CASO NEYMAR – Análise Jurídico-penal
CASO NEYMAR – Considerações jurídico-penais
Olá, pessoal
Para quem não me conhece ainda, meu nome é Renan Araujo e sou professor aqui no Estratégia Concursos, lecionando as matérias de Direito Penal e Processual Penal.
Antes de prosseguir, convido você a me seguir no INSTAGRAM: Instagram do Prof. Renan Araujo
Neste artigo, quero falar um pouco com vocês sobre o “caso Neymar”, ou seja, todo o imbróglio envolvendo a acusação de estupro feita por uma mulher contra o jogador Neymar Jr., bem como os fatos que se desenvolveram a partir daí.
Por ser um tema “do momento” e por envolver Direito Penal, situações hipotéticas semelhantes podem ser objeto de cobrança em provas de concursos públicos.
ATENÇÃO! Aqui vou trabalhar as minhas percepções sobre as possíveis consequências jurídicas em relação aos envolvidos, sem afirmar que este ou aquele está mentindo ou falando a verdade. A consequência jurídica depende da comprovação do que efetivamente aconteceu, e o que efetivamente ocorreu só a persecução penal vai revelar.
1. Entenda o caso
No dia 01º de junho, último sábado, uma mulher, brasileira, registrou boletim de ocorrência em São Paulo, noticiando à Polícia ter sido vítima do crime de estupro, em tese praticado pelo jogador de futebol Neymar Jr (doravante Neymar) em Paris (França), no dia 15.05.2019.
Na mesma data, o pai e empresário do jogador afirmou à imprensa que seu filho estaria sendo vítima de extorsão, pois a mulher teria inventado os fatos e, por meio de seus advogados, pedido dinheiro para não comunicar o suposto crime às autoridades.
Ainda no sábado, à noite, Neymar decidiu se defender publicamente da acusação. Por meio de sua conta no Instagram, o jogador realizou uma live, um vídeo ao vivo, expondo várias conversas que teve com a moça, através de um aplicativo de mensagens instantâneas (WhatsApp), para comprovar ter havido uma relação sexual consensual.
No vídeo, é possível perceber que ambos se conheceram pela internet e passaram a trocar mensagens, algumas delas de cunho inegavelmente lascivo. Neymar expôs, ainda, diversas fotos da moça nua ou quase nua, ainda que tenha borrado a genitália, o rosto e o nome da moça (em dado momento, o nome da moça aparece).
Fica evidente pelas conversas mostradas, ainda, que houve um ajuste entre eles para que se encontrassem em Paris, onde mora o jogador, provavelmente para se entregarem aos prazeres da carne, segundo indicam as mensagens. As mensagens são quase todas anteriores à data indicada como sendo do crime de estupro, mas há também mensagens trocadas após o dia 15.05.2019, nas quais se verifica aparente normalidade na relação entre ambos, havendo até mesmo combinação para novo encontro, bem como uma solicitação feita pela moça, para que Neymar levasse um presente para seu filho.
Na noite de segunda-feira (03.06.2019), foi divulgado pela imprensa um documento elaborado pelo escritório de advocacia que representava os interesses da moça, no qual o escritório rescindia o contrato de prestação de serviços, ao argumento de que a moça teria mentido para os próprios patronos, pois aos advogados teria relatado apenas ter sido vítima de agressão, não de estupro (fato narrado na delegacia).
Desde então, a Polícia Civil do Rio de Janeiro vem investigando o caso relativo à divulgação não autorizada das imagens íntimas da moça (art. 218-C do CP), enquanto a Polícia Civil de São Paulo apura o suposto crime de estupro (art. 213 do CP).
2. Aspectos Jurídico-penais
2.1. Da extraterritorialidade da lei penal brasileira
Uma dúvida que surgiu na cabeça de muitas pessoas foi: poderia ser Neymar julgado e condenado no Brasil por um crime ocorrido no exterior? A resposta é positiva.
Vejamos o art. 7º, II, “b” do Código Penal:
Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
(…)
II – os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Como regra, a lei penal brasileira é aplicável apenas aos crimes cometidos dentro do território nacional. Todavia, existem casos excepcionais em que a nossa lei penal pode ser aplicada a um fato criminoso ocorrido fora do país: a isso dá-se o nome de extraterritorialidade da lei penal.
A extraterritorialidade da lei penal pode ser incondicionada, condicionada ou hipercondicionada, a depender da hipótese. Fugiria ao escopo deste breve artigo discorrer sobre todas. Para o que nos interessa, basta saber que a hipótese em questão se enquadra como extraterritorialidade condicionada.
O que isso significa? Significa que a nossa lei penal pode ser aplicada ao fato, desde que preenchidas algumas condições, previstas no art. 7º, §2º do CP:
Art. 7º (…)
§ 2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Todas as condições, a princípio, estão presentes no “caso Neymar”. Assim, a persecução penal pode se desenvolver no Brasil, podendo Neymar ser investigado, processado e aqui julgado.
