O objetivo deste artigo é compreender a respeito do contrato plurilateral, uma das espécies de contratos entre sociedades e nas implicações de responsabilidade entre sócios..
Desde o início do comércio no mundo, as relações jurídicas foram se modificando, o que levou a diversas transformações no status das coisas na sociedade. A princípio, com o escambo, o que se via era um contrato de permuta entre duas partes para a aquisição de bens e serviços.
Com a evolução dos processos negociais, o surgimento dos diferentes tipos de moeda, o crédito e as estruturas de trabalho, surgem as empresas e novos desafios jurídicos para se conceber definições e regramentos jurídicos.
Em um contrato de compra e venda, existem duas figuras latentes no negócio: o comprador e o vendedor. Mesmo que existam dois vendedores, de fato, estes estão tecnicamente do mesmo “lado”, o que faz serem uma única parte.
Importante mencionar, ainda, que existe uma escala para o direito no que diz respeito às partes. O contrato unilateral, ou declaração unilateral de vontade (com apenas uma parte na relação jurídica adquirindo obrigações), o contrato bilateral (em que estão presentes duas partes) e o contrato plurilateral (formado por mais de duas partes).
Essa diferenciação acontece devido à necessidade de se estabelecer regras específicas para cada caso, sendo imprescindível à responsabilização de cada indivíduo em sua própria medida.
Outros conflitos, como a rotatividade de partes são resolvidos pelo contrato plurilateral, que de outra forma não poderia ser. A definição, trazida por Tullio Ascarelli, jurista italiano, busca compreender o problema das sociedades e da relação entre sócios, que será abordada posteriormente. Portanto, é sumaríssimo se compreender a respeito das particularidades do contrato plurilateral para o Código Civil, bem como as diferenças deste para o bilateral. Para tanto, serão utilizados exemplos e fundamentos extraídos da doutrina do direito brasileiro.
Inicialmente, é importante considerar que toda relação jurídica é necessariamente bilateral, tendo em vista que, para haver um ato e uma consequência, devem existir duas partes. Dito isso, diferencia-se a relação jurídica dos contratos, que podem ser unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, no que tange à quantidade de polos envolvidos nos direitos e obrigações a serem contraídas.
Iniciando-se pelo contrato bilateral, trata-se da forma mais comum de negócio jurídico firmado na história. Isso porque, desde o escambo, na contração de obrigações e contraprestações, existem duas partes relacionadas, que atuam como compradores e vendedores, contratantes e prestadores de serviço.
Partindo-se deste ponto, o contrato unilateral é aquele em que somente uma das partes contrai obrigações para com a outra. Nas declarações unilaterais de vontade, como é o caso da promessa de recompensa ou doação pura e simples, uma das partes possuirá somente ônus e a outra o bônus da relação jurídica fundada ali.
Necessariamente é, portanto, uma relação jurídica bilateral (pois é composta por dois agentes), mas se trata de um contrato unilateral, mormente pelo fato de que pode haver consequências jurídicas derivadas deste.
Por fim, o contrato plurilateral, foco do presente, é aquele em que existem mais que duas partes em uma mesma relação jurídica, que possuem proporcionalmente direitos e obrigações umas para com as outras.
Importante mencionar que o contrato plurilateral não necessariamente está atrelado a uma atividade empresarial por todas as partes, mas pode estar presente em seguros e consórcios, contanto que existam mais de duas partes no negócio.
A fim de se alcançar maior clareza, “partes” e “polos” dizem respeito à situação jurídica e não a pessoas. Isso porque uma parte, assim como em processos judiciais, pode ser composta por uma ou mais pessoas, indefinidamente. No contrato plurilateral, portanto, existem diversos polos em uma mesma relação jurídica, conectados entre si, que podem ser os sócios ou condôminos.
De acordo com a problemática abordada por Tullio Ascarelli em “O Contrato Plurilateral”, na doutrina, a constituição das sociedades, para a doutrina, foi dividida em duas direções: a teoria do ato complexo e para a outra, a teoria do ato de fundação, um contrato em sua acepção mais simples.
Por definição, existem problemas em cada teoria, pois estas não consideram os aspectos divergentes que as sociedades, civis ou comerciais, apresentariam dos contratos regulares.
No caso da primeira, a exemplificação foge à própria interpretação de que a sociedade seria, em primeira instância, um contrato. O problema surge quando esta vertente busca explicar as regras contratuais estabelecidas pelas sociedades.
A segunda corrente, por outro lado, desconsiderava o fato de que as relações em sociedade não poderiam ser vistas como um simples contrato.
Assim, Ascarelli propõe o contrato plurilateral, uma subcategoria dos contratos, visando duas circunstâncias: 1) firmado por mais de duas partes; e 2) direitos e obrigações de todas as partes umas para com as outras.
