Aviso: As opiniões contidas neste artigo são estritamente pessoais e não guardam nenhuma relação com a Comissão de Valores Mobiliários, instituição em que trabalho.
Recentemente publiquei o texto “Bolsonaro Presidente: Quais Estatais serão privatizadas?”, que rendeu muitos comentários e visualizações: por volta de 80 mil em apenas 1 semana (o número, claro, deve-se à quantidade de pessoas interessadas no tema). O artigo pode ser acessado aqui.
A conclusão do texto é simples: o Governo Bolsonaro irá tocar uma agenda de privatizações que, provavelmente, irá vender participações acionárias do Governo Federal em empresas ineficientes e também em outras não consideradas “estratégicas” pelo Presidente e seus técnicos. Enquadram-se nestes casos os Correios, a área de refino e distribuição da Petrobras, a área de transmissão da Eletrobrás, as companhias docas, a Valec, Infraero, entre outras.
Como já esperava, fui chamado por alguns de nazista/fascista/bolsominion/elitista/alienado. Todo esse carinho pode ser lido nos comentários do artigo supracitado. Aproveito, adicionalmente, para agradecer a todos que comentaram o texto com a intenção de debater as ideias nele contidas.
É, por isso, que escrevo essa continuação.
A intenção é apresentar, sobretudo àqueles que não entenderam, os argumentos técnicos para a privatização das empresas controladas pelo governo. Gostem ou não, não há argumentos técnicos e/ou evidências empíricas que sustentam que empresas devem ser geridas pelo governo. Essa é uma decisão política!
Isto é, se nos pautarmos estritamente pelas boas práticas de gestão e evidência empírica, NÃO encontraremos justificativa econômica para a existência de empresas estatais.
E vou explicar, em linhas gerais, três argumentos que sustentam tal afirmação, enfatizando o caso brasileiro. São eles: déficit e dívida pública, gestão e má alocação de recursos.
Antes de começar, um breve recado: esse texto é técnico e não possui qualquer conotação política. Caso você acredite que defendo o Bolsonaro por apresentar argumentos pró privatizações, lamento informar que você não entendeu o argumento desse texto.
Podemos iniciar, analisando os três tópicos de forma separada.
Privatizações, déficit e dívida pública
Antes de iniciarmos esse ponto, algumas breves observações para situar o leitor:
Ou seja, o número de estatais no Brasil é exagerado em relação aos demais países do mundo.
Continuando, a relação entre as privatizações, o déficit e a dívida pública é o ponto mais simples de compreender, sobretudo no caso brasileiro: as empresas públicas e sociedades de economia mista com participação da União Federal representam um ônus para o orçamento federal.
Em 2017, esse valor representou ao orçamento federal um total de R$ 13,6 bilhões. Segundo o Boletim das Participações Societárias da União[1] “as subvenções da União vêm crescendo ao longo do tempo, passando de um total de R$ 6,5 bilhões em 2012 para R$ 14,84 bilhões em 2017, um crescimento de 127% frente a uma variação de 44,44% do IPCA [inflação]”.
O texto continua afirmando que “outros R$ 5,334 bilhões foram destinados para aumento de capital. Com isso, todos os aportes da União nas empresas estatais somaram R$ 20,175 bilhões. Por outro lado, as receitas obtidas com juros e dividendos (remuneração à União pela participação nas empresas) atingiram apenas R$ 6,527 bilhões”.
Como estes valores aportados nas empresas são despesas primárias, há aumento no déficit primário, o qual, neste ano, está estimado na casa dos R$ 150 bilhões. Ou seja, os aportes nas estatais intensificam o déficit público, cuja situação já é caótica. Não é uma coincidência o fato de vermos a piora na qualidade e redução da oferta de serviços públicos que poderiam beneficiar a parte mais necessitada da população. Afinal, não há dinheiro.
Paralelamente a isso, há o crescimento da dívida pública.