2.2. Das condutas de Neymar
Sobre o atacante Neymar, atualmente, pesam dois possíveis crimes:
a) Estupro, art. 213 do CP
b) Divulgação não autorizada de cena de sexo, nudez ou de pornografia (art. 218-C do CP)
Em relação ao primeiro delito, vejamos o que diz o art. 213 do CP:
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
No que tange a este primeiro fato criminoso, não há, ainda, elementos que possam atestar ter havido, ou não, o crime. Há laudo médico particular apresentado pela moça, no qual há indicação de algumas lesões, dentre elas lesões nos glúteos, mas isso comprova, no máximo, a existência das lesões. Não comprova que as lesões ocorreram num contexto de estupro, nem comprova que teria sido Neymar o responsável pelo dito crime de estupro.
Há, porém, uma outra conduta de Neymar que pode configurar crime. Trata-se da conduta praticada na noite de sábado, quando Neymar, por meio de sua conta no Instagram, divulgou fotos de sua acusadora nua ou seminua (expondo os chamados “nudes” recebidos pela internet). Esta conduta, em tese, configura o crime do art. 218-C do CP:
Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Com relação a este crime, me parece que a materialidade e a autoria do FATO TÍPICO estão caracterizados. Neymar, de forma livre e consciente, divulgou as referidas imagens sem autorização da moça.
Mas, professor, mesmo se ele não teve dolo de atingir a imagem da moça, e apenas teve a intenção de se defender? Sim. Ainda assim o fato típico estará caracterizado, pois não se exige aqui o dolo específico (especial fim de agir) de atingir a imagem da vítima, para humilhá-la perante terceiros. Basta o dolo de divulgar, sem autorização, as referidas imagens.
Alguns juristas, pelos quais deixo aqui meu respeito, mas dos quais discordo, chegaram a afirmar não ter havido dolo, já que o nome da moça foi preservado e as fotos foram desfocadas. Todavia, não houve preservação total do nome da moça, bem como houve divulgação de imagens apenas parcialmente desfocadas. Repita-se, ainda que Neymar não tenha agido com intenção específica de humilhar a moça, houve vontade livre e consciente de divulgar as imagens, que poderiam ter sido totalmente preservadas.
No que tange a esta conduta, muita cautela deve ser adotada neste momento. Em todas as passagens me referi à caracterização perfeita do FATO TÍPICO. O fato típico, porém, é apenas UM DOS elementos que formam o crime. O crime, de acordo com a teoria predominante, é a conjugação de três elementos: fato típico + ilicitude + culpabilidade.
Mas, professor, há alguma tese defensiva que possa ser utilizada em favor de Neymar com relação a esta conduta?
Certamente que é possível imaginar alguma tese defensiva. Se esta tese será acolhida pelo Judiciário, aí é outra história.
Primeiramente, descarta-se a tese de legítima defesa. Algumas pessoas cogitaram esta tese por Neymar ter apenas se defendido do que julgava ser uma acusação falsa (animus defendendi). Todavia, não há que se falar em legítima defesa pois não havia qualquer agressão injusta ATUAL ou IMINENTE a direito próprio ou alheio, capaz de ser cessada por meio da referida conduta. Caso a moça tenha, de fato, acusado falsamente o jogador, isso configuraria uma agressão injusta pretérita à honra objetiva (imagem perante as demais pessoas) do jogador, não uma agressão atual ou iminente. Os efeitos dessa agressão injusta poderiam ainda estar sendo por ele sofridos, mas a agressão é pretérita, não atual.
Ademais, a reação não teria sido proporcional, eis que poderia Neymar ter mostrado apenas as conversas, borrando por completo as imagens, limitando-se a mostrá-las judicialmente.
Por fim, é bom frisar que o simples fato de ser uma tentativa de “proteger a honra objetiva” não impediria a caracterização de legítima defesa. Ao contrário do que se pensa, não só a vida ou a integridade física podem ser salvaguardadas pela legítima defesa. Outros bens jurídicos também podem, desde que a reação seja moderada e suficiente para afastar uma injusta agressão atual ou iminente a este bem.
EXEMPLO: José encontra Maria, sua esposa, na cama com Pedro. Para “proteger sua honra”, José mata Maria e o amante. Não há aqui legítima defesa da honra.
EXEMPLO 2: José acorda pela manhã com uma pessoa em sua porta, aos berros, usando um megafone, gritando para todo mundo ouvir que ele traiu sua esposa na semana passada, pois teria ido ao motel com uma outra mulher. José, revoltado, e para fazer cessar a agressão injusta atual contra sua honra objetiva, desce, toma o megafone das mãos da pessoa e quebra. Aqui, podemos considerar ter havido uma reação proporcional para fazer cessar uma injusta agressão atual contra um bem jurídico de José (a honra).
Assim, a meu ver, o que impede a caracterização da legítima defesa são os argumentos antes mencionados, não o fato de o bem jurídico ser a honra.
