Estratégia Carreiras Jurídicas
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