Olá pessoal, no artigo de hoje veremos a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal que estendeu a isenção de IPI a deficientes auditivos na compra de automóveis (ADO 30) e quais os possíveis desdobramentos da decisão. Já aviso que é um tema bem recente e polêmico, veremos o porquê.
A celeuma iniciou com o pedido de extensão de isenção de IPI na aquisição de veículos por deficientes auditivos, uma vez que Lei 8.989/1995 previa a isenção apenas para deficientes físicos, visuais, mentais e autistas. Assim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) foi ajuizada no STF pelo PGR. Vejamos o início do caso no site do STF:
“O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação pedindo que seja estendido aos deficientes auditivos benefício fiscal para a aquisição de automóveis.
(…)
Segundo a ADI, a omissão implica violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos no artigo 1º, inciso III, e no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Para Janot, a isenção do IPI para automóveis adquiridos por deficientes condiz com o princípio da dignidade da pessoa humana, mas a ausência desse direito para os deficientes auditivos cria uma discriminação injustificada. O inciso IV do artigo 1º da Lei 8.989/1995 prevê a isenção para deficientes físicos, visuais, mentais e autistas.”
Até aqui tudo tranquilo, afinal o PGR é um dos legitimados a proporção ação de inconstitucionalidade (CF, Art. 103, VI).
A ADO 30 estava sob a relatoria do ministro Dias Toffoli que proferiu o seguinte voto:
“Visto isso, destaco que, não obstante o Poder Público tenha, por meio do benefício fiscal em análise, implementado as aludidas políticas públicas, ele o fez de maneira incompleta e discriminatória. Afinal, as pessoas com deficiência auditiva não foram incluídas no rol dos beneficiados de tais políticas. E, ao assim proceder, ofendeu não só a isonomia, mas também a dignidade e outros direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais das pessoas com deficiência auditiva”
“Ante o exposto, voto pela procedência dos pedidos, de modo que se declare a inconstitucionalidade por omissão da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, determinando-se a aplicação de seu art. 1º, inciso IV, com a redação dada pela Lei nº 10.690/03, às pessoas com deficiência auditiva, enquanto perdurar a omissão legislativa. Voto, ainda, por estabelecer o prazo de 18 (dezoito) meses, a contar da data da publicação do acórdão, para que o Congresso Nacional adote as medidas legislativas necessárias a suprir a omissão legislativa”
O que a princípio parece salutar, afinal a deficiência auditiva é tão complexa/complicada quanto outras que já são englobadas pela Lei, na realidade encontramos possíveis “incompatibilidades” com a jurisprudência, CTN e Constituição Federal.
Iniciaremos pelo posicionamento jurisprudencial anterior à decisão.
O posicionamento dominante na Jurisprudência do STF, até então, era que concessão de isenção é um ato discricionário, ou seja, uma opção política do ente federativo, consagrada pelo mérito administrativo (conveniência e oportunidade) do poder Executivo e Legislativo, assim o Judiciário não poderia estender benefícios se não houvesse previsão legal específica.
Nesse sentido, podemos encontrar diversos julgados, vejamos um para exemplificar:
AI 151.855-AgR
“A isenção fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, pelo estado, tendo em vista o interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle do Poder Judiciário e envolve juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo.”
Inclusive, em um caso análogo e bem conhecido, o STF sumulou o assunto.
Súmula 339 – Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.
O primeiro ponto polêmico é a extensão da isenção sem que uma lei específica a estabeleça, lembre-se da Constituição Federal.
CF, Art. 150. § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
O segundo ponto a se destacar é que os casos de exclusão do crédito devem ser interpretados de forma literal/restritivo, ou seja, tratando as exceções (como benefícios, dispensa de obrigação e etc.) de forma restritiva, conforme os comandos do CTN.
CTN, Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
CTN, Art. 175. Excluem o crédito tributário:
I – a isenção;
II – a anistia.