Uma outra tese que se poderia sustentar é a de inexigibilidade de conduta diversa. Trata-se de uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade, que pode ser reconhecida em casos nos quais a pessoa pratica um fato típico e ilícito, mas dadas as circunstâncias, não seria possível exigir desta pessoa um outro comportamento. Tese possível, mas improvável, dada a já citada possibilidade de borrar as imagens.
Por fim, há uma outra tese de exclusão da culpabilidade que seria a de erro de proibição indireto inevitável.
A tese se resume no seguinte: Neymar sabia que, a princípio, divulgar fotos íntimas sem autorização era algo ilícito, mas acreditava que poderia fazê-lo no seu caso, pois estaria apenas se defendendo.
Aqui, teríamos uma descriminante putativa por erro de proibição, ou erro de proibição indireto, que tem as mesmas consequências do erro de proibição direto, do art. 21 do CP. Vejamos:
Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Assim, o erro de proibição ocorre quando o agente desconhece a ilicitude de sua conduta, seja porque acredita que ela não é criminalizada (erro de proibição direto), seja porque acredita que, apesar de tipificada como crime, há uma excludente em seu favor, ou seja, uma “ressalva na lei” (erro de proibição indireto).
Todavia, a tese também é de difícil aceitação, pois não se exige do agente (no caso, Neymar) que saiba exatamente qual é a tipificação legal de sua conduta, bastando apenas que tenha um conhecimento leigo de que sua conduta é ilícita (ainda que não saiba exatamente de qual crime se trata), ou pelo menos possa chegar a ter ou atingir essa consciência leiga de que sua conduta está em desacordo com o ordenamento jurídico-penal (o que Mezger, doutrinador alemão, chamaria de “valoração paralela na esfera do profano).
No caso de Neymar, por se tratar de uma conduta deliberada e pensada por alguém que possui um staff jurídico, a tese fica fragilizada.
Em resumo, com relação ao crime de estupro, embora Neymar possa ser processado e julgado no Brasil, ainda há poucos elementos para afirmar que o crime ocorreu. Com relação à divulgação não autorizada das fotos íntimas da moça, entendo estar caracterizada a conduta, à luz do art. 218-C do CP, embora existam teses que podem ser levantadas em favor do jogador (embora nenhuma delas seja de fácil acolhimento).
2.3. Da conduta da acusadora
Com relação à mulher que acusa Neymar de estupro, só há duas hipóteses:
1) O estupro ocorreu e a imputação é verdadeira;
2) O estupro não ocorreu e a imputação é falsa.
No primeiro caso, naturalmente, a moça não terá cometido crime algum, sendo apenas vítima do delito.
Mas, professor, mesmo se ficar provado que ela quis ir a Paris e quis se encontrar com ele? Sim. O simples fato de ter havido a marcação de um encontro, ou de a moça ter “se oferecido” ao atacante, não impede que tenha havido estupro. Estes fatos não retiram de ninguém o direito à liberdade sexual, motivo pelo qual se, chegando ao local, a moça se recusou a iniciar o ato, ou se recusou a continuar com o ato, e o jogador a forçou, teremos estupro (art. 213 do CP).
Igualmente, se, chegando ao local, Neymar tivesse se arrependido ao ver a moça pessoalmente, não poderia ser por ela obrigado a praticar qualquer ato.
No segundo caso (imputação falsa), aí a coisa muda de figura.
Caso a moça realmente tenha inventado essa história, estaremos diante do crime de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do CP:
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000)
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Ou seja, a moça terá dado causa à instauração da investigação criminal contra o jogador sabendo que o mesmo não praticara tal delito, o que configura o crime de denunciação caluniosa, em sua forma consumada, na medida em que a investigação criminal chegou a ser instaurada.
Poderemos ter, ainda, o crime de extorsão, caso as alegações do pai de Neymar sejam verdadeiras, ou seja, caso a moça tenha exigido dinheiro de Neymar para não levar adiante essa falsa imputação:
Extorsão
Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Vale frisar que a ausência de recebimento da vantagem indevida é irrelevante para a consumação do crime de extorsão, ou seja, confirmados os fatos relatados pelo pai do jogador, a moça (e demais pessoas que tenha colaborado na extorsão) responderia pelo crime de extorsão em sua forma consumada (súmula 96 do STJ).
Isso é tudo pessoal. Sei que poderíamos ficar aqui levantando várias outras hipóteses, mas isso fugiria ao escopo central deste breve artigo.
Lembro que em todas as passagens me vali da condicional, ou seja, “SE ISSO, DE FATO, ACONTECEU…”. Não sei o que de fato se passou em Paris, motivo pelo qual apenas trabalhei as possíveis consequências jurídicas a depender da comprovação dos fatos alegados por cada parte envolvida.
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Bons estudos!
Prof. Renan Araujo
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Prof. Renan Araujo