A Agência Nacional de Petróleo (ANP) e sua finalidade
Introdução: antes da ANP
O objetivo deste artigo é explicar a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e qual é a sua finalidade, ao longo da história do petróleo no Brasil. Em primeiro lugar, é preciso entender o contexto do petróleo no decorrer dos séculos XIX e XX, passando por como o aumento de sua relevância se deu. Hoje o petróleo é um insumo do qual se retiram vários subprodutos, dentre eles os combustíveis como gás de cozinha, gasolina, querosene, óleo diesel, lubrificante, outros óleos e asfalto. Levando isso em consideração, é fonte de energia para diversas aplicações.
Mas nem sempre foi assim. No mundo inteiro o petróleo (“óleo de rocha”) foi descoberto ao longo do século XIX, sem possuir muitas aplicações além do querosene, que então começou a ser utilizado como substituto do óleo de baleia na iluminação das casas e das ruas, no Brasil em 1870 – já que ainda não existia a eletricidade como fonte de energia.
No período de 1897 a 1915, quando a industrialização começou a surgir no Brasil, empresas como as americanas Texaco, Standard Oil e a anglo-holandesa Shell se instalaram no país, para possibilitar a importação e distribuição de combustíveis e lubrificantes. Pouco se avançou na pesquisa e prospecção até a década de 1930. Investimentos eram bem caros, bem como a distância dos principais centros mundiais não tornavam o Brasil uma opção interessante.
Com a Constituição de 1934, princípios nacionalistas e uma visão de que o desenvolvimento da indústria cabia a um papel indutor do estado originam dispositivos constitucionais que inicialmente preveem que competia à União legislar sobre riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, bem como florestas, caça, pesca e sua respectiva exploração.São esses princípios que norteiam ações do estado brasileiro para criar as conhecidas indústrias de base – que serviram como fornecedores de uma industrialização de bens de consumo ainda nascente.
As instituições que antecederam a Agência Nacional de Petróleo – ANP
Muitos anos antes da existência da Agência Nacional de Petróleo – ANP, no ano de 1938, o governo Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), a primeira instituição que foi encarregada de regulamentar a indústria do petróleo e do gás natural no país. É importante lembrar que, antes disso, o papel do petróleo já havia mudado fundamentalmente no início do século XX, pelo advento de algumas invenções: o motor a combustão, o automóvel, a motocicleta e o avião.
O motor a combustão começou com vapor d’água na segunda revolução industrial, mas depois houve a evolução para a adoção de combustíveis derivados de petróleo. Isso deu um novo fôlego para a indústria. Anos mais tarde, o automóvel foi inventado, o que tornou a escala da produção de combustíveis bem maior – e isso só aumentou depois da invenção da motocicleta e dos aviões.
No contexto dessas mudanças, o petróleo foi gradualmente sendo visto cada vez mais como recurso estratégico. E o Decreto-Lei n. 395/38 criou o CNP, também conferiu à União o domínio sobre as jazidas descobertas e ainda não descobertas, bem como possibilitava o controle sobre as atividades de refino e exploração do petróleo. O CNP ficou com a responsabilidade de fiscalizar as atividades de comércio, importação, exportação, bem como avaliar os pedidos de pesquisa e lavra.
A Constituição de 1946 não estabeleceu uma política específica sobre a exploração do petróleo. A legislação ordinária trouxe o Estatuto do Petróleo que permitia a entrada do capital privado no setor, o que gerou forte reação contrária dos políticos e da sociedade – culminando na campanha “O Petróleo é nosso”, que afastou o capital estrangeiro nas atividades petrolíferas.
O CNP permanece com estas funções até a criação da Petrobrás, em 1953. Com a criação da empresa, que passa a refinar e explorar o recurso natural em regime de monopólio, a CNP fica somente com a fiscalização sobre o setor petroleiro. Entretanto, devido à escassez de profissionais especializados para trabalhar na área, o Conselho passou a também formar geólogos e profissionais em engenharia de petróleo. Em 1960 ela é incorporada ao Ministério de Minas e Energia, no qual permaneceu como um órgão de fiscalização até 1990, com a criação do Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), que substituiu o CNP.
A Constituição Federal de 1988, a reforma do aparelho do Estado e a ANP
A CF/88 manteve alguns dispositivos que basicamente entregaram o estado brasileiro com uma administração pública bastante onerosa, pesada e burocrática. Uma das situações que ilustra isso é que, durante a vigência da Constituição de 1946, foi promulgado o Decreto-Lei n. 200/1967 (DL 200/67), buscando dar mais flexibilidade e eficiência à administração pública.
