Nesse artigo abordaremos as peculiaridades da Arbitragem no âmbito da Fazenda Pública diante da previsão na Lei n.º 9.307/1996 (Lei da Arbitragem) e dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto.
O art. 1.º da Lei n.º 9.307/1996 (Lei da Arbitragem) prevê a possibilidade de utilização de arbitragem pela Fazenda Pública (FP) para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Antes da previsão legal da possibilidade da arbitragem pela FP, ela já era admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).Ademais, a Lei 8.987/95 (Lei das concessões de serviços públicos) e a Lei 11.079/2004 (Lei das parcerias público-privadas) já previam a possibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública desde que realizada no Brasil e em língua Portuguesa.
Algumas peculiaridades da arbitragem envolvendo a FP: ela não pode ser sigilosa (deve ser pública) nem pode se decidir por equidade, sendo a arbitragem sempre de direito, por conta do princípio da legalidade.
Art. 1º § 1o da Lei 9.307/96 “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Art. 2º, § 3º, “A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.”
A nova lei de licitações (Lei 14.133/2021) prevê, em seu art. 150, parágrafo único que:
“Art. 150 Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.
Parágrafo único: Será aplicado o disposto no caput deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações”.
Dessa forma, em procedimento arbitral decorrente de contrato administrativo, podem ser eventualmente discutidos direitos patrimoniais disponíveis, como a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, o inadimplemento da obrigação e o cálculo de indenizações.
Entretanto, não podem ser submetidas ao procedimento arbitral as cláusulas decorrentes do exercício de prerrogativas legais do poder público, como a viabilidade jurídica de imposição unilateral da obrigação advinda de contrato administrativo.
O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que a Administração pode utilizar o procedimento arbitral para solucionar conflitos relativos a contratos administrativos, ainda que não haja previsão no edital ou no contrato, desde que seja realizado compromisso arbitral entre as partes posteriormente.
A lei de arbitragem ainda estabelece qual autoridade pública é competente, na administração direta, para submeter as relações da Administração Pública ao procedimento arbitral:
Art. 1º § 2º “A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.
O art. 21 da Lei da Arbitragem estabelece que a arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada ou poderá delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, a regulação do procedimento.
Na arbitragem envolvendo a Fazenda Pública, são admitidas tanto a arbitragem institucional quanto a escolha de árbitro ad hoc, havendo uma discussão sobre a natureza dessa contratação.
A arbitragem institucional (realizada por meio de câmaras arbitrais) é a mais indicada para a Administração Pública, haja vista que há a adesão a um regulamento já existente, há um apoio administrativo e árbitros já vinculados à câmara.
Tratando-se de uma prestação de serviços seria o caso de um contrato administrativo atípico, isto é, um contrato privado da Administração Pública, à exemplo do que ocorre com os contratos de locação e de seguro.
Em âmbito federal, a Câmara deve ser escolhida dentre aquelas previamente credenciadas AGU. Neste molde, já se verifica a escolha pelo credenciamento, adotando o entendimento pela inexigibilidade de licitação.
A escolha de árbitro ad hoc ocorre quando há seleção de árbitros para um determinado caso específico. As partes selecionam os respectivos árbitros e definem as regras do procedimento. Neste caso, a escolha do árbitro está marcada por um alto grau de discricionariedade, tendo em vista que pressupõe a confiança depositada no árbitro, a capacidade técnica, a experiência.
Esses aspectos tornam inviável a realização de uma licitação, tendo em vista a impossibilidade de definição de critérios objetivos relacionados às características acima indicadas.
Em âmbito federal, quanto à escolha dos árbitros ad hoc, o decreto federal adotou o entendimento de Marçal Justen Filho, considerando um ato administrativo unilateral e discricionário, não sujeito à licitação.
Por fim, a lei 14.133/2021, embora não tenha previsto expressamente, parece ter adotado o entendimento de que a seleção dos árbitros, colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas é feita por meio de contratação direta, não se sujeitando ao procedimento licitatório.
Art. 154 da lei 14.133/2021: “O processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes”.
Não há previsão da revisão e não cabe recurso de sentença arbitral, conforme art. 18 da Lei 9.307/96: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
Dessa forma, a sentença arbitral em desfavor do poder público não é submetida à remessa necessária. Esse entendimento foi fixado pelo Enunciado nº 164, FPPC:
A sentença arbitral contra a Fazenda Pública não está sujeita à remessa necessária.
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