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Crimes Previdenciários: Apropriação Indébita Previdenciária e Sonegação de Contribuição Previenciária

Conceitos Iniciais sobre Apropriação Indébita e Sonegação de Contribuição Previdenciária

Este artigo se destina a demonstrar e explicar os crimes previdenciários (apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária) no Brasil e sua jurisprudência. A contribuição previdenciária é uma espécie tributária e a legislação tributária brasileira há bastante tempo estabeleceu casos em que seu recolhimento deve ser realizado por responsáveis – terceiros que, apesar de não possuírem relação pessoal e direta com o acontecimento definido como fato gerador, possuem uma relação indireta.

Esta relação indireta muitas vezes se resume a algum pagamento que será realizado ao filiado ao Regime Geral da Previdência Social (a maioria dos segurados é filiada ao RGPS), ou ao pagamento de salários dos servidores públicos, realizado por pessoas jurídicas de direito público.

No caso das contribuições previdenciárias, existe um duplo papel exercido por empresas e entidades que se assemelham a elas: elas tanto são contribuintes, sobre a folha salarial e de rendimento pagos a trabalhadores ou prestadores de serviços, como também são responsáveis pelo recolhimento referente à parcela devida pelo próprio segurado trabalhador ou prestador de serviço.

Como se trata de muitas entidades públicas e privadas que se assemelham a empresas no que se refere ao pagamento, a lei equiparou essas entidades às empresas na obrigação do recolhimento da contribuição previdenciária. Ou seja, se alguma dessas instituições for realizar algum pagamento a alguém que seja segurado, por obrigação definida em lei, ela deverá reter (separar da quantia a pagar) e recolher (pagar aos cofres públicos) a respectiva contribuição previdenciária do segurado, em regra tendo de recolher juntamente com sua parte.

Quando o contribuinte ou responsável não recolhe as contribuições previdenciárias a seu cargo, ele não lesa apenas o ente federativo, mas também o sistema previdenciário (geral ou próprio) e seus beneficiários. Em função deste impacto, o legislador incluiu alguns atos que lesam a previdência como crimes contra a previdência social, no Decreto-Lei n. 2848/1940, o Código Penal (CP) – como a apropriação indébita previdenciária e a sonegação de contribuição previdenciária – conforme será visto a seguir.

Os crimes contra a previdência são crimes cometidos contra o segurado e o sistema de previdência
Os crimes contra a previdÊncia (apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária) são crimes cometidos contra o segurado e contra o sistema de previdência

O crime de Apropriação Indébita Previdenciária

A lei n. 9983/2000 incluiu no CP, no capítulo referente à apropriação indébita, a modalidade previdenciária do crime: “Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:”

Deixar de repassar significa ter realizado todos os atos relativos às informações necessárias para a realização do lançamento tributário. Ou seja, o contribuinte e/ou responsável informou a autoridade administrativa da existência da obrigação e consequente crédito tributáriomas não realizou o recolhimento das respectivas contribuições.

Só que o dispositivo legal não para somente nesta descrição do ato típico (ação que configura o crime), ele descreve outras ações equiparáveis que também configuram o mesmo crime: “§ 1 o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.”

Isso quer dizer que, na essência, apropriação indébita de contribuição previdenciária é qualquer forma de ação que tenha o mesmo resultado: o responsável por recolher informou o fisco, sabe o que e quando deve recolher, reteve (descontou) do segurado, mas não recolheu os valores informados. Mas há outras formas, como não recolher contribuições que tenham integrado despesas ou custos – como a contribuição social devida pelo importador de bens e serviços do exterior. Ou mesmo devolver a segurados valores de contribuições reembolsadas pela previdência social à empresa.

Enfim, todas as ações são variações do mesmo tipo criminal: ficar indevidamente com valores referentes a contribuições sociais, seja como contribuinte delas ou responsável. A pena para tal crime é de 2 a 5 anos de reclusão e multa. Mas a lei traz algumas possibilidades de extinção da punibilidade ou atenuação da pena:

“§ 2 o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.            

§ 3 o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

O crime de Sonegação de Contribuição Previdenciária

A mesma lei n. 9983/2000 incluiu o outro crime contra a previdência social: a sonegação de contribuição previdenciária. Nos termos do CP, em seu artigo 337-A: “Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:        

I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;

II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias;”

Enquanto na apropriação indébita o contribuinte e/ou responsável informa as autoridades sobre as contribuições devidas, mas não realiza o recolhimento, a sonegação de contribuição previdenciária é o ato de distorcer a ocorrência do fato gerador, seja para reduzir seu valor, ou mesmo para falsamente dizer que o fato gerador não ocorreu. A pena nesta modalidade de crime também é de 2 a 5 anos de reclusão e multa (apesar de a sonegação envolver uma ação em tese mais lesiva para a sociedade em geral).

Da mesma forma que na apropriação indébita previdenciária, a lei também prevê quase as mesmas possibilidades de extinção de punibilidade e de atenuação das penalidades.

