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As Contribuições de Melhoria e a Jurisprudência

Conceitos Iniciais

Este artigo busca esclarecer definições e características das contribuições de melhoria e como a jurisprudência tributária aprimorou aspectos da interpretação dessa espécie tributária.

A lei 5.172/1966, conhecida como Código Tributário Nacional (CTN), ao ser publicada, manteve um entendimento já cristalizado pela doutrina majoritária brasileira, e a Constituição Federal de 1988 (CF/88), manteve a espécie tributária em seu artigo 145. Na constituição anterior, a de 1946, havia uma corrente de tributaristas que à época adotava a teoria tripartida, oriunda do Código Tributário Alemão, da então República de Weimar (1919). Esta teoria tripartida se baseava na definição de três espécies tributárias: taxas, impostos e contribuições de melhoria.

Um aspecto importante, nem sempre lembrado nesta teoria, é um desdobramento referente aos fatos geradores destas espécies tributárias. Trata-se da questão da vinculação da espécie tributária, que ainda se desdobra em mais duas partes: a vinculação do Estado ao fato gerador e da vinculação das receitas tributárias de cada tributo.

Primeiro, a vinculação do Estado ao fato gerador é fundamental para diferenciar as espécies da teoria tripartida. Imposto é a espécie de tributo cujo fato gerador independe de uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Dessa maneira, observa-se que o imposto não envolve uma ação do Estado em relação ao contribuinte: não é algo que o Estado faz, isto é, não é um fato do Estado: ao contrário, é um fato do contribuinte. Taxas e contribuições de melhoria são espécies tributárias que envolvem uma relação em que o Estado faz ou realiza algo, que beneficia direta ou indiretamente a coletividade (contribuintes), sendo devida uma retribuição por isso.

No caso das taxas, é um serviço prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, ou um aparato de fiscalização de atividades, que visa beneficiar a todos, em âmbito geral. A contribuição de melhoria possui outro enfoque: o ente estatal executa uma obra pública que beneficia a toda a coletividade em geral, e, dessa forma, ele cobra uma contraprestação da população beneficiada por esta obra. Em ambos os casos, o ente estatal faz algo e cobra uma contraprestação. Ou seja: os dois são tributos vinculados, eis que exigem uma relação que envolve algo que o Estado faz direta ou indiretamente ao contribuinte.

Quanto ao lado da vinculação das receitas, no caso das taxas a vinculação se dá em função do custeio da atividade, seja a prestação de serviço, seja a atividade de fiscalização, observando o princípio da modicidade tarifária. Por dois motivos: a taxa deve remunerar estritamente o custo estatal necessário para realizar a atividade e deve abranger o maior contingente de contribuintes possível. No caso da contribuição de melhoria, a vinculação se dá na exata dimensão do custo da obra pública realizada, para não permitir o enriquecimento indevido do Estado

As contribuições de melhoria são instituídas em função de diversas obras públicas. Até mesmo canalização de córregos e esgoto.

Contribuições de melhoria: o que são?

Desde tempos imemoriais, a civilização necessita de obras públicas que possibilitem a melhoria de condições de vida de povoados, vilas, cidades, estados em geral. Não é preciso muito para se ter ideia disso. Pode ser uma estrada que ligue duas cidades, ou dois reinos. Uma ponte, uma instalação portuária, até mesmo a pavimentação de uma via pública, arborização, iluminação pública, aquedutos, instalações de esgoto, parques públicos, aterros sanitários, represas, canalização de córregos, canalizações pluviais, instalações de transportes e comunicações em geral.

Enfim, pode ser qualquer obra pública, desde que gere a valorização imobiliária. E, de acordo com o CTN e o Decreto-Lei 195/1966 (a lei que regula este tributo), pode ser de qualquer entidade federativa no Brasil: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Basta que o ente federativo que queira realizar a referida obra publique um Edital, contendo entre outros, os seguintes requisitos (DL 195/66, art 5.o):

“I – Delimitação das áreas direta e indiretamente beneficiadas e a relação dos imóveis nelas compreendidos;

II – memorial descritivo do projeto;

III – orçamento total ou parcial do custo das obras;

IV – determinação da parcela do custo das obras a ser ressarcida pela contribuição, com o correspondente plano de rateio entre os imóveis beneficiados.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, também, aos casos de cobrança da Contribuição de Melhoria por obras públicas em execução, constantes de projetos ainda não concluídos.”

O CTN também vai na mesma linha, ao definir os critérios do edital, no artigo 82.

O requisito do primeiro item se refere à área de abrangência da obra, que relaciona quem irá se beneficiar desta obra, pois envolve quem deverá ser cobrado. O item II trata de qual é a obra pública que será executada (ponte, praça, pavimentação de rua, etc.). O terceiro item fala de quanto vai custar, em termos de estimativa (pois aqui se fala de orçamento total ou parcial). E o último item trata da parte a ser paga por cada contribuinte.

Várias obras públicas podem gerar valorização imobiliária

Esta última parte é uma parte que define quanto cada contribuinte deverá pagar, porque ela possui dupla dimensão: o valor de obra pública (o valor mínimo rateado entre os beneficiados) e o “acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado (CTN, art. 81). Por qual motivo tal dimensão deveria ser dupla?

Aqui cabe mais uma consideração imprescindível para compreender de que forma estes dois limites devem ser considerados nesta espécie tributária. Na antiguidade, a coisa já funcionou mais ou menos assim: pavimentava-se uma via, com 20 imóveis de cada lado (total 40), que custasse, neste exemplo, R$ 40.000,00 e então rateava-se esse valor em 40 imóveis, com R$ 1.000,00 de contribuição de melhoria para cada imóvel. Neste exemplo singelo tudo parece simples. Mas existem obras de custo muito mais elevado. E os imóveis beneficiados podem ser de diferentes dimensões, padrões e finalidades, podendo envolver desde uma humilde casa térrea até um sobrado com mais de 3 andares comerciais, com cerca de 15 salas comerciais. Um simples rateio seria o critério mais justo?