Até então, as instituições eram todas vinculadas à administração governamental, a máquina da administração pública propriamente dita – a administração direta. O que o DL 200/67 fez foi criar a administração indireta – composta por organizações com pessoas jurídicas próprias, de direito público (autarquias) e de direito privado (fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) para realizar atividades de estado, mas com mais autonomia e independência que a administração direta.
Esses entes não foram subordinados à administração direta, ressalvado o controle através de uma tutela para verificar se estavam atendendo suas finalidades – a supervisão ministerial. Fora desta instância de tutela, a administração indireta ficou livre das amarras de hierarquia e controle, o que, em muitos casos, gerou um crescimento desordenado, gerando inclusive nepotismo, já que as entidades não eram sequer obrigadas a promover concurso para a seleção de seus servidores.
A CF/88 mudou isso, inclusive vinculando a administração indireta aos mesmos trâmites que a administração direta – concurso para contratar novos servidores ou empregados públicos e licitação para aquisição de bens e serviços. Esse fenômeno ficou conhecido como retrocesso burocrático, porque tornou a administração indireta tão ineficiente quanto a administração direta. O fato de a CPN ou o DNC fazerem parte do Ministério de Minas e Energia certamente não facilitou a gestão dos antecessores da Agência Nacional de Petróleo – ANP.
Essa situação manteve a máquina da administração pública pesada, lenta, com dificuldade de realizar ações, como uma pessoa que precisa correr e sofre de obesidade mórbida, incapaz de resolver seus problemas, até que um plano de estabilização econômica, o Plano Real, trouxe, no bojo de suas ações, o enfrentamento do problema fiscal – o governo gastava demais, e precisava se reorganizar para isso, o que começou a acontecer em 1995, com a implantação do MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Aparelho do Estado.
O MARE, o estado brasileiro e a Agência Nacional de Petróleo – ANP
A administração pública como indutora, promotora e protagonista do desenvolvimento do país não era mais viável. Já havia movimentos na década anterior de economias em países desenvolvidos que buscaram remodelar sua atuação estatal, como Estados Unidos e Reino Unido. Esse movimento enfim chegava ao Brasil, cuja gestão pública acumulava um misto de políticas mal estruturadas, alto endividamento externo e uma inflação que chegou a ultrapassar 1.000 % em um ano.
Com a entrada de mais um plano de estabilização econômica (já havia um histórico de alguns planos mal sucedidos na segunda metade da década de 80). O então MARE teceu o diagnóstico, se iniciando por quais áreas e atividades existiam na máquina pública, que eram as seguintes:
Setor do Estado | Funções | Modelo Institucional Proposto |
Núcleo estratégico | Formulação políticas, normatização e controle | Secretarias de política |
Serviços exclusivos | Segurança, defesa, arrecadação, fiscalização, regulação e previdência social básica | Agências executivas Agências reguladoras |
Serviços não-exclusivos | Educação, saúde, assistência cultura, social, pesquisa científica e tecnológica | Organizações sociais |
Produção e serviços para o mercado | Energia, transportes, comunicações, insumos industriais | Empresas privadas |
Essa formulação do estado brasileiro visava aos seguintes objetivos: recuperar a capacidade de elaborar e executar políticas do núcleo estratégico; dar novo fôlego a entes como autarquias e fundações estatais em um novo modelo institucional, como agências executivas e agências reguladoras; publicizar a prestação de serviços não-exclusivos do Estado (através de parcerias com instituições civis sem fins lucrativos; e privatizar a produção de bens para o mercado.
No setor de produção de bens e serviços para o mercado, havia empresas públicas e sociedades de economia mista, trabalhando de forma ineficiente. A forma mais adequada de resolver este nó passaria pela privatização. Entretanto, havia alguns problemas, como serviços e fornecimentos ruins, que, ao passar para a iniciativa privada, precisariam de mais investimentos em modernização e adequação para o setor.
E em outros casos houve também uma readequação em termos de leis que reformulassem o setor, que produzissem novos marcos legais – uma espécie de “livro de regras do jogo” para os setores privatizados. No setor do petróleo, ainda havia uma congregação de subsetores: gás, combustíveis, lubrificantes, tudo dentro da classificação “negócios do petróleo”. A Emenda Constitucional n. 05/1995 (EC 05/95) desmembrou e repassou aos Estados a competência para explorar diretamente ou por concessão os serviços locais de gás canalizado. Em 1997, foi promulgada a lei n. 9478/1997, que criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP).