Entendendo-se o contrato plurilateral como forma de se solucionar certas controvérsias das teorias anteriores, é possível se observar que o ato complexo possui alguns defeitos basilares, conquanto considere que o ato constitutivo de uma sociedade é apenas o desígnio de vontades individuais alinhadas para um fim comum.
No contrato plurilateral, esclarece que os sócios não possuem em si somente um “desígnio comum de vontades”, mas interesses individuais e egoísticos visando o benefício próprio, ao ponto de haver interferência no direito como forma de balizar cada pretensão e equilibrar as desproporções.
Sendo assim, o contrato plurilateral pode ser dividido, dentre outras, nas seguintes características:
1) Participação de mais de duas partes;
2) Direitos e obrigações de cada parte para com as demais;
3) Constituição sucessiva e a conclusão do contrato;
4) Não interferência do dolo individual na resolução do contrato;
5) Finalidade em comum;
6) Função instrumental dos contratos plurilaterais;
7) Prazo do contrato;
8) Condomínio sobre os bens da sociedade.
A maior implicação a respeito do contrato plurilateral se dá na forma de responsabilização e a própria relação jurídica entre as partes. Em um contrato bilateral, mesmo que existam diversas pessoas em um mesmo polo, não há a presença de mais de duas partes.
Existem, por outro lado, algumas implicações a respeito da multiplicidade de partes, em que há certa confusão a respeito da formação de um contrato plurilateral.
Pode-se entender, portanto, que um contrato bilateral com 5 pessoas em ambos os polos continua sendo um contrato bilateral. Para ser um contrato plurilateral, desta forma, é necessário que existam mais de dois polos em uma mesma relação jurídica, ou mesmo a possibilidade para tal.
Por exemplo, a empresa A realiza venda de insumos para a empresa B, que, por sua vez, vende o produto manufaturado para a empresa C, responsável pela comercialização deste aos consumidores. Nesta relação, o recebimento de A está condicionado ao faturamento de B, que também será remetido à venda do produto final por C.
Na hipótese, caso C não efetuasse nenhuma venda, A estaria também prejudicado, quebrando a cadeia de recebimentos. Disso, considerando que “contrato plurilateral” é aquele há a presença de mais de uma parte em uma mesma relação jurídica, é possível se dizer que A, B e C estão em um contrato plurilateral?
A resposta é não. As relações jurídicas são independentes entre si. O negócio firmado entre B e A em nada afeta o contrato entre B e C, sendo que A e C não possuem relação alguma de um para com o outro.
Desta forma, caso B encontrasse um novo fornecedor, substituindo A por D, não haveria modificação dos contratos com C. Existem, na verdade, dois contratos bilaterais. Para que fosse considerado um contrato plurilateral, A, B e C deveriam formar uma sociedade, com direitos e deveres equiparados uns para com os outros.
O objetivo do presente artigo foi observar a respeito da responsabilidade das partes em contratos plurilaterais, exemplificando as diferenças entre a relação bilateral e multipartes.
No caso, entendendo-se que “parte” é o polo de uma situação jurídica, deve-se pontuar que o contrato plurilateral é distinto das outras formas previstas na legislação, justamente no que tange aos aspectos de sua formação.
Para a Lei nº 6.404/76, a Lei das Sociedades por Ações (S.A.s), é mais visível a aplicação dos contratos plurilaterais. Considerando que as S.A são empresas geralmente repletas de investidores, os acionistas, o que se processa é justamente uma pluralidade de partes dentro de um contrato.
Por possuírem interesses individuais, na visão de Ascarelli, os mecanismos criados pelo direito visam uma maior harmonia entre os diferentes desígnios dos sócios, o que é justamente a implicação da teoria do ato complexo.
Em síntese, no contrato plurilateral o que se tem é uma sociedade ou uma associação de partes, visando um fim em comum e com direitos e obrigações equivalentes entre todos para com os outros. Nos bilaterais, o que há é um ato firmado por duas partes tão somente, visando uma finalidade em comum. Os unilaterais, por fim, são aqueles em que uma das partes assume uma obrigação sozinha a respeito da outra.
Para o direito, estas diferenciações são fundamentais, pois afetam diretamente a forma como a sociedade se organiza, bem como as implicações jurídicas de cada ato praticado. De certo, a formação das sociedades e associações passaram por diversas modificações no decorrer da história, que levaram ao entendimento atual.
A ideia de equiparação entre os sócios no contrato plurilateral define, dentre outras coisas, a possibilidade de rotatividade dos contratantes sem a alteração da substância do contrato. Em empresas, o que se vê comumente é a variação dos membros sem que isso afete o restante, o que não seria realizado tão simplesmente nas demais modalidades.
Ricardo Pereira de Oliveira
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