E a equidade não pode ser usada para sanar a lacuna legislativa? Em alguns casos até é viável, mas não para dispensar o pagamento de tributos.
CTN, Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I – a analogia;
II – os princípios gerais de direito tributário;
III – os princípios gerais de direito público;
IV – a eqüidade.
§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.
Caso tenha dúvida sobre isenção e o princípio da Isonomia, sugiro dois vídeos curtinhos do professor Fabio Dutra.
Dica de Direito Tributário – Imunidade x Isenção
Dica de Direito Tributário – Princípio da Isonomia
Outro ponto bem polêmico é o possível conflito entre poderes, uma vez que o voto ministro Dias Toffoli determina que o Congresso Nacional legisle sobre a omissão em até 18 meses.
CF, Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Nessa linha, o Ministro Marco Aurélio posicionou-se de forma parcialmente contrário ao Relator.
“Ausente regulamentação quanto a deficiente auditivo, constitui passo demasiado largo fixar prazo, ao legislador, visando a adoção de providências. Mantenho-me fiel ao que venho sustentando, em se tratando da mora de outro Poder. Não cabe ao Supremo, sob pena de desgaste maior, determinar prazo voltado à atuação do Legislativo. É perigoso, em termos de legitimidade institucional, uma vez que, não legislando o Congresso Nacional, a decisão torna-se inócua.”
Alguém poderia estar se perguntando, a Constituição não autoriza o STF a dar ciência para adoção das medidas cabíveis? Realmente autoriza.
CF, Art. 103 § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
Porém, veja os ensinamentos dos Professores Ricardo Vale e Nádia Carolina sobre os objetivos e as finalidades da ADO.
“Seu objetivo é justamente garantir a efetividade das normas constitucionais, impedindo a inércia do órgão encarregado de elaborar a norma regulamentadora de dispositivo constitucional não-autoaplicável”
“A ADO tem por finalidade, portanto, promover a integridade do ordenamento jurídico, fazendo cessar a ofensa à Constituição pela inércia dos poderes constituídos. Está relacionada à omissão “em tese”, sem qualquer relação a um caso concreto”
Aula 12 do Curso – Curso de Direito Constitucional p/ Concursos da Área Fiscal
Perceba que o direito à isenção não é um direito garantido pela Constituição, pelo contrário, trata-se de uma opção política, além disso, uma vez que a isenção foi estendida, o Supremo exerceu um papel muito próximo ao papel legislativo.
Ainda, como a decisão do Plenário sobre a ADO 30 não tem por finalidade o caso concreto, essa decisão possivelmente valerá para todos os casos de omissão de pessoas/grupos nos benefícios fiscais.
Diante da decisão da ADO 30, ficamos com mais dúvidas do que certezas. Será que se trata de uma decisão isolada ou o Supremo, de fato, mudou de posicionamento já tão consolidado?
Uma decisão dessa magnitude poderá acarretar em grandes mudanças em relação à participação do Judiciário nos benefícios fiscais, teremos que acompanhar os efeitos nos casos concretos daqui em diante, mas uma coisa é certa, trata-se de um tema MUITO importante para as próximas provas de concurso público nas matérias de direito tributário e direito constitucional.
Uma assertiva como “Há possibilidade do Judiciário com base em princípios constitucionais, como a isonomia e a dignidade da pessoa humana, estender isenções tributárias” que anteriormente estaria complementa errada, atualmente é bem provável que será considerada como correta, com base na decisão da ADO 30.
Reitero que a natureza material da decisão da ADO 30 (entender o benefício a deficientes auditivos) é extremamente razoável, tendo em vista as dificuldades encontradas por esse grupo, porém entendo que o Legislativo é o Poder adequado para solucionar tal “omissão”.
Espero que tenham gostado do artigo sobre a ADO 30 e que ele colabore efetivamente com seu estudo de Direito Constitucional e Direito Tributário.
Até mais e bons estudos!
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Excelente!
Assunto muito bem explanado!