Aviso: As opiniões contidas neste artigo são estritamente pessoais e não guardam nenhuma relação com a Comissão de Valores Mobiliários, instituição em que trabalho.
Olá pessoal! Tudo bem com todos?
Nesse texto, continuamos com análises relativas ao mercado de trabalho. Anteriormente, tratamos dos motivos que explicam o salário maior dos homens em relação ao das mulheres (aqui) e do porquê o Neymar ganha 175 vezes que a Marta (aqui).
Agora, vamos nos voltar ao mercado de trabalho brasileiro para responder à pergunta título desse texto: a reforma trabalhista gerou empregos?
Em dezembro de 2016, o Governo Temer encaminhou ao Congresso o Projeto da Reforma Trabalhista (PL 6.787/16)[1], que foi aprovada pelo Congresso em meados de 2017 e sancionada pelo Presidente Temer em julho do mesmo ano. A Reforma começou a valer em novembro de 2017.
Na exposição de motivos, o Governo indicou que pretendia com a Reforma “aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa, para promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, e atualizar a Lei n.º 6.019, de 1974, que trata do trabalho temporário”.
Ou seja, um dos objetivos da Reforma foi deixar o mercado de trabalho mais “flexível”. Guarde este termo, pois iremos voltar a ele mais adiante.
Saliento que, nesse artigo, iremos discutir aspectos econômicos da Reforma, não entrando na esfera jurídica da mesma.
Dessa forma, iniciamos nossa discussão apresentando um modelo simples de determinação da quantidade de emprego em uma economia, para depois verificar alguns dados relativos ao mercado de trabalho no Brasil antes e depois da Reforma.
Oferta e demanda por trabalho
O modelo que iremos apresentar é simplificado e tem como objetivo apresentar a dinâmica da oferta e demanda por trabalho, assim como a determinação do nível de emprego e renda de equilíbrio, em um ambiente de curto prazo.
É importante notarmos o “curto prazo”, pois isso significa que alterações na quantidade de demanda por trabalho pouco influencia a quantidade de oferta de trabalho, afinal, não há tempo para os trabalhadores se adaptarem a essas mudanças e ofertarem mais ou menos trabalho por conta dessas alterações.
Vamos às definições:
A ideia exposta no gráfico abaixo é bem simples. A demanda por trabalho (DT) é a reta com inclinação negativa (salários mais elevados representam uma menor quantidade de trabalho demandada pelas empresas). A oferta de trabalho (OT) é a reta com inclinação positiva (salários mais elevados indicam maior propensão dos trabalhadores a ofertar trabalho). O eixo vertical representa a quantidade de salário, enquanto que o eixo horizontal representa a quantidade de trabalho ofertado e demandado.
Vejamos:
Como é possível verificar, o nível de emprego dessa economia está em E* e o salário de mercado em S*.
Agora, imagine que ocorreu um choque negativo na demanda por trabalho. Uma crise econômica atingiu essa economia (pode pensar no Brasil) e, com ela, as empresas passaram a demandar menor trabalhadores, o que é esperado. A crise econômica reduz o consumo dos bens que as empresas produzem e, assim, elas empregam um menor número de pessoas para produzir os seus bens.
A queda na demanda por trabalho pode ser vista graficamente como um deslocamento à esquerda de curva de demanda por trabalho.
Como é possível notar, o nível de emprego diminuiu (E2* é menor que E1*), assim como o salário de mercado (s2* é menor que S1*). Resumindo, a economia apresenta um nível maior de desemprego e salário menor.
Agora, preciso que entenda algo muito importante: a queda no nível de emprego foi menor que a queda no salário! (observe isso no gráfico).
Esse fato decorre de uma importante constatação teórica e empírica:
Mercados de trabalho mais flexíveis, nos quais há maior possibilidade de ajuste de salários em decorrência de choques na economia, apresentam níveis mais elevados de emprego. Da mesma forma, mercados de trabalho mais rígidos (nos quais os salários variam menos), apresentam menor nível de emprego.