O elevado déficit primário conjugado com a recessão econômica recente resulta no aumento da relação Dívida/PIB, ou seja, a dívida pública está aumentando em relação ao PIB. E isso gera outro efeito pernicioso: o aumento na despesa com juros.
Vamos falar em números?
O gráfico mostra o comportamento da dívida pública, que, em setembro de 2018, estava acima de 75% do PIB. Isso significa algo em torno de R$ 5 trilhões.
E, considerando que a taxa de juros média que incide sobre essa dívida está próxima de 10% a.a., pagamos de juros aproximadamente R$ 500 bilhões por ano.
Só para se ter uma ideia, o valor de mercado da Petrobras oscilou entre R$ 300 e R$ 320 bilhões em outubro de 2018. O Brasil para de juros, por ano, uma Petrobras e meia.
Então, quer dizer que a solução é fazer auditoria da dívida, não pagar mais juros e dar o calote? De forma alguma!! Propor qualquer uma dessas medidas é burrice, pois estaríamos dando o calote nos próprios cidadãos brasileiros, que detém a maior parte dessa dívida na forma de títulos da dívida pública.
A solução é uma só: reduzir o déficit, transforma-lo em superávit e acelerar o crescimento econômico.
E, nesse ponto, a privatização pode ajudar. Vender estatais pode gerar recursos (em torno de R$ 300-400 bilhões), abater uma parcela da dívida (em torno de 6-8% do PIB) e, com isso, reduzir o pagamento de juros. Com essa medida também teríamos redução do déficit primário, pois não seria mais necessário a mesma quantidade de recursos para fazer aportes em estatais deficitárias.
A sociedade brasileira agradece.
Privatizações e gestão das empresas
Esse tema é mais espinhoso e fruto de longos debates na academia e na prática. Mas, vamos resumi-lo em uma frase: empresas privadas são mais bem geridas que empresas públicas.
Não sou eu que estou dizendo isso; é o Nicholas Bloom, pesquisador de Stanford, cujo trabalho chegou nessa conclusão após extensa pesquisa.
Se desejar, recomendo ler os seus artigos sobre práticas de gestão e produtividade, disponíveis em https://www.gsb.stanford.edu/faculty-research/faculty/nicholas-bloom.
E, como isso pode ser visto no caso brasileiro? Através de um índice conhecido no mercado de capitais, chamado de ROE (return on equity). O ROE mede o retorno sobre o patrimônio líquido da empresa, ou seja, o resultado que ela apresenta sobre o patrimônio líquido. Em geral, quanto maior o ROE, maior o retorno dos investimentos realizados pela empresa.
Vamos analisar o ROE das empresas estatais federais no quadro abaixo:
Segundo a publicação já citada do Tesouro:
O Retorno sobre o Patrimônio ou Return on Equity (ROE), em 2017, conforme o gráfico a seguir, foi melhor para a maioria das empresas em análise. Destaques para a Caixa e a Petrobras em razão da substancial melhoria de seus resultados em 2017. O resultado excepcional da Caixa em 2017 é explicado pela reversão de provisão atuarial da Saúde (R$5,3 bilhões), além de melhor resultado de intermediação financeira e contenção de custos. Somente o BNDES e a Eletrobras apresentaram um indicador menor do que aquele de 2016. A Eletrobras em função de prejuízo. Em todo o período, de 2012 a 2017, o indicador das companhias do setor financeiro oscilou entre 10% e 24% no período (sem contar o resultado de 36% da Caixa em 2017). Nos anos em que apresentaram lucro, o ROE da Eletrobras foi de 8% (2016) e o da Petrobras ficou em 6% (2012) e 7% (2013). O gráfico apresenta permite, ainda, comparar o ROE das empresas com o custo médio da dívida pública mobiliária federal (DPMFi), que pode ser utilizado como referência para o custo de oportunidade do Governo Federal.