O que é a Agência Nacional de Petróleo – ANP
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi criada como uma autarquia em regime especial, uma agência reguladora. O desenho original da existência de agências reguladoras projetava uma relação entre os setores entregues à iniciativa privada e os consumidores do setor. A agência reguladora seria uma interface para monitorar a relação entre as duas partes, observar o cumprimento de objetivos de universalização ou expansão do serviço e regular a política tarifária do setor. Para isso, as agências foram dotadas de discricionariedade técnica, que é uma faculdade de utilizar seu poder normativo, dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para o setor regulado. Tais normas possuem força de lei e valem para o setor regulado pela agência reguladora.
A agência também possui o poder de polícia para fazer cumprir estas normas, através de multas e outras formas de poder coercitivo, como fechar estabelecimentos que não cumpram suas normas.
Mesmo com o setor ainda sendo monopólio da União, o campo de ação da agência envolve a fiscalização dos estabelecimentos que comercializam os produtos derivados do petróleo, como os postos de gasolina, os revendedores de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), estes com contato direto com o consumidor. Mas a fiscalização não se restringe a isso, envolvendo também distribuidores de combustíveis, distribuidores de GLP, pontos de abastecimento, produtores de etanol, produtores de biodiesel e transportador-revendedor-retalhista (TRR).
No Brasil, o subsolo é propriedade da União, assim como os recursos minerais nele presentes. A exploração do petróleo e gás natural só pode ser feita por empresas estatais ou privadas através de licitação pública sob os regimes de concessão ou partilha da produção, ou por meio de cessão, total ou parcial, de contratos de outras empresas.
A Agência Nacional de Petróleo – ANP tem por atribuição promover estudos geológicos e geofísicos para ampliar o conhecimento sobre as reservas brasileiras de petróleo e gás; guardar e organizar os dados coletados nestes estudos; sugerir ao governo as áreas a serem licitadas; promover as rodadas de licitações; e assinar os contratos de concessão em nome da União.
Para garantir a independência e autonomia decisória da agência, a lei n. 9478/97, prevê que a ANP será comandada por uma diretoria colegiada composta de um Diretor-Geral e 4 Diretores, nomeados pelo Presidente da República depois da aprovação dos indicados pelo Senado Federal, com mandatos de 5 anos, vedada a recondução.
Após o fim do mandato, o ex-Diretor fica impedido, por um período de 12 meses após a exoneração, de prestar serviços direta ou indiretamente a empresa integrante das indústrias de petróleo, biocombustíveis ou de distribuição. O Diretor que violar este dispositivo incorre em crime de advocacia administrativa.
A Agência Nacional do Petróleo – ANP, na solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, busca resolvê-los com ênfase na conciliação e no arbitramento (arbitragem, onde um mediador busca que as partes cheguem a um acordo).
Conclusões
A descoberta do petróleo antecedeu seu uso em quase um século. De substituto mais barato do óleo de baleia, o petróleo teve sua importância enormemente aumentada quando houve a invenção do motor a combustão e sua aplicação no automóvel, motocicleta e avião.
Com isso, o petróleo passou a ser fonte de energia, um combustível fóssil¸ um recurso estratégico de crescente importância. Em um primeiro momento, houve uma expansão de empresas especializadas em prospecção de petróleo, com operações via concessão em diversos países. A partir dos anos 40, muitos países começaram a repensar o papel do petróleo em suas respectivas economias sob o aspecto estratégico.
Alguns países inclusive desapropriaram refinarias de empresas estrangeiras de seus países, pois a questão de fornecimento de combustíveis passou a ser uma questão também de soberania, para não ficar dependente de outros países.
Com o Brasil não foi diferente. Essa visão de ter à disposição um recurso tão estratégico se deu em dois períodos. O primeiro deles envolveu a criação do Conselho Nacional de Petróleo (CNP), e, posteriormente, a criação da empresa que iria prospectar o petróleo, a Petrobrás. Na época, o estado brasileiro ainda era pensado como promotor, indutor e agente do crescimento da indústria e economia. E por décadas esse modelo perdurou.
O segundo momento foi uma forma de repensar o papel do estado na economia brasileira, em que o estado não foi mais enxergado como um ente que vai produzir, fiscalizar e punir. O problema, nesse segundo momento, passa a ser, gradativamente, a regular o setor, fiscalizá-lo e dotar esse setor de regras que o façam funcionar. É nesse panorama que é criada a Agência Nacional de Petróleo – ANP, com intuito de controlar o mercado de petróleo, gasolina, etanol, diesel, querosene, biodiesel e biomassa. Paralelamente, a ANP deve conduzir estudos para manter um registro dos campos com bons potenciais de prospecção, licitá-los e assinar os contratos de concessão em nome da União.
Dessa forma, as agências reguladoras buscam monitorar os setores concedidos à iniciativa privada, em uma instância não mais de execução direta, mas de regulação, normatização e controle.
Ricardo Pereira de Oliveira
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