Caro(a) leitor(a), a economia é implacável em certas questões e boas intenções muitas vezes não resolvem.
Vamos tomar como exemplo uma decisão do TRT do Espírito Santo, em que editou súmula vedando demissão sem justa causa[2]. Tal medida, mesmo que tomada com boas intenções (aumentar o grau de proteção dos trabalhadores), aumenta a rigidez no mercado de trabalho. Segundo a teoria econômica, tal medida, no intuito de reduzir o desemprego, irá gerar…desemprego!
Há montes de evidências nesse sentido.
O economista Matthew Serfling tem trabalhos interessantes que linkam o mercado de trabalho às finanças. Em artigo de 2016[3], examinou como leis de proteção ao trabalho impactam negativamente na operação de empresas.
Segundo seu estudo, custos de demissão mais altos levam firmas a diminuírem seus níveis de endividamento, aumentam o risco operacional da firma e a volatilidade dos lucros.
A empresa entende esse fato como um aumento de passivo e, assim, age para reduzir esse passivo, ou seja, tende a empregar menos.
Em outro trabalho[4], um dos grandes economistas da atualidade, David Autor, e coautores, concluem que, nos EUA, a adoção de leis de proteção ao trabalho levaram a uma queda entre 0,8 e 1,7 pontos percentuais nos níveis de emprego.
Olivier Blanchard, outro grande economista em atividade, publicou importante artigo[5] sobre essa questão, explicando os motivos pelos quais o alto e persistente desemprego nos países europeus, desde os anos 60, deve-se a questões institucionais, ou seja, à rigidez do mercado de trabalho.
O gráfico abaixo, retirado do artigo de Blanchard. mostra o aumento da taxa de dezembro nos 15 países da União Europeia de 1960 até 2005, fato que ocorreu juntamente com o aumento no “grau de proteção ao emprego” na região:
Podemos, ainda, comparar a taxa de desemprego entre vários países. França, Espanha, Itália, Grécia e Brasil são países com mercados de trabalho rígidos. Os Estados Unidos, por sua vez, possuem alta flexibilidade no mercado de trabalho.
A taxa de desemprego entre esses países no decorrer dos anos[6]:
Como não poderia ser diferente, países com regras mais rígidas de proteção ao trabalho apresentam taxas de desemprego mais elevadas do que países com mercado mais flexível.
Como disse, a economia é implacável. Leis, regras e decisões judiciais, infelizmente, não geram empregos.
Pode parecer um contrassenso, no entanto, quanto mais fácil é demitir, maior é o nível de empregos de uma economia.
Mercado de Trabalho no Brasil
E é nesse ponto que se insere a reforma trabalhista, pois seu principal objetivo econômico é aumentar o grau de flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil.
Vamos pegar, por exemplo, o caso do trabalho intermitente. De acordo com a Reforma Trabalhista:
Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.
Ou seja, estamos falando de uma forma de contratação que, por natureza, é mais flexível que o contrato de trabalho tradicional. Nesse sentido, espera-se, ao menos, uma geração positiva de empregos nessa modalidade. Bem, é justamente o que vem ocorrendo desde janeiro/2018, quando a estatística sobre trabalho intermitente, coletada no Caged, passou a ser produzida[7]:
No gráfico, verificamos saldo positivo na geração de empregos na modalidade “trabalho intermitente” em todos os meses da série.
Desde 2007, os empregos com carteira assinada aumentaram continuamente, até o desemprego atingir 4,8% em 2014 (nas grandes capitais apenas), o menor valor medido historicamente pelo IBGE.
Porém, a partir de 2015, a tendência se inverteu, devido à crise econômica iniciada em 2014. Esta, considerada a pior recessão da história do país, causou recuo no Produto Interno Bruto (PIB) por dois anos consecutivos (2015 e 2016).