Traduzindo para o português: o ROE das empresas citadas (que são as mais importantes) é baixo (muitas vezes negativo) e, em certos momentos, inferior ao custo de captação do Tesouro. Ou seja, há situações em que ocorre “queima de valor” pelas empresas estatais.
Em resumo: historicamente as empresas estatais são mal geridas.
Privatizar pode ser uma solução para melhorar esse cenário, como vimos nos casos de Vale, das empresas de telefonia e outras.
Privatizações e alocação de recursos
Esse é outro tema bastante espinhoso, que está na “fronteira” do conhecimento nos estudos sobre crescimento econômico e desenvolvimento. Por isso, irei também o resumir para evitar complicações desnecessárias.
Como vimos, empresas estatais possuem baixo retorno sobre o patrimônio, sendo que algumas vezes elas “queimam valor” (retorno sobre o patrimônio é menor que o custo de captação).
Isso possui uma importante implicação macroeconômica, sobretudo no que tange ao crescimento econômico: a má alocação de recursos.
A ideia é simples e não exige muita sofisticação para ser compreendida: se recursos são empregados em empresas que apresentam baixo retorno e baixa geração de valor, há impacto negativo no crescimento econômico. Ou seja, se o capital fosse alocado em empresas mais eficientes (em geral, aquelas com administração privada), mais valor agregado seria gerado e, consequentemente, haveria maior crescimento no PIB.
A má gestão de empresas resulta em redução na produtividade da economia. Como o aumento da produtividade é o motor do crescimento econômico, a má gestão das empresas provoca má alocação de capital, que provoca baixa produtividade, que resulta em impacto negativo no crescimento econômico.
Se quiser se aprofundar no assunto, recomendo a leitura de Banerjee and Duflo (2005), Chari, Kehoe and McGrattan (2007), Restuccia and Rogerson (2008) and Hsieh and Klenow (2009). São acadêmicos de elevada reputação e muito mais confiáveis do que eu….rs!
Mais uma vez, privatizações podem ajudar nesse ponto.
Mais uma vez, a sociedade brasileira agradece
Abraços!
[1] https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/0/Boletim+das+Participa%C3%A7%C3%B5es+Societ%C3%A1rias+da+Uni%C3%A3o_2017/411ef9fa-e48a-4f40-b193-7ed235a58370
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É sempre assim. O empresário fala que não tem dinheiro para empreender. Aí o governo faz. Depois que está pronto, o mesmo empresário fala: "o governo é ineficiente, tem que privatizar.... me empresta dinheiro baratim por meio do BNDES que eu compro."Pu mêi das berada!
Mas Vicente, o ROE não é uma medida aplicável a qualquer estatal. Pode até ser a Petrobrás por exemplo, mas tem estatais que simplesmente não tem o objetivo de gerar lucro. A Embrapa não tem como dar lucro, faz pesquisas que para a iniciativa privada seriam caras de manter e muitas vezes com risco desinteressante. A Conab faz gerenciamento de abastecimento, garantia de preços mínimos, garantia de renda para produtores e até mesmo garantia de alimentação para animais de pecuaristas que se vêem "loucos" quando falta milho por exemplo, distribuicao de cestas,que empresa privada vai fazer isso? Tem sentido medir ROE destas empresas? Vão privatizar a EBSRH e depois pagar aluguel a ela mesma?
Mas Vicente, o ROE não é uma medida aplicável a qualquer estatal. Pode até ser a Petrobrás por exemplo, mas tem estatais que simplesmente não tem o objetivo de gerar lucro. A Embrapa não tem como dar lucro, faz pesquisas que para a iniciativa privada seriam caras de manter e muitas vezes com risco desinteressante. A Conab faz gerenciamento de abastecimento, garantia de preços mínimos, garantia de renda para produtores e até mesmo garantia de alimentação para animais de pecuaristas que se vêem "loucos" quando falta milho por exemplo, que empresa privada vai fazer isso? Tem sentido medir ROE destas empresas? Vão privatizar a EBSRH e depois pagar aluguel a ela mesma?
Concordo que o ROE não é aplicável a qualquer estatal. É exatamente por isso que o texto aborda o conceito apenas para o BB, CEF, Petrobras, Eletrobrás e BNDES. Para essas, o conceito é bem aplicável.
Muito boa explanação professor, concordo com as privatizações, desde que haja um comprometimento para não gerar mais desempregos, os maus profissionais, maus gestores tem que procurar o seu rumo e acabar com a boa vida. Tem que privatizar essas que só dão prejuízos ao orçamento. A sociedade brasileira agradece.
Caro Vicente Camilo, o que realmente interessa ao cliente do Estratégia Concursos no que diz respeito a esse assunto é a maneira como isso pode impactar o futuro dos concursos públicos: vale a pena estudar para Banco do Brasil, CEF, etc? Até pq nada está garantido, ele pode voltar atrás como tem feito em relação a várias decisões.
Neoliberalismo é interessante para muita gente, mas saem perdendo o concurseiro e o funcionário público que, advinha?I Exatamente... são quem mantém essa empresa.
Bem triste ver o Estratégia adotando viés político. Ainda bem que tem vááááários cursinhos por aí. Daqui eu não compro mais.
Luíza, BB e CEF não serão privatizados. O que pode ocorrer é a privatização de alguns setores dessas instituições, mas não elas em si.
E, novamente, informo que o texto não é político, mas técnico. A ideia foi abordar os argumentos econômicos (de eficiência) que concluem ser as privatizações benéficas à sociedade. Minha área aqui no curso e profissional é a econômica e, por isso, escrevo sobre ela.
Sinceramente, a era de ouro dos concursos acabou, daqui pra frente agora é gato pingado.
Claramente a sua retórica é sofismática e mal intencionada.
Você esquece de citar que países como a Inglaterra, entre outros estão revendo a sua política de de privatizações indiscriminada, e devolvendo o controle de empresas essenciais ao desenvolvimento da sociedade, ao governo. Justamente pelo mal desempenho e ingerência do setor privado, o que acabou gerando custos altíssimos ao governo e ainda trouxe mais problemas do que solução.
A sua visão entreguista/ liberal não convence ninguém, por ser muito rasa e direcionada (apesar de maquiada). Chega de sofismas.
Marcelo, sinto informar que a Inglaterra não está fazendo isso. A melhor forma de organização econômica, inclusive, é a realizada naquele país: regulação com interesse público e gestão privada das empresas. Abs!
Professor, mas nesse caso será que a melhor forma de "resolver" é a privatização/extinção das empresas?
No caso da Valec, por exemplo, não seria importante o governo investir em um corpo técnico (e não político) e concluir a entrega da ferrovia, com gestão, fiscalização? Vimos na greve dos caminhoneiros o quanto a nossa quase exclusividade no transporte rodoviário prejudica o país. É melhor para nosso país que isso seja concedido para a iniciativa privada, com licença de exploração por décadas? (São perguntas mesmo, gostaria de entender melhor esses pontos). Obrigado!
João, o melhor "desenho" seria dado pela regulação econômica pelo setor público (com corpo técnico capacitada para tanto) e gestão privada da empresa. Tecnicamente, essa é a melhor forma.
Acho que esse professor não esta pensando na quantidade de pessoas que ficarão desempregadas com tantas privatizações,deve ser um grande empresário.
Erinaldo, o aumento da produtividade gera desenvolvimento econômico e, consequentemente, geração de mais empregos. A situação econômica atual, fruto da desorganização econômica e baixa produtividade, gera desemprego. Não é coincidência termos uma das maiores taxas de desemprego da nossa história nesse momento.
Excelente explicação, professor! É a primeira análise que leio que explica de forma detalhada o suficiente (mas sem ser prolixa) para entendermos um pouco mais sobre a necessidade das privatizações.
Legal, Rodrigo. A ideia é fomentar o debate.