“§ 1 o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

§ 2 o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I – (VETADO);

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

§ 3 o Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 4.984,35 o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.” (o valor foi atualizado pela portaria MF n. 15/2018 – ainda vigente). Nesse tipo de crime a lei aventa uma possibilidade adicional de atenuação de penalidades: que o empregador não seja pessoa jurídica – ou seja, não se trate especificamente de uma instituição, mas uma pessoa natural que emprega pessoas para atividades particulares de cunho não empresarial, como o proprietário de chácara que contrata pessoas para tarefas em sua propriedade.     

A sonegação de contribuição previdenciária constitui em distorcer o fato gerador.
Diferente da apropriação indébita previdenciária, a sonegação de contribuição previdenciária constitui em distorcer o fato gerador

Jurisprudência e doutrina sobre Apropriação Indébita Previdenciária e Sonegação de Contribuição Previdenciária

Quando se fala sobre execuções fiscais, é preciso ter em mente a operação da execução fiscal como um todo. A execução fiscal é a ação judicial de cobrar o devedor tributário, utilizando-se de um rito próprio para isso. Primeiro o sujeito passivo deve ser inscrito na Dívida Ativa da União, que irá gerar uma inscrição na Certidão da Dívida Ativa (CDA).

A partir dessa inscrição, em que se é verificada a legalidade e regularidade do crédito tributário, a CDA é remetida para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão do Ministério da Economia que cuida judicialmente da cobrança dos tributos devidos à União.

O processo de execução fiscal consiste na notificação ao devedor, em que se dá um prazo para que ele se manifeste sobre essa cobrança. O devedor poderá se manifestar nesse prazo ou não. Se o processo prosseguir, caso o devedor não promova o pagamento de sua dívida, começará a busca por bens para penhora. E assim o processo segue, com a busca, seguida da própria penhora dos bens necessários à satisfação da dívida – caso haja bens disponíveis para a penhora, resultando em recursos públicos desperdiçados em busca de créditos “ruins”, ou de difícil recebimento.

Entretanto, nem sempre os bens são encontrados ou estão disponíveis. Para situações como essas é que a lei n. 10.522/2002 define que o valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais: R$ 10.000,00. Ainda assim, a Portaria MF n. 75/2012 (do então Ministério da Fazenda) define o valor mínimo para o ajuizamento em R$ 20.000,00.

Quanto à jurisprudência, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso de apropriação indébita previdenciária é pela aplicação do princípio da insignificância, quando as importâncias devidas em contribuições sociais não ultrapassarem R$ 10.000,00.

Outra questão é a da lei que incluiu a faculdade do juiz de extinguir a punibilidade ou atenuar penalidades no caso da sonegação de contribuição previdenciária. O inciso “I” previa obenefício inclusive em caso de parcelamento – o que trazia o risco de, se o contribuinte descumprir o parcelamento depois de agraciado sem punição, ou com punição mais branda, impossibilitando a persecução penal posterior.

Por esse motivo o inciso “I” do § 2 do art. 337-A foi vetado. Em 2018, para assegurar uma efetividade maior ao dispositivo do § 3º do art. 168-A (o que trata da apropriação indébita previdenciária), foi adicionado o seguinte texto pela lei n. 13.606/2018:

“§ 4º A faculdade prevista no § 3º deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.”

O STJ, na apropriação indébita previdenciária, utiliza o princípio da insignificância
O STJ, na apropriação indébita previdenciária, utiliza o princípio da insignificância

Conclusões

Este artigo procurou explicar a importância das contribuições sociais para o custeio da seguridade social e como os contribuintes e responsáveis estão vinculados à retenção e recolhimento dessas contribuições, inclusive constituindo infração penal não informar e/ou não recolher os valores devidos aos cofres públicos.

E em função disso existem dois crimes tipificados no Código Penal: a apropriação indébita previdenciária e a sonegação de contribuição previdenciária.

A apropriação indébita previdenciária consiste em deixar de repassar contribuição previdenciária retida para a previdência social, deixar de recolher contribuição previdenciária devida para a previdência social, ou deixar de recolher contribuição previdenciária ao segurado quando o valor tiver sido reembolsado pela previdência social.

A apropriação indébita previdenciária é um crime tipificado pela atitude do sujeito ativo (na linguagem do direito penal, quem comete o crime) que, informando o fisco, fica com valor das contribuições, sem pagá-las aos cofres públicos.

A sonegação de contribuição previdenciária, por sua vez, é caracterizada pelo ato de omitir de folha de pagamento ou outro documento de informações previsto na legislação previdenciária segurados empregados ou prestadores de serviços, deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias referentes às contribuições previdenciárias descontadas ou devidas, bem como omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas, e demais fatos geradores de contribuições previdenciárias.

A sonegação de contribuição previdenciária, é, distintamente da apropriação indébita previdenciária, um ato de fraude, consistindo em uma distorção do fato gerador, sendo mais lesivo tanto para o fisco quanto para o sistema.Entretanto, a lei penal trouxe ambos ao mesmo patamar de punibilidade, tanto que as causas de extinção e atenuação de penalidades são bastante similares. O que fica, sim, demonstrado, é a preocupação do legislador em salvaguardar a integridade do sistema previdenciário brasileiro, trazendo ao abrigo do direito penal estas duas figuras configuradas então como crimes contra a previdência social.

Ricardo Pereira de Oliveira

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