Com isso, na média de 2016, 45,4% da força de trabalho ativa estava em empregos informais (sem carteira assinada), segundo dados do IPEA[8]. E em março de 2017, o desemprego atingiu seu auge desde o início da crise: 13,7%, o que representava mais de 14,2 milhões de brasileiros desempregados.
Ou seja, apresentamos em 2016 o pior cenário do mercado de trabalho já visto, fato combinado com a pior crise econômica da nossa história.
Com a reforma trabalhista, a situação do emprego no Brasil melhorou.
O gráfico abaixo, retirado do Relatório de Inflação de março de 2019, mostra esse cenário de melhora:
O citado Relatório informa que:
O mercado de trabalho mostra tendência de recuperação gradual, em linha com a evolução da atividade econômica.
(…)
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, evidenciou melhor desempenho do mercado formal de trabalho em 2018, alavancado principalmente pelos setores de serviços e comércio. Interrompendo a sequência de três anos com fechamento de postos de trabalho, houve, em 2018, geração líquida de 421,1 mil postos formais (perda de 123,4 mil em 2017). A modalidade de trabalho intermitente, introduzida com a reforma trabalhista vigente desde novembro de 2017, alcançou saldo de 39,8 mil contratos no ano. No trimestre encerrado em janeiro, período de sazonalidade desfavorável para o emprego formal, os desligamentos líquidos atingiram 241,5 mil (263,0 mil em igual período do ano anterior). Em termos dessazonalizados, houve criação de 109,6 mil postos formais, frente a 160,2 mil postos nos três meses anteriores, com geração líquida de vagas em todos os setores – destaque para serviços (70,8 mil) e comércio (25,5 mil). O índice de emprego formal cresceu 0,3%, mesma taxa observada no trimestre finalizado em outubro, descontando-se os efeitos sazonais. A melhora nas condições do mercado de trabalho e a evolução benigna da inflação permitiram a aceleração do crescimento da renda do trabalho ao longo de 2018. No ano, a massa real de salários expandiu 2,7%, refletindo acréscimos de 1,4% da população ocupada remunerada e de 1,3% do rendimento médio real, ante variação de 2% no ano anterior, de acordo com dados da PNAD Contínua.12 No trimestre finalizado em janeiro, a massa real de salários elevou-se 0,7%, após crescer 0,8% no trimestre anterior (dados dessazonalizados)13, com a aceleração do rendimento compensando, em parte, o arrefecimento da variação da ocupação. A continuidade da recuperação gradual da atividade econômica e o cenário benigno para a inflação tendem a beneficiar o processo, em curso, de retomada do mercado de trabalho. Contudo, conforme boxe apresentado no Relatório de Inflação anterior14, há espaço para ganhos de produtividade do trabalho, o que sugere que a melhora dos indicadores, em especial da taxa de desocupação, continue a ocorrer em ritmo moderado.
Conclusão
Como vimos, há muitas evidências que demonstram que a flexibilidade no mercado de trabalho ajuda na geração de empregos.
Salários mais flexíveis e menores custos de demissão fazem com que as empresas demandem mais trabalhadores e, em geral, com salários maiores.
A reforma trabalhista, no Brasil, possui esse objetivo. Mesmo que implantada recentemente, começa a gerar efeitos positivos no emprego.
É verdade que a recuperação do mercado de trabalho está lenta, assim como é verdade que a economia teima em não crescer nos padrões necessários para recuperar a renda dos brasileiros.
Mas, um fato parece certo: não fosse a Reforma Trabalhista, nosso mercado de trabalho estaria ainda pior com mais desemprego e menor renda do trabalho.
É isso, pessoal!
Até a próxima.
[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=1382C39ED4484E8618820766FD7AB260.proposicoesWebExterno2?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016
[2] https://www.valor.com.br/legislacao/4846824/sumula-do-trt-es-proibe-demissao-sem-justificativa-comprovada-por-empresa
[3] Firing Costs and Capital Structure Decisions. Disponível em https://doi.org/10.1111/jofi.12403
[4] The Costs of Wrongful-Discharge Laws.