Somente a título de curiosidade, existem pelo menos dois parâmetros em sistemas de outros países. No sistema tributário alemão, prevalece o rateio do custo da obra. Seria a configuração pura do exemplo anterior.

De outra forma, e se o exemplo fosse assim: a rua pavimentada custou os mesmos R$ 40.000,00, e os imóveis, em decorrência da valorização imobiliária decorrente da pavimentação, de forma geral, aumentaram de tal forma que a valorização dos imóveis chegou a R$ 100.000,00, e o ente público recolheu todo este valor dos contribuintes. Parece justo cobrar um valor muito maior que o custo efetivo da obra? Este é o sistema americano.

Com base nestas duas situações foi que tanto o CTN como o DL 195/66 buscaram um valor que seja baseado em dois limites, que pelo menos cubra o custo da obra (mínimo), e, na melhor das hipóteses, remunere o ente estatal na proporção do benefício gerado pela obra pública (máximo). Através destes dois limites, buscou-se resolver a questão do “pobre casebre do aposentado”, e, ao mesmo tempo, cobrar do empresário que exerce sua atividade a medida em que a obra pública gerou mais valorização de seu imóvel. Com um adicional: o artigo 12 do DL 195/66 estabeleceu o limite de 3% do valor do imóvel, como valor que sua contribuição de melhoria não poderá ultrapassar. Entretanto, como sempre há dúvidas na aplicação das leis, algumas questões mostraram que ainda permaneciam aspectos sobre as contribuições de melhoria que precisavam da jurisprudência para serem respondidas de forma mais definitiva.

Contribuições de melhoria e jurisprudência

As cortes superiores possuem alguns julgados consolidados no que se refere ao entendimento sobre questões relacionadas às contribuições de melhoria e jurisprudência. Um caso questionava se a obra pública não poderia ser realizada somente após a publicação do edital. A jurisprudência do STF separou as duas questões: enquanto o edital é necessário para notificar sobre a cobrança da contribuição de melhoria, ele não impede a execução da obra, sendo duas coisas diferentes (apesar de estarem relacionadas). Se o ente dispuser de recursos para realizar a obra, ele não está impedido pelo edital – o edital é necessário para a cobrança da contribuição de melhoria, podendo ser publicado inclusive após o início das obras.

Posteriormente, houve a questão de um ente que quis cobrar, como contribuição de melhoria, o valor do custo do recapeamento de uma via pública. O guardião da constituição rechaçou essa cobrança, por entender que o recapeamento asfáltico é um serviço de manutenção de vias públicas – não se trata de pavimentação per se, ou seja, a via já existia, não cabendo se falar em valorização por um serviço de recapeamento – pois não se tratava de uma obra pública que justificasse cobrança de contribuições de melhoria nesta jurisprudência.

Nem toda a obra pública pode gerar valorização imobiliária – recapeamento é um exemplo disso.

Em outro julgado, chegou ao Supremo um pleito em que o ente federativo pretendia deduzir da indenização por expropriação o valor da contribuição de melhoria que o mesmo não havia pago. O egrégio tribunal, sobre este caso de contribuições de melhoria e jurisprudência, entendeu descabido o ato, uma vez que não se tratava de uma valorização geral: se fosse específica, somente para aquele imóvel, é que se poderia cogitar a respectiva dedução de indenização.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também teve que analisar uma ação sobre requisitos de instituição da espécie tributária. Em que pese os requisitos para a instituição de uma contribuição de melhoria, o STJ fixou a tese de que caberia ao ente tributante publicar o edital referente à instituição da contribuição de melhoria, nesta jurisprudência, indicando os dados da obra pública, já listados no artigo 82, do CTN e acrescenta uma consideração não menos importante: a de que cabe à administração pública o ônus da prova da valorização imobiliária.

Conclusões

As contribuições de melhoria encontram-se entre as espécies tributárias mais antigas não só no Brasil, mas inclusive no mundo. Claro que, a depender de cada ordenamento jurídico, é possível notar que fatores diferentes norteiam seus fatores de absorção de custos e rateios.

Em alguns países, busca-se tão somente repor o erário, pois ele não compõe uma fonte infinita de recursos, e a cada saída deve haver um retorno de recursos no mínimo equivalente.

Outras nações buscam, através de uma sistemática de solidariedade, cobrar mais de quem mais pode pagar, de acordo com um critério que busque também aferir a capacidade contributiva de cada contribuinte: assim, quem teve mais benefícios pode pagar relativamente mais de acordo com seu benefício auferido.

O sistema jurídico buscou aproveitar o melhor destas duas características definidoras do tributo, de forma a propiciar que ele ao menos ressarça os custos estatais, mas sem prejudicar as finanças de contribuintes que possuem menos condições de arcar com esta exigência estatal. As ações levadas aos tribunais superiores até hoje sobre as contribuições de melhoria e a jurisprudência parecem concordar este aspecto, até hoje mantendo-a efetiva, respeitando essas características de um tributo que pode levar, entre outras coisas, desenvolvimento econômico a diversas regiões do país, assim também auxiliando a efetivar o objetivo constitucional de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Ricardo Pereira de Oliveira

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Ricardo Pereira de Oliveira

Formado em Administração de Empresas pelo Mackenzie, pós-graduado em Marketing pela ESPM. Concurseiro desde 2014. Auditor Fiscal da Receita Municipal de Campo Grande/MS Ex-Fiscal de Rendas de Taboão da Serra/SP

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