[5] European Unemployment: The Evolution of Facts and Ideas (2005)
[6] Dados da OCDE. Em https://data.oecd.org/unemp/unemployment-rate.htm
[7] Disponíveis em http://pdet.mte.gov.br/caged?view=default
[8] Análise do Mercado de Trabalho. Em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/170505_bmt_62_01_analise_do_mercado_de_trabalho.pdf
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Ver comentários
É inacreditável que um site que vende material para concursos públicos apresente posições políticas tão conservadoras e ainda defenda liberalismo na economia. Só no Brasil... Melhor vocês virarem cursinho de vestibular mesmo, porque com a materialização da ideologia que vocês andam apoiando o funcionalismo público vai acabar em breve.
Ideias liberais são totalmente compatíveis com a existência e necessidade do estado na economia. Ocorre que liberais sabem que o estado possui falhas nessa atividade e, por isso, acreditam que ele deve ser limitado.
Até parece que o problema econômico do Brasil são as leis trabalhistas... Uma coisa é flexibilidade em um país em que as leis funcionam, outra coisa é flexibilidade em países subdesenvolvidos. Se o empregador não paga o que é devido nos Estados Unidos ele vai preso, aqui centenas de pessoas morrem por pura ganancia e nada acontece...
Rafael, o texto não diz que os problemas do Brasil são as leis trabalhistas. Ele diz que mais flexíveis resultam em maior nível de emprego e isso pode estar ocorrendo com a reforma trabalhista. Mas eu concordo com vc em um ponto: o cumprimento das regras não é forte no BR é isso é um problema. Abs!
Muito bom, Professor! Estou gostando.
Legal, Cleiton. Ainda irei escrever mais 2 ou 3 artigos sobre o tema.
....."O de cima sobe, o de baixo desce....."
Não entendi, então como a menor taxa de desemprego no Brasil foi registrada em um período onde o mercado de trabalho era mais rígido, tem alguma coisa errada, que não está certa.
Acho que a sua análise é muito simplista, o desemprego continua aumentando.
Porque você não comenta o caso da Espanha, que implementou uma reforma parecida com essa. A renda dos trabalhadores americanos está caindo faz tempo e a desigualdade aumentou muito.
O papel aceita tudo!
Carlos, a análise tem o objetivo de ser simples mesmo, até pq não é acadêmica. O texto discute a ideia de flexibilidade do mercado de trabalho e como ela resulta, em geral, em menores taxas de desemprego. A conclusão é a seguinte: um mercado de trabalho mais flexível pode resultar em taxas maiores de emprego, dado o cenário econômico.
Dessa forma, os níveis de emprego poderiam ter sido ainda maiores na época em que o mercado de trabalho estava bem no BR. O mesmo se aplica à Espanha e a outros exemplos que quiser discutir.
Sobre os EUA, você está enganado. A renda do trabalho por lá está subindo. O gráfico nesse link mostra os dados até abril de 2019: https://fred.stlouisfed.org/series/CES0500000003
Excelência nós vemos aqui, no Estratégia.
Obrigado, Professor.
Com todo o respeito acredito que nos economistas deveríamos analisar além dos números "frios" a qualidade destes dados. Então, quando se fala em aumento de número de empregos com a flexibilização da legislação trabalhista não podemos somente tratar do quantitativo, nem simplesmente comparar com a situação de outros países que pagam uma maior hora/trabalho do que em nosso país, e que além disso têm um salário mínimo muito maior, custo de vida menores, enfim melhor qualidade de vida. Devemos verificar qual foi/será a melhora na qualidade de vida das pessoas afetadas por esta reforma, principalmente as que trabalham na inciativa privada. Então, acredito que a maioria das reformas atuais do nosso país não são para melhorar a nossa qualidade de vida, mas apenas para reduzir gastos, aumentar lucros de empresas, reformas focadas primordialmente em aspectos quantitativos (números). Claro que fazendo uma análise simplista de tudo isso, assim como o sr. falou que fez